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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

12
Fev22

Não esqueça o meu Monark: o ‘direito a um partido nazista’, Moro e o partido nazista do Direito

Talis Andrade

moro e kim e nazismo por geuvar.jpeg

Há 12 anos, um juiz substituto de Moro, divergindo de Moro, já alertava que o Brasil estava prestes a seguir o “indesejado” caminho apontado por um jurista e ideólogo do Terceiro Reich

 

por Hugo Souza

 

A propósito da defesa do “direito a um partido nazista” no Brasil pelos vendedores de hidromel Monark e Kim Kataguiri, este último recém-alçado a escudeiro da candidatura de Sergio Moro à presidência da República, vale a pena retroceder à Curitiba do ano de 2010, quando Moro ainda vivia em seu habitat natural, a insignificância, mas já tinha hábitos alimentares de gafanhoto defronte a Constituição Federal.

Nestes dias de defesa aberta do “direito a um partido nazista” no Brasil, portanto, vale a pena voltar à Curitiba de mais de uma década atrás para verificar a formação no Brasil de um partido nazista do Direito, e com direito a um magistrado curitibano, substituto de Moro, alertando que o caminho que o futuro juiz da Lava Jato estava prestes a trilhar era o apontado por um jurista do Terceiro Reich.

Em despacho do dia 11 de fevereiro de 2010, Moro, então titular da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba, autorizou o “monitoramento ambiental do contato entre presos do Presídio Federal de Catanduvas e os seus visitantes, inclusive advogados, além da realização de outras escutas ambientais no presídio”.

Pensar em gravar a defesa, até um estagiário de Frederick Wassef sabe, só em caso de indiciamento do advogado.

Na época, o então secretário geral da seccional do Panará da Ordem dos Advogados do Brasil, Juliano Breda, encaminhou ofício ao então presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante Júnior, dizendo que “o conteúdo da decisão [de Moro] revela um grave e frontal atentado contra as prerrogativas profissionais dos advogados, ao determinar que todos – absolutamente todos – os contatos entre presos e advogados na Penitenciária Federal de Catanduvas sejam monitorados e gravados, independente da existência de indícios da prática de infração penal pelos defensores”.

“Com efeito, trata-se de uma suspensão evidente e indiscriminada do direito à confidencialidade que informa a relação entre advogado e cliente, desdobramento natural do princípio constitucional da ampla defesa, corolário do devido processo legal”, dizia ainda o ofício.

Moro: ‘nenhum advogado reclamou’

Ao tomar conhecimento da grave, frontal e evidente suspensão de um princípio constitucional por um certo juiz da 1ª instância do Paraná, Ophir Cavalcante reagiu dizendo que daquele jeito abriam-se as portas do arbítrio e da falência da ampla defesa: “juiz não pode ter a brilhante ideia de monitorar tudo e todos para alcançar o advogado envolvido [em crime]”.

Sergio Moro, por seu turno, respondeu às críticas com seu inato caradurismo, dizendo que os advogados eram informados sobre a vigia e que “nenhum advogado reclamou”.

Mas a contraposição mais contundente àquela decisão de Moro partiu do outro lado da parede da sala que Sergio Fernando ocupava em seus tempos de 2ª Vara Federal de Curitiba. Despachando do gabinete ao lado, e em voto proferido antes da decisão do juiz titular sobre a matéria, o à época juiz substituto Flávio Antônio da Cruz alertou para a “mitigação das garantias constitucionais”, lembrou que nada poderia justificar “a conformação de um Direito Penal do Terror” e que “mesmo a existência de graves facções criminosas não autoriza a flexibilização de garantias fundamentais”.

“Essa flexibilização – redigiu o juiz Cruz – caminha para o resgate da divisão maniqueísta entre ‘amigos e inimigos’, de Carl Schmitt, ou a figura da ‘aversão ao direito’, de Edmund Mezger, de cunho evidentemente nazi‐fascista, repudiado pela Doutrina e legislação dos países democráticos”.

 

Da Constituição de Weimar à de 1988: bum!

