Em encontro remoto na tarde desta terça-feira (6), o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, participou de coletiva com mídias independentes na qual tratou dos desafios da pasta - em especial, a luta de ideias para que a sociedade entenda a sua importância.
No encontro promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, 10 jornalistas tiveram a oportunidade de dirigir perguntas ao ministro, que transitaram entre temas como a atenção às comunidades indígenas e populações periféricas; os esforços por memória, verdade e justiça em relação à ditadura; a punição aos responsáveis pela tentativa de golpe do dia 8 de janeiro de 2023; dentre outros.
Segundo o ministro, advogado, filósofo e professor acadêmico, há uma disputa ideológica em torno do tema. "Parcela expressiva da população sente ódio dos Direitos Humanos, com uma noção equivocada do que significam". "Há uma manipulação do discurso sobre o tema sobre como se fosse uma licença para retirar das pessoas a sua segurança", complementa Almeida, "confundindo a defesa dos Direitos Humanos como se fosse a defesa do crime".
Autor de "Racismo estrutural", uma das obras que balizam o debate antirracista no país hoje, o ministro avalia que os direitos humanos devem perpassar todas as políticas públicas, inclusive a economia. "É preciso transformar o tema em debate sobre economia política. Precisamos conquistar corações e mentes, estabelecendo os Direitos Humanos como parte fundamental da nossa experiência vital, do nosso modo de vida no Brasil". Assista na íntegra ao papo e inscreva-se no #canaldobarão!
SOBRE O ENTREVISTADO
Silvio Almeida é advogado, professor e escritor, e atualmente ocupa o cargo de Ministro de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil. É doutor em direito pelo departamento de filosofia e teoria geral do direito da Universidade de São Paulo, com pesquisas de pós-doutoramento em direito e em economia. É professor da faculdade de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, tanto na graduação como no programa de pós-graduação Stricto Sensu. Também é professor das escolas de administração e de direito da Fundação Getúlio Vargas. Em 2020, foi professor visitante no Centro de Estudos Latino-Americanos e Caribenhos da Universidade de Duke (EUA), e em 2022 foi professor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Columbia na Cidade de Nova York (EUA). Silvio destacou-se por sua atuação à frente do Instituto Luiz Gama, organização da sociedade civil que visa à inclusão de minorias e à promoção de uma educação antirracista. Nos últimos anos proferiu palestras e nacionais e internacionais sobre temas relacionados ao direito, à filosofia, à economia política, aos direitos humanos e às relações raciais.
SOBRE O BARÃO DE ITARARÉ
Fundado em maio de 2010, O Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé consolidou-se como um dos espaços mais vibrantes da luta pela democratização da comunicação no país. Em seus 13 anos de atuação, o Barão apostou na promoção de atividades que investem na formação de comunicadores - debates, seminários, cursos e palestra sobre mídia, democracia, liberdade de expressão, políticas públicas de comunicação e temas correlatos - e também na criação e fortalecimento de fóruns de debate e ação sobre a agenda em torno desses temas.
A organização também funciona como um selo editorial através do qual publica livros, como "Direitos negados – Um retrato da luta pela democratização da comunicação" (2015), "A mídia descontrolada - episódios da luta contra o pensamento único" (2019) e "Democratizar a comunicação: teoria política, sociedade civil e políticas públicas" (2022). Além de sua coordenação executiva, que reúne nomes bastante representativos de entidades do movimento social brasileiro, a entidade conta com um extenso conselho consultivo, no qual figuram importantes nomes da academia, do jornalismo, da comunicação, da cultura e dos movimentos populares do país.
Organização suprapartidária, o Barão notabilizou-se como a casa das mídias alternativas, independentes e populares, transcendendo matizes partidárias e abraçando todo o campo progressista na missão de tratar a comunicação como campo estratégico e decisivo para garantir um Brasil mais justo, democrático e plural. Até por isso, a entidade é conhecida pelo seu espírito de “unidade na diversidade”. O nome “Barão de Itararé” é uma homenagem ao jornalista Aparício Torelli (1895-1971), considerado um dos fundadores da imprensa alternativa no país e o pai do humorismo político no Brasil.
Em vias públicas, mãos, fuzis e revólveres policiais levam a cabo a perfuração que verte o sangue negro no asfalto quente, em becos e vielas nos quais jorram a vida preta entre os ralos da miséria e do esquecimento
Passadas as celebrações do novembro negro e do mês que, em nome de Zumbi e Dandara dos Palmares, rememora, denuncia e exige reparações históricas à população negra brasileira, parece vigorar certo silêncio após a efeméride, no que diz respeito à (in)consciência negra nacional. Reinam, todavia, as imagens associadas à violência, ao genocídio, ao caos e aos casos nunca isolados de racismo que, de norte a sul, cortam o território amefricano. Casos que dilaceram famílias e comunidades, aniquilam sujeitos e arrasam possibilidades de vida plena e digna, tal como garantido na Carta Constitucional brasileira.
Imagens de controle, como enunciadas por Patricia Hill Collins, que reforçam práticas de dominação, criminalização e violência, física e simbólica, voltadas à estigmatização e à legitimação de suas próprias operações de morte. Se a morte ocupa um lugar fundamental nessa produção imagética é na medida em que se constitui como ponto de partida, sob a perspectiva do supremacismo branco, do que seja o destino natural e original do corpo negro, que da morte-em-vida à morte factual passaria de um estado de não-ser ao desaparecer, como o desvanecer da imagem de um fantasma – entre mundos, medos e modos de ser pautados pelo negativo.
Em vida, porém, a consciência retinta de ser, de viver e a teimosia tomam forma, rosto, nome e figura do que, sendo, insiste em desarticular os mundos de morte da branquitude e seus mecanismos de sufocamento, acionados por vias diversas. Em vias públicas, mãos, fuzis e revólveres policiais levam a cabo a perfuração que verte o sangue negro no asfalto quente, em becos e vielas nos quais jorram a vida preta entre os ralos da miséria e do esquecimento; em vias privadas, pelas mãos de algozes e feitores que chamam de amor (?) a doença que extirpa, subjuga e liquida as vidas de mulheres, sobretudo negras, encontradas em sacos pretos, rios, azulejos frios, imobilizadas em fotos que estampam, cotidianamente, pequenos retângulos de jornais sanguinolentos (até quando?).
Ceifadas, entre promessas de amor eterno e o eterno pedido de desculpas das forças policiais e chefes de Estado, desaparecem, em preto e branco, histórias, narrativas e memórias daquelas que, chacinadas, são condenadas sem inquérito, enquantoco-mandantes são condecorados em cerimônias oficias e oficiosas.
Penso nesses rostos enquanto escrevo e vejo o sorriso, os sulcos da pele, as marcas e linhas longas da vida – interrompidas. Penso nas vidas negras que importam, dizem, e, todavia, seguem conscientemente exterminadas por mãos apocalípticas enquanto, nas escolas, tentamos fazer valer a lei da vida, a lei da justiça e do ensino de história e cultura daquelas que, antes de nós, em diáspora, fizeram valer com seu suor a contra-lei do mundo dos homens injustos.
Passados 20 anos de promulgação da Lei 10.639/03, silentes ou complacentes, a conveniência segue esbranquiçando itinerários formativos. Mas o poder do brado negro desafia o silêncio reinante. Peleja, retumba, sacoleja e desarranja os ritos (fúnebres) de histórias lineares, pomposas e heroicas que não mencionam Dandara, Aqualtune, Marielle, Lélia e Sueli, porque, ali, o pacto sa(n)grado é branco, no masculino.
A consciência nossa é ciência, suor e roda. É repente, desafio e capoeira, ginga com os arranjos, institucionais ou não, há séculos organizados para transportar os corpos em tumbeiros, caveirões e rabecões, para quem a morte passa a ser pena capital e não parte da existência e do mundo compartilhado com a ancestralidade. Até a morte foi saqueada. E soterrada em covas rasas, sem nome, placa ou documento de identificação, para que a indigência devorasse, com o bico afiado, a carne putrefata de quem sonhava com casa própria, formatura e família grande, como Kethlen Romeu e seu filho, assassinado no ventre.
Vingar ainda é desafio na diáspora. Vingar até a última gota de vida, o desafio nas 52 semanas e 1 dia de consciência negra, que perfazem um ano. Nele, todos os dias são voltados ao desfazimento do pacto funesto. Todos os dias são voltados à lembrança do que, recalcado, não pode contentar-se com um único dia ou mês do ano. Emerge, dia a dia, porque nascido em zona de emergência. Contra a virulência, insurgente, gesta resistência na negra consciência da luta pelo que é, foi e será. Todos os dias do ano.
A vitória de Bolsonaro levaria avante seu projeto de desmontagem das instituições de forma abertamente autoritária e ameaçadora de um golpe de Estado
O atual presidente apresenta traços desvairados e tem feito constantes ameaças à normalidade democrática, caso venha perder as eleições. No primeiro turno em 2 de outubro recebeu 43,44% dos votos enquanto o ex-presidente Lula levou 48,5% dos votos. Há grande expectativa que Lula venha a ganhar a eleição, pois a superioridade sobre Jair Bolsonaro é notável.
Lula tem recebido o apoio de quase todos os partidos até dos mais distantes. Pois, perceberam que a democracia está em jogo e também o destino histórico de nosso país. A vitória de Jair Bolsonaro levaria avante seu projeto de desmontagem das instituições de forma abertamente autoritária e ameaçadora de um golpe de Estado.
Precisamos tentar entender por que irrompeu esta onda de ódio, de mentiras como método de governo,fake news, calúnias e corrupção governamental impedida de ser investigada. Vieram-me à mente um artigo que publiquei tempos atrás e que aqui reformulo.
Duas categorias parecem esclarecedoras: uma da psicanálise junguiana, a dasombrae outra da grande tradição oriental do budismo e afins e entre nós, do espiritismo, okarma.
A categoria desombra, presente em cada pessoa ou coletividade, é constituída por aqueles elementos negativos que nos custa aceitar, que procuramos esquecer ou mesmo recalcar, enviando-os ao inconsciente seja pessoal seja coletivo.
Efetivamente, cinco grandessombrasmarcam a história político-social de nosso país.
A primeira é o genocídio indígena, persistente até hoje, pois, suas reservas estão sendo invadidas e durante a pandemia foram praticamente abandonados pelas autoridades atuais. A segunda é a colonização que nos impediu que ter um projeto próprio, de um povo livre, mas, ao contrário, sempre dependente de poderes estrangeiros de outrora e de hoje. Criou a síndrome do “vira-lata”.
