A luta pela liberdade de imprensa nunca termina. E nossa trincheira agora é na justiça da Bahia.
O juiz George Alves de Assis impôs nova censura aoIntercept, em mais uma decisão que viola a Constituição vigente no país.
Neste texto, que você agora não pode ler, nós informamos a censura anterior imposta pelo mesmo juiz nos autos do processo 8120612-07.2023.8.05.0001, que corre na 7ª Vara Cível e Comercial de Salvador. É uma censura em dobro!
De acordo com a nova decisão de George Alves de Assis, não podemos falar nada a respeito do caso. Nem mesmo podemos nos referir ao autor da ação judicial.
Consideramos essa decisão absurda e ilegal. Nossos advogados estão recorrendo neste momento para que nosso direito de informar seja respeitado. E estamos lutando também pelo seu direito à informação. Essa é uma luta que envolve todos nós.
O Intercept foi criado para fiscalizar poderosos e responsabilizá-los por seus atos, e não cederemos em nossos princípios e em nossa missão.
Como somos uma redação sem fins lucrativos, financiada pelos leitores, nós precisamos que a nossa comunidade se una e nos ajude a derrotar mais esta tentativa de intimidação.
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Veja nas tags os nomes dos interessados em silenciar Mãe Bernadete Pacífico, líder religiosa e líder do quilombo dos Palmares, na Ilha de Boipeba, na Bahia de Todos os Santos e de Todos os Pecados. Em matar Binho do Quilombo, filho de Mãe Bernadete Pacífico. Veja a manjada incompetência policial, e o mando dos capitães-do-mato, e barões do litoral, empresários costeiros das ilhas do Brasil
A notícia da certificação foi recebida com grande felicidade pelas 190 famílias que vivem na ilha de Boipeba
por Poderes Pretos
A Comunidade de Boipeba, localizada no município de Cairu, no sul da Bahia, recebeu uma certificação importante ao ser reconhecida como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares. A decisão foi oficializada através de publicação no Diário Oficial da União em 20 de setembro de 2023 e será registrada no Livro de Cadastro Geral.
Boipeba é uma ilha que abriga quatro comunidades quilombolas, incluindo Boipeba, Moreré, Monte Alegre e São Sebastião (também conhecida como Cova da Onça). A ilha faz parte do município arquipélago de Cairu, que possui um total de 17.761 habitantes, de acordo com o Censo de 2022.
A notícia da certificação foi recebida com grande felicidade pelas 190 famílias que vivem na ilha de Boipeba, com alguns moradores expressando emoções profundas, como lágrimas de alegria. Para a comunidade, esse reconhecimento é uma validação de sua identidade e história.
Boipeba é conhecida por preservar suas tradições afrodescendentes, incluindo festas como as de Iemanjá e do Divino, o Zambiapunga e o Bumba Meu Boi, que refletem a importância das raízes culturais da comunidade.
O turismo desempenha um papel significativo na economia local, juntamente com a pesca e a agricultura de subsistência. O reconhecimento como remanescente de quilombo oferece a oportunidade de acesso a políticas públicas que podem contribuir para melhorar as condições de vida das comunidades locais, que ainda enfrentam desafios socioeconômicos significativos. Para muitos, esse passo é uma conquista importante que agora lhes permite afirmar e proteger seus direitos e tradições ancestrais.
Na noite do dia 17/08/23, a Yalorixá Maria Bernadete Pacífico, de 72 anos, liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho (BA), foi executada a tiros dentro do terreiro onde vivia. Mais um crime cometido em consequência de disputas fundiárias em torno de terras das comunidades tradicionais.
A pressão e as ameaças feitas por grupos ligados à especulação imobiliária não são algo novo na realidade daquela região. Em 2017, Flavio Gabriel Pacífico dos Santos, o Binho do Quilombo, filho biológico de Mãe Bernadete, foi executado com dez tiros. Ao longo desses seis anos que se passaram, a Yalorixá seguiu firma na luta por justiça pelo assassinato do filho e pelos direitos dos quilombolas, e por isso se tornou alvo de ameaças.
Ainda em 2017, ela foi incluída no Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), mas não foi suficiente. Em junho de 2023, já quase sem proteção, Mãe Bernadete denunciou sua situação para a presidenta do Superior Tribunal Federal (STF), a ministra Carmem Lúcia. A partir daí, as ameaças se intensificaram.
Agora, pouco mais de dois meses depois da denúncia, essa mulher que dava corpo a tantas lutas, como pela demarcação das terras quilombolas e contra o racismo religioso, entre outras, foi assassinada.