Carl Schmitt. Guardem este nome. Voltaremos a ele daqui a três parágrafos. Por enquanto, seguimos com o voto – e uma profecia – do juiz Flávio Antônio da Cruz:

“Rechaço soluções pontuais, predestinadas a específicos grupos, definidos previamente como ‘inimigos da Nação’ (em que pese a gravidade dos crimes imputados). Ainda aqui – e talvez sobremodo aqui – as garantias devem ser asseguradas. O que se autorizará nestes casos terá repercussões futuras, redefinindo a relação ‘sujeito/Estado’ em uma direção indesejada”.

Seis anos depois, em 2016, o mesmo Moro, mas já na 13ª Vara Federal de Curitiba, autorizou o Ministério Público Federal do Paraná a espionar conversas telefônicas de 25 advogados do escritório da defesa de Lula, além de mandar gravar – e divulgar – o próprio Lula em conversa com Dilma Rousseff, presidenta do país no exercício do cargo.

É quando voltamos a Carl Schmitt, o jurista do Partido Nazista que destruiu a Constituição Democrática de Weimar e que ajudou Hitler a chegar ao poder com sua doutrina de que as leis podem ser ignoradas em situações excepcionais. A nenhuma jurisprudência, senão a de Carl Schmitt, seria mais adequado o TRF-4 recorrer para livrar Sergio Moro, como livrou, da representação feita contra ele por ter vazado conversa da presidenta da República.

E foi exatamente o que fez, recorrer a Carl Schmitt, o relator do caso no TRF-4, o desembargador federal Rômulo Pizzolatti. O relatório de Pizzolatti foi aprovado por 13 votos a um. O único divergente, única exceção no apoio ao estado de exceção, foi o desembargador Rogério Favreto. Em seu voto, Favreto alertou assim, não sem alguma sátira:

“Vale dizer que o Poder Judiciário deve deferência aos dispositivos legais

e constitucionais, sobretudo naquilo em que consagram direitos e garantias

fundamentais. Sua não observância em domínio tão delicado como o Direito Penal,

evocando a teoria do estado de exceção, pode ser temerária se feita por magistrado

sem os mesmos compromissos democráticos do eminente relator e dos demais

membros desta corte”.

 

404

Por fim, uma dessas curiosidades cabalísticas que pontuam a Grande Marcha Para Trás em que o Brasil se meteu, ou em que meteram o Brasil.

Aquela decisão de Moro autorizando gravar advogados no presídio de Catanduva foi na verdade publicada a quatro mãos. Além de Moro, outro juiz de execuções penais do Paraná assinou aquele despacho. O nome dele é Leoberto Simão Schmitt Júnior.

Um Schmitt, como o velho Carl.

Após a divulgação do áudio de Lula e Dilma, em março de 2016, centenas de juízes deste país, centenas, assinaram um manifesto em “irrestrito apoio às decisões que foram proferidas, em Curitiba, pelo juiz federal Sérgio Moro”.

O juiz Schmitt foi o signatário 404.

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23
Jan20

Quando o TRF-4 usou um jurista nazista para livrar a cara de Moro por um crime

Talis Andrade

Para não punir pelo crime da divulgação do áudio de Lula com DilmaJosé Chrispiniano: TRF-4 usou jurista nazista para livrar Moro de um crime e ninguém se indignouJoseph Goebbels, Carl Schmitt, Sergio Moro e o Rômulo Pizzolatti

 

 

por José Chrispiniano

 

Não foi um vídeo de Roberto Alvim de 6 minutos sobre política cultural com plágio de fala de Joseph Goebbels no dia 16 de janeiro de 2020.

Foi um relatório de 5 páginas do desembargador federal Rômulo Pizzolatti em setembro de 2016, referendado por uma votação de 13 desembargadores contra 1 no Tribunal Regional da 4º Região, que abarca os 3 estados do Sul do Brasil, que sacou do porão da história a doutrina jurídica de Carl Schmitt, o jurista do nazismo, para não punir Sérgio Moro de um crime explícito e assumido cometido pelo então juiz às vistas do país inteiro.

