Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

21
Nov23

Dia da Consciência Negra: pra quem serve?

Talis Andrade
 
19
Ago23

Luto entre os quilombolas

Talis Andrade

 

As comunidades remanescentes de diferentes povos africanos, reconhecidas como quilombolas, têm sido desprezadas, assim como os indígenas. Entram e saem governos e o mandamento constitucional, que garante a demarcação das terras que ocupam, não é respeitado. Nos últimos 10 anos, pelo menos 30 líderes quilombolas foram mortos, por resistirem à pressão de especuladores ou de latifundiários que ambicionam as terras que ocupam. É assim com os indígenas, estejam eles em áreas demarcadas, ou não.

Nesta quinta-feira, a líder da comunidade Pitanga de Palmares, na Bahia, Bernadete Pacífico, 72 anos, foi executada com 14 tiros, em casa, por dois homens de capacete, ainda não identificados. Jurandir, filho de Mãe Bernadete, como ela era conhecida, por ser uma ialorixá (dirigente de uma casa de candomblé), atribui o assassinato à especulação imobiliária. Segundo ele, a mãe havia recebido várias ameaças. Em 2017, o irmão Flávio Gabriel Pacífico foi morto diante da escola da mesma comunidade. Ambos os casos serão investigados pela Polícia Federal.

Os quilombolas somam 1.327.802 pessoas, ou 0,65% da população brasileira, espalhadas por 1.696 municípios, segundo o Censo de 2022. Depois da Bahia, onde vivem 397.059 quilombolas (29,90% da população recenseada) e o Maranhão, com 269.074 pessoas, Minas Gerais tem a terceira maior população de remanescentes dos quilombos — 135.310 pessoas, distribuídas em 392 comunidades oficialmente reconhecidas. Desde a Constituição de 1988,o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) titulou menos de 60 quilombos, dos 3 mil existentes no país, de acordo com levantamento da Fundação Palmares, que não tem a atribuição de regularizar os territórios. Nos cálculos de especialistas, mantido o atual ritmo de identificação e titulação dos territórios, provavelmente, o Brasil levará 2.188 anos para concluir a legalização dessas áreas.

Os quilombolas, bem como os povos originários, vivem da produção agropecuária. Mas, como os indígenas, têm relevante importância na preservação do patrimônio ambiental. Esse costume tem estreita relação com a afrorreligiosidade praticada pelos afrodescendentes. Os cuidados com a flora e com as nascentes fazem parte das tradições desses povos. Preservar a natureza vai além dos conceitos de sustentabilidade ambiental. É uma expressão religiosa, legada pelos seus ancestrais.

A morosidade do poder público em questões de interesse dos indígenas e dos negros é, entre tantas outras, uma manifestação de desprezo e desrespeito a esses segmentos da sociedade. Favorece aos conflitos, que resultam em perdas de vidas e prejuízos aos dois grupos, que não contam com influentes representantes nos espaços de poder político.

Intolerância e racismo andam juntas no Brasil — e alimentam-se mutuamente. Desde o início do século 16, quando chegaram os primeiras grupos de negros sequestrados, para serem escravos nas terras Santa Cruz, que a sociedade brasileira estabeleceu uma divisão desumana entre pretos e brancos. Os negros eram, na concepção dos cristãos, indivíduos sem alma, sem sentimento e, portanto, não eram humanos, mas, sim, as criaturas inferiores em relação aos eurocentristas. Esse entendimento ainda prevalece em diferentes camadas da sociedade, o que explica as renitentes e cruéis expressões de racismo, em pleno século 21. Explicam também o descuido das instâncias de poder com essas parcelas sociedade.

18
Ago23

Presidente Lula promete investigação rigorosa do assassinato de Mãe Bernadete líder quilombola

Talis Andrade

247 - O presidente Lula usou a sua conta no Twitter para demonstrar seu pesar e  indignação diante da morte brutal da líder quilombola Mãe Bernadete Pacífico, assassinada nesta quinta-feira no município de Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador, na Bahia. 

Na quinta-feira (17), Mãe Bernadete foi morta a tiros dentro de seu terreiro, um local sagrado que ela liderava com comprometimento e dedicação. Sua partida deixou não apenas a comunidade quilombola, mas também a luta por igualdade, justiça e diversidade profundamente abaladas.

Lula não apenas lamentou a morte da líder religiosa, mas também destacou sua atuação como defensora dos direitos e igualdade racial, e a notável coragem que ela demonstrou ao exigir justiça pelo assassinato de seu próprio filho, que também era uma figura de destaque na comunidade quilombola e foi assassinado há 6 anos.

“Com pesar e preocupação soube do assassinato de Mãe Bernadete, liderança quilombola assassinada a tiros em Salvador. Bernadete Pacífico foi secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial na cidade de Simões Filho e cobrava justiça pelo assassinato do seu filho, também um líder quilombola. O governo federal, por meio dos ministérios da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos e Cidadania, mandou representantes e aguardamos a investigação rigorosa do caso. Meus sentimentos aos familiares e amigos de Mãe Bernadete”, escreveu o presidente. 

A TV Justiça resgata parte da história do Brasil com o documentário Quilombos do Século XXI, que estreia neste domingo (17). Líderes do movimento negro e historiadores afro-brasileiros discutem a questão do racismo estrutural que vigora no país desde o fim da escravatura, em 1888. Leis que foram publicadas ainda no Império impediram a emancipação dos descendentes diretos dos grupos escravizados pelos portugueses.