A terceira é o escravagismo, uma de nossas vergonhas nacionais, pois, implicava tratar a pessoa escravizada como coisa, “peça”, posta no mercado para ser comprada e vendida e submetida constantemente à chibata, ao desprezo e ao ódio.
A quarta é permanência da conciliação entre si, dos representantes das classes dominantes, seja herdeiras da Casa Grande ou do industrialismo especialmente a partir de São Paulo, denominadas por Jessé Souza de “elites do atraso”. São profundamente egoístas a ponto de Noam Chomsky ter afirmado: “O Brasil é uma espécie de caso especial, pois, raramente vi um país onde elementos da elite tenham tanto desprezo e ódio pelos pobres e pelo povo trabalhador”. Estes nunca pensaram num projeto nacional que incluísse o povo, projeto somente deles e para eles, capazes de controlar o estado, ocupar seus aparelhos e ganhar propinas e fortunas nos projetos estatais.
A quinta sombra represeta a democracia de baixa intensidade entrecordada por golpes de Estado mas que sempre se refaz sem, entretanto, mudar de natureza. Perdura até hoje e atualmente mostra grande debilidade pelo grau dos representantes de direita ou extrema direita, com suas maracutaias como o orçamento secreto. Medida pelo respeito à constituição, pelos direitos humanos pessoais e sociais, pela justiça social e pelo nível de participação popular, comparece antes como uma contradição de si mesmo do que, realmente, uma democracia consolidada.
Sempre que algum líder político com ideias reformistas, vindo do andar de baixo, da senzala social, apresenta um projeto mais amplo que abrange o povo com políticas sociais inclusivas, estas forças de conciliação, com seu braço ideológico, os grandes meios de comunicação, como jornais, rádios e canais de televisão, associados a parlamentares e a setores importantes do judiciário, usaram o recurso do golpe seja militar (1964), seja jurídico-político-mediático (2016) para garantir seus privilégios.
O desprezo e o ódio, outrora dirigido aos escravizados, foi transferido covardemente aos pobres e miseráveis, condenados a viver sempre na exclusão.Estas sombras pairam sobre a atmosfera social de nosso país. É sempre ideologicamente escondida, negada e recalcada.
Com o atual presidente e com o séquito de seus seguidores, o que era oculto e recalcado saiu do armário. Sempre estava lá, recolhido, mas atuante, impedindo que nossa sociedade, dominada pela elite do atraso, fizesse as transformações necessárias e continuasse com uma característica conservadora e, em alguns campos, como nos costumes, até reacionária e por isso de fácil manipulação política. Dentro da alma de uma porção de brasileiros há um pequeno “bolsonaro” reacionário e odiento. O Jair Bolsonaro histórico deu corpo a esse “bolsonaro” escondido. O mesmo aconteceu com o “Hitler” escondido dentro de uma porção do povo alemão.
As cinco sombras referidas foram agravadas atualmente pela aquisição incentivada de armas na população, pela magnificação da violência até da tortura, pelo racismo cultural, pela misoginia, pelo ódio aos de outra opção sexual, pelo desprezo aos afrodescendentes, aos indígenas, aos quilombolas e aos pobres em geral. É de estranhar que muitos, até pessoas sensatas, inclusive acadêmicos e gente da classe média, possam seguir uma figura tão destemperada, deseducada e sem qualquer empatia pelos sofredores que perderam entes queridos pelo Covid-19.
Essa é uma explicação, certamente, não exaustiva, através da categoria dasombra que subjaz às várias crises político-sociais.
A outra categoria é a dokarma.Para conferir-lhe algum grau analítico e não apenas hermenêutico (esclarecedor da vida), valho-me de um longo diálogo entre o grande historiador inglês Arnold Toynbee e Daisaku Ikeda, eminente filósofo japonês, recolhido no livroElige la vida(Emecé). Okarmaé um termo sânscrito originalmente significandoforça e movimento, concentrado na palavra “ação” que provocava sua correspondente “re-ação”. Aplica-se aos indivíduos e também às coletividades.
Cada pessoa é marcada pelas ações que praticou em vida. Essa ação não se restringe à pessoa, mas conota todo o ambiente. Trata-se de uma espécie de conta-corrente ética cujo saldo está em constante mutação consoante as ações boas ou más que são feitas, vale dizer, os “débitos e os créditos”. Mesmo depois da morte, a pessoa, na crença budista e espírita carrega esta conta; por isso se reencarna para que, por vários renascimentos, possa zerar a conta negativa e entrar no nirvana ou no céu.
Para Arnold Toybee não se precisa recorrer à hipótese dos muitos renascimentos porque a rede de vínculos garante a continuidade do destino de um povo. As realidades kármicas impregnam as instituições, as paisagens, configuram as pessoas e marcam o estilo singular de um povo. Esta força kármica atua na história, marcando os fatos benéficos ou maléficos, coisa já vista por C.G.Jung em suas análises psico-sócio-históricas.
Arnold Toynbee em sua grande obra em dez volumesUm estudo da história[A Study of History] trabalha a chave desafio-resposta (challange – response) e vê sentido na categoria dokarma.Mas dá-lhe outra versão que me parece esclarecedora e nos ajuda entender um pouco as sombras nacionais, especialmente, da extrema direita brasileira e até internacional, sempre ligando-se à religião de versão moralista e fundamentalista que facilmente chega ao coração do povo, normalmente, religioso.
A história é feita de redes relacionais dentro das quais está inserida cada pessoa, ligada com as que a precederam e com as presentes. Há um funcionamento kármico na história de um povo e de suas instituições consoante os níveis de bondade e justiça ou de maldade e injustiça que produziram ao largo do tempo. Este seria uma espécie de campo mórfico que permaneceria impregnando tudo.
Tanto Arnold Toynbee quanto Daisaku Ikeda concordam nisso: “a sociedade moderna (nós incluídos) só pode ser curada de sua carga kármica, acrescentaríamos, de sua sombra, através de uma revolução espiritual e social começando no coração e na mente, na linha da justiça compensatória, de políticas sanadoras e instituições justas.
Entretanto, elas sozinhas não são suficientes e não desfarão as sombras e o karma negativo. Faz-se mister o amor, a solidariedade a compaixão e uma profunda humanidade para com as vítimas. O amor será o motor mais eficaz porque ele, no fundo, afirmam Arnold Toynbee e Daisaku Ikeda “é a última realidade”. Algo semelhante diz James Watson, um dos descodificadores do código genético: o amor está em nosso DNA.
Uma sociedade, perpassada pelo ódio e pela mentira como em Jair Bolsonaro e em seus seguidores, alguns fanatizados, é incapaz de desconstruir uma história tão marcada pelas sombras e pelo karma negativo como a nossa. Não se trata um veneno com mais veneno ainda. Isso vale especificamente pelos modos rudes, ofensivos e mentirosos do atual presidente e de seus ministros.
Só a dimensão de luz e o karma do bem livram e redimem a sociedade da força das sombras tenebrosas e dos efeitos kármicos do mal como os grandes sábios da humanidade como o Dalai Lama e os dois Franciscos, o de Assis e o de Roma o testemunham.
Se não derrotarmos eleitoralmente atual presidente neste segundo turno a realizar-se no dia 30 de outubro, o país se moverá de crise em crise, criando uma corrente de sombras e karmas destrutivos, comprometendo o futuro de todos. Mas a luz e a energia do positivo sempre se mostraram historicamente mais poderosas que as sombras e o karma negativo.
Estamos seguros de que serão elas que garantirão, assim esperamos, a vitória de Lula que não guarda rancor nem ódio no coração, mas se move pela amorosidade e pela política do cuidado do povo, especialmente dos empobrecidos e de suas necessidades.
O aumento da participação de grupos religiosos conservadores na política ao longo das últimas décadas é analisado na nova edição da Plural – Revista de Ciências Sociais
Ensaios analisam estratégia de grupos conservadores no Brasil para moldar a sociedade de acordo com suas crenças
Às vésperas da eleição de 2018, o apoio do jornalFolha Universal– ligado à Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) – ao então candidato à Presidência da República Jair Messias Bolsonaro não se deu de forma explícita, mas através dos temas das matérias publicadas, que repetiam os mesmos jargões da campanha do candidato, como a necessidade de acabar com a “velha política”, a defesa dos “valores da família tradicional” e o combate ao comunismo. Além disso, a presença quase exclusiva de Bolsonaro na Rede Record de Televisão, emissora vinculada à Iurd, ratificava a condição de candidato apoiado por aquela instituição religiosa.
Essa bem-sucedida estratégia de um grupo religioso em favor da eleição do atual presidente da República é analisada no artigoO Discurso Eleitoral da Igreja Universal do Reino de Deus e a Ascensão de Bolsonaro, assinado por Fabrício Roberto Oliveira e Cáio César Martins e publicado na nova edição daPlural – Revista de Ciências Sociais, editada por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Lançada em julho passado, a revista traz o dossiêReligião, Cultura e Política Entre o Progressismo e o Conservadorismo, com 11 artigos de pesquisadores de diferentes instituições que analisam as relações entre religião e política no Brasil atual.
Um dos artigos do dossiê aborda o programa Escola Sem Partido e sua relação com o fundamentalismo religioso. Depois de analisar documentos e declarações de defensores daquele programa, os autores do artigo – Erick Padilha de Oliveira e David Oliveira – concluem que o Escola Sem Partido pode ser entendido como uma ação de afirmação de fundamentalistas religiosos que procuram dominar a política e a educação visando à formação de um modelo de sociedade que seja o reflexo de suas crenças.
Por isso, os autores consideram que tanto o fundamentalismo religioso como o programa Escola Sem Partido representam uma ameaça à democracia e à concepção de sociedade pluralista hoje em vigor no Brasil – especialmente no que se refere a grupos minoritários que não baseiam suas condutas na doutrina religiosa predominante. “A formação dos cidadãos em um território e o modo como se organizam as instituições de ensino podem refletir o caráter, autoritário ou democrático, do Estado”, escrevem Erick e David Oliveira. “As tradições culturais no Brasil, sejam elas religiosas ou não, precisam ser respeitadas e pensadas dentro de uma concepção de pluralidade e de laicidade. Portanto, para se fortalecer uma concepção democrática de mundo, é fundamental se buscar reforçar um modelo de educação que seja capaz de dialogar com isso.”
Os outros artigos do dossiê são igualmente reveladores dos conflitos provocados pela mistura entre religião e política no Brasil atual. O artigo que abre o dossiê,Dimensões Religiosas da Radicalização Política no Brasil Contemporâneo, de Brenda Carranza, Renan Santos e Luiz Jácomo, mostra como essa mistura contribui para o radicalismo. “A radicalização política tem sido a tônica da governabilidade institucional e da participação popular nas relações de poder, e nesse ínterim a dimensão religiosa tem se tornado cada vez mais saliente”, escrevem os autores.