O caso, do ponto de vista objetivo, era pornográfico, explícito: Sérgio Moro, no dia 16 de março, cometeu um crime ao divulgar ilegalmente interceptação telefônica de uma conversa da então presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sem autorização judicial.

A gravação não tinha autorização judicial porque ele mesmo a havia suspendido duas horas antes do telefonema interceptado e divulgado.

Advogados representaram no tribunal apontando que Moro havia cometido um crime previsto na legislação.

O crime de interceptação telefônica ilegal e sua divulgação, delitos previsto em lei, cometido por um juiz que deveria ser o protetor da ordem legal, contra a autoridade máxima eleita, a presidente da República, documentado e admitido pelo próprio Moro.

O TRF-4 então passa a ter um problema não óbvio: como fazer o que queriam, livrar a cara do juiz celebridade, e não simplesmente executar a lei e punir Moro? Como justificar isso juridicamente, em um texto?

Roberto Alvim plagiou Goebbels mas não avisou isso no vídeo, claro.

Pizzolatti embasou seu relatório dizendo que a norma jurídica incide sobre o plano da “normalidade”, mas que não se aplicaria em “situações excepcionais”.

Para isso, usou uma citação do jurista e ex-ministro do Supremo Eros Grau, do seu livro “Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito”. Foi essa a citação no relatório, para a qual vou chamar atenção depois para uma palavra:

“De início, impõe-se advertir que essas regras jurídicas só podem ser corretamente interpretadas à luz dos fatos a que se ligam e de todo modo verificado que incidiram dentro do âmbito de normalidade por elas abrangido.

É que a norma jurídica incide no plano da normalidade, não se aplicando a situações excepcionais, como bem explica o jurista Eros Roberto Grau: A ‘exceção’ é o caso que não cabe no âmbito da ‘normalidade’ abrangida pela norma geral. A norma geral deixaria de ser geral se a contemplasse.

Da ‘exceção’ não se encontra alusão no discurso da ordem jurídica vigente. Define-se como tal justamente por não ter sido descrita nos textos escritos que compõem essa ordem. É como se nesses textos de direito positivo não existissem palavras que tornassem viável sua descrição. Por isso dizemos que a ‘exceção’ está no direito, ainda que que não se encontre nos textos normativos do direito positivo.

Diante de situações como tais o juiz aplica a norma à exceção ‘desaplicando-a’, isto é, retirando-a da ‘exceção [Agamben 2002:25]. A ‘exceção’ é o fato que, em virtude de sua anormalidade, resulta não incidido por determinada norma. Norma que, em situação normal, o alcançaria (GRAU, E. R. Por que tenho medo dos juízes (a interpretação/aplicação do direito e os princípios). 6ª ed. refundida do Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 124-25)”.

O texto citado pelo desembargador como citação também tem uma citação.

A palavra chave é “Agamben”, do filósofo italiano Giorgio Agamben. Eros Grau no seu trecho está analisando não uma norma jurídica, mas o livro (excelente, por sinal) “Estado de Exceção” (Boitempo) de Giorgio Agamben.

Esse livro analisa, criticamente, a natureza do Estado de Exceção (instrumento contraditório com a lei e a democracia, mas presente em praticamente todas as constituições) e os conceitos do jurista que deu base teórica e “ legal” ao nazismo, Carl Schmitt.

O trecho citado por Eros Grau não é uma jurisprudência legal baseada nas leis brasileiras: é um comentário sobre uma análise do direito nazista.

Essa citação é apresentada assim, como fato, no relatório que recebeu voto favorável de 13 desembargadores da região Sul do Brasil “É que a norma jurídica incide no plano da normalidade, não se aplicando a situações excepcionais, como bem explica o jurista Eros Roberto Grau”.

Quem decreta a situação de excepcionalidade? Na prática, foi como se o TRF-4 já desse como válido um “excludente de ilicitude” para Moro, que talvez agiu sobre “forte emoção”.