09
Ago23

A letalidade das policias de Cláudio Castro e Tarcísio de Freitas

Bombardeio ucraniano de vilarejo na região russa de Belgorod deixa 1 morto e 4 feridos

Talis Andrade

retirada polícia que mata vaccari.jpeg

 

Sputnik Brasil - Uma pessoa morreu e quatro ficaram feridas no bombardeio por forças ucranianas do vilarejo de Gorkovsky na região russa de Belgorod, informou o governador da região, Vyacheslav Gladkov.

"O vilarejo de Gorkovsky, no distrito municipal de Graivoron, foi alvo de bombardeio pelas Forças Armadas ucranianas, cinco projéteis explodiram no centro, perto da escola. O pior aconteceu: uma pessoa foi morta - um homem sofreu ferimentos de estilhaços incompatíveis com a vida. Mais quatro pessoas ficaram feridas: três homens sofreram ferimentos de estilhaços nos membros inferiores e uma mulher sofreu concussão", escreveu Gladkov em seu canal no Telegram.

Ele acrescentou que os feridos foram transportados ao hospital em ambulâncias.

O chefe do distrito municipal, Gennady Bondarev, os serviços de segurança e de emergência estão no local. Atualmente, estão sendo feitas patrulhas casa a casa. O vilarejo de Gorkovsky fica a cerca de um quilômetro da fronteira com a Ucrânia.

Em junho, as Forças Armadas da Rússia frustraram outra tentativa de Kiev de realizar um ataque terrorista contra a população civil da cidade de Shebekino, na região russa fronteiriça de Belgorod, e violar a fronteira nacional do país.

 

Polícia de Cláudio Castro assassina favelados

O governo policial de Cláudio Castro registrou três das quatro operações mais letais de toda a história do Rio de Janeiro. Foram 72 mortos em apenas três operações organizadas em favelas da cidade, segundo dados do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI-UFF), compilados pelo portal G1.

A mais letal entre todas as ações envolvendo agentes públicos aconteceu no Jacarezinho, na zona Norte, em maio de 2021, quando 28 pessoas morreram. Um ano depois, em maio de 2022, 25 pessoas foram mortas durante uma operação policial na Vila Cruzeiro, também na zona Norte.

Em juçho de 2022, a ação no Alemão deixou 19 mortos, se igualando a outra registrada na mesma comunidade em 2007.

Entre os assassinados estão duas mulheres, um policial e 16 homens classificado como "suspeitos" pela Polícia Militar. Após cerca de cinco horas de duração da operação, moradores recolheram corpos e colocaram em kombis para serem levados até a UPA do Alemão, conforme mostra o vídeo divulgado pelo jornal A Voz das Comunidades.

Dessa forma, ao todo, sob governo de Castro, em apenas um ano e dois meses de gestão, o Rio de Janeiro viveu uma sequência de 40 chacinas com 197 mortes promovidas em operações policiais.

As informações sobre o número total de chacinas são uma atualização do Brasil de Fato a partir do levantamento realizado pelo Instituto Fogo Cruzado, que reúne dados sobre a violência armada, em conjunto com o Geni-UFF, divulgados neste ano.

Veja o histórico das operações mais letais da cidade do Rio de Janeiro, segundo compilado do portal G1:

- Jacarezinho (maio de 2021) - 28 mortos;

- Vila Cruzeiro (maio de 2022) - 25 mortos;

- Complexo do Alemão (junho de 2007) - 19 mortos;

- Complexo do Alemão (julho de 2022) - 19 mortos;

- Senador Camará (janeiro de 2003) - 15 mortos;

- Fallet/Fogueteiro (fevereiro de 2019) - 15 mortos;

- Complexo do Alemão (julho de 1994) - 14 mortos;

- Complexo do Alemão (maio de 1995) - 13 mortos;

- Morro do Vidigal (julho de 2006) - 13 mortos;

- Catumbi (abril de 2007) - 13 mortos;

Complexo do Alemão (agosto de 2004) - 12 mortos.

 

Tarcísio de Freitas primeira ação no governo matar pobres

Neste início do governo de Tarcísio de Freitas, no fim de semana, em São Paulo, uma operação policial no Guarujá, na Baixada Santista, deixou ao menos 16 civis mortos. A ação é uma resposta à morte do soldado da Rota da PM Patrick Bastos Reis, de 30 anos, baleado na quinta-feira (27), durante uma operação na Vila Zilda. Moradores da região afirmam que policiais militares ameaçam assassinar 60 pessoas em comunidades na cidade. Também há relatos de tortura de civis.

O elevado número de vítimas essa semana em operações policiais pelo país evidenciam a face mais letal das polícias, segundo Carlos Nhanga, coordenador do Instituto Fogo Cruzado.