Já o artigoA Quem Pertence o Termo “Católicas”?: Direito e Mídia como Arenas e Estratégias do Neoconservadorismoparte de um estudo de caso. As autoras Maria José Rosado Nunes, Olívia Bandeira e Gisele Cristina Pereira tratam da ação judicial movida pelo Centro Dom Bosco de Fé e Cultura (CDB) – uma associação de leigos católicos – contra as Católicas pelo Direito de Decidir (CDD). Segundo o CDB, o termo “católicas” deveria ser retirado da razão social da CDD, uma vez que a defesa dos direitos sexuais e reprodutivos seria incompatível com os ideais da religião. Além de documentos judiciais, também são considerados materiais veiculados nas mídias sociais religiosas.
Com temática semelhante, o artigoAborto e Ativismo “Pró-Vida” na Política Brasileira, de Ana Carolina Marsicano e Joanildo Burity, traz reflexões sobre a atuação de grupos políticos conservadores a respeito do aborto a partir do perfil dos parlamentares brasileiros. No artigo, os autores mostram que “através de determinada política sexual o discurso conservador do mundo religioso católico e evangélico ‘pró-vida’ se vê reafirmado e reproduzido pelo conservadorismo político que compõe o cenário político contemporâneo no Brasil”.
Outros artigos partem de casos específicos para explorar a relação religião-política. Christina Vital da Cunha, emCultura Pentecostal em Periferias Cariocas: Grafites e Agenciamentos Políticos Nacionais, analisa a performance artística utilizada como estratégia por jovens marginalizados que se engajam em lutas sociais. EmConflitos entre Democracia Parlamentar e Religião Reacionária na Câmara Municipal de Fortaleza, Emanuel Freitas da Silva e Emerson Sena trabalham com enunciados políticos nas redes sociais para compreender “a legitimação do campo religioso cristão e a legitimação política a partir desse campo”. Por sua vez, Marcelo Camurça, emConservadores x Progressistas no Espiritismo Brasileiro: Tentativa de Interpretação Histórico-Hermenêutica, discute como o plano político também repercute nos debates internos das religiões, onde disputas discursivas são estabelecidas.
A Influência da Religião na Atuação de Damares Alves na Organização das Nações Unidas (ONU), artigo de Jordana de Moraes Neves e Rafael de Oliveira Wachholz, examina a influência da agenda religiosa da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, analisando seus discursos na ONU. “Problematiza-se de que maneira os valores religiosos da ministra se relacionam com os constrangimentos de uma esfera social pautada por regras laicas e seculares”, resumem os autores.
No artigoEm Nome do Laico, do Cisma, da Liberdade Religiosa, Amém, Bruno Curtis Weber explora a noção de “laicidade às avessas”, em que atores religiosos defendem a não intervenção do poder público na esfera religiosa, porém acionam o Estado para garantir certos privilégios na mesma área.
EmA Nova Institucionalidade Brasileira e os Riscos às Práticas Afrorreligiosas, Valdevino dos Santos Júnior discute a marginalização de religiões de matriz africana, em oposição aos grupos religiosos cristãos, dominantes na política e cada vez mais inseridos na institucionalidade. O autor expõe a dificuldade de manifestação dessas religiões no território brasileiro.
Além do dossiê, a nova edição da revistaPluralconta ainda com três seções:Artigos,ResenhaeTradução. EmArtigos, dois ensaios tratam da produção do conhecimento em sociologia e de experiências artísticas em Salvador (BA).Resenhadestaca o livroMarx Selvagem, do professor Jean Tible, do Departamento de Ciência Política da FFLCH, publicado no ano passado pela Editora Autonomia Literária. EmTradução, são publicadas as versões em português de dois ensaios de autores estrangeiros –Kant, Autoridade e Revolução Francesa, do filósofo norte-americano Sidney Axinn (1923-2018), eDinheiro – Um Meio Simbolicamente Generalizado da Comunicação? – Sobre a Doutrina do Dinheiro na Recente Sociologia, do sociólogo alemão Heiner Ganßmann.
Capa da nova edição daPlural – Revista de Ciências Sociais, que traz dossiê sobre política e religião no Brasil – Foto: Divulgação
A nova edição da Plural – Revista de Ciências Sociais (volume 28, número 1, 2021), que traz o dossiê Religião, Cultura e Política Entre o Progressismo e o Conservadorismo, está disponível na íntegra para download gratuito no site da publicação.
Como jovem negro, Rafael se incomodava principalmente com a 'vista grossa' de membros da igreja ao racismo
por Letícia Mori /BBC News
Rafael*, de 30 anos, frequentou a mesma igreja batista na zona sul de São Paulo durante toda a sua vida. Seus pais frequentavam o local quando ele nasceu.
Foi ali que Rafael cresceu e aprendeu tudo o que sabe sobre fé e cristianismo. Tinha amigos na comunidade religiosa, trabalhava na congregação e estudava para se tornar pastor.
"A igreja era todo meu projeto de vida. Você acha que vai se casar, vai ver seus filhos crescerem ali", conta ele à BBC News Brasil.
Foi por isso que, quando decidiu deixar de frequentar aquela igreja, o que passou foi "como se fosse um luto"
"Tive que passar por muita terapia porque foi algo bem complexo", diz Rafael. "Você não rompe só com a comunidade, você rompe com o futuro (que tinha planejado)."
O motivo do rompimento? Política. Mais especificamente, o fato que a orientação política da comunidade estava ficando cada vez mais "reacionária e agressiva" e o fato da igreja dar cada vez mais espaço para candidatos políticos de partidos de direita.
"Era muito bizarro. No começo, o tom de 'orar pelos que são da comunidade e estão se candidatando'", conta Rafael. "Mas só alguns políticos tinham esse espaço, se você defende qualquer tipo de obra social ou tem qualquer viés de esquerda, já não teria."
Ao mesmo tempo em que políticos ganhavam espaço, questões sociais como o racismo não eram discutidas, diz ele. "Vivenciei casos de racismo fora da igreja, na vida, mas nunca houve espaço para conversar sobre isso e discutir a questão lá dentro."
Como um jovem negro, era especialmente dolorido para Rafael ver fiéis e membros da direção da igreja se tornando militaristas. "Sempre existiu muita condescendência (entre os religiosos da sua comunidade) com as atitudes racistas da Polícia Militar", conta ele. "Defendia-se as Forças Armadas, a PM, sem espaço para discutir questões como a morte de jovens negros pela polícia."
O bolsonarismo se enraizou na comunidade, diz ele, com parte dos fiéis se tornando defensores tão aguerridos do presidente Jair Bolsonaro (PL) que chegavam a atacar Rafael verbalmente.
"Chegou em um ponto em que se tornou impossível se relacionar. Me chamavam de burro, diziam que eu defendia ladrão, que eu defendia o uso de drogas. Duvidavam se eu era crente mesmo, diziam que não sabiam se eu ia pro céu, que eu não era cristão de verdade, que eu era comunista", conta. "Eu dizia, 'gente, pelo amor de Deus, eu só não vou votar no Bolsonaro'."
Um episódio que o marcou foi quando uma pessoa próxima da igreja disse que "o nordeste tinha que se separar do Brasil" porque o Partido dos Trabalhadores tem votação expressiva na região.
O religioso conta que não escondeu seu desapontamento. "Meu pai é baiano. Quer dizer então que as pessoas da família do meu pai não mereciam votar só porque não votaram no mesmo candidato que você?"
"Chegou uma hora que (se não mudasse de igreja) ou entraria numa depressão ou teria que mudar o que eu acredito", afirma ele, que hoje está em uma igreja presbiteriana que não dá espaço para política partidária.
"Mudar de igreja é um caminho muito doloroso. Não me arrependo, mas deixei de lado uma parte da minha história, tive que ressignificar essa parte da minha vida"
Igrejas evangélicas são uma das bases de sustentação do bolsonarismo, diz pastor e teólogo Valdinei Ferreira
Represálias
Rafael não é o único fiel passando por esse caminho. Com igrejas evangélicas se tornando a principal base de apoio de Bolsonaro, diversos religiosos que não concordam com a defesa do presidente nas suas igrejas têm procurado outras congregações.
"É muito comum", conta à BBC News Brasil o pastor Valdinei Ferreira, professor de teologia e pastor titular da Catedral Evangélica de São Paulo, uma igreja presbiteriana independente no centro da capital. "Sempre aparece alguém vindo (de outras igrejas) com algum tipo de discordância política, principalmente nos últimos anos."
De acordo com uma pesquisa do Datafolha divulgada em 2 de setembro, cerca de 31% dos evangélicos discordam que "política e valores religiosos devem andar sempre juntos para que o Brasil possa prosperar".
Ferreira não se considera progressista — muito pelo contrário, é conservador. Mas é abertamente crítico a Bolsonaro, já que, segundo ele, o presidente não representa os valores cristãos. O pastor não fala de política partidária no púlpito, não defende candidatos, mas prega a favor de valores como a defesa da democracia e dos direitos humanos.
"Quero resguardar a missão da igreja como um espaço plural. Não podemos deixar de defender a democracia quando se usa um discurso pseudo-conservador para atacar o sistema eleitoral e os direitos humanos", afirma Ferreira. "Houve um sequestro do conservadorismo pelo reacionarismo autoritário."
A postura de Ferreira não vem sem riscos. Outros líderes críticos ao presidente ou que defendem outros candidatos têm sido hostilizados por seus pares.
O pastor Alexandre Gonçalves, de Santa Catarina, sofre ataques diários nas redes sociais por ter declarado voto em Ciro Gomes (PDT) — ele lidera um grupo de cristãos que apoiam o candidato.
Já Sergio Dusilek, pastor do Rio de Janeiro, teve que renunciar à presidência da Convenção Batista Carioca após sofrer ataques de outros líderes por ter participado de um ato político-partidário, de apoio à candidatura de Lula.
Em sua carta de renúncia, Dusilek lembrou que diversos pastores batistas têm defendido Bolsonaro abertamente sem sofrer nenhuma reprimenda.
"Ao longo dos últimos doze anos, os batistas convencionais não condenaram os pronunciamentos contra alguns partidos políticos e seus quadros, antes permitiram acenos ao espectro político mais à direita, tolerando inclusive a fala presidencial em assembleia. Tampouco condenaram o apoio de líderes denominacionais à candidatos", escreveu.
