Marcelo Freixo, que comandou a CPI das Milícias, junto a companheira de Marielle Franco, Mônica Tereza - Foto: Mauro Pimentel/ AFP
Interventor militar de Michel Temer no Rio de Janeiro, o apagado general candidato a vice na chapa de Bolsonaro, general Braga Neto jamais invadiu os territórios das milícias, notadamente o Escritório do Crime sediado no Rio das Pedras. O Escritório do Crime de oficiais PM parceiros de Fabrício Queiroz, tesoureiro dos Bolsonaro e parceiro do capitão Adriano da Nóbrega, que usou a fraternidade para empregar a mãe e a esposa no gabinete do deputado Flávio Bolsonaro, hoje senador.
Interventor, Braga Neto pavimentou nas forças armadas a candidatura de Jair Bolsonaro a presidente, e do general Hamilton Mourão a vice.
No terceiro mês da interventoria de Braga, metralharam a vereadora Marielle Franco que seria candidata à senadora.
Reportagem especial traz fortes depoimentos de três pessoas ameaçadas de morte por milícias no Rio de Janeiro. É a primeira vez que esses sobreviventes -- que hoje vivem sob o Provita-RJ (Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas do Rio de Janeiro) -- relatam em público suas histórias e como é a vida em áreas dominadas por milícias.
Nas entrevistas, elas contam detalhes do modus operandi desses grupos criminosos e como isso destruiu suas vidas.
No UOL News, o repórter Igor Mello e o sociólogo Daniel Hirata falam sobre a apuração. #UOLNews
Lucineide e o cartaz de busca por seu filho, Felipe — Foto: Cíntia Acayaba/G1
Em 2021 o Brasil registrou 65.225 pessoas desaparecidas, aumento de 3,2% em relação a 2020. Promotora afirma que a pandemia acentuou o problema de identificação de pacientes nos hospitais e muitos corpos foram incinerados por determinação de portaria. 'Permitimos o desaparecimento eterno da pessoa'', diz.
por Cíntia Acayaba, g1 SP
Lucineide Damasceno, 55 anos, mãe do menino que estampa a fotografia símbolo dos desaparecimentos na Zona Sul São Paulo, atende ao telefone dog1dizendo que se esgotaram as possibilidades de encontrar seu filho, desaparecido há 13 anos e 8 meses.
"Nós estamos esquecidos como os nossos desaparecidos", disse Lucineide que háseis anos havia afirmado aog1seguir confiante na empreitada de encontrarFelipe Damasceno, que desapareceu em 2008, aos 17 anos. Mas mesmo com as possibilidades esgotadas, "as buscas continuam de alguma forma", diz tentando se convencer.
Por tantos anos nessa "função de investigadora de desaparecimentos", ela virou um norte para outras mães e familiares que querem saber como buscar seus parentes. São cerca de18 mil registros de desaparecidos todos os anos só no estado de São Paulo.
No ano passado, o Brasil registrou 65.225 pessoas desaparecidas, aumento de 3,2% em relação a 2020, segundo dados do 16ª Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgados nesta terça-feira (28). A taxa é de 30,7 por 100 mil habitantes. Nos últimos cinco anos, ao menos 369.737 registros de pessoas desaparecidas foram feitos no Brasil, umamédia de 203 casos diários. O Distrito Federal tem a maior taxa, o Amapá a menor, e Roraima não apresentou números
Para a promotora Eliana Vendramini, coordenadora do Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos do Ministério Público do Estado de São Paulo (Plid),a pandemia de Covid-19 agravou os problemas de registros de desaparecimentos.
Como em 2020, por conta do maior isolamento social para conter a disseminação do coronavírus, menos pessoas saíram de casa para registrar desaparecimentos ou tiveram acesso a ferramentas online, já em 2021, os registros aumentaram.
Além disso, a pandemia acentuou o problema deidentificação de pacientes nos hospitais.
"Nesse momento o que se viu foi como a ausência de um serviço público poderia colaborar com um desaparecimento. Tínhamos desde 2015 uma lei estadual exigindo que o hospital quando recebesse pessoas não identificadas nominalmente, mas que tem identificação por demais dados corporais, e não acompanhadas, devessem informar as delegacias de pessoas desaparecidas sobre dados desses pacientes. Essa forma de atender já não vinha acontecendo e, com a pandemia, aumentou a demanda", afirmou.
Muitas dessas pessoas não identificadas, a contento, e não fazendo um trabalho em rede com a delegacia, passaram a ser enterradas como não identificadas, e não reclamadas em terreno público, que em tempo de pandemia, por autorização uma portaria do Ministério Público com o CNJ passou a permitir a incineração de corpos e ossadas. Permitimos o desaparecimento eterno da pessoa", completou.
Segundo Vendramini, até o Conselho Regional de Medicina (Cremesp) passou a exigir um fluxograma de pacientes não identificados para não permitir que opróprio poder público desapareça ou "redesapareça" com uma pessoa.
A promotora também vê que a crise econômica brasileira pode ter empurrado ainda mais os adolescentes, principalmente homens, a saírem de casa e, muitas vezes desaparecerem.
"Famílias que precisam estar fora trabalhando, também fizeram toda uma movimentação na pandemia. Isso sempre influencia no desaparecimento, principalmente do adolescente, porque ele é naturalmente empurrado para fora de casa, ainda que seja na calçada, mas ele fica sob os olhares da violência urbana, e, com isso, aumenta o desaparecimento", diz.
Registros de desaparecimentos
Os números divulgados não correspondem ao total de pessoas desaparecidas: uma pessoa pode ter mais de um registro de desaparecimento, feito por diferentes familiares, assim como em um boletim de ocorrência pode constar mais de uma pessoa desaparecida.
Embora a lei que cria o cadastro nacional de pessoas desaparecidas já tenha mais de três anos, até hoje o site do Ministério da Justiça informa que o sistema “está em construção” .
Como o desaparecimento não é considerado crime, é feito apenas o boletim de ocorrência e não há investigação até haver a suspeita de um crime --um homicídio ou um sequestro, por exemplo. A lei também obriga que o desaparecimento de crianças e adolescentes até 18 anos seja investigado, bem como o de pessoas com transtorno mental, mas, segundo a promotora Eliana Vendramini, apenas o desaparecimento de crianças até 12 anos é investigado no país.