De acordo com o relatório Conflitos no Campo Brasil 2022, publicado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Bahia é o terceiro estado do país onde, nos últimos anos, foram registrados os maiores índices de conflitos por terra no campo, ficando atrás apenas de Maranhão e Pará. Com relação a ameaças de morte e agressões, os números mostram que, entre 2021 e 2022, houve um aumento de 175% no número de pessoas agredidas e 170% nas ameaças de morte no estado.
Há anos a comunidade do Quilombo Pitanga dos Palmares luta pela regularização fundiária de suas terras. Apesar de terem tido o direito reconhecido em 2017 pelo Relatório Técnico de Identificação e Delimitação – RTID, o processo tramita lentamente e ainda não foi concluído pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O resultado disso é que as 289 famílias que ali vivem, aproximadamente, seguem vulneráveis e expostas à pressão da especulação imobiliária, direta ou indiretamente, e correm riscos não apenas de serem expulsas do território, mas também risco de vida.
Diante de um crime tão brutal, diversas entidades e lutadores se manifestaram em repúdio ao crime. Que possamos nos unir para, de maneira coletiva, fortalecer a luta pelos direitos humanos, pelos direitos das comunidades e povos tradicionais e contra o machismo, racismo e intolerância religiosa.
Projeto turístico-imobiliário José Marinho e Armínio Fraga, que devastará paraíso baiano, pode ser apenas o início. População denuncia que uma “corrida pela terra” começou na região — e ameaça ainda mais bioma e territórios originários
Comunidades tradicionais e ambientes naturais em terra e mar podem ser os mais prejudicados pela construção de um projeto turístico-imobiliário privado na ilha de Boipeba. A empreitada pode azeitar a especulação de terras e a aprovação de licenças similares no litoral da Bahia.
O empreendimento Ponta dos Castelhanos foi licenciado em março pelo governo baiano numa fazenda que toma quase 20% de Boipeba, ou 1.651 hectares (ha). A ilha é uma das porções mais preservadas da Mata Atlântica e abriga povoados tradicionais de quilombolas, pescadores e extrativistas.
“Em mais de 500 anos de ocupação houve uma devastação sem precedentes da Mata Atlântica, mas ela foi mantida pela ocupação tradicional do litoral sul da Bahia”, afirma Eduardo Barcelos, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IF Baiano), ligado ao Ministério da Educação.
Uma de suas guardiãs é Rosângela Maria da Paixão Santos, a Dolinha. Ela cresceu catando mariscos e pescando com a família, atividades mantidas pelos filhos e marido. Hoje todos manejam uma barraca na praia do Bainema, em Boipeba, buscada por turistas brasileiros e do exterior.
“Sempre sobrevivi do mangue. O mangue era a minha firma [empresa onde trabalhava], vive aqui no meu coração. Eu aprendi a respeitar o ser humano, aprendi a respeitar a natureza e a trazer para casa o alimento, tudo através do mangue. Ele é um ‘ser’ muito importante”, declara Dolinha.
As mãos de Dolinha já tiraram muito marisco dos mangues e peixes do mar, na ilha de Boipeba. Foto: Fellipe Abreu / Mongabay Brasil / O Eco
As ilhas de Tinharé e Boipeba abrigam a maior faixa contínua de restinga arbórea do litoral do Baixo Sul baiano e cerca de 36 mil ha de manguezais, queprotegemo clima e garantem a renovação da vida marinha, mesmo de espécies que interessam à pesca comercial.
Todavia, a Bahia é um dos líderes nacionais em casos de violência no campo e no desmate da Mata Atlântica. Restam apenas 196 mil ha dos 770 mil ha originais no litoral do Baixo Sul do estado. A redução é superior a 70% na vegetação nativa da região. Os dados são do IF Baiano.
O governo da Bahia já prendeu os assassinos de mãe Bernadete Pacífico? Duvido prender os mandantes. Quanto mais sangue derramado mais propina ... mais des mata mento.
Remanescentes (verde claro) de Mata Atlântica no baixo litoral sul da Bahia, em 2021. Mapa: Observatório Socioterritorial do Baixo Sul da Bahia (OBSUL)
Latifúndios costeiros
Barcelos, do IF Baiano, avalia que a decaída ecológica da região é ligada a uma “corrida pela terra” para a formação de “latifúndios costeiros”. Seus levantamentos apontam que 16 mil ha do território são concentrados em 18 imóveis. Isso ocorre muitas vezes pela privatização de terras públicas, conta.
“A experiência brasileira mostra que onde esses empreendimentos chegaram, o solo foi fatiado, a Mata Atlântica foi devastada, comunidades foram divididas, expulsas e submetidas à insegurança alimentar [pela privação de fontes de renda e alimentos]”, destaca o pesquisador.