"Não contaminei o espaço religioso: o templo. Não profanei o sagrado: o culto. Tampouco violei a consciência de qualquer congregação", continuou ele. "Falei de Justiça Social. Denunciei a mendicância que violenta nossos compatriotas e avilta a Deus."
A postura hostil a quem demonstra discordância política atinge também os fiéis, diz o pastor Valdinei Ferreira. Muitas pessoas que se mudaram para a congregação de Ferreira até tentaram dialogar em suas comunidades antes, diz ele, mas trocam de igreja por não receberem "nenhum tipo de acolhida".
"Quando não são hostilizados, recebem um 'gelo'", afirma. "O que é muito doloroso. Tem famílias que estão há duas, três, quatro gerações na mesma comunidade."
E além de toda a dinâmica local ser diferente em uma nova igreja, há também a questão denominacional: existem diferenças teológicas e no estilo de culto entre igrejas evangélicas de diferentes vertentes.
Luto
A palavra "luto" foi usada por diversos evangélicos que trocaram de igreja e conversaram com a BBC. Gabriel*, de 26 anos, conta que foi exatamente isso que sentiu quando deixou de participar dos cultos da Assembleia de Deus na zona oeste de São Paulo que frequentava desde que se mudou para a cidade, alguns anos atrás.
"Foi um sentimento de luto, de me entristecer. Foi muito difícil", diz ele à BBC News Brasil.
Formado em história, o jovem hoje faz segunda graduação em teologia — e pediu para não ter o nome divulgado com receio de ter problemas políticos na instituição onde faz o curso.
Gabriel conta que teve uma "formação democrática" e já se incomodava com algumas posturas da igreja desde que começou a frequentá-la — como o apoio ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
"Passei a ter um pensamento mais crítico ao perceber que certos posicionamentos não eram uma defesa de valores e pautas, mas uma abordagem eleitoreira e partidária", diz ele à BBC News Brasil.
Mas o apoio aberto a Bolsonaro — principalmente durante a pandemia — foi o que fez o jovem de fato querer se afastar da congregação. A gota d'água, diz ele, foi neste ano, com a participação do presidente em um podcast da igreja.
"Depois disso eu não pretendo voltar lá", afirma. "Na maioria das vezes o apoio não é no púlpito, isso acontece, mas em geral o culto em si não tem apelo político. Esse apoio é principalmente em outras mídias, no dia a dia, nos momentos de conversa. Mas hoje em dia não é uma coisa que dá para separar."
Gabriel diz que "Bolsonaro é uma das páginas mais sombrias do cristianismo evangélico no Brasil".
"Ele pega algumas pautas, usa uma linguagem bíblica, uma preocupação bíblica e distorce para servir ao seu projeto de poder", diz o estudante de teologia.
E posturas do presidente que são diretamente opostas a valores cristãos, diz ele, como a linguagem violenta e a cultura de morte, são ignoradas por essas lideranças.
"Ninguém que conhece Bolsonaro pode dizer que ele é um homem piedoso. Essa aproximação com ele envolve esses apagamentos, silenciamentos sobre a trajetória dele.
O pastor Valdinei Ferreira diz que o conservadorismo 'sequestrado' pelo 'reacionarismo autoritário'; ele recebe diversos fieis que deixaram de congregações bolsonaristas
Medo
Assim como Gabriel e os outros entrevistados pela BBC, o fotógrafo e técnico de som Leonardo*, de 36 anos, pediu para não ter seu nome verdadeiro divulgado.
Seu receio, diz ele, não é nem menosprezado pelos membros da sua igreja — da qual ele está saindo — mas sofrer ataques violentos de bolsonaristas ao revelar seu apoio a Lula.
"A galera da igreja eu discuto e 'já era'", diz ele, "mas os malucos soltos e armados por ai... Sem contar militantes na internet invadindo contas das pessoas etc."
A violência política que ele teme é bem real. No início de setembro, o fiel Davi Augusto de Souza foi baleado dentro de uma igreja da Congregação Cristã do Brasil em Goiânia. O tiro, que atingiu suas pernas, foi disparado por um policial militar à paisana por causa de desavenças políticas entre um pastor da igreja e o irmão de Davi.
Leonardo frequenta a mesma igreja batista, na zona oeste de São Paulo, há 30 anos. Seus pais, sua esposa e a família dela fazem parte da congregação. Ali também fez amigos e ganhou habilidades que depois transformou em uma carreira. Seu descontentamento, embora tenha se agravado nos últimos anos, é "um desgosto de longo prazo".
"Desde moleque, cantei, atuei, me tornei técnico de som, liderei equipe de som. Toquei em orquestra, fiz parte do ministério de dança. Minha esposa também nasceu na igreja, a gente tem foto junto no berçário", conta.
"Eu realmente me vi como parte da igreja por 3 décadas. Minha igreja é uma comunidade com quase 100 anos. Tem um peso aí, um orgulho de ter sido parte disso. Mas de repente você não se sente mais parte disso. Porque teus valores são outros."
Leonardo diz que na comunidade "não se fala abertamente de partido A ou B" mas existe um apoio velado à direita. O religioso conta que notícias falsas contra candidatos de esquerda se espalham "que nem fogo no palheiro" nos grupos de WhatsApp da comunidade.
Ele enumera outras discordâncias: "Temos uma gestão majoritariamente branca e pouco voltada de fato para a realidade da comunidade. A postura das lideranças femininas ainda frisa a ideia de submissão da mulher e coloca o homem como provedor da casa, algo que na periferia é totalmente desconectado da realidade, as famílias são chefiadas e sustentadas por mulheres."
Leonardo conta que já viu de um pastor convidado posições que enxergam o ensino superior como "uma influência negativa" na fé do jovem.
"Do tipo, de ir pra faculdade e se desviar da igreja. Isso chama atenção porque as igrejas batistas sempre foram mais voltadas para uma linha racional que preza o estudo, a academia. E de certa forma é até elitista por conta disso. Mas nos últimos anos (a igreja batista) vem se desfigurando", afirma.
Seu irmão, que é gay, já saiu da igreja há muitos anos. Mas Leonardo ainda procura uma outra congregação — ele não quer abandonar a religião.
O rompimento com a igreja significa abrir mão de toda uma comunidade
Indignação
O advogado Felipe*, de 26 anos, que trocou uma igreja da Assembleia de Deus na zona leste de São Paulo por uma congregação presbiteriana na mesma região, diz que viu uma lenta entrada da política no púlpito culminando em apoio explícito a Bolsonaro — que, para ele, foi decisivo para o rompimento com a comunidade.
"Era uma coisa um pouco velada até virar uma coisa muito explícita. Em 2010 eles já diziam em quem não votar — em candidatos de esquerda", conta ele.
No começo, diz, suas divergências eram "sanáveis". Mas quando o bolsonarismo se infiltrou no meio evangélico, se tornou impossível continuar.
"Foi um show de horror a adesão da igreja evangélica como um todo ao Bolsonaro. Não só não só da Assembleia de Deus, mas batistas, presbiterianas. Foi um ponto de muita ruptura", conta.
"Eu ficava duplamente ofendido. Sentia muita raiva e indignação com o uso do púlpito para finalidades que ele não tem — ele não é o espaço para política partidária. E também sentia que a igreja não me aceitava ali", diz ele, que diz que tornou sua revolta bastante pública.
"Um dia um pastor subiu no púlpito e começou a falar que Deus tinha eleito Bolsonaro e a esquerda era nojenta. Eu saí do culto — eu tocava na igreja, então estava em um lugar bem visível — e as pessoas perceberam", conta Felipe.
O advogado também acabou entrando em muitas discussões com os irmãos de igreja nas redes sociais que foram esgarçando sua relação com a comunidade.
"A última gota foi em 2020 quando o Bolsonaro foi na minha igreja, no auge da pandemia, a gente estava vivendo toda aquela desgraça, e fizeram uma entrada triunfal pra ele", recorda.
Ele diz que trocar de igreja não foi uma decisão fácil — e foi um processo longo até que finalmente encontrou, neste ano, um lugar em que ficou feliz em servir. Sua igreja hoje está longe de ser progressista.
"Mas a gente consegue ser uma comunidade independentemente do posicionamento político que as pessoas têm ali", afirma.
Suporte
Apesar de todas as dificuldades emocionais que uma pessoa de classe média passa ao trocar de congregação, a possibilidade de mudar de igreja ainda é, de certa forma, um privilégio, diz o cientista político Vinicius do Valle, que realiza pesquisas no meio evangélico há mais de dez anos.
Isso porque, para pessoas mais pobres, a comunidade religiosa da qual fazem parte é a "coluna de sustentação" de ainda mais aspectos de suas vidas.
Além da fé e da religiosidade, a igreja na periferia traz uma série de apoios "muito palpáveis", explica o pesquisador, que é autor do livro Entre a Religião e o Lulismo.
"Envolve uma série de bens, ajuda mútua e sustentação para a vida. Para saber de vagas de trabalho, por exemplo. Para quem precisa alugar um lugar para morar e não tem fiador, para quem precisa de um lugar para deixar os filhos — boa parte está aberta o tempo todo", afirma.
"Quem tem uma rede de apoio ampla percebe que esse tipo de ajuda e contato acontece toda hora. Mas para muitas pessoas que são pobres, sozinhas, que vêm para São Paulo de outros lugares, essa rede só existe na igreja", diz o pesquisador.
São comunidades religiosas que oferecem serviços e ocupam espaços onde o Estado falta, segundo Valle. "Em muitos lugares você tem só a igreja, por isso que ela acaba tomando esse tamanho. Se o pastor diz que um candidato vai dificultar a ação das igrejas, mesmo que não seja verdade, isso gera um medo muito grande."
Ele explica que na periferia, as igrejas funcionam como espaço educativos e formativos. "Na escola bíblica se melhora a leitura, se dá um recurso pedagógico a mais. Além disso, elas viraram centros culturais: têm peças de teatro, grupos musicais, congressos de homens, congressos de mulheres, apresentações de crianças."
Segundo Valle, todos esses recursos fazem com que um rompimento com a comunidade por divergências políticas seja ainda mais doloroso e difícil, pois significa abandonar essa rede que proporciona segurança — e não há garantia de encontrá-la em outra congregação.
Isso também torna mais difícil que a pessoa manifeste uma opinião que não seja majoritária na comunidade por medo do isolamento.
"Existem muitos evangélicos que discordam do apoio a Bolsonaro. Mas muitas vezes eles simplesmente se calam", diz.