“Há anos que a eficácia de uma operação policial é medida pelo elevado número de mortes, mas ao invés de termos uma melhora na segurança pública, o que vemos é o aumento do medo e do risco de vida que a população enfrenta. Os dados do Fogo Cruzado mostram como essas operações se repetem sem que haja mudança alguma. Não dá para pensar a segurança pública sem planejamento e só focando no acúmulo de mortes, é preciso investir em uma política eficaz para conter a violência e proteger a população de fato”, alegou.

polícia mata.jpg

12
Jun23

Silvio Almeida fala ao Barão e às mídias independentes [vídeos]

Talis Andrade

 

 

Em encontro remoto na tarde desta terça-feira (6), o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, participou de coletiva com mídias independentes na qual tratou dos desafios da pasta - em especial, a luta de ideias para que a sociedade entenda a sua importância.

No encontro promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, 10 jornalistas tiveram a oportunidade de dirigir perguntas ao ministro, que transitaram entre temas como a atenção às comunidades indígenas e populações periféricas; os esforços por memória, verdade e justiça em relação à ditadura; a punição aos responsáveis pela tentativa de golpe do dia 8 de janeiro de 2023; dentre outros.

Segundo o ministro, advogado, filósofo e professor acadêmico, há uma disputa ideológica em torno do tema. "Parcela expressiva da população sente ódio dos Direitos Humanos, com uma noção equivocada do que significam". "Há uma manipulação do discurso sobre o tema sobre como se fosse uma licença para retirar das pessoas a sua segurança", complementa Almeida, "confundindo a defesa dos Direitos Humanos como se fosse a defesa do crime".

Autor de "Racismo estrutural", uma das obras que balizam o debate antirracista no país hoje, o ministro avalia que os direitos humanos devem perpassar todas as políticas públicas, inclusive a economia. "É preciso transformar o tema em debate sobre economia política. Precisamos conquistar corações e mentes, estabelecendo os Direitos Humanos como parte fundamental da nossa experiência vital, do nosso modo de vida no Brasil". Assista na íntegra ao papo e inscreva-se no #canaldobarão!

SOBRE O ENTREVISTADO

Silvio Almeida é advogado, professor e escritor, e atualmente ocupa o cargo de Ministro de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil. É doutor em direito pelo departamento de filosofia e teoria geral do direito da Universidade de São Paulo, com pesquisas de pós-doutoramento em direito e em economia. É professor da faculdade de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, tanto na graduação como no programa de pós-graduação Stricto Sensu. Também é professor das escolas de administração e de direito da Fundação Getúlio Vargas. Em 2020, foi professor visitante no Centro de Estudos Latino-Americanos e Caribenhos da Universidade de Duke (EUA), e em 2022 foi professor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Columbia na Cidade de Nova York (EUA). Silvio destacou-se por sua atuação à frente do Instituto Luiz Gama, organização da sociedade civil que visa à inclusão de minorias e à promoção de uma educação antirracista. Nos últimos anos proferiu palestras e nacionais e internacionais sobre temas relacionados ao direito, à filosofia, à economia política, aos direitos humanos e às relações raciais.

SOBRE O BARÃO DE ITARARÉ

Fundado em maio de 2010, O Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé consolidou-se como um dos espaços mais vibrantes da luta pela democratização da comunicação no país. Em seus 13 anos de atuação, o Barão apostou na promoção de atividades que investem na formação de comunicadores - debates, seminários, cursos e palestra sobre mídia, democracia, liberdade de expressão, políticas públicas de comunicação e temas correlatos - e também na criação e fortalecimento de fóruns de debate e ação sobre a agenda em torno desses temas.

A organização também funciona como um selo editorial através do qual publica livros, como "Direitos negados – Um retrato da luta pela democratização da comunicação" (2015), "A mídia descontrolada - episódios da luta contra o pensamento único" (2019) e "Democratizar a comunicação: teoria política, sociedade civil e políticas públicas" (2022). Além de sua coordenação executiva, que reúne nomes bastante representativos de entidades do movimento social brasileiro, a entidade conta com um extenso conselho consultivo, no qual figuram importantes nomes da academia, do jornalismo, da comunicação, da cultura e dos movimentos populares do país.

Organização suprapartidária, o Barão notabilizou-se como a casa das mídias alternativas, independentes e populares, transcendendo matizes partidárias e abraçando todo o campo progressista na missão de tratar a comunicação como campo estratégico e decisivo para garantir um Brasil mais justo, democrático e plural. Até por isso, a entidade é conhecida pelo seu espírito de “unidade na diversidade”. O nome “Barão de Itararé” é uma homenagem ao jornalista Aparício Torelli (1895-1971), considerado um dos fundadores da imprensa alternativa no país e o pai do humorismo político no Brasil.

07
Jun23

Quem defende a infância indígena?

Talis Andrade
 

MÁRCIA VAICOMEM VEI-TCHÁ TEIÊ COM A FILHA SOFHYA KOZIKLA PRIPRA, EM FRENTE À RÉPLICA DA CASA SUBTERRÂNEA USADA ANTIGAMENTE PELOS XOKLENG PARA SUPORTAR O FRIO NA ALDEIA BUGIO, EM JOSÉ BOITEUX. FOTO: DANIEL CONZI/SUMAÚMA

 

Diário de Guerra

O marco temporal: das crianças espetadas em facas ao racismo do governo de Santa Catarina -II

 

POR ÂNGELA BASTOS /SUMAÚMA

- - -

(Continuação) A tensão que antecede o julgamento do marco temporal no Supremo atinge até a comunidade escolar. A preocupação cresceu depois que circulou um vídeo protagonizado por lideranças políticas e agricultores da região que falam em “banho de sangue” e “guerra civil” caso os “capas pretas” (os ministros do Supremo) só olhem para os interesses dos indígenas. Narrado pelo deputado federal Rafael Pezenti (MDB-SC), o vídeo ressalta a importância da “propriedade privada” e das escrituras emitidas a quem comprou a terra, dizendo ser “muito ruim quando a história da gente é jogada na lata de lixo”. O deputado em nenhum momento menciona o que foi feito com o passado ancestral dos Xokleng e a relação deles com a terra, alguns milênios antes da vinda dos imigrantes europeus. Ele encerra afirmando que, se o STF cometer essa “injustiça” (contra o marco temporal), isso será corrigido com “sangue derramado”.