O cenário que se acerca de Boipeba assusta quem tem a vida calejada pela discriminação histórica que o Brasil impõe a populações negras e indígenas, a quem não tem dinheiro ou padrinhos políticos para lhe proteger. É o caso do quilombola Benedito da Paixão Santos, o Bio.
“Fui escravo demais dos outros e hoje graças a Deus eu trabalho para mim mesmo, com a pesca e o turismo. Sempre estou aqui para apresentar o de melhor, tanto pra minha comunidades e pros amigos que visitam a nossa ilha”, ressalta. Mas as perspectivas para essas pessoas não são animadoras.
Os especialistas ouvidos por ((o))eco avaliam que uma consolidação do Ponta dos Castelhanos estimulará iniciativas semelhantes em outras áreas preservadas do litoral. O projeto foi licenciado em março deste ano pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) da Bahia.
Doutora em Biologia pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Cacilda Rocha alerta que eliminar florestas, restingas e mangues da Mata Atlântica prejudicará ambientes preservados em terra, costa e mar, bem como as populações que deles sobrevivem.
“Isso agravará processos erosivos e das chuvas nesses terrenos arenosos. E isso tudo pode ser carreado para o ambiente marinho da ilha, onde temos recifes com 16 espécies de corais”, descreve a cientista e moradora da ilha de Boipeba.
Em vermelho (esquerda), a concentração de terras privadas em 100 km do litoral sul baiano, entre as praias do Garcez (Jaguaripe) e de Pratigi (Ituberá). Em laranja (direita), áreas que já estariam privatizadas nas ilhas baianas de Moreré (acima) e de Boipeba. No extremo sul da imagem, a área do projeto Ponta dos Castelhanos. Mapas: Observatório Socioterritorial do Baixo Sul da Bahia (OBSUL)
Licença contestada
A licença inicial do Inema ao projeto prevê obras em menos de 2% da área da fazenda e desmate de 3 ha (0,17%) dos 1.651 hacompradosem 2008 pela Mangaba Cultivo de Coco. O grupo temsócioscomo José Roberto Marinho, herdeiro da Rede Globo, e Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central.
Mas, cálculos do IF Baiano apontam que a ocupação será de ao menos 347 ha. Serão 201 ha de loteamentos, outros 88 ha para pousadas, 22 ha da pista de pouso e 36 ha para residências. O consumo de água das estruturas será cinco vezes maior que o da comunidade de Cova da Onça, no sul de Boipeba.
“O projeto impactará matas, restingas geológicas, áreas de recarga de água, campos de mangaba [fruta nativa], demussunungae manguezais”, avisa Eduardo Barcelos, do IF Baiano.
Conforme o cientista, a licença estadual dribla diretrizes federais para conservar a biodiversidade e não pesa impactos cumulativos de outros projetos na segurança alimentar das comunidades tradicionais, que pescam, catam alimentos eoperamturismo, inclusive na área do projeto.
Matriarca do samba de raíz em Boipeba, Jenice Santos pede muita cautela antes que moradores e autoridades públicas dêem sinal verde definitivo ao empreendimento. “Fica esperto, abre o olho e pare para analisar, que é para depois não chorar”, avisa.
“Eu sou nativa de Boipeba, vivi muitos anos pescando, tirando polvo, metendo o braço no buraco do caranguejo, pescando naquele rio do Catu. Então como é que hoje eu vou aceitar que as pessoas vêm de fora querer poluir um lugar tão bonito”, reclama. (continua)
A Ilha de Boipeba está ameaçada! Esse paraíso baiano, que já foi eleito a melhor ilha do Brasil, está ameaçado pela construção de um megaempreendimento imobiliário que vai ocupar cerca de 20% da ilha, o equivalente à aproximadamente 1700 campos de futebol. No dia 07 de março o INEMA, Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia, aprovou a licença para construção do empreendimento, mas no dia 06 abril o Ministério Público proibiu a intervenção no terreno até que seja analisado se o empreendimento possui a licença ambiental do INEMA e atende à legislação ambiental. Preciso acompanhar esse caso de perto e pressionar os poderes públicos para que esse empreendimento não vá à frente porque eles querem acabar com um dos lugares mais bonitos e paradisíacos do Brasil. (continua)
No relatório de 75 páginas, lançado no Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados, em 30 de agosto, a Artigo 19 busca expor o quanto o acesso aos arquivos nacionais públicos pode ser mais ou menos determinante para o reconhecimento e superação da ocorrência sistemática de violações dos direitos humanos no passado. O documento relaciona a questão à violência contra povos negros e indígenas no contexto brasileiro, mas também situa aspectos mais recentes, como a repressão durante a ditadura militar e o que chama de ‘violência embranquecedora’, que ainda é perpetrada contra as populações brasileiras não-brancas.
A Artigo 19 expressa no relatório que compreende o direito à informação como um direito humano fundamental, mas também de caráter instrumental, uma vez que passa por este a necessária efetivação de outros direitos. Em Direito à Informação: memória e verdade, a organização aponta a vinculação entre o direito à informação e o direito à verdade; sendo este entendido como a obrigação do Estado de publicizar informações sobre violações de direitos humanos ocorridas a qualquer tempo e que sejam relevantes para a reparação e o acesso à justiça.
Essa exposição da ‘verdade histórica’ teria, portanto, a pretensão de superar o negacionismo e o revisionismo, reclamando uma reescrita da história, mas também, reivindicando o redesenho de políticas públicas e superando a impunidade fincada no colonialismo e que ainda corrompe o sistema social, político e de justiça no Brasil.
Brasil profundo
E antes de ‘torcer o nariz’ para as questões aqui colocadas, carecemos de lembrar que há pouco tempo o país teve como mandatário da Presidência da República e representante da extrema direita e elites oligárquicas, um Jair Messias Bolsonaro que, sem qualquer pudor, cometeu o disparate de afirmar em rede nacional, durante entrevista ao programa Roda Viva (TV Cultura), que “(…) se for ver a história realmente, os portugueses nem pisavam na África, os próprios negros que entregavam os escravos”.
Tamanho despropósito, para se dizer o mínimo, em um país que ainda engatinha e esbarra em vários obstáculos para promover dispositivos como a Lei 10.639/2003, que versa sobre o ensino de história e cultura afro-brasileira na escola, que encarcera a população negra em massa, e que também é vergonhosamente um país em que mais se mata negras e negros, algo assim não poderia jamais ocorrer sem reprimendas. Mas, no Brasil profundo e, ao mesmo tempo, ‘raso’, ainda há quem diga que não existe racismo no país.
Quando transpomos o olhar para a questão indígena, não se pode esquecer da reiterada afirmação da primeira ministra dos Povos Indígenas da história do país, Sônia Guajajara, que sempre faz questão de enfatizar que “sem território, não existem povos indígenas”.
Para a Artigo 19, a preservação e acesso a documentos públicos no Brasil é essencial para passar essa história a limpo, uma vez que isso permitiria constatar como o Estado brasileiro tem agido nestes mais de 500 anos para promover ou contribuir para o esbulho das terras indígenas e, portanto, para o apagamento dessas identidades e extermínio de sua população.
Informar para superar
Assim como versa o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, profissionais do jornalismo, devidamente qualificados para o exercício da profissão com ética e compromisso social, devem atuar de maneira rigorosa na defesa dos direitos humanos e, por meio dessa, contribuir para o fortalecimento da democracia.
Dessa forma, considerando as 21 recomendações que a Artigo 19 faz a respeito do acesso às informações que se encontram em arquivos nacionais públicos, além de buscar esses dados para melhor contextualizar a oferta noticiosa à sociedade, o jornalismo pode e deve atuar para fortalecer esse sistema.
Uma atuação jornalística mais responsável e comprometida nesse sentido pode assegurar os meios para que as populações negras, quilombolas e indígenas possam reescrever suas histórias por si mesmas, mas também pode atuar: fiscalizando e vigiando o acesso aos arquivos públicos; divulgando a existência e o acesso a esses documentos; combatendo os obstáculos ao cumprimento da transparência no acesso a essas informações; cobrando medidas para promover a segurança informacional desses acervos; além de reivindicar a necessária redução da opacidade sobre os documentos de interesse público que se encontram em poder do Estado.
O jornalismo enquanto forma de conhecimento ancorada no presente e atravessada por contradições (GENRO FILHO, 1987), não pode se furtar à responsabilidade de lançar luz sobre o passado colonialista brasileiro e que, lamentavelmente, ainda chancela o silenciamento de vozes como a de Mãe Bernadete e, do grito sufocado dos nossos povos originários.
É preciso que se reconheça a violência historicamente praticada contra determinadas populações brasileiras, para que suas vítimas possam buscar e garantir a reparação destas, mas, principalmente, para que estas jamais voltem a se repetir.
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Referências:
CUNHA, Brenda. Et al. Direito à Informação: memória e verdade. 1ª Edição. São Paulo: Artigo 19, 2023.
GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide: para uma teoria marxista do jornalismo. Porto Alegre: Editora Tchê, 1987.
Confira um discurso histórico feito pela deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA) na CPI do MST. De forma severa, didática e franca, a mais experiente parlamentar do Congresso (foi deputada constituinte em 