*os nomes foram alterados a pedido dos entrevistados
'Percebemos oportunismo de muitos políticos ligados ao bolsonarismo para usar os ambientes de troca de informação dos evangélicos para ganhar confiança, disseminar desinformação e angariar votos', diz pesquisadora
por Julia Braun /BBC News
(crédito: Getty Images)
Filhos e aliados próximos do presidente Jair Bolsonaro foram peça-chave no compartilhamento a milhões de brasileiros de desinformação sobre perseguição a cristãos durante a campanha eleitoral.
As mensagens — compartilhadas não apenas por políticos influentes como também por usuários comuns — associam candidatos de esquerda, principalmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a falsos projetos para proibir pregação de pastores, criminalizar a fé evangélica e até retirar o nome de Jesus da Bíblia.
Outras fazem referência a casos reais de violência contra comunidades religiosas em países da América Latina, Ásia e África e alardeiam que isso pode ocorrer no Brasil.
"No cenário eleitoral e político brasileiro atual, isso se traduz em uma representação de Lula como um anticristão, enquanto que o Jair Bolsonaro é representado como um grande Messias", afirma Débora Salles, professora da Escola de Comunicação da UFRJ e uma das pesquisadoras do NetLab responsável pelo relatório 'Evangélicos nas redes'.
O relatório monitorou perfis de influenciadores com grande alcance no segmento evangélico entre janeiro e agosto de 2022 e identificou os macro-influenciadores e perfis mais relevantes no terreno da desinformação de fundo religioso.
Entre eles, personalidades com ampla base de seguidores nas redes como o senador Flávio Bolsonaro (PL), o deputado Eduardo Bolsonaro (PL) e o vereador Carlos Bolsonaro (PL); os deputados Marco Feliciano (PL) e Carla Zambelli (PL); e o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo.
A BBC News Brasil analisou as redes sociais dessas seis figuras expoentes entre 6 de agosto e 6 de setembro e encontrou pelo menos 85 mensagens que usavam o temor de perseguição para "demonizar" adversários como Lula e Ciro Gomes.
Foram identificadas 14 postagens nas páginas do senador Flávio Bolsonaro, 11 nas do deputado Eduardo Bolsonaro, 2 na do vereador Carlos Bolsonaro, 8 nas de Carla Zambelli e 3 na do pastor Silas Malafaia no período. O campeão de postagens, porém, foi Marco Feliciano, com um total de 47 em apenas um mês.
Desse total, três mensagens chegaram a ser proibidas pelo TSE por "deturpar e descontextualizar" notícias a fim de gerar a "falsa conclusão no eleitor".
"Percebemos oportunismo de muitos políticos ligados ao bolsonarismo para usar os ambientes de troca de informação dos evangélicos para ganhar confiança, disseminar desinformação e angariar votos", diz a professora Rose Marie Santini, fundadora do NetLab, laboratório vinculado à Escola de Comunicação da UFRJ dedicado a estudos de internet e redes sociais.
"As pessoas estão mais informadas em relação ao perigo das fake news do que estavam em 2018, quando muitos foram pegos de surpresa. Mas certamente esse tipo de desinformação com fundo religioso terá grande impacto no resultado", diz Magali Cunha, doutora em Ciências da Comunicação, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (Iser) e editora-geral do Coletivo Bereia, especializado em checagem de notícias falsas com teor religioso.
'Banir a religião cristã'
Uma das fake news compartilhadas nos perfis monitorados pela BBC News Brasil afirma que Lula editou um decreto para "banir a religião cristã" em 2010.
Trata-se de um vídeo que combina reportagens da Band e da TV Globo sobre o decreto conhecido pela sigla PNDH-3 (Programa Nacional de Direitos Humanos), de 2009.
Antes do vídeo, uma narração faz a seguinte pergunta: "Você sabia que em 2010 o presidente Lula assinou o decreto PNDH-3 para censurar a imprensa e banir a religião cristã e dar direito de posse da terra a invasores? Mas o projeto foi barrado pelo Congresso. Acha que se ganhar a eleição, ele não vai tentar novamente?".
A alegação é falsa. O documento assinado por Lula não cita qualquer tipo de banimento da religião cristã. O decreto, que ainda está em vigor, propõe justamente o inverso: incentivar a liberdade religiosa e combater a discriminação.
O documento também não prevê censura à imprensa ou dar o direito de posse de terra a invasores. O vídeo foi compartilhado em diversas redes sociais. No TikTok, uma das postagens tem quase 100 mil visualizações.
Ele também foi compartilhado pelo senador Flávio Bolsonaro em suas páginas no Facebook e Instagram no dia 19 de agosto e retuitado pelo deputado Eduardo Bolsonaro a partir de outro perfil no Twitter em 25 de agosto.
A BBC News Brasil entrou em contato com os dois filhos do presidente, mas eles não responderam aos pedidos de comentário até a publicação desta reportagem.
Nas postagens do senador Flavio Bolsonaro, entre comentários de 'Lula nunca mais' e '#bolsonaro2022', uma usuária escreveu: "Isso precisa ser divulgado em todas redes sociais". Uma outra versão da mesma notícia falsa foi postada pelo deputado Marco Feliciano no Facebook e Instagram em 20 de agosto.
Em 19 de agosto, Eduardo publicou no Twitter, Facebook e Instagram uma montagem afirmando que "Lula e PT apoiam invasões de igrejas e perseguição de cristãos". Na mesma imagem, há recortes de notícias sobre a perseguição de religiosos na Nicarágua e de declarações do PT e de Lula sobre o presidente Daniel Ortega.
Após um pedido da campanha do petista, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) determinou no início de setembro a remoção das publicações, que não estão mais no ar, por "deturpar e descontextualizar quatro notícias a fim de gerar a falsa conclusão, no eleitor, de que o ex-presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores apoiam invasão de igrejas e a perseguição de cristãos".
A reportagem entrou em contato com a campanha de Lula, mas não obteve resposta.
Eduardo Bolsonaro já tinha recebido ordens do TSE para tirar do ar um vídeo que, segundo o tribunal, apresentava de forma descontextualizada e editada um material cujo objetivo era dizer que Ciro Gomes, candidato à presidência do PDT, prega a desarmonia entre as religiões.
A postagem afirma, entre outras coisas, que Ciro "comparou igrejas com o narcotráfico em 2018". "Os recortes são manipulados com o objetivo de prejudicar a imagem do candidato, emprestando o sentido de que ele seria contrário à fé católica e odioso aos cristãos", escreveu o ministro Raul Araújo, do TSE, na decisão.
'Discurso de ódio para destruir as igrejas evangélicas'
As mensagens que fazem referência a uma ameaça de perseguição aos cristãos não estão apenas no Facebook, Instagram e Twitter. São compartilhadas também por usuários desconhecidos em aplicativos de mensagem como WhatsApp e Telegram, com muito menos controle das autoridades.
Segundo levantamento feito pelo Monitor de WhatsApp da UFMG a pedido da BBC News Brasil, a mensagem mais compartilhada nos mais de mil grupos públicos acompanhados na rede social desde o começo do ano e que contém expressões como 'cristofobia', 'destruir as igrejas' e 'intolerância religiosa' é também de ataque ao ex-presidente Lula.
A postagem diz, entre outras coisas, que o candidato "não tem apreço por pastores e militares, faz um verdadeiro discurso de ódio para destruir as igrejas evangélicas" e foi enviada um total de 19 vezes por 6 usuários distintos em 15 dos grupos monitorados pelos pesquisadores.
A segunda mais repostada, porém, também contém distorções, mas contra o presidente Jair Bolsonaro.
"O povo de Deus abandonou Bolsonaro e suas mentiras, ele é o enviado da morte, fome, desgraça e desemprego, que veio para destruir as igrejas evangélicas com política, e jogar irmão contra irmão", diz o texto, enviado 18 vezes por 3 usuários distintos em 10 grupos.
Entre as mensagens detectadas pela UFMG há ainda uma que se refere a uma suposta "lei de proteção doméstica" em debate no Senado Federal que proibiria a pregação religiosa. Ela foi enviada um total de 68 vezes por 49 usuários distintos e apareceu em 63 grupos.
A mensagem cita uma iniciativa debatida no Senado que teria como objetivo, entre outras coisas, determinar a prisão religiosa por pregações em horários impróprios e a sanção de congregações e fiéis. Segundo o coletivo Bereia, trata-se de uma notícia falsa, e não existe Projeto de Lei em discussão denominado "Proteção Doméstica".
O texto em tramitação mais próximo ao citado é o PL 524/2015, que está parado no Senado Federal e prevê estabelecer limites para emissão sonora nas atividades em templos religiosos, sem menção à prisão religiosa, proibição de pregações ou limitação da liberdade religiosa.
'Um alerta à igreja'
Mas nem todos os posts identificados pela reportagem são imediatamente reconhecidos como fake news. Enquanto alguns usam notícias ou declarações tirados do contexto com o objetivo de desinformar, outros simplesmente reproduzem o discurso que explora o temor de restrição à liberdade religiosa.
Um vídeo em que o ex-presidente Lula aparece falando justamente do crescimento das fake news religiosas e acusa algumas pessoas de "fazer da Igreja um palanque político" foi compartilhado com frequência no final de semana de 20 e 21 de agosto e associado a um ataque a pastores e igrejas.
"Tem muita fake news religiosa correndo por esse mundo. Tem demônio sendo chamado de Deus e gente honesta sendo chamada de demônio", diz o petista na gravação feita durante um comício. Em seguida, ele afirma que, em um eventual novo governo seu, o Estado será laico. "Eu, Luiz Inácio Lula da Silva, defendo Estado laico, o Estado não tem que ter religião, todas as religiões têm que ser defendidas pelo Estado", diz
"Igreja não deve ter partido político, tem que cuidar da fé, não de fariseus e falsos profetas que estão enganando o povo de Deus. Falo isso com a tranquilidade de um homem que crê em Deus."
Ao ser compartilhado nas redes sociais, porém, o vídeo foi descrito como uma demonstração de ódio ou zombaria. "Mais uma vez Lula zomba da fé cristã. Desta vez, atacando o sacerdócio e a honra de padres e pastores. INACEITÁVEL!", escreveu a deputada Carla Zambelli.
A BBC News Brasil procurou Zambelli, que afirmou em nota que "existe, sim, uma ameaça à liberdade do Cristianismo no Brasil, e não podemos ignorar isso tão somente argumentando que vivemos em um país majoritariamente cristão".