A formatação de texto clichê de decisão jurídica do relator torna banal a gravidade dele, que seria entendida de forma clara se dita de outra forma: foda-se a lei!

O resumo do caso: só havia um jeito do TRF-4, provocado pela sociedade, não reagir aplicando a lei e punindo Sérgio Moro por cometer um crime: suspendendo a lei.

E só havia um jeito de um tribunal de leis buscar alguma fundamentação conceitual para justificar isso: buscar conceitos em Carl Schmitt, no direito nazista.

Na prática, Moro no episódio do grampo, e o TRF4, ao isentá-lo de punição pelo crime cometido, “suspenderam a lei”, o tal do “rule of law” que alguns gostam tanto de pronunciar em discursos como se tivessem uma batata na boca. Instituíram o vale tudo.

Escreveram isso, não no aplicativo Telegram, onde tal questão foi chamada pelo procurador Deltan Dallagonol em mensagem privada de “filigrama jurídica”, mas em uma decisão judicial:

“Ora, é sabido que os processos e investigações criminais decorrentes da chamada ‘Operação Lava-Jato’, sob a direção do magistrado representado, constituem caso inédito (único, excepcional) no direito brasileiro. Em tais condições, neles haverá situações inéditas, que escaparão ao regramento genérico, destinado aos casos comuns” – Rômulo Pizzolatti setembro de 2017

Mas se um tribunal de aplicação de leis decide que não precisa mais seguir leis, seu poder baseia-se no quê?

No poder de dizer quando as leis valem e quando elas não valem? Se a Lava Jato não segue a lei, ela segue o que?

Um advogado atua nele como? Como ler suas decisões?

Rápida digressão: o desembargador escreve que a Lava Jato estava “sob a direção” de Moro. Estranho, não? Fim da digressão.

Voltando ao livro de Agamben, cujo autor provavelmente jamais imaginaria que seria usado para reanimar – e ser aplicado em um caso específico – o horror que ele estudou: “0 estado de exceção apresenta-se, nessa perspectiva, como um patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo.”

Bem-vindos ao Brasil talvez acima de tudo.

Em alemão, Brasil acima de tudo é Brasilien Über Alles. Foi o slogan de campanha e é o mote do presidente eleito em 2018, Jair Bolsonaro.

Não se chega a ministro da Cultura que segue a política para área de Goebbels do dia para a noite nem por acaso, nem sem aviso.

Em alemão, Alemanha acima de tudo é “Deutschland Über Alles”, e gritar isso em logradouro público naquele país é crime.

Na primeira audiência do caso do Tríplex do Guarujá, julgado por Moro contra Lula, ouviu-se o ex-senador tornado delator Delcídio do Amaral.

Posteriormente, em um processo contra Lula do qual ele foi inocentado na justiça de Brasília, Delcídio foi considerado mentiroso pelo juiz.

Mas no dia 21 de novembro de 2016 ele prestou depoimento como testemunha para Sérgio Moro, e seu depoimento está na sentença final dele.

Durante a audiência o então juiz se irritou com a defesa: “A defesa pelo jeito vai ficar levantando questões de ordem a cada dois minutos nesta inquirição. É inapropriado, doutor. Estão tumultuando a audiência”.

Um dos advogados de Lula, José Roberto Battochio, retrucou que o juiz não é dono do processo e disse: “Se vossa excelência quiser eliminar a defesa… E eu imaginei que isso já tivesse sido sepultado em 1945 pelos aliados e vejo que ressurge aqui, nesta região agrícola do nosso país. Se vossa excelência quiser suprimir a defesa, então eu acho que não há necessidade nenhuma de nós continuarmos essa audiência”.

A audiência e o processo continuaram. Muita gente no Paraná não gostou de ser chamado de habitante de “região agrícola”, outros se orgulharam disso. A referência aos derrotados pelos aliados causou menos reação. Às vezes uma declaração em um determinado tempo parece um arroubo exagerado de retórica. Mas o tempo passa.

A condenação de Lula por Moro e pelo TRF-4 o impediu de disputar as eleições de 2018, nas quais liderava por ampla margem as pesquisas. Sem Lula, venceu Jair Bolsonaro, Über Alles.