 Terrorismo golpista e racista, Pezenti ameaça derramar sangue indígena

 

Para não espalhar o pânico, as lideranças pediram aos indígenas que não compartilhassem o conteúdo. Mesmo assim, muitos tiveram acesso a ele. Os professores temem represálias e cogitam a antecipação para 5 de julho das férias marcadas para o dia 15 de julho.

Preocupa especialmente a situação dos alunos da educação infantil, que precisam sair dos limites da terra indígena. Todos os dias, a partir das 6 horas, o ônibus com os alunos percorre a estrada que passa por área de agricultores em conflito. Com a invasão de uma creche em Blumenau, em 5 de abril, e o assassinato de quatro crianças, a segurança foi reforçada nas escolas da rede pública estadual. Esse é o caso da Escola Indígena de Educação Básica Laklãnõ, na aldeia Plipatõl, onde vigias se revezam e cones foram colocados no acesso principal. Ninguém entra sem ser identificado.

Mesmo assim, os educadores indígenas estão com medo. “A nossa briga não é contra os agricultores, que também são vítimas do Estado, que vendeu terras que não eram dele, mas a gente sabe que em situações assim as crianças ficam sempre mais vulneráveis”, diz a vice-cacica Jussara Reis dos Santos, 37 anos, filha de mãe Xokleng e de pai descendente de imigrante europeu.

Entre as mulheres, especialmente, a preocupação é maior. Assustadas, algumas pedem para não ser identificadas. “No campo, todo mundo tem arma em casa. A gente sempre enfrentou preconceito pela nossa condição de vida, mas a relação com os vizinhos era normal”, conta uma Xokleng. “Com o marco temporal ficou pior, e nós, as mães, temos medo porque tem muito registro [de armas] de caçadores [Colecionadores, Atiradores desportivos e Caçadores, os CACs].” A fala reflete o temor das mulheres às consequências da política do governo Bolsonaro de incentivo ao porte de armas em todo o Brasil.

AULAS DE ARTESANATO NA ESCOLA INDÍGENA ALDEIA BUGIO, EM DR. PEDRINHO. FOTO: DANIEL CONZI/SUMAÚMA

 

Pelos menos 150 Xokleng devem acompanhar a votação nesta quarta-feira em Brasília. Um quarto ônibus parte de Florianópolis com estudantes indígenas da Universidade Federal de Santa Catarina. Nas aldeias, a vontade de participar desse momento histórico é grande. Tanto que cada um dos nove caciques teve que indicar quem faria parte da comitiva. De acordo com Tucum Gakran, cacique-presidente, a incerteza sobre o que vai acontecer em 7 de junho foi considerada. “Não se pode deixar a comunidade desguarnecida, e isso pode acontecer caso a votação se prolongue por alguns dias. Nós encaminhamos ofício ao Ministério Público Federal e ao Ministério dos Povos Indígenas pedindo o envio de policiais federais”, explica ele, que é morador da aldeia Coqueiro. Com relação à antecipação das férias escolares, o cacique disse que a ideia não deve avançar, pois seria necessário encaminhar um pedido formal à Secretaria de Estado da Educação. “O governo de Santa Catarina não está do nosso lado. Além da ação que deu origem ao marco temporal, o atual governador, Jorginho Mello [PL], tem feito forte pressão em Brasília contra a causa Xokleng. Temos professores concursados e tememos que também sofram alguma perseguição”, prevê Tucum.

20
Mai23

Consciência negra

Talis Andrade

 

Foto de Christiana Carvalho
 
 

Em vias públicas, mãos, fuzis e revólveres policiais levam a cabo a perfuração que verte o sangue negro no asfalto quente, em becos e vielas nos quais jorram a vida preta entre os ralos da miséria e do esquecimento

 

por Diego dos Santos Reis /A Terra É Redonda

- - -

Passadas as celebrações do novembro negro e do mês que, em nome de Zumbi e Dandara dos Palmares, rememora, denuncia e exige reparações históricas à população negra brasileira, parece vigorar certo silêncio após a efeméride, no que diz respeito à (in)consciência negra nacional. Reinam, todavia, as imagens associadas à violência, ao genocídio, ao caos e aos casos nunca isolados de racismo que, de norte a sul, cortam o território amefricano. Casos que dilaceram famílias e comunidades, aniquilam sujeitos e arrasam possibilidades de vida plena e digna, tal como garantido na Carta Constitucional brasileira.