"Os ataques ocorrem não apenas a templos e igrejas, mas a valores cristãos. A censura à manifestação religiosa é uma tática antiga de ideologias de esquerda, como no regime soviético, que taxou igrejas, proibiu a venda e circulação da Bíblia Sagrada e praticou diversas campanhas antirreligiosas", disse ainda a deputada, que é autora de um projeto de lei para ampliar a legislação sobre crimes contra a liberdade religiosa.
O vídeo também foi repostado por Flávio, Eduardo e Carlos Bolsonaro e pelo deputado Marco Feliciano.
Carlos Bolsonaro não respondeu ao pedido de comentário feito pela reportagem. Em nota, Feliciano afirmou que suas postagens não se tratam de fake news e que parte de "premissas incontestes" quando faz alertas sobre a ameaça à liberdade religiosa dos cristãos.
"Desavisados, manipuladores e as esquerdas atribuem às ideias conservadoras como fake news. Numa narrativa rasa dos assuntos que não lhes convém! Quando eu publico um alerta ao povo que me elegeu, cristãos evangélicos e conservadores, eu parto de premissas incontestes!", disse Marco Feliciano em nota enviada à BBC News Brasil.
"Em todos os países em que a esquerda socialista-comunista tomou o poder à força ou pela urnas, quando não conseguiu uma Igreja subserviente, partiu para a mais atroz perseguição, como estamos assistindo na Nicarágua, que persegue a Igreja Católica expulsando freiras e fechando as emissoras de rádio cristãs, regime que tem muitos amigos por aqui (Brasil). Completo: não se trata de falso temor, mas da sabedoria popular: 'o seguro morreu de velho'".
Mas a professora Marie Santini, da UFRJ, afirma que mensagens como as postadas pelos filhos e aliados de Bolsonaro geram desinformação e alardeiam pânico sem apresentar evidências que justifiquem esse temor.
"Entendemos fake news como algo que parece jornalismo, mas na verdade é só propaganda. A desinformação é algo mais amplo, inclui teorias da conspiração, distorção de fatos, discursos de ódio e que citam a intolerância e o ódio, por exemplo", diz Santini.
Em alguns dos vídeos compartilhados pelo pastor Silas Malafaia, a reportagem também identificou o discurso classificado como desinformativo pelos especialistas e que trata, por vezes de forma implícita, da ameaça de perseguição aos cristãos.
Em um vídeo postado em seu canal no YouTube em 4 de setembro e compartilhado também em suas páginas no Facebook, Instagram e Twitter, o pastor faz um "alerta" à sua igreja e fala sobre um avanço "com toda força" contra os evangélicos.
"Ficamos chocados quando comunistas e ímpios rasgam a Bíblia e tacam fogo nela. E quando os crentes rasgam a Bíblia do seu coração apoiando gente que nos odeia e odeia nossos fundamentos e princípios?", diz Malafaia, no vídeo de cerca de 11 minutos.
"Eu estou dando um alerta, depois não chora. Porque meu irmão, vão vir em cima da igreja com toda força (...), porque nós somos o último guardião contra aquilo que eles creem e acreditam."
O vídeo tem mais de 150 mil visualizações no YouTube. Um trecho compartilhado no perfil de Malafaia no Instagram tem 84 mil curtidas.
A reportagem procurou o pastor Silas Malafaia, que afirmou que suas postagens não são fake news e que suas manifestações fazem parte de seu direito de expressão. "A minha fala não tem relação com perseguição. O que estou dizendo é que não podemos apoiar um candidato que é contra nossas crenças, valores e fundamentos", disse.
Como exemplos de medidas que corroboram sua visão, Malafaia citou a PLC 122/2006, que criminaliza a homofobia, como um projeto cujo objetivo era "botar padre e pastor na cadeia que impedisse que gays dessem beijo no pátio da igreja" e que foi apoiado pelo PT.
Em sua redação final aprovada na Câmara dos Deputados, antes de ser enviado ao Senado, a proposta citada pelo pastor não mencionava padres ou pastores. Um dos artigos previa pena de reclusão de dois a cinco anos para quem impedisse ou restringisse a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público por discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. O projeto, porém, foi arquivado.
Malafaia disse ainda que, durante seu governo, a ex-presidente Dilma Rousseff "promoveu através do secretário Rachid da Receita Federal perseguição às igrejas". "Eu sou um que sofreu perseguição e multas violentas, de pura maldade", disse à BBC News Brasil.
'Cristofobia'
O uso do tema da perseguição a cristãos pela esquerda, porém, não é novo. O discurso remonta às eleições de 1989, quando o PT lançou Lula candidato pela primeira vez e apoiadores de Fernando Collor de Mello usaram o imaginário da ameaça comunista relacionada ao PT e o discurso de que ele fecharia as igrejas para apoiar sua campanha.
A narrativa foi retomada com mais força mais recentemente, nas eleições municipais de 2020, sob o rótulo do termo "cristofobia". Dentro das esferas evangélicas, o termo tem sido usado para se referir a perseguições sofridas por adeptos do cristianismo em diversos países, principalmente em locais onde eles são minoria. Bolsonaro usou a expressão em discurso na ONU naquele ano.
"Há alguns anos, eram mais comuns as postagens que identificavam casos de perseguição a cristãos no Oriente Médio, na China e em países ligados ao comunismo. As mensagens criavam um certo pânico em torno disso e chamavam os cristãos brasileiros para que tivessem solidariedade", afirma Magali Cunha.
"Mas de 2020 para cá, temos observado que se está trazendo para a realidade do Brasil esse tipo de abordagem."
O antropólogo Flávio Conrado é assessor de campanhas do grupo de pesquisa Casa Galileia e coordena um projeto de monitoramento de perfis cristãos nas redes sociais.
Segundo ele, a narrativa de perseguição religiosa tem objetivo de atingir especialmente os grupos evangélicos, mas em muitos momentos também acaba por chamar a atenção de católicos mais conservadores.
"Algumas das vozes por trás das postagens usam uma estratégia de se associar aos católicos e passam a falar em nome dos cristãos como um todo", diz. Para Conrado, o objetivo por trás da campanha de desinformação é usar o temor de um ambiente de perseguição para atrair votos.
De acordo com Débora Salles, o discurso de ameaça à liberdade religiosa dos cristãos também se mistura de forma intensa com uma outra narrativa que vem sendo difundida com frequência nas redes sociais — a de que existe uma "guerra" de valores morais entre evangélicos e a esquerda.
"Essas narrativas se baseiam em uma lógica populista em que tenta se criar a ideia de que há uma guerra político cultural em que os evangélicos deveriam se juntar pela defesa dos seus valores, que estão ameaçados por uma esquerda associada a instituições democráticas, à mídia tradicional e a figuras importantes do cenário cultural", explica a pesquisadora
Em alguns de seus vídeos para as redes sociais, o vereador mineiro Nikolas Ferreira (PL-BH) dá voz a esse discurso.
"Esse vídeo é um alerta para abrir os nossos olhos para a guerra silenciosa que estamos vivendo", diz ele em um vídeo de março, em que fala sobre uma "doutrinação" nas escolas e universidades e cita a criação de um exército pelo que define como "o inimigo" dos cristãos.
Em outra postagem, associa a campanha do ex-presidente Lula à ditadura da Nicarágua e à invasão de igrejas. "Essa galerinha de esquerda gosta de invadir uma igreja né? Imagina quantas igrejas não serão invadidas se o Lula estiver no poder?", diz no vídeo, que tem mais de 500 mil curtidas.
O vereador de 26 anos tem uma grande comunidade de fãs nas redes, com 3,1 milhões de seguidores no Instagram e 1,4 milhão no TikTok.
Nikolas Ferreira, enviou a seguinte nota à reportagem: "Eu não me baseei em achismo ou levantei meras suposições, mas expus fatos que evidenciam igrejas sendo invadidas, imagens sendo quebradas e profanadas nos países da América Latina. A perseguição já existe. Inclusive, o amigo do Lula, Daniel Ortega, está fechando rádios católicas e perseguindo fiéis na Nicarágua. Desinformar é dizer o contrário."
Segundo o antropólogo Flávio Conrado, também são comuns os conteúdos desinformativos que, por exemplo, associam o PLC 122/2006, projeto de lei chamado informalmente de "projeto anti-homofobia", apresentado em 2001 para punir criminalmente discriminação de gênero e de orientação sexual, com a perseguição a pastores e o fechamento de igrejas.
A proposta foi arquivada no final de 2014, mas em junho de 2019 o STF decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia, com a aplicação da Lei do Racismo (7.716/1989).
Em um vídeo compartilhado no início de agosto, o deputado Marco Feliciano afirma que pastores de todo o Brasil estão sendo perseguidos e processados por se recusarem a celebrar casamentos entre pessoas do mesmo. "A liberdade de consciência e crença está em jogo. A Igreja precisa resistir!!!", escreveu na legenda.
Mas há ou não perseguição a cristãos no Brasil?
Todos os anos, a ONG internacional Portas Abertas, que auxilia cristãos que sofrem opressão por conta de sua religião, produz um ranking dos 50 países onde seguidores do cristianismo são mais perseguidos por causa de sua fé.
O estudo é feito a partir de relatos de incidentes de violência. Na edição de 2022 do ranking, os únicos países da América Latina citados como localidades onde há perseguição severa são Colômbia (30ª posição), Cuba (37ª) e México (43ª).
Há ainda uma lista de países em observação, que engloba outras 26 nações — entre elas estão Nicarágua (61°), Venezuela (65°), Honduras (68°) e El Salvador (70°). O ranking é elaborado anualmente e a edição atual foi feita entre setembro de 2020 e outubro de 2021, o que significa que a classificação de alguns países pode mudar na próxima publicação.
O governo da Nicarágua, citado em muitos dos conteúdos desinformativos identificados pela reportagem, tem sido, de fato, denunciado por repressão à Igreja Católica no país. A tensão entre o Executivo do presidente Daniel Ortega e a instituição cresceu desde que o clero forneceu abrigo a estudantes envolvidos nos protestos de 2018.
Mas desde que a lista do Portas Abertas começou a ser feita, há quase 30 anos, o Brasil não aparece no ranking e é classificado como livre de perseguição.
Segundo o sociólogo Clemir Fernandes, pesquisador do Instituto de Estudos da Religião (Iser) e pastor da Igreja Batista, o discurso em torno da cristofobia sequer faz sentido em um país como o Brasil, onde 86,8% da população se identifica como cristã, entre católicos e evangélicos, segundo dados do censo de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
"Não é possível falar de perseguição a um grupo que não só é majoritário numericamente, como também tem grande representação nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e na cultura brasileira", diz.
Ainda de acordo com o pesquisador, o ambiente de confiança criado em torno das igrejas evangélicas e os laços formados entre os fiéis facilita a difusão dos conteúdos falsos nesse ambiente.