Quem defende a condenação garante que ela seguiu a lei e a normalidade do processo legal.

Mas, curiosamente, há uma decisão do TRF-4 que diz que Moro e a Lava Jato não precisariam seguir o “regramento genérico” para “casos comuns”.

Quem diz que o caso é excepcional não sou eu, é o TRF-4. Por 13 votos contra um.

No governo onde Alvim era ministro da Cultura e Bolsonaro presidente, o Ministro da Justiça é Sérgio Moro. Ele foi juiz, dirigiu e julgou (bateu escanteio e cabeceou) uma operação de combate à corrupção.

Cometeu um crime aos olhos de todo o país. E nunca foi punido em uma decisão baseada em conceitos do jurista do nazismo Carl Schmitt. Ninguém se indignou.

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LINKS

Decisão do TRF-4: https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=12276&fbclid=IwAR3ATSXqfeoErf0KkzvHYYqJi8ayWBUWDKoB47mwbkMGMvIi3FSmMEz773w

Íntegra do relatório de Pizzolatti: https://www.conjur.com.br/dl/lava-jato-nao-seguir-regras-casos.pdf?fbclid=IwAR3DA4b3Up3f5JBujeEU8qpD7lzl9pkjXEdaB1eeu_-gi3xiW_7OdgH0WFk

Livro de Eros Grau: https://www.amazon.com.br/Ensaio-Discurso-Interpreta%C3%A7%C3%A3o-Aplica%C3%A7%C3%A3o-Direito/dp/857420935X?fbclid=IwAR3WksQ0BRPqnTkTLEEosXySr35x55BHeiFJz_EX71JK5PTsSYH6DQjBMkI

Livro de Agamben: https://www.boitempoeditorial.com.br/produto/estado-de-excecao-105?fbclid=IwAR3CVIIzAl3opVln-IX5IXX8FQGl7U0UJVLe_PhRnApmw2kCQ5o257FuWyc

Fala de Battochio em audiência com Moro:https://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/advogado-de-lula-insinua-que-moro-e-nazista-e-que-curitiba-e-provinciana-5xwy950n7s9buk1mwpyon9v4d/?fbclid=IwAR0BWKnH9KO-8KX1P-2GDzxvIcobxUxpJbeTMaEwhKmECiOuhXhQSKthmA4

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31
Jul19

Prisão de acusado de hackeamento é ilegal e tem motivos políticos

Talis Andrade

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Por Fernando Augusto Fernandes

No último 19, o juiz Vallisney de Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, decretou a prisão temporária de quatro pessoas para os fins de investigação sobre o "hackeamento" dos celulares do ex-juiz Sergio Moro e do procurador da "lava jato" Deltan Dallagnol. O material tem nutrido inúmeras notícias sobre os atos ilícitos cometidos pelo ex-juiz e o procurador durante a condução de processos que transformaram a "república de Curitiba" em uma força política decisiva nas eleições de 2018.

Este texto visa apreciar juridicamente as ações imputadas aos presos e suas consequências jurídicas. Todos os atores políticos e jurídicos se referem ao "hackeamento" como algo grave, independente da gravidade do conteúdo divulgado. Afirmo que não é possível se configurar organização criminosa na forma da Lei 12.850/13[1] para os fins de invasão de dispositivo (artigo 154 A), com obtenção de mensagens eletrônicas[2] ou de violação do sigilo de comunicação na forma do artigo 10[3] da Lei 9.296/96. Ainda, o móvel das ações do preso é considerado atenuantes pelo Código Penal.

Antes de tudo é importante entender o motivo da ação e quais as relações de dominação e resistência no mundo virtual. O jornalista Glenn Greenwald, que hoje encabeça as revelações do Intercept Brasil, foi protagonista das divulgações da vigilância internacional realizada pelos Estados Unidos, através da NSA (Agência de Segurança Nacional). Em 2005, Glenn entrevistou Edward Snowden, que entregou provas de que entre as milhares de pessoas violadas e monitoradas em todo mundo estavam a ex-presidente Dilma Roussef[4]. Também a Petrobras[5] era monitorada com violações de e-mails e interceptações telefônicas, com a falsa justificativa de combate ao terrorismo[6].