Imagens de controle, como enunciadas por Patricia Hill Collins, que reforçam práticas de dominação, criminalização e violência, física e simbólica, voltadas à estigmatização e à legitimação de suas próprias operações de morte. Se a morte ocupa um lugar fundamental nessa produção imagética é na medida em que se constitui como ponto de partida, sob a perspectiva do supremacismo branco, do que seja o destino natural e original do corpo negro, que da morte-em-vida à morte factual passaria de um estado de não-ser ao desaparecer, como o desvanecer da imagem de um fantasma – entre mundos, medos e modos de ser pautados pelo negativo.

Em vida, porém, a consciência retinta de ser, de viver e a teimosia tomam forma, rosto, nome e figura do que, sendo, insiste em desarticular os mundos de morte da branquitude e seus mecanismos de sufocamento, acionados por vias diversas. Em vias públicas, mãos, fuzis e revólveres policiais levam a cabo a perfuração que verte o sangue negro no asfalto quente, em becos e vielas nos quais jorram a vida preta entre os ralos da miséria e do esquecimento; em vias privadas, pelas mãos de algozes e feitores que chamam de amor (?) a doença que extirpa, subjuga e liquida as vidas de mulheres, sobretudo negras, encontradas em sacos pretos, rios, azulejos frios, imobilizadas em fotos que estampam, cotidianamente, pequenos retângulos de jornais sanguinolentos (até quando?).

Ceifadas, entre promessas de amor eterno e o eterno pedido de desculpas das forças policiais e chefes de Estado, desaparecem, em preto e branco, histórias, narrativas e memórias daquelas que, chacinadas, são condenadas sem inquérito, enquanto co-mandantes são condecorados em cerimônias oficias e oficiosas.

Penso nesses rostos enquanto escrevo e vejo o sorriso, os sulcos da pele, as marcas e linhas longas da vida – interrompidas. Penso nas vidas negras que importam, dizem, e, todavia, seguem conscientemente exterminadas por mãos apocalípticas enquanto, nas escolas, tentamos fazer valer a lei da vida, a lei da justiça e do ensino de história e cultura daquelas que, antes de nós, em diáspora, fizeram valer com seu suor a contra-lei do mundo dos homens injustos.

Passados 20 anos de promulgação da Lei 10.639/03, silentes ou complacentes, a conveniência segue esbranquiçando itinerários formativos. Mas o poder do brado negro desafia o silêncio reinante. Peleja, retumba, sacoleja e desarranja os ritos (fúnebres) de histórias lineares, pomposas e heroicas que não mencionam Dandara, Aqualtune, Marielle, Lélia e Sueli, porque, ali, o pacto sa(n)grado é branco, no masculino.

A consciência nossa é ciência, suor e roda. É repente, desafio e capoeira, ginga com os arranjos, institucionais ou não, há séculos organizados para transportar os corpos em tumbeiros, caveirões e rabecões, para quem a morte passa a ser pena capital e não parte da existência e do mundo compartilhado com a ancestralidade. Até a morte foi saqueada. E soterrada em covas rasas, sem nome, placa ou documento de identificação, para que a indigência devorasse, com o bico afiado, a carne putrefata de quem sonhava com casa própria, formatura e família grande, como Kethlen Romeu e seu filho, assassinado no ventre.

Vingar ainda é desafio na diáspora. Vingar até a última gota de vida, o desafio nas 52 semanas e 1 dia de consciência negra, que perfazem um ano. Nele, todos os dias são voltados ao desfazimento do pacto funesto. Todos os dias são voltados à lembrança do que, recalcado, não pode contentar-se com um único dia ou mês do ano. Emerge, dia a dia, porque nascido em zona de emergência. Contra a virulência, insurgente, gesta resistência na negra consciência da luta pelo que é, foi e será. Todos os dias do ano.

 

12
Mai23

“Sai Damares Alves, entra Silvio Almeida”: juristas celebram novo ministro dos Direitos Humanos

Talis Andrade

biblioteca damares.jpg

 

O advogado e filósofo, uma das principais referências nos debates raciais do Brasil, pede a prisão de Damares Alves: "Precisa pagar por seus crimes!" (vídeo)

 

Profissionais do Direito e ativistas comemoraram a nomeação do professor, advogado e filósofo Silvio Luiz de Almeida como ministro dos Direitos Humanos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Um dos grandes pensadores sobre a questão racial do Brasil, Silvio Almeida é autor de livros como Racismo Estrutural (Editora Jandaíra, 2019) e tem uma longa trajetória nos estudos sobre como as relações raciais estão interligadas na organização econômica, social e política de um país.

Presidente do Instituto Luiz Gama e pós-doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Silvio de Almeida foi confirmado para o terceiro governo de Lula em cerimônia no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, pelo próprio presidente Lula.

 

Paulista, Silvio Almeida tem 46 anos e integrava a coordenação do grupo de trabalho na equipe de transição que debateu o tema de direitos humanos. A partir de 1º de janeiro, assumiu uma das áreas mais atacadas pela atuação do governo de Jair Bolsonaro (PL), inimigo do povo, da liberdade, da fraternidade, da igualdade. Inimigo dos direitos humanos, e que teve à frente do ministério Damares Alves. Fora do cargo desde março de 2022, quando deixou a pasta para se candidatar ao Senado pelo Distrito Federal, Damares foi lembrada por especialistas, por causa da negligência diante das populações vulnerabilizadas e das graves violações de direitos humanos ao longo de sua gestão.