“A pessoa precisa fazer o boletim de ocorrência por desaparecimento logo nas primeiras horas que percebeu isso. Precisamos acabar com o mito do registro após 48 horas. A chance de encontrar uma criança logo após o desaparecimento é maior”, diz.
Segundo dados da promotora, o principal perfil da vítima de desaparecimento em São Paulo é: adolescente, negro e de periferia, o que coincide com o perfil da vítima de homicídio.
“A pesquisa [do MP] mostra o desaparecimento com pico aos 15 anos, cedendo aos 28 anos. A estatística está voltada para os adolescentes, mas o estado não quer investir como eles sendo vulneráveis”, diz
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Os desaparecidos são sempre jovens. Jovens favelados negros e pobres. Que a pobreza e a favela têm cor.
O genocídio de jovens negros, alvos das racistas abordagens da polícia. A polícia das chacinas.
O desaparecimento é considerado multicausal e pode ser:
Voluntário – quando a pessoa se afasta por vontade própria e sem avisar, o que pode acontecer por diversos motivos: desentendimento, medo, aflição, choque de visões, planos de vida diferentes.
Involuntário – quando a pessoa é afastada do cotidiano por um evento sobre o qual não tem controle, como um acidente, um problema de saúde, um desastre natural.
Forçado – quando outras pessoas provocam o afastamento, sem a concordância da pessoa. Como um sequestro ou a ação do próprio estado.
Favelados desaparecem nas abordagens policiais
Vendramini afirma que a lei 13.812, de 2019, que instituiu a Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas levou ao Ministério da Justiça a organizar grupos sobre o tema, mas o cuidado ainda é voltado para as crianças e, para ela, é "importante zelar pelo adulto da periferia masculino, vitima da violência urbana, da violência policial e do crime organizado".
Além disso, nos últimos anos, a Rede Integrada de de Bancos de Perfis Genéticos chamou famílias de desaparecidos, como no caso de Lucineide, para fornecer material genético para um confronto nacional.
"Fico analisando tudo, se deixei alguma ponta solta que não consegui enxergar [nesses 13 anos de buscas pelo filho] . Agora é a esperança com esse DNA. Tantos cemitérios clandestinos foram encontrados nos últimos anos. Esperamos que identifiquem", diz Lucineide.
Mas para Vendramini ainda é preciso criar um banco nacional de dados de desaparecidos para que as pontas soltas sejam encontradas
"O que falta é um banco nacional integrado. Ainda temos essa dificuldade de intercomunicação, enquanto não houver intercomunicação de dados, muitos serão os redesaparecimentos. O MP criou o Sistema Nacional de Localização de Desaparecidos (Sinalid) e ofereceu ao governo federal para acabar com essa interconexão de dados. O governo não pode banalizar a dor da ausência do luto", afirma.
Uma em cada quatro pessoas desaparecidas durante a ditadura militar era de São Paulo
Sim, é verdade que circula uma onda de boatos no meio evangélico de que o ex-presidente Lula, de volta ao governo, perseguiria ou até fecharia igrejas evangélicas.
E que esta mentira pode ser o que está por trás do suposto crescimento das intenções de voto de Jair Bolsonaro nesta parcela do eleitorado, embora isto, nas próprias pesquisas que o informam, sendo compensado pelo crescimento de Lula em outros recortes, resultando em estabilidade nos números finais.
Mas será que isso tem força para repor a Bolsonaro as esperanças que a falta de impacto, até este momento, do seu “pacote de bondades” de aumento de auxílios e instituição de “vales” a taxistas e a caminhoneiros?
A resposta é francamente “não” e está respaldada no fato de que a experiência prática das pessoas o desmente, porque Lula já governou por oito anos sem que nada parecido acontecesse. Não são, como aconteceu contra Fernando Haddad, mentiras ditas contra quem era desconhecido.
Os evangélicos, afinal, não vieram de Marte e chegaram agora ao nosso planeta.
É obvio que isso tem de ser enfrentado – e os aliados evangélicos de Lula, como o deputado André Janones estão fazendo – mas não é caindo no mesmo discurso do adversário, até porque Bolsonaro e sua mulher já mostraram que não têm ou terão qualquer limite ético em comportamentos e em suas palavras.
Lula, porém, tem de usar seu próprio exemplo de martírio como negação do impulso de perseguir. Não faltam preceitos religiosos a invocar, desde o dosSalmos – “Muitos são os meus adversários e os meus perseguidores, mas eu não me desvio dos teus estatutos” – até Timóteo: “…os perversos e impostores irão de mal a pior, enganando e sendo enganados”.
Este é o caminho mais eficiente para Lula, porque é a negação do ódio, é o discurso que é subscrito pelos fatos, pela história, por aquilo que todos podem ver.
Com ataque a religiões de matriz africana, o objetivo é descredibilizar a imagem de Lula, por meio de sua esposa, mediante o eleitorado feminino e evangélico
247- Os estrategistas da campanha pela reeleição de Jair Bolsonaro (PL) avaliam associar o preconceito contra religiões de matriz africana à socióloga Rosângela da Silva, a Janja, para atacar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com quem é casada. Um dos focos é influenciar o voto do eleitorado evangélico, mais especificamente o das mulheres.
De acordo com a coluna da jornalistaMônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, a avaliação do núcleo da campanha bolsonarista é de que “todas as evidências da religiosidade do ex-presidente podem ser afetadas com a narrativa de que, apesar de suas reiteradas manifestações públicas ligadas ao universo cristão, a mulher, em casa, se dedica a rituais de ‘macumba’".
A esposa de Lula é socióloga. Estuda as religiões indígenas, afro-brasileiras, a fantasia das três raças brasileiras. Escreve Orson Camargo:
"Na atualidade não existe nenhuma sociedade ou grupo social que não possua a mistura de etnias diferentes. Há exceções como pouquíssimos grupos indígenas que ainda vivem isolados na América Latina ou em algum outro lugar do planeta.
De modo geral, as sociedades contemporâneas são o resultado de um longo processo de miscigenação de suas populações, cuja intensidade variou ao longo do tempo e do espaço. O conceito 'miscigenação' pode ser definido como o processo resultante da mistura a partir de casamentos ou coabitação de um homem e uma mulher de etnias diferentes.