A “militarização do ciberespaço”, com a vigilância em massa de nossa população e invasão da privacidade e das empresas, também gerou um movimento de resistência através da cultura dos cyberpunks, que têm como meta a “privacidade para os fracos, transparência para os poderosos” e como princípio “a informação quer ser livre”[7]. O Wikileaks é uma importante organização que se dedica a publicar documentos secretos revelando má conduta de governos, empresas e instituições. As denúncias reveladas por essa organização passa pelo ataque a civis e torturas no Iraque, centenas de assassinatos no Afeganistão e ordem de Hillary Clinton para que 33 embaixadas recolhessem dados pessoais de diplomatas da ONU.

Walter Degatti Neto é o cyberpunk que foi identificado pela Polícia Federal como aquele que remeteu ao Intercept Brasil o material. Em seu depoimento no inquérito sigiloso vazado para imprensa, afirma “QUE somente armazenou o conteúdo das contas de TELEGRAM dos membros da Força Tarefa da Lava Jato do Paraná, pois teria constatado atos ilícitos nas conversas registradas;”... QUE não encontrou nada ilícito no conteúdo das conversas dos Procuradores da República que atuam no caso "GREENFIELD";... QUE nunca recebeu qualquer valor , quantia ou vantagem em troca do material disponibilizado ao jornalista GLENN GREENWALD”.

O Código Penal prevê como circunstâncias atenuantes, no artigo 65: “III – ter o agente: a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral”. Houve também confissão no depoimento”. Sergio Moro, ao levantar o sigilo da interceptação telefônica gravada entre os ex-presidentes Lula e Dilma, obtida ilegalmente, porque depois do horário da autorização judicial, usou um argumento cyberpunk: dizia levantar o sigilo, entre outras razões, porque “também o saudável escrutínio público sobre a atuação da Administração Publica e da própria Justiça criminal. A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras”[8].

A diferença é que Moro utilizou-se do poder de juiz, abusando da sua autoridade para cometer o ilícito do artigo 10 da Lei de Interceptação. Submetida a questão à Corte Especial do TRF-4, o voto condutor do desembargador federal Rômulo Pizzolatti, que tornou imune o ex-juiz, fundou-se na afirmação de que “a norma jurídica incide no plano da normalidade, não se aplicando a situações excepcionais”. Clara aplicação do poder soberano do juiz na “qual não há extinção dos direitos da sociedade, mas sua suspensão”[9]. Destaca-se voto vencido do desembargador Rogério Favreto, de não ser adequada a invocação da teoria do Estado de exceção[10].

Não estamos diante de uma organização criminosa. Primeiramente, os quatro presos serviram para fazer o mínimo número para tentar imputar esse crime. Há evidência de que os quatro não estão envolvidos. Ocorre que a pena máxima do crime que a organização criminosa visa cometer precisa ser maior do que 4 anos. A violação do sigilo de comunicação do artigo 10[11] da Lei 9.296/96 tem pena máxima de 4 anos, e não maior. Diante da edição do artigo 154 A, parágrafo 3º, esta passou a ser lei especial para invasão de dispositivo, vigorando o artigo 10 somente para o caso de interceptação, ou seja, transmissão on-line de fala. No caso examinado, o cyberpunk baixou diálogos prévios, portanto cometeu um delito cuja pena vai somente de 6 meses a 2 anos.

Além da impossibilidade da imputação de organização criminosa e a previsão de tipo de menor potencial ofensivo pela Lei 9.099/95, a prisão temporária prevista é inaplicável na Lei 7.960/89, seja porque a organização criminosa não está prevista no artigo 1º (somente quadrilha ou bando), seja porque nem o artigo 10º da Lei 9.296/96 nem o artigo 153 A estão previstos como passíveis de prisão para investigação. Também incabível as prisões preventivas pela redação dada ao artigo 313[12] do CPP, que exige pena máxima superior a 4 anos ao tipo penal imputado.