“Enormidade da mudança”

“Sai Damares Alves. Entra Silvio Almeida. Acho que ainda não conseguimos nem digerir a enormidade da mudança que isso representa”, tuitou a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Tatiana Roque.

“Que tal essa troca, minha gente? Silvio Almeida no lugar onde antes estava Damares. Que luxo para nós!”, comemorou nas redes o advogado Márlon Reis, ex-juiz de direito e um dos criadores da Lei da Ficha Limpa.

“Salto civilizatório”, acrescentou o deputado federal Ivan Valente (Psol-SP).

“Não é que apenas ‘antes era Damares, agora é Silvio Almeida’. É mais potente que isso. Antes era Damares, agora são Silvio Almeida, Anielle Franco e Cida Gonçalves. Voltamos a ter pelo menos três ministérios para lidar com direitos humanos e desigualdades de gênero e raça. Isso é reparação”, destacou a socióloga e antropóloga pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP Marília Moschkovich.

Colega de profissão, o advogado Ariel de Castro Alves também saudou a nomeação. “Excelente escolha”, disse o presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo.

Ataques aos DHs marcaram os últimos 4 anos

Silvio Almeida assumiu o ministério com o desafio de contornar o “revisionismo do significado histórico e civilizatório dos direitos humanos”, nos termos do relatório final da transição na área, além  de restituir a participação social e garantir uma execução orçamentária adequada para a área.

O relatório denuncia que, entre 2019 a 2022, o MMFDH teve seu uso deturpado de estruturas e recursos públicos. Celebrou parcerias com entidades estranhas à agenda do ministério e comandou o desmonte de políticas públicas de enfrentamento a violações de direitos humanos.

O documento cita como exemplo a condução do Disque 100 – canal nacional para denúncias e proteção. Houve uma fragilização pela “péssima gestão contratual”. E ainda um “aparelhamento” pelo governo Bolsonaro para “assediar a educadores e a estabelecimentos comerciais que exigiam certificado vacinal contra covid-19, atendendo denúncias de sujeitos identificados com a chamada ‘escola sem partido’ e com o negacionismo da crise sanitária recente”, detalha o grupo.

Sem verba e políticas públicas

“Toda a rede de proteção, antes acionada para dar resposta a denúncias de violações, foi desarticulada. Os dados do Disque 100, que são fonte de informações para o desenvolvimento de políticas públicas, deixaram de ser divulgados”, diz outro trecho do documento.

Ainda de acordo com o relatório, na pasta dos Direitos Humanos foram desarticulados ao menos 14 colegiados com participação social efetiva. Sendo que 12 foram alterados “com objetivo de precarizar ou desconfigurar a participação da sociedade”.

O orçamento dedicado às políticas de direitos humanos também reforça o “cenário de desprezo pelo setor” por parte da gestão Bolsonarista. O grupo técnico identificou que a despesa discricionária em 2022 chegou ao valor de R$ 238 milhões. Aproximadamente um terço da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2015.

Os cortes ainda foram seguidos por uma baixa execução. Até o início de dezembro, apenas 40% do orçamento da área havia sido empenhado e apenas 21% efetivamente executados. O cenário financeiro previsto para o corrente, assim decidiram os inimigos dos direitos humanos, “replica o estado de penúria do orçamento, elevando o desmonte das políticas da área a um patamar crítico”, menciona o relatório.

Desafio de reconstrução

“Essas três principais dimensões do desmonte – o revisionismo do significado histórico dos direitos humanos, as restrições à participação social e a precarização orçamentária –, culminaram na descontinuidade de políticas públicas importantes para a promoção e defesa de direitos humanos. É o caso do ‘Plano Viver Sem Limite’ e das políticas para a população LGBTQIA+ e para a população em situação de rua”, conclui o documento.

Apesar dos desafios listados, Silvio Almeida afirmou em suas redes que assume “com imensa honra e responsabilidade a tarefa que me foi atribuída pelo presidente Lula de servir ao meu país como Ministro dos Direitos Humanos. Teremos um enorme trabalho pela frente, mas carrego a esperança de que será possível trazer dignidade ao povo brasileiro”, reconheceu o professor, advogado e filósofo.

 

02
Mar23

Reinaldo Azevedo entrevista Lula hoje n'O é da coisa'

Talis Andrade
www.brasil247.com - { imgCaption }}
Reinaldo Azevedo no Twitter
 
 

Entrevisto o presidente Lula na manhã desta quinta. A conversa vai ao ar, na própria 5ª, no programa 'O É da Coisa', na BandNews FM, na Band, na BandNews TV e nas plataformas do grupo Bandeirantes.

Ministério Público de SP tem de abrir uma investigação. Prefeito de S.Sebastião, numa entrevista-chilique à BandNews FM, deixou escapar que empresários com casas em Maresias impediram a construção de 400 habitações populares. Quem são? O que fizeram? Por que a Prefeitura cedeu?