"Muitas pessoas podem julgar as informações passadas nos grupos evangélicos como verdadeiras porque não verificam a sua veracidade, mas também porque elas foram repassadas por irmãos de fé", diz Clemir Fernandes.
Mas há preconceito?
Embora não haja evidências de perseguição concreta a cristãos no Brasil, pesquisadores afirmam que há "arrogância" e "preconceito", especialmente por parte da elite de esquerda, ao falar sobre evangélicos.
No segundo turno da eleição de 2018, o então candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad, chamou o pastor Edir Macedo, fundador da Igreja Universal, de "representante do fundamentalismo charlatão".
Para o historiador e antropólogo Juliano Spyer, isso custou votos a Haddad e deu munição a segmentos evangélicos que defendiam um apoio formal de suas igrejas a Bolsonaro.
"As camadas médias e altas do Brasil têm uma visão fora de foco do Brasil popular e ignoram esse fenômeno [evangélico]. Isso é problemático, porque generaliza a imagem de um grupo de brasileiros com imensa importância cultural, econômica e política", diz Spyer, que é autor do livro O Povo de Deus: Quem são os evangélicos e por que eles importam.
"Ao tratar os evangélicos de forma desrespeitosa, arrogante, desinformada e com uma série de críticas por serem religiosos, estamos abrindo mão do diálogo com as pessoas que têm valores conservadores".
'Realmente acho que pode acontecer aqui no Brasil'
Luciana Casa Grande, de 40 anos, frequenta uma Igreja Batista em São José dos Campos, São Paulo. Assim como muitos outros evangélicos no país, ela vem sendo exposta nas redes sociais a conteúdos que alardeiam uma ameaça à liberdade religiosa dos cristãos.
"Leio com frequência postagens e notícias nas redes sociais que falam sobre invasões, incêndios e atentados em igrejas ou assassinatos de cristãos na África e em outros lugares", afirmou a arquiteta à BBC News Brasil. "Pela intolerância que vejo, principalmente dos partidos de esquerda ou daqueles que se autodenominam socialistas ou comunistas, realmente acho que pode acontecer aqui no Brasil."
Luciana afirma acompanhar com frequência o perfil de alguns dos aliados de Jair Bolsonaro citados pela reportagem, como Nikolas Ferreira e a vereadora Sonaira Fernandes (PL-SP), outra aliada de Jair Bolsonaro que dá voz ao discurso desinformativo de perseguição religiosa.
Em um post na página do Instagram de Fernandes, em que a vereadora que se autodenomina cristã fala sobre a possibilidade de ataques ao cristianismo no Brasil a partir de um vídeo de uma homilia de um bispo católico, Luciana expressou sua apreensão: "Deus é maior! É hora dos cristãos se posicionarem e se colocarem à disposição de Nosso Senhor Jesus Cristo!", escreveu a paulista nos comentários.
Em nota enviada à reportagem, a vereadora Sonaira Fernandes disse que é cristã "antes de ser qualquer outra coisa, e tenho todo direito de expressar minhas convicções religiosas, conforme prevê a Constituição".
"Diz o filósofo Luiz Felipe Pondé que o único preconceito ainda socialmente aceito no Brasil é contra evangélicos e católicos. Isso fica evidente quando uma declaração minha, que reflete minha cosmovisão cristã, é demonizada e criminalizada", afirma.
Luciana já tem seu candidato à presidência definido: "Vou votar no Bolsonaro, principalmente porque ele defende as coisas em que eu acredito", diz.
"Gosto da defesa que ele faz pelo fim da sexualização das crianças. A questão do aborto também, eu sou contra o aborto".
Algumas informações que circulam nas redes sociais sobre o ex-presidente Lula também influenciaram Luciana no momento de escolher seu candidato. "Temos ouvido falar que o Lula vai colocar os padres e os pastores em seu devido lugar. Sempre faz um ataque nesse sentido", diz a arquiteta.
"Vi na internet e em cortes de vídeos, mas não me lembro onde exatamente. Leio muita coisa, não fico catalogando."
Candidato à Presidência pelo PTB, Padre Kelmon estreia em debates presidenciais neste sábado e chama atenção com trajes característicos da matriz ortodoxa da Igreja Católica e defesa enfática do movimento pró-vida. O candidato, ainda desconhecido por muitos na véspera das eleições, foi alçado a cabeça de chapa depois que a candidatura de Roberto Jefferson (PTB) foi indeferida no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O baiano Kelmon Luís da Silva Souza, de 45 anos, se diz ortodoxo, mas nunca foi sacerdote das igrejas da comunhão ortodoxa no Brasil, como revelou a coluna de Malu Gaspar. Ainda assim, ele celebra missas e batismos na Bahia e ganhou notoriedade em grupos conservadores graças ao discurso bélico contra a esquerda.
A despeito de suas frágeis credenciais, já foi recebido pelo Arcebispo do Rio de Janeiro, o cardeal Dom Orani Tempesta, participou de convocações para os atos golpistas do 7 de setembro no ano passado na condição de religioso e até recebeu um desagravo da deputada Carla Zambelli (PL-SP) nas redes sociais.
A batina, marca registrada do autointitulado sacerdote em eventos públicos, foi a vestimenta escolhida para a foto que vai aparecer nas unas no próximo dia 2. Ele também se diz admirador dos falecidos políticos Levy Fidélix e Enéas Carneiro, usa seu canal no YouTube para denunciar a “islamização” e a “perseguição” a cristãos no Brasil e já foi filiado ao PT.
Apesar de não atuar em nenhuma igreja ortodoxa no país, Kelmon fundou e coordena o Movimento Cristão Conservador Latino-Americano e esteve à frente do Movimento Cristão Conservador do PTB — ele se licenciou pouco antes de figurar como postulante ao Palácio do Planalto. O cargo hoje é ocupado pelo seu candidato a vice-presidente, o Pastor Gamonal, também do PTB.
Kelmon declara ter patrimônio de R$ 8.547,13, investidos em caderneta de poupança, e sua candidatura recebeu apenas uma doação nominal de R$ 5 mil, de seu vice. Além da doação, o autointitulado sacerdote tem acesso a R$ 1,54 milhão de Fundo Especial para a campanha
Folha de S.Paulo
@folha
Esta é a charge de Jean Galvão publicada em todas as plataformas da Folha. Quer ver mais charges do jornal? Acesse http://folha.com/charges
"Vocês pregam políticas para que o brasileiro odeie o brasileiro. Lei de cotas? Os negros não precisam de ajuda para chegar à universidade ou a um emprego de qualidade", diz Padre Kelmon (PTB).
Lula e Alckmin em roda de oração em evento com evangélicos no Rio de Janeiro - Ricardo Stuckert
Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito é um movimento apartidário que atua em 20 Estados do Brasil
por Amanda Sobreira /Brasil de Fato
O uso político da religião evangélica promovido por Jair Bolsonaro e pela primeira-dama Michelle Bolsonaro provocou uma reação da ala progressista de grupos protestantes. A menos de um mês, a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, um movimento apartidário que atua em 20 Estados do Brasil, declarou apoio ao candidato Lula nas eleições de outubro diante “das ameaças diuturnas das forças reacionárias sustentadas pelo governo federal e pelo próprio Bolsonaro”, como consta no documento divulgado.
O Pastor Ariovaldo Ramos, fundador e coordenador nacional da Frente, participou de uma roda de conversa no Centro de Formação, Capacitação e Pesquisa Frei Humberto, em Fortaleza. Junto com o Padre Lino Allegri, da coordenação da Pastoral do Povo da Rua e Egbomi Evelane d'yemanja, Presidente da Associação Algaba, Mãe de Santo de Candomblé, falaram sobre a contribuição das religiões para a Democracia.
Roda de conversa no Centro de Formação, Capacitação e Pesquisa Frei Humberto sobre a contribuição das religiões à democracia / Divulgação MST
Em entrevista aoBDF Ceará, o Pastor Ariovaldo explica que a Frente surgiu em 2016 para denunciar o golpe contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Na avaliação do pastor, a escolha de igrejas pentecostais e neopentecostais pela política partidária, a partir do envolvimento da Igreja Universal do Reino de Deus, vai na contramão das práticas evangélicas.
“Existe uma lógica de poder que não é um projeto nem de esquerda e nem de direita. É um desejo de estar no poder e fazer com que o país siga por decreto os padrões morais e éticos da nossa fé, como forma de revidar as perseguições que o cristianismo já sofreu. É uma lógica que contraria as tradições cristãs do martírio e a história da fé protestante, a que mais atuou na construção do Estado laico”, explica o Pastor.
O Novas Narrativas Evangélicas, outro movimento anti-fundamentalista, lançou sua agenda por posicionamentos democráticos, plurais e inclusivos. Em cinco eixos, a plataforma composta por lideranças, coletivos, iniciativas e pessoas evangélicas, defende pautas antirracistas, ações de preservação do meio ambiente e clima, urgência no combate à fome e a miséria, os direitos da população LGBTQIA+ e a defesa da democracia, das instituições e dos direitos humanos, também alinhados à tradição protestante.
“Nosso desafio é disputar esse espaço dentro da igreja, deixando claro para os evangélicos, que ainda estão iludidos com seus líderes, que o bolsonarismo não tem absolutamente nada a ver com os valores do evangelho. Nós temos pessoas das mais diversas correntes históricas e o que nos une é crer que Jesus sempre está ao lado do oprimido. Precisamos espalhar essas boas novas e deixar claro que o evangélico é plural, que não é massa de manobra e que não é natural ser evangélico e ao mesmo tempo bolsonarista, muito pelo contrário”, explica Filipe Scarcella, cearense integrante do Nossas Narrativas e pastor da Aliança de Batistas do Brasil, outra organização evangélica comprometida com justiça social, inclusão e combate a preconceitos.
Em Fortaleza, aFrente de Evangélicos pelo Estado de Direito, tem promovido encontros e debates nas instituições religiosas como forma de resgatar os valores cristãos. “Queremos reencontrar esses fiéis, que por algum motivo, escolheram outro caminho e lembrá-los dos verdadeiros valores cristãos baseados no amor, na tolerância e no respeito ao próximo”, destaca a coordenadora local da Frente, Edna Freitas. Movimentos evangélicos de todo o país estão se unindo na campanha “Somos UM pela democracia, Somos todos pelo Brasil”. OEvangélicxs pela Diversidadese apresenta nas redes sociais como espaço de acolhimento e combate ao fundamentalismo religioso e suas implicações para a comunidade LGBTQIA+. O Coletivo afirma preencher uma lacuna na perspectiva da afirmação da diversidade sexual e de gênero e contrapondo a visão hegemônica cis-heteronormativa nas igrejas.
Leis criadas por Lula favorecem religiosos
O ex-presidente Lula criou a lei da liberdade religiosa, em 2003, que garante a abertura, organização e estruturação interna de organizações religiosas, sem a interferência do Estado. A lei, aliás, é o argumento ideal para combater afake news, já desmentida, que diz que Lula fecharia as igrejas, caso seja eleito próximo presidente. Uma manobra para aumentar o apoio dos eleitores evangélicos mais fervorosos. Também foi Lula que, em 2009, sancionou a lei que cria o Dia Nacional da Marcha para Jesus, a ser comemorado 60 dias depois da páscoa. Anualmente, o evento reúne milhares de fiéis de várias denominações protestantes. O Dia Nacional do Evangélico também foi criado no governo de Lula, em 2010.
A disputa por esses eleitores não é à toa. 25% do eleitorado brasileiro é de cidadãos que se identificam como evangélicos. Destes, 16% se importam com a religião do candidato, segundo levantamento do Instituto Ipec. A bancada evangélica da Câmara Federal representa 21% dos parlamentares. Na avaliação do Pastor Ariovaldo, da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, a esquerda cometeu um equívoco ao não analisar o comportamento desse grupo, que notoriamente elegeu Jair Bolsonaro em 2018. “O que nós estamos vivendo é um retrocesso de 100 anos em várias frentes. A nossa perspectiva é apoiar o partido que melhor governou esse país e que melhor governou várias cidades do Brasil, sem zombar de Deus e da nossa fé”, ressaltou o Pastor.
Na pesquisa feita pelo Datafolha, entre os 16 e 18 de agosto, o ex-presidente Lula tem 41% das intenções de voto contra 38% do presidente Bolsonaro, entre os evangélicos que ganham até dois salários mínimos. Esse público representa 53% dos 5744 cidadãos entrevistados para o levantamento. Na comparação feita entre os evangélicos que recebem mais de dois salários mínimos por mês, Bolsonaro fica na frente, com 61% do apoio desses eleitores, enquanto Lula aparece com 22%. No total, o atual presidente tem 49% das intenções de voto dos evangélicos, contra 32% de Lula.
Entre os evangélicos que não votariam em Bolsonaro de forma alguma, 44% são de baixa renda. Na faixa acima, 24% também rejeitam o atual presidente. O registro no TSE é: BR-09404/2022. A margem de erro é de quatro pontos percentuais para mais ou para menos, segundo o Datafolha.
Encontro de Lula com os evangélicos
Lula esteve com pastores e pastoras em um encontro com evangélicos em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. O ex-presidente recebeu apoio de lideranças e fiéis de diferentes gerações e diversas igrejas. Durante o encontro, os discursos reconheceram as transformações ocorridas nos primeiros governos do PT, e declaram apoio para que Lula seja eleito e o Brasil volte a ter políticas inclusivas que garantam dignidade aos mais pobres.
A principal iniciativa dos líderes é a divulgação de uma Carta Aberta à população brasileira, que conta com a assinatura de importantes nomes do campo democrático evangélico, como Pr. José Marcos (Batista/PE), Bispa Marisa de Freitas (Metodista/emérita), e Pra. Viviane Costa (Assembleia de Deus/RJ).
O grupo informa que busca com a campanha o combate às fake news, à desinformação, ao pânico moral, à instrumentalização da religião na política e às narrativas autoritárias e violentas, promovidos por líderes políticos e evangélicos de extrema
Ariovaldo Ramos é teólogo, escritor, articulista e conferencista com larga experiência na missão da igreja. Faz parte da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito. Um movimento que tem como objetivo promover a justiça social e garantir o Estado Democrático de Direito. Ari, como é conhecido, também é um incentivador da teologia da missão integral, TMI, uma vertente teológica evangélica que defende que a dignidade humana, o cuidado com o meio ambiente e a luta contra toda a forma de opressão e injustiça são aspectos indissociáveis da mensagem do Evangelho. Atualmente Ariovaldo ministra na Comunidade Cristã Reformada.
Os pastores Ariovaldo Ramos e Uilian Corcino batem um papo sobre a seguinte questão: Qual deve ser a prioridade para o voto evangélico?.
Uma rádio apelidada de Jovem Klan (de Ku Klux Klan), uma rádio da direita volver
Yahool! Notícias - O Tribunal Superior Eleitoral notificou a Jovem Pan por disseminar informações falsas sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante o programa 3 em 1. Além disso, a Corte diz que a emissora está fazendo propaganda a favor do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, de forma sistemática. As informações são do colunista Gabriel Vaquer, do site Notícias da TV.
A origem da denúncia não foi revelada, segundo o portal. Mas, autoridades da Justiça estiveram na sede da Jovem Pan, em São Paulo, para entregar o documento. Um dos pontos para os quais o TSE chama atenção é que a emissora não ouviu a versão do PT sobre os fatos.
O 3 em 1 é um programa ancorado por Paulo Mathias, com participação de Fábio Piperno, Rodrigo Constantino e Jorge Serrão.
Uma das notícias falsas que gerou reclamações foi proferida por Constantino, envolvendo Lula e empregadas domésticas, na última sexta-feira (2).
A Justiça Eleitoral também teria entendido que a emissora dedica tempo excessivo fazendo elogios a Jair Bolsonaro e retransmitindo falar ao vivo do presidente da República.
Segundo o Notícias da TV, a Jovem Pan está analisando o documento e vai tentar evitar sanções. Uma das punições seria o canal ficar 24 horas foram do ar.
Ofensa contra jornalista
O presidente voltou a atacar mulheres na manhã desta terça-feira (6). Em entrevista à Jovem Pan, o mandatário foi questionado por Amanda Klein sobre a compra de imóveis em dinheiro vivo por ele e seus familiares.
Depois de ouvir a pergunta, Bolsonaro falou sobre a vida pessoal da jornalista. “Amanda, você é casada com uma pessoa que vota em mim”, disse.
Geraldo Alckmin
@geraldoalckmin
Sem defesa, Bolsonaro ataca. Além de não esclarecer, ofende. Agrediu nessa manhã a jornalista
Mais uma vez, uma mulher, acentuando sua covarde misoginia e irritabilidade com a imprensa. É o avesso da democracia, o inverso da liberdade, o contrário do respeito.
Uma agenda evangélica antifundamentalista é criada para orientar candidaturas evangélicas que pretendem se afirmar como democráticas nestas eleições
A agenda foi lançada no dia 8 de agosto, no Rio de Janeiro. Foto: Mayara Benatti/Atômica Lab
Por Mauro Utida
Defesa da democracia e das instituições; antirracismo; combate à fome e à miséria; meio ambiente e clima; além dos direitos da população LGBTQIAP+, são temas que fazem parte de uma agenda evangélica antifundamentalista e que os idealizadores consideram indispensáveis às candidaturas evangélicas que pretendem se afirmar como democráticas nestas eleições.
A proposta é do coletivo carioca ‘Novas Narrativas Evangélicas’ que realiza ações com “posicionamentos democráticos, plurais e inclusivos”, que constratem aos grandes líderes evangélicos midiáticos que “na prática não representam de fato o nosso povo crente”, declara Daniel Wanderley, advogado e um dos idealizadores do movimento.
“Nossa iniciativa foi propor uma agenda para que candidaturas alinhadas a esses valores se comprometam com os principais desafios que temos para construir uma sociedade mais democrática e justa, à luz do Evangelho”, declarou.
O Novas Narrativas ressalta o apoio do coletivo aos movimentos que estão ocorrendo em todo o país em defesa da democracia e à lisura do processo eleitoral”, destaca o documento.
Eixos temáticos
Foto: Mayara Benatti/Atômica Lab
O documento reúne uma série de eixos temáticos que o movimento considera fundamental para uma candidatura cristã.
O racismo, conforme apresentao no eixo antirracismo, é um dos pecados mais ignorados pela igreja evangélica brasileira, e a pauta ainda é tratada de maneira tímida e superficial pelas comunidades do país.No Movimento Negro Evangélico, a gente trabalha com a Teologia Negra da Libertação, uma teologia em que Paulo Freire e James Cone dialogavam sobre uma educação libertadora. Precisamos estar infiltrados em todos os lugares, porque a teologia tem um propósito”, destacou Rakell Mattoso, do Movimento Negro Evangélico (MNE).
Desastres ambientais e climáticos também ganham destaque no documento e alerta que estas catástrofes afetam principalmente a população preta, pobre e periférica.
É um papel cristão se mobilizar para impedir que o meio ambiente e os ecossistemas continuem sendo destruídos”, destacou Thuane Nascimento, do Movimento PerifaConnection e Amanda Costa, da Perifa Sustentável.
“É necessário princípios, diretrizes e menções explícitas à adaptação e mitigação que promovam a resiliência do clima, algo que não foi desenvolvido de forma plural e participativa nos últimos anos”, destacam as autoras do eixo Meio Ambiente e Clima.
Foto: Mayara Benatti/Atômica Lab
Sobre o eixo de combate à fome e à miséria, o grupo destaca que o direito à moradia e o acesso à renda básica não são garantidos para grande parte da população brasileira. Débora Amorim, do Movimenta Caxias e Nós em Movimento, lembra que o Brasil voltou ao mapa da fome em 2021, além disso a pandemia e a crise econômica agravaram ainda mais a segurança alimentar no país.
As palavras do nosso mestre Jesus foram ‘tive fome e me destes de comer’, e esse é o desafio histórico, do nosso tempo, da nossa geração”, afirmou Débora.
Em relação aos direitos da População LGBTQIAP+, o documento destaca que o Brasil é o mais violento em quantidade de crimes de ódio contra este grupo e o risco de suicídio para pessoas LGBTI+ é seis vezes maior do que para pessoas heterossexuais.
Alan Di Assis, homem negro, gay e um dos diretores do Evangelicxs pela Diversidade afirmou que não dá mais para o evangélico fazer mea-culpa e vista grossa à temática LGBT. “É necessário se posicionar. Tem pessoas morrendo por causa desses discursos ditos cristãos e isso é urgente”, disse.
Falar de LGBTI+ não significa abrir as portas para receber essas pessoas, mas reconhecer a dignidade e humanidade desses membros que já estão dentro das igrejas, em todas elas”, completou Alan.
O lançamento da Agenda Evangélica Antifundamentalista aconteceu no dia 8 de agosto, no Rio de Janeiro. O documento é público e está disponível nestelink.