A miscigenação ocorre na união entre brancos e negros, brancos e amarelos e entre amarelos e negros. O senso comum divide a espécie humana entre brancos, negros e amarelos, que, popularmente, são tidos como 'raças' a partir de um traço peculiar – a cor da pele. Todavia, brancos, negros e amarelos não constituem raças no sentido biológico, mas grupos humanos de significado sociológico.
No Brasil, há o 'Mito das três raças', desenvolvido tanto pelo antropólogo Darcy Ribeiro como pelo senso comum, em que a cultura e a sociedade brasileiras foram constituídas a partir das influências culturais das 'três raças': europeia, africana e indígena.
Contudo, esse mito não é compartilhado por diversos críticos, pois minimiza a dominação violenta provocada pela colonização portuguesa sobre os povos indígenas e africanos, colocando a situação de colonização como um equilíbrio de forças entre os três povos, o que de fato não houve. Estudos antropológicos utilizaram, entre os séculos XVII e XX, o termo 'raça' para designar as várias classificações de grupos humanos; mas desde que surgiram os primeiros métodos genéticos para estudar biologicamente as populações humanas, o termo raça caiu em desuso.
Enfim, 'o mito das três raças' é criticado por ser considerado uma visão simplista e biologizante do processo colonizador brasileiro".
A socióloga Rosângela da Silva tem na sua biblioteca livros sobre negros e indígenas, incluindo obras de arte do nosso folclore, nas mais diferentes manifestações artísticas, demonstrativas da riqueza cultural do povo em geral, isso sem preconceito religiso, ou racismo.
Na terça-feira (9), a primeira-dama,Michelle Bolsonaro, fez um ataquenesta direção ao compartilhar um vídeo em que Lula participa de um encontro com representantes de religiões afro-brasileiras afirmando que o petista "entregou sua alma para vencer essa eleição".
Como uma pessoa pode acusar outra: de entregar a alma às trevas, ao demônio? Coisa do exorcismo católico da Idade Média, quando se queimava evangélicos e vice-versa.
Após a publicação racista da primeira-dama contra às mães de santo da Bahia, que receberam Lula, na Assembléia Legislativa da Bahia, com um banho de pipoca, Janja foi às redes sociais e rebateu o preconceito de Michelle Bolsonaro. "Eu aprendi que Deus é sinônimo de amor, compaixão e, sobretudo, de paz e de respeito. Não importa qual a religião e qual o credo. A minha vida e a do meu marido sempre foram e sempre serão pautadas por esses princípios", postou no Twitter.
Ainda segundo a reportagem, a ideia de usar o preconceito religioso teve como base uma foto das redes sociais em que “Janja aparece de branco ao lado de imagens como a de Xangô, um dos orixás da Umbanda e do Candomblé. Ao postar a imagem no Twitter, ela escreveu: 'Saudades de vestir branco e girar, girar, girar...'". A avaliação do QG da campanha bolsonarista é que “a imagem tem o potencial de desgastar Lula no eleitorado evangélico”. Por erroneamente confundir as religiões afro com feitiço, bruxaria, satanismo.
O Gabinete do Ódio do Palácio do Planalto esqueceu que o branco faz parte do rico guarda-roupa da primeira-dama:
Segundo o Datafolha, Lula possui 48% das intenções de voto do eleitorado evangélico masculino, contra 28% de Jair Bolsonaro. Já entre o eleitorado feminino deste segmento, a situação é de empate técnico, uma vez que Bolsonaro registra 29% e Lula 25%. Outras 34%, porém, ainda não definiram em quem irão votar no pleito de outubro.
A pesquisa Datafolha foi realizada de forma presencial com 2.556 pessoas em 183 municípios entre os dias 27 e 28 de julho. A margem de erro é de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos, e o nível de confiança é de 95%. A pesquisa, encomendada pela Folha de S. Paulo, foi registrada no TSE sob o número BR-01192/2022.
Ataques às religiões afro-brasileiras são uma vertente do fenômeno de racismo, analisa Hédio Silva Junior, coordenador-executivo do Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro). O advogado explica que ataques e discursos de ódio contra as religiões de matriz africana fazem parte da perseguição a tudo que diz respeito ao patrimônio cultural decorrente do legado civilizatório africano no Brasil. Ele considera que constitui a faceta religiosa do mesmo racismo.
Quando você ouve falar na Santa Inquisição, logo você se lembra dos horrores cometidos pela Igreja Católica lá no "Velho Mundo", não é mesmo? Mas você sabia que a Inquisição atravessou o Oceano Atlântico e também dizimou pessoas aqui no Brasil? Bruxas ou não, você vai conhecer como funcionou o julgamento das mulheres por bruxaria em terras tupiniquins.
A primeira-dama Michelle Bolsonaro afirmou hoje, em um culto evangélico em Belo Horizonte, que o Planalto já foi "consagrado a demônios".
Pareceu um ataque a um aliado de Bolsonaro: Rosane Collor conta que o marido, "para se defender de inimigos políticos, o então presidente Fernando Collor participava de sessões de magia negra". Leia reportagem de Renata Ceribelli.
"Podem me chamar de louca, podem me chamar de fanática, eu vou continuar louvando nosso Deus, vou continuar orando", disse Michelle, ao lado do presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), na Igreja Batista Lagoinha, na capital mineira, em um evento em comemoração ao Jubileu de Ouro do pastor Márcio Valadão.
Michelle disse ainda estar em um momento de guerra. "É um momento muito difícil, não tem sido fácil. É uma guerra do bem contra o mal, mas creio que nós vamos vencer".
Esse dualismo é demonstrado in Reportagem do Metrópoles: "Michele do Bolsonaro. A face de um Brasil de extremos.
Como a história familiar da primeira-dama ajuda a explicar a realidade do país. Ela superou a pobreza, escapou da violência e de um ambiente de criminalidade. Em movimento improvável, ascendeu ao topo do poder. Muitos de seus parentes, no entanto, se somam a milhares de brasileiros presentes nas estatísticas dos marginalizados"
Nesta terça-feira (9), a primeira-dama Michelle Bolsonaro usou seu perfil no Instagram para atacar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e religiões de matriz africana como o Candomblé.