Entidade empresarial de Bento Gonçalves culpa o Bolsa Família por trabalho escravo. Nunca mais nem uma taça de vinho dessa gente!!! E qualquer pessoa decente fará o mesmo enquanto esses caras não pedirem desculpas e não assumirem a sua culpa. ELITE LIXO!
@VaccariMarcio
 
Imagem
@reinaldoazevedo
É inacreditável! Esta nota é a cloaca de certa elite brasileira, que se revela, cada vez mais, a pior do mundo.
Imagem
 
Imagem

Cálice

Pai, afasta de mim esse cálice

Pai, afasta de mim esse cálice

Pai, afasta de mim esse cálice

De vinho tinto de sangue

O vereador Sandro Fantinel (Patriotas), de Caxias do Sul, já sabe a quem culpar pelo trabalho escravo nas vinícolas: os baianos, q seriam sujos. O vereador é um criminoso, segundo a Constituição e a Lei 7.716. Ministério Público vai atuar?

Imagem
 
09
Out22

A figura tenebrosa que ameaça a democracia

Talis Andrade

Imagem Efrem Efre

 

 

por Leonardo Boff /A Terra É Redonda 

- - -

A vitória de Bolsonaro levaria avante seu projeto de desmontagem das instituições de forma abertamente autoritária e ameaçadora de um golpe de Estado

O atual presidente apresenta traços desvairados e tem feito constantes ameaças à normalidade democrática, caso venha perder as eleições. No primeiro turno em 2 de outubro recebeu 43,44% dos votos enquanto o ex-presidente Lula levou 48,5% dos votos. Há grande expectativa que Lula venha a ganhar a eleição, pois a superioridade sobre Jair Bolsonaro é notável.

Lula tem recebido o apoio de quase todos os partidos até dos mais distantes. Pois, perceberam que a democracia está em jogo e também o destino histórico de nosso país. A vitória de Jair Bolsonaro levaria avante seu projeto de desmontagem das instituições de forma abertamente autoritária e ameaçadora de um golpe de Estado.

Precisamos tentar entender por que irrompeu esta onda de ódio, de mentiras como método de governo, fake news, calúnias e corrupção governamental impedida de ser investigada. Vieram-me à mente um artigo que publiquei tempos atrás e que aqui reformulo.

Duas categorias parecem esclarecedoras: uma da psicanálise junguiana, a da sombra e outra da grande tradição oriental do budismo e afins e entre nós, do espiritismo, o karma.

A categoria de sombra, presente em cada pessoa ou coletividade, é constituída por aqueles elementos negativos que nos custa aceitar, que procuramos esquecer ou mesmo recalcar, enviando-os ao inconsciente seja pessoal seja coletivo.

Efetivamente, cinco grandes sombras marcam a história político-social de nosso país.

A primeira é o genocídio indígena, persistente até hoje, pois, suas reservas estão sendo invadidas e durante a pandemia foram praticamente abandonados pelas autoridades atuais. A segunda é a colonização que nos impediu que ter um projeto próprio, de um povo livre, mas, ao contrário, sempre dependente de poderes estrangeiros de outrora e de hoje. Criou a síndrome do “vira-lata”.

A terceira é o escravagismo, uma de nossas vergonhas nacionais, pois, implicava tratar a pessoa escravizada como coisa, “peça”, posta no mercado para ser comprada e vendida e submetida constantemente à chibata, ao desprezo e ao ódio.

A quarta é permanência da conciliação entre si, dos representantes das classes dominantes, seja herdeiras da Casa Grande ou do industrialismo especialmente a partir de São Paulo, denominadas por Jessé Souza de “elites do atraso”. São profundamente egoístas a ponto de Noam Chomsky ter afirmado: “O Brasil é uma espécie de caso especial, pois, raramente vi um país onde elementos da elite tenham tanto desprezo e ódio pelos pobres e pelo povo trabalhador”. Estes nunca pensaram num projeto nacional que incluísse o povo, projeto somente deles e para eles, capazes de controlar o estado, ocupar seus aparelhos e ganhar propinas e fortunas nos projetos estatais.

A quinta sombra represeta a democracia de baixa intensidade entrecordada por golpes de Estado mas que sempre se refaz sem, entretanto, mudar de natureza. Perdura até hoje e atualmente mostra grande debilidade pelo grau dos representantes de direita ou extrema direita, com suas maracutaias como o orçamento secreto. Medida pelo respeito à constituição, pelos direitos humanos pessoais e sociais, pela justiça social e pelo nível de participação popular, comparece antes como uma contradição de si mesmo do que, realmente, uma democracia consolidada.

Sempre que algum líder político com ideias reformistas, vindo do andar de baixo, da senzala social, apresenta um projeto mais amplo que abrange o povo com políticas sociais inclusivas, estas forças de conciliação, com seu braço ideológico, os grandes meios de comunicação, como jornais, rádios e canais de televisão, associados a parlamentares e a setores importantes do judiciário, usaram o recurso do golpe seja militar (1964), seja jurídico-político-mediático (2016) para garantir seus privilégios.

O desprezo e o ódio, outrora dirigido aos escravizados, foi transferido covardemente aos pobres e miseráveis, condenados a viver sempre na exclusão. Estas sombras pairam sobre a atmosfera social de nosso país. É sempre ideologicamente escondida, negada e recalcada.