Prisão fora dos ditames da norma legal é ato de exceção, portanto, é prisão política. O cyberpunk afrontou o poder de Sergio Moro e dos procuradores revelando ilegalidades e o ilícito cometido por eles. É um crime de menor potencial ofensivo que não gera prisão. A aplicação de organização criminosa indiscriminadamente e fora dos ditames da norma fere o princípio da reserva legal. Denunciar ilegalidades é que moveu as ações cyberpunk, o que torna um ato político de resistência[13]. Prisão ilegal, fora dos ditames das normas brasileiras, o torna preso político.

A liberdade de imprensa é tema fundamental e precisa ser preservada. De igual forma, as liberdades democráticas e as garantias da reserva legal e do devido processo. O Estado brasileiro está agindo fora da norma legal ao prender essas quatro pessoas, entre os quais o cyberpunk.


[1] § 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
[2] § 3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido: (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012) Vigência Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012).
[3] Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
[4] A NSA também se dedica à espionagem diplomática, como demonstram os documentos referentes a “questões políticas”. Um exemplo particularmente chocante, de 2011, mostra que a agência teve como alvo dois líderes latino-americanos – a atual presidente do Brasil, Dilma Rousseff, assim como seus “principais consultores”, e o então líder da disputa presidencial (e hoje presidente) do México Enrique Peña Nieto, junto com “nove de seus colaboradores mais próximos” – para um “esforço especial” de vigilância especialmente invasiva. O documento chega a incluir algumas das mensagens de texto interceptadas entre Nieto e um “colaborador próximo”. “Sem lugar para se esconder do Governo Americano”, pág 123 2014 Ed Primeira Pessoa, Greenwald, Glenn.
[5] “Boa parte do acervo de Snowden revelou o que só pode ser qualificado de espionagem econômica: escuta e interceptação de e-mails da gigante brasileira de petróleo Petrobras, de conferências econômicas na América Latina, de empresas de energia da Venezuela e do México, e uma vigilância conduzida por aliados da NSA (entre os quais Canadá, Noruega e Suécia) sobre o Ministério das Minas e Energia do Brasil e empresas do setor de energia em vários outros países.” ob. cit pag 117.
[6] “Para começar, é claro que grande parte da coleta de dados conduzida pela NSA nada tem a ver com terrorismo ou segurança nacional. Interceptar as comunicações da gigante Petrobras, espionar sessões de negociação em uma cúpula econômica, ter como alvo os líderes democraticamente eleitos de países aliados ou coletar todos os registros de comunicações dos americanos não tem qualquer relação com o terrorismo. No que diz respeito à atual vigilância praticada pela agência, está evidente que deter o terrorismo é um pretexto”. Ob. Cit pag 197.
[7] Cypherpunks – Liberdade e o Futuro da Internet”, ed Boitempo, 2012, pag. 12 prefácio Natalia Viana. Vide apublica.org.
[8] https://www.conjur.com.br/dl/decisao-levantamento-sigilo.pdf.
[9] SERRANO, Pedro Esteves Alves Pinto. Autoritarismo e golpes na América Latina: Breve ensaio sobre jurisdição e exceção. São Paulo: Alameda, 2016, p. 167.
[10] Disponível em <https://s.conjur.com.br/dl/lava-jato-nao-seguir-regras-casos.pdf>, acesso em 24/4/2019.
[11] Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
[12] Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
[13] O advogado criminal e ex-governador Nilo Batista, entrevistado em 2003 pela Caros Amigos, disse sobre Augusto Thompson: "Todo crime é político. Nos anos 70, eu me lembro que o Augusto Thompson, que é uma grande figura, deu uma resposta maravilhosa numa conferência, a um aluno que perguntou: Professor, qual é a diferença entre criminoso comum e criminoso político? E o Thompson falou: A diferença é que o comum também é político, só que ele não sabe. <groups.yahoo.com/neo/groups/direito-turmab/conversations/messages/228>.

 

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