Michelle compartilhou um vídeo em que Lula recebe um banho de pipoca de uma religiosa. As imagens foram filmadas no ano passado em um evento que ocorreu na Assembleia Legislativa da Bahia, em Salvador.
“Isso pode, né! Eu falar de Deus, não”, escreveu a primeira-dama. A publicação original foi feita por uma vereadora bolsonarista de São Paulo.
“Lula já entregou a sua alma para vencer essa eleição. Não lutamos contra a carne e nem o sangue, mas contra os principados e potestades das trevas. O cristão tem que ter a coragem de falar de política hoje para não ser proibido de falar de Jesus amanhã”, diz a legenda da postagem.
Michelle sabe ser terrivelmente evangélica, terrivelmente fria e distante dos parentes que não são chamados por Deus, não são convidados da primeira-dama para orar no Palácio do Planalto de madrugada, acompanhados de cantores e pastores.
Nas imagens que divulga, Michelle anda pelos principais pontos do Palácio espantando os demônios.
Michelle Bolsonaro: A face de um Brasil de extremos
Em 15 de agosto de 2019, Ary Filgueira e Mirelle Pinheiro escreveram no Metrópoles: Sábado 10 de agosto de 2019, "o Brasil tomou conhecimento de que a avó materna da primeira-dama Michelle Bolsonaro aguardava cirurgia acomodada em um corredor do Hospital Regional de Ceilândia (HRC), na periferia do Distrito Federal. A notícia correu rapidamente pelas redes sociais. Em poucas horas, a idosa foi transferida e operada em outra unidade do governo, desta vez com toda assistência.
Para os tribunais do senso comum, no entanto, o desfecho médico não encerra o assunto. Desde que Michelle subiu a rampa do Planalto ao lado do marido, Jair Bolsonaro (PSL), muitos brasileiros passaram a reparar na distância que a primeira-dama mantém de alguns de seus consanguíneos.
Embora esteja a meia hora do gabinete presidencial, boa parte do núcleo familiar de Michelle de Paula Firmo Reinaldo Bolsonaro não testemunhou o dia em que o marido dela tomou posse na Praça dos Três Poderes.
Desde então, as pessoas levantam hipóteses, julgam e, por vezes, condenam a atitude da primeira-dama. No último fim de semana, as redes sociais exibiram milhares de veredictos dos que se valem das aparências para sentenciar.
Qualquer família guarda seus segredos, tem suas graças e desgraças. A de Michelle não é diferente. Por ser pessoa pública, a curiosidade pelas origens dessa mulher é inevitável. A patrulha aumenta por causa da retórica de valorização da família, presente nas falas de Bolsonaro.
O que, até agora, não foi noticiado é a complexidade da história de Michelle. Ao sair de Ceilândia, ela deixou para trás um cenário de violência, sofrimento e criminalidade.
Dois tios maternos da primeira-dama do Brasil enfrentam problemas com a polícia. Um dos irmãos de sua mãe foi condenado por estupro, em 2018, a 14 anos de prisão. O outro encontra-se preso preventivamente por suposto envolvimento com a milícia.
Na década de 1980, a mãe de Michelle foi indiciada por falsificação de documento. Atualmente, está inscrita em programa habitacional do Governo do Distrito Federal com um RG emitido em Goiás que contém informações adulteradas.
Já nos anos de 1990, a avó materna da mulher de Bolsonaro cumpriu pena por tráfico de drogas – a mesma idosa que há alguns dias foi internada em hospital público do DF.
Foram duas sobrinhas do tio de Michelle que o denunciaram por estupro sofrido quando ainda eram crianças. Em 2015, o avô materno da primeira-dama morreu assassinado de forma brutal, fato que os investigadores concluíram ter sido latrocínio.
Vivendo em um contexto de carências, a família de Michelle também se tornou vítima da violência, um resumo do que é a realidade nas periferias desassistidas do Brasil.
Em Brasília, o descaso do governador bolsonarista Ibaneis Rocha, e a carência de políticas públicas do governo federal, o governo que é "o negócio do Jair", considerado o pior presidente do Brasil.
AVÓ:
POBREZA, CADEIA E SOLIDÃO
Maria Aparecida Firmo Ferreira, 78 anos, costumava tomar banho de sol na esquina da Chácara 85 do Setor Habitacional Sol Nascente sempre por volta das 15h. Junto à comunidade do Pôr do Sol, a região reúne 140 mil habitantes e ostenta a qualificação de maior favela da América Latina, já quase na divisa com Águas Lindas de Goiás.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região fica abaixo da linha da pobreza. Lá concentra-se boa parte de todos os problemas sociais de Ceilândia. Apenas 24% das ruas têm rede de águas pluviais e somente 30% são asfaltadas. Mas os moradores se queixam principalmente da violência. O tipo de crime mais comum na região administrativa é o tráfico de drogas. Em 2018, foram realizadas 1,2 mil apreensões pelas polícias Militar e Civil.
Deficiente física, Aparecida caminha com dificuldade e precisa de muletas. Passa muitas horas do dia na porta de casa observando quem entra e quem sai de uma das localidades mais perigosas de Ceilândia. Para os vizinhos, a rotina é motivada pela expectativa de receber visitas.
A aposentada se desequilibrou em 8 de agosto e caiu de costas no chão. Maria Aparecida fraturou o quadril e acabou sendo internada no Hospital Regional de Ceilândia. Depois de dois dias aguardando por uma cirurgia em maca improvisada nos corredores da instituição, ela foi transferida para o Hospital de Base e realizou o procedimento no dia 11 de agosto. A idosa recebeu alta da unidade de terapia intensiva (UTI), na terça-feira (13/08/2019), e foi encaminhada para a enfermaria.
Maria Aparecida é avó de Michelle e tem oito filhos. Mora apenas com Gilberto Firmo Ferreira, que é surdo. Por causa da perda de audição do tio, a primeira-dama especializou-se na Linguagem Brasileira de Sinais.
Mãe e filho residem em uma casa simples, localizada em rua de terra batida paralela e a 10 metros de distância da via principal, asfaltada. O imóvel foi adquirido depois da venda de uma propriedade no centro de Ceilândia.
Fachada da casa de Maria Aparecida, ela mora apenas com um de seus filhos, Gilberto Firmo Ferreira, que é surdo (que ensinou a língua de Libras à Michelle
Com o dinheiro, a avó de Michelle comprou uma chácara de 15 hectares e a repartiu em frações para cada um dos filhos. O terreno não possui escritura, como todos os do Sol Nascente. Alguns venderam as terras presenteadas pela mãe, outros perderam as parcelas para invasores.
No passado, Maria Aparecida esteve confinada na Colmeia – penitenciária feminina de Brasília – por tráfico de drogas. O caso ocorreu em 1997. Aos 57 anos, ela já tinha netos. Michelle, na época, estava com 15 anos.
Maria Aparecida era dona de casa quando foi flagrada com entorpecentes. Sustentou que a droga não a pertencia. Segundo a versão que contou, um vizinho teria pedido para ela guardar alguns pertences.
A explicação não convenceu os policiais da 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul), responsáveis pela prisão. Aparecida foi julgada e condenada. Ficou presa durante dois anos. Em 1999 ganhou liberdade.
O terreno onde Maria Aparecida mora não possui escritura, como todos os do Sol Nascente. O que comprova que na maior favela da América Latina não existe Deus nem governo.
MÃE:
MARIA DAS GRAÇAS OU
MIRELE DAS GRAÇAS?
Michelle não mantém contato frequente com a mãe, Maria das Graças
Em 1988, o delegado Durval Barbosa, que naquela época chefiava a Delegacia de Falsificações e Defraudações, indiciou Maria das Graças Firmo Ferreira, a mãe de Michelle, pela tentativa de tirar documento com o uso de uma certidão falsa. Duas décadas depois, Durval ficaria conhecido em todo o país ao se tornar o delator da Caixa de Pandora, maior esquema de corrupção já desvelado na capital da República. O escândalo, de 2009, desmantelou o governo de José Roberto Arruda.
No inquérito, Barbosa relata que a Certidão de Nascimento nº 10.751 expedida em Planaltina de Goiás e apresentada por Maria das Graças continha dado inverídico. O documento informava que a mulher era 9 anos mais nova do que sua idade biológica. Além disso, omitia o nome do pai dela, Ibraim Firmo Ferreira.
Segundo a polícia, a farsa foi descoberta quando os peritos encontraram uma homônima de Maria das Graças no banco de dados do Instituto de Identificação do DF. Ao comparar a foto recente dela com a antiga, desconfiaram que se tratava da mesma pessoa.
Maria das Graças foi conduzida coercitivamente para a delegacia, onde confessou a fraude que caracteriza o crime de falsidade ideológica. O processo, no entanto, acabou prescrevendo em 11 de março de 1994. Na ocasião, o juiz substituto Sandoval Gomes de Oliveira, ao analisar o caso, concluiu que a ação do Estado seria inócua em razão do tempo transcorrido.
Mas Maria das Graças não desistiu. Em Goiás, conseguiu registrar nova identidade com dados falsos. Na carteira adulterada, trocou de nome: Mirele das Graças Firmo Ferreira. Manteve o nome do pai, Ibraim Firmo Ferreira, e voltou a informar idade com defasagem. Desta vez de 11 anos. Maria das Graças nasceu em 11 de junho de 1959, em Presidente Olegário, Minas Gerais. OMetrópoles teve acesso ao RG alterado. A reportagem, no entanto, não vai expor a documentação para preservar o sigilo da fonte.
Segundo familiares, a mãe de Michelle teria mudado o ano de nascimento por vaidade. Com o documento modificado, registrou os três irmãos de Michelle: Suyane Lanuze Ferreira Lima, 27 anos, Geovanna Kathleen Ferreira Lima, 20 anos, e Yuri Daniel Ferreira Lima, 15 anos. Na certidão de nascimento de Michelle, no entanto, consta o nome de batismo da mãe, Maria das Graças.
O surpreendente é que, usando uma identidade com dados forjados, “Mirele”, a Maria das Graças, mãe da hoje primeira-dama conseguiu se tornar beneficiária do programa habitacional Morar Bem, inaugurado na gestão do petista Agnelo Queiroz. O auxílio prevê a candidatos de baixa renda condições facilitadas de pagamento da casa própria
Na visão de alguns dos familiares de Michelle Bolsonaro, esse passado problemático seria um dos motivos para ela não manter uma convivência mais frequente com a mãe. No caso dos irmãos, no entanto, a primeira-dama cultiva boa relação.
Além do documento com o nome de batismo, a mãe de Michelle Bolsonaro tem um RG em nome de Mirele
Em nome de Mirele das Graças Firmo Ferreira, consta uma ocorrência de lesão corporal registrada em 2007. O documento descreve que ela teria desferido vários golpes com uma pedra na cabeça de José Ribamar dos Santos, à época um senhor de 62 anos. Questionada pela polícia, “Mirele” (a Maria das Graças) contou que era inquilina do homem e estava com aluguel atrasado. Saiu de carro com o locador para tentar encontrar um parente que emprestaria dinheiro para ela quitar a dívida.
Porém, no caminho, Ribamar teria desviado o veículo para um matagal e tentado violentá-la. Nessas circunstâncias, “Mirele” o teria agredido. No local, a polícia chegou a encontrar pertences do homem em um saco plástico com gasolina. Mas a pista não chegou a ser investigada e, por isso, a situação não foi esclarecida.
A sogra do presidente da República leva uma vida humilde. Tem o hábito de passar as manhãs em casa e à tarde sai para para tomar sol e conversar com os vizinhos. Na época das eleições de 2018, ela foi vista fazendo campanha para Bolsonaro, apesar do distanciamento que mantém do genro.
No programa eleitoral de Jair Bolsonaro transmitido pela TV no dia 25 de outubro de 2018, as vésperas do segundo turno, Michelle revelou que a influência para fazer caridade começou com o tio materno e a mãe. “Ela sempre me ensinou que a gente não deve negar água nem comida para ninguém”, disse. Em seguida, falou sobre a convivência com Gilberto, que é surdo: “Ele plantou uma sementinha na minha vida e despertou meu amor pela Libras”, concluiu. Na época, essas declarações não chamaram atenção.
“Mirele”, Maria das Graças, Gracinha, mãe da primeira-dama e sogra do presidente da República do Brasil é uma típica brasileira marginalizada. Nem os supostos crimes que cometeu, nem as violências que sofreu foram enxergadas pelas instituições. [É uma cidadã abandonada, uma sofredora no pior país para o trabalhador. Transcrevi trechos. Leia mais]
A segunda edição do relatório “Elemento Suspeito”, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, aponta que 63% dos enquadros são em pessoas afrodescendentes
Apelidada carinhosamente de “cidade maravilhosa”, a capital do Rio de Janeiro não transmite essa sensação positiva para boa parte da população negra que reside no município quando o assunto é relacionado à segurança pública. Pois, como apontaa segunda edição da pesquisa Elemento Suspeito, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania,a cor da pele é determinante na escolha do alvo que passará por um dos procedimentos mais invasivos e constrangedores nas ações dos agentes policiais: a abordagem.
De acordo com os dados do relatório, que ouviu de 3.500 mil cidadãos no Rio de Janeiro, 63% que já sofreram com o enquadro de agentes de segurança pública são negras, mesmo com a parcela de afrodescendentes na cidade sendo menos do que a metade, mais precisamente 48%. Além do recorte racial nessa pesquisa de interesse público, quando o foco é direcionado para a questão de gênero e localidade, os números revelam que 75% dos alvos policiais para esse tipo de método são homens e, dentro desse indicador, 35% são moradores de favelas.
“A pé ou não, eu já fui abordado diversas vezes. Principalmente, em blitz (ação de fiscalização preventiva dos agentes policiais no trânsito). Eles costumam nos julgar pelo jeito de se vestir, de falar e até andar. A sensação que tenho é que sou um criminoso procurado por alguma coisa que tenha feito de errado”, expõe.
Ainda sobre as características que o tornam um indivíduo suspeito, Andrei questiona se existe um padrão de pessoa inocente. Em forma de desabafo, o morador indaga. “Para não sermos abordados pela polícia na rua, temos que andar de farda (uniforme dos agentes de segurança pública do estado) por aí?”.
O levantamento da pesquisa Elemento Suspeito, que recebe o subtítulo de “Negro Trauma: Racismo e Abordagem Policial no Rio de Janeiro”, também avalia os danos psicológicos gerado nas pessoas que sofrem com essa postura preconceituosa dos agentes do Estado. De acordo com as informações obtidas nas entrevistas, quando as pessoas que mais estão na mira desse método pensam empolícia, as sensações que acompanham são totalmente opostas do público que não é abordado. Entre as palavras mais geradas a partir deste questionamento, estão: violência, medo, corrupção, raiva, ranço, operação, armas, segurança, trauma, cisma, tremor, desencanto, insegurança, proteção, abuso de poder, autoridade, repressão, morte e angústia.
Dentro das 19 sentenças ouvidas, apenas duas podem ser classificadas como positivas (segurança e proteção). Em contrapartida, 14 se encaixam no viés negativo (violência, medo, corrupção, raiva, ranço, trauma, cisma, tremor, desencanto, insegurança, repressão, abuso de poder, morte e angústia). E, de forma neutra, apenas três palavras (operação, armas e autoridade).
Com o apoio destes dados emitidos na segunda edição deste relatório, a equipe de reportagem do Voz das Comunidades entrou em contato com a Secretaria de Estado de Polícia Militar para entender se há uma estratégia diferente de tratamento de acordo com a raça, localidade e gênero dos cidadãos brasileiros, que, segundo a Constituição Brasileira de 1988, todos possuem o direito de integridade física e moral.
Em nota, a instituição afirmou que as ações e operações são baseadas em protocolos rígidos de treinamentos e orientações. Além disso, compartilhou que a maioria do contingente policial é formado por agentes de renda baixa e que, hoje, a maioria dos PM são negros
O primeiro ministro da Índia, Narendra Modi, e Jair Bolsonaro durante cerimônia do Dia da República da Índia. Foto: Alan Santos/PR
Em 20 anos, a Índia foi de promessa democrática ao um regime autoritário que proíbe dissidentes e trata minorias religiosas como cidadãos de segunda classe
NA VIRADA DO MILÊNIO,tendo a Índia como inspiração, o economista indiano e prêmio NobelAmartya Senescreveu umartigono prestigioso Journal of Democracy sobre como a democracia se tornava um valor universal. Era uma fase de otimismo, quando economias emergentes despontavam como grandes promessas democráticas.
Para Sen, junto com o consistente crescimento econômico, a Índia estava sabendo tratar as diferenças políticas dentro dos parâmetros constitucionais, e os pleitos eleitorais garantiam a alternância de poder. O país superava o enorme desafio de lidar com sua diversidade de linguagens e religiões. O problema da exploração da fé por políticos sectários estava sendo contornado. Mas Amartya Sen alertava que a prosperidade do país dependia da estabilidade religiosa – além de hindus, a Índia tem a terceira maior população islâmica do mundo, além de cristãos, budistas,siques,parsisejainistas. Touché.
Em 20 anos, o cenário mudou radicalmente. A Índia, assim como o Brasil, foi “da esperança ao ódio” em queda livre. Passou de grande potência democrática a um regime autoritário, que proíbe manifestações e persegue a imprensa livre – a imprensa é chamada de“presstitute”. O mesmo Journal of Democracy agora traz umartigoargumentando que, ainda que o país mantenha eleições regulares, todo o restante que constituiria uma “democracia liberal” se esvaeceu, como a garantia da liberdade ao debate e o funcionamento equilibrado das instituições. A professora Nikita Sud, da Universidade de Oxford, vai mais longe edizque os fatos recentes questionam o status democrático e acenam ao autoritarismo.
Vozes que contestam o regime do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, são chamadas de traidoras, inimigas da nação, anti-Índia. Mais grave ainda é o estado legitimar massacres de turbas nacionalistas contra minorias religiosas, especialmente muçulmanas. Em 72 anos de independência, o país vive uma de suas mais profundas crises. Só nos últimos dias, foram mais de40 mortos e milhares de feridos.
Em recente entrevista para a revista New Yorker, o próprio Sen realiza uma jornada autorreflexiva sobre as transformações da Índia e o que teria dado errado. Consternado, ele comenta que hoje a maioria de seus amigos tem medo de se comunicar pelas redes sociais por serem vigiados. Ainda sem respostas fechadas sobre a crise democrática, ele acredita ter subestimado a importância da secularização nas democracias.
Em uma reportagem doGuardiansobre como supremacistas hindus estão dividindo a Índia, a cientista política Niraja Jayal afirma que, como seria impossível expulsar milhões de pessoas do país, o governo agora tenta consolidar o papel de subordinação dos muçulmanos. Essa unificação imposta de cima para baixo não entrega o desenvolvimento econômico almejado por todos, mas responde ao ideal de uma comunidade hindu pura, limpa e paternal. O que está em jogo nessa arbitrariedade, em última instância, é o desejo de decidir quem pode e quem não pode ser indiano.
Foto: Jewel Samad/AFP via Getty Images
Modi e a pureza étnica
A violência religiosa não é nova na Índia. Massacres ocorreram em 1984 e 2002. No último, mais de 1 mil pessoas (800 muçulmanas) morreram. Na época, Modi era governador de Gujarat, no oeste da Índia, e éacusado de ter incentivadoos ataques. Como em 2002, a atual onda de violência também está sendo legitimada pelo governo, encabeçado por Modi, o que torna a situação atual grave e inédita.
A derrocada democrática na Índia começou em 2014, com a eleição de Narendra Modi, do Partido Bharatiya Janata, o BJP, de orientação nacionalista hindu. Uma tese que avaliei na Universidade de Oxford (não citarei o autor por razões de segurança), feita com base em pesquisa etnográfica em uma sede do BJP, não deixa dúvidas que a Índia foi pioneira na instalação de um “gabinete do ódio”, especializado em espalhar notícias falsas e memes discriminatórios e que incitam a violência contra inimigos internos, principalmente esquerdistas e muçulmanos.
Como no Brasil, muitos se perguntam quem são os eleitores de Modi e do BJP e se surpreendem em ver o quanto de gente que saiu do armário e passou a falar sem medo sobre os “infiltrados da nação”. Assim como Bolsonaro, o primeiro-ministro ocupou o debate público, na primeira eleição, com um discurso contra a corrupção, tendo como alvo os escândalos da administração anterior. Comoanalisaa professora Nikita Sud, Modi é obcecado pela ideia de limpeza: das ruas da capital Délhi, da corrupção e da questão ética, reproduzindo o fanatismobrâmanepor pureza. Nada mais anti-Índia do que a era Modi: a “Nova Índia” é hindu, com religião e linguagem única e não celebra sua diversidade étnica e cultural.
Um parente de Rahul Thakur, 23 anos, que morreu nesta semana nos ataques de gangues extremistas na capital Nova Délhi, antes da cremação do jovem. Foto: Money Sharma/AFP via Getty Images
O estopim para o massacre
Em 2019, o parlamento indiano aprovou umaemendaà lei de 1955, que garantia cidadania a imigrantes de diversas minorias religiosas, sem discriminá-las – a lei significou um passo importante no sonho de construir uma Índia diversa e não dividida. A emenda deu um passo atrás ao excluir a cidadania a muçulmanos oriundos do Paquistão, Bangladesh e Afeganistão.
Como resposta à emenda, a população reagiu. Foram mais de 70 dias de protestos pacíficos, em grande parteliderados por mulherese jovens indianas, quereinventam a cena da resistência no país. Mas a polícia reprimiu com violência: cortou sinal da internet nas ruas, prendeu e bateu nos manifestantes. O governador de Uttar Pradesh, Yogi Adityanath, pediu “revanche” contra quem foi às ruas.
De um lado, há protestos. De outro, há ataques brutais contra quem protesta. Mas, como é bem conhecido por nós brasileiros, a narrativa da mídia hegemônica nem sempre discute a assimetria. Há uma insistência emretrataros eventos como “confrontos” da “polarização”, enquanto acadêmicos e ativistas não têm dúvida de que se trata de um massacre unilateral de grupos supremacistas contra minorias. A leniência e incentivo do estado indiano a todo esse horror são um fato. Cotidianamente, autoridades dão depoimentos incendiários e já há infindáveis registros que mostram a polícia observando e sendo cúmplice dos massacres.
Os mais recentes, dos últimos dias, têm ocorrido em Délhi, que está com as emergências de hospitais lotadas. Encapuzados atacam homens e mulheres sozinhos. Colocam fogo em pessoas. Lincham-nas, quebram suas mãos e membros, chamam-nas de traidores e inimigos enquanto gritam “Jai Shri Ram”, slogan nacionalista. Também há muitos registros de linchamento de pessoas comendo carne de gado (já que a vaca é um animal sagrado para os hindus) e depredação de casas e mesquitas.
Sem entregar a promessa econômica, os supremacistas insistem em viver do ódio
Umataque emblemático ocorreu início de janeiro, na Jawaharlal Nehru University, a JNU, uma das mais tradicionais, críticas e progressistas universidades da Índia, que desperta o ressentimento dos nacionalistas. Cerca de 60 homens entraram encapuzados no campus, com pedaços de pau, gritando “atirem nos traidores”. As câmeras filmaram tudo, inclusive a polícia deixando os agressores agirem.
As turbas são milicianas. Seus sujeitos pertencem à organização não partidária nacionalista Rashtriya Swayamsevak Sangh, aRSS, que buscaarquitetar um estado-nação hindu. Fundada em 1925 por membros ligados ao fascista italiano Benito Mussolini, hoje, estima-se, tem 6 milhões de filiados.
Um aspecto que me chama atenção em particular, por minha própria trajetória de pesquisa sobre a juventude bolsonarista, é o apelo que a RSS tem entre os jovens. Como mostra a investigação do jornalista Samanth Subramanian, Akhil Bharatiya Vidyarth Parishad, a ABVP, é a ala jovem da RSS que atua perseguindo outros jovens. Interessante perceber que, por muito tempo, eles tinham vergonha de se mostrar e eram minoria na progressista JNU. Mas desde a virada do milênio, precisamente quando a extrema direita passa a se organizar no mundo e ganhar proeminência, eles começam a ganhar eleições em diretórios.
Os paralelos com minha pesquisa e de Lucia Scalco sobre juventude periférica em Porto Alegre são reveladores e merecem um futuro aprofundamento. Por ora, basta notar que tanto afigura empresarialde Modi quanto a organização miliciana têm atraído milhões de jovens homens desempregados por causa da recessão, um exército de frustrados sofrendo de uma dupla crise de provedor e masculinidade. Esses homens se aliam à milícia e se radicalizam como vingança ao sonho de futuro interrompido. No Brasil, vimos o germe dessa atitude entre jovens que se aliaram ao bolsonarismo.
Isso ocorre justamente em uma época de baixo crescimento econômico – estima-se uma taxa de 5% este ano, a taxa mais baixa em 11 anos – e aumento significativo da pobreza. Em plena recessão, sem sinais de recuperação, diversos analistas notam que, para o governo Modi, polarizar é justamente o objetivo para manter as bases mobilizadas na política da inimizade interna. Sem entregar a promessa econômica, os supremacistas insistem em viver do ódio – e qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência.
Foto: Alan Santos/PR
Não é à toa que Bolsonaro foi oconvidadono Dia da República da Índia em 2020. Os dois líderes têm muito em comum no discurso vazio anticorrupção, na incompetência econômica na promoção de desenvolvimento, no desrespeito às liberdades políticas e civis, na forma como lidar e deslegitimar a imprensa e os fatos científicos e, principalmente, a simpatia por grupos milicianos e paramilitares. São autoritários que afundam seus países no obscurantismo e enterram o sonho de um mundo multipolar de economias emergentes e democráticas, as quais serviam de referência para o resto do mundo.
Num campo progressista que se pretende descolonial, discutir a situação do nossos irmãoBRICSdeve ser uma prioridade. Muitos fatos na Índia nos refletem como um espelho, outras nos ensinam importantes lições. Dentre as lições, destaco uma: a de que a reeleição de Modi em 2019 teve impacto direto na escalada da violência e a subsequente legitimação da sanha autoritária do estado indiano.
Nota: agradeço à ajuda dos colegas e amigos Nikita Sud, Tatiana Vargas Maia e Fabrício Pontin na apuração deste texto.
Enquanto as taxas de homicídios entre as brancas diminuem, as de mulheres e meninas negras tiveram uma alta de 19,5% em dez anos; Djamila Ribeiro explica por que
O “Mapa da Violência 2015 – Homicídios de mulheres no Brasil” mostra um assustador incremento nas taxas de homicídios de mulheres negras. Nas periferias, a desconfiança da rede de proteção e da polícia é grande e muitas vezes dificulta o atendimento das mulheres em situação de violência, como mostra a reportagem “A fogueira está armada pra nós”. Para refletir sobre isso, a Pública entrevistou a feminista Djamila Ribeiro, mestre em Filosofia Política.
O Mapa da Violência de 2015 mostra que entre 2003 e 2013 as taxas de homicídio de brancas caíram de 3,6 para 3,2 por 100 mil – queda de 11,9% –, enquanto as taxas entre as mulheres e meninas negras cresceram de 4,5 para 5,4 por 100 mil, aumento de 19,5%. Com isso, a porcentagem de vítimas negras, que era de 22,9% em 2003, cresce para 66,7% em 2013. O que esses dados estão nos dizendo?
Os dados evidenciam que as políticas públicas de combate à violência contra a mulher não estão atingindo as mulheres negras, ou seja, não se está pensando na realidade dessas mulheres, que são maioria no Brasil, na hora de criar [essas políticas]. Isso aponta para o que as feministas negras vem dizendo há décadas: não se pode universalizar a categoria mulher, mulheres são diversas, e as mulheres negras, por conta do machismo e racismo, acabam ficando num lugar de maior vulnerabilidade social. Um outro problema é que o próprio movimento feminista parece ainda não ter entendido que as questões das mulheres negras não podem mais ser tratadas como apêndices, precisam ser centrais. É preciso romper com essa tentação de universalidade que exclui.
A rede de proteção está falhando mais com as mulheres negras?
É necessário racializar as políticas de gênero. A mulher negra vem sendo violentada desde o período colonial, estupros foram cometidos sob a égide da miscigenação. Criaram-se os estereótipos da mulher negra como a “boa de cama”, “quente”. Essas violências, que também são confinadores sociais, desumanizam essa mulher.
Você acha que as mulheres moradoras de periferias confiam na polícia e no Estado para fazer essa proteção? Pergunto isso porque essa é uma fala recorrente das meninas e mulheres com quem conversamos nos bairros pobres de São Paulo: de que o Estado e a polícia estão na periferia não para proteger, mas para incriminar. Como você enxerga esse cenário?
Sim, muitas mulheres negras periféricas não confiam na polícia e no sistema judiciário, até porque esse braço do Estado vem exterminando seus filhos, companheiros. Dos jovens de 15 a 29 anos que são assassinados no Brasil, 77% são negros. Mulheres periféricas convivem diariamente com essa realidade violenta. E o sistema judiciário, do modo como está posto, não é uma questão de justiça, e sim de poder. Muitas sequer tem condições de acessá-lo. Isso não quer dizer que as leis criadas, como a Maria da Penha e a do feminicídio, não são importantes. Isso quer dizer que esse sistema tem limites, acaba atingindo as mulheres que possuem privilégios sociais, haja vista que diminuiu em 10% o número de assassinatos de mulheres brancas.
E sobre a prevenção da violência contra a mulher? Acredita que a gente tem hoje políticas públicas de prevenção ou elas são mais voltadas à punição?
É preciso pensar em políticas de prevenção, a gente continuar lutando por uma educação não sexista nas escolas, o que pode, a longo prazo, promover uma transformação de mentalidade. Em alguns estados, há programas voltados para homens agressores, o que considero positivo.
Por que as mulheres continuam morrendo no Brasil?
As mulheres continuam morrendo no Brasil porque as violências muitas vezes são naturalizadas; muitas realidades, como a das mulheres negras, por exemplo, sequer foram nomeadas ou foram tardiamente. E não se resolve um problema que sequer é nomeado. E eram nomeados pelas mulheres negras, mas essas mulheres demoraram a ser vistas como sujeitos políticos. O machismo e o racismo estruturam todas as relações sociais, e é preciso existir um debate maduro em relação a isso. Tanto machismo como racismo são institucionais, e por isso ainda encontramos muita dificuldade para combatê-los. In Pública,15 de março de 2016