Com o atual presidente e com o séquito de seus seguidores, o que era oculto e recalcado saiu do armário. Sempre estava lá, recolhido, mas atuante, impedindo que nossa sociedade, dominada pela elite do atraso, fizesse as transformações necessárias e continuasse com uma característica conservadora e, em alguns campos, como nos costumes, até reacionária e por isso de fácil manipulação política. Dentro da alma de uma porção de brasileiros há um pequeno “bolsonaro” reacionário e odiento. O Jair Bolsonaro histórico deu corpo a esse “bolsonaro” escondido. O mesmo aconteceu com o “Hitler” escondido dentro de uma porção do povo alemão.

As cinco sombras referidas foram agravadas atualmente pela aquisição incentivada de armas na população, pela magnificação da violência até da tortura, pelo racismo cultural, pela misoginia, pelo ódio aos de outra opção sexual, pelo desprezo aos afrodescendentes, aos indígenas, aos quilombolas e aos pobres em geral. É de estranhar que muitos, até pessoas sensatas, inclusive acadêmicos e gente da classe média, possam seguir uma figura tão destemperada, deseducada e sem qualquer empatia pelos sofredores que perderam entes queridos pelo Covid-19.

Essa é uma explicação, certamente, não exaustiva, através da categoria da sombra que subjaz às várias crises político-sociais.

A outra categoria é a do karma. Para conferir-lhe algum grau analítico e não apenas hermenêutico (esclarecedor da vida), valho-me de um longo diálogo entre o grande historiador inglês Arnold Toynbee e Daisaku Ikeda, eminente filósofo japonês, recolhido no livro Elige la vida (Emecé). O karma é um termo sânscrito originalmente significando força e movimento, concentrado na palavra “ação” que provocava sua correspondente “re-ação”. Aplica-se aos indivíduos e também às coletividades.

Cada pessoa é marcada pelas ações que praticou em vida. Essa ação não se restringe à pessoa, mas conota todo o ambiente. Trata-se de uma espécie de conta-corrente ética cujo saldo está em constante mutação consoante as ações boas ou más que são feitas, vale dizer, os “débitos e os créditos”. Mesmo depois da morte, a pessoa, na crença budista e espírita carrega esta conta; por isso se reencarna para que, por vários renascimentos, possa zerar a conta negativa e entrar no nirvana ou no céu.

Para Arnold Toybee não se precisa recorrer à hipótese dos muitos renascimentos porque a rede de vínculos garante a continuidade do destino de um povo. As realidades kármicas impregnam as instituições, as paisagens, configuram as pessoas e marcam o estilo singular de um povo. Esta força kármica atua na história, marcando os fatos benéficos ou maléficos, coisa já vista por C.G.Jung em suas análises psico-sócio-históricas.

Arnold Toynbee em sua grande obra em dez volumes Um estudo da história [A Study of History] trabalha a chave desafio-resposta (challange – response) e vê sentido na categoria do karma. Mas dá-lhe outra versão que me parece esclarecedora e nos ajuda entender um pouco as sombras nacionais, especialmente, da extrema direita brasileira e até internacional, sempre ligando-se à religião de versão moralista e fundamentalista que facilmente chega ao coração do povo, normalmente, religioso.

A história é feita de redes relacionais dentro das quais está inserida cada pessoa, ligada com as que a precederam e com as presentes. Há um funcionamento kármico na história de um povo e de suas instituições consoante os níveis de bondade e justiça ou de maldade e injustiça que produziram ao largo do tempo. Este seria uma espécie de campo mórfico que permaneceria impregnando tudo.

Tanto Arnold Toynbee quanto Daisaku Ikeda concordam nisso: “a sociedade moderna (nós incluídos) só pode ser curada de sua carga kármica, acrescentaríamos, de sua sombra, através de uma revolução espiritual e social começando no coração e na mente, na linha da justiça compensatória, de políticas sanadoras e instituições justas.

Entretanto, elas sozinhas não são suficientes e não desfarão as sombras e o karma negativo. Faz-se mister o amor, a solidariedade a compaixão e uma profunda humanidade para com as vítimas. O amor será o motor mais eficaz porque ele, no fundo, afirmam Arnold Toynbee e Daisaku Ikeda “é a última realidade”. Algo semelhante diz James Watson, um dos descodificadores do código genético: o amor está em nosso DNA.

Uma sociedade, perpassada pelo ódio e pela mentira como em Jair Bolsonaro e em seus seguidores, alguns fanatizados, é incapaz de desconstruir uma história tão marcada pelas sombras e pelo karma negativo como a nossa. Não se trata um veneno com mais veneno ainda. Isso vale especificamente pelos modos rudes, ofensivos e mentirosos do atual presidente e de seus ministros.

Só a dimensão de luz e o karma do bem livram e redimem a sociedade da força das sombras tenebrosas e dos efeitos kármicos do mal como os grandes sábios da humanidade como o Dalai Lama e os dois Franciscos, o de Assis e o de Roma o testemunham.

Se não derrotarmos eleitoralmente atual presidente neste segundo turno a realizar-se no dia 30 de outubro, o país se moverá de crise em crise, criando uma corrente de sombras e karmas destrutivos, comprometendo o futuro de todos. Mas a luz e a energia do positivo sempre se mostraram historicamente mais poderosas que as sombras e o karma negativo.

Estamos seguros de que serão elas que garantirão, assim esperamos, a vitória de Lula que não guarda rancor nem ódio no coração, mas se move pela amorosidade e pela política do cuidado do povo, especialmente dos empobrecidos e de suas necessidades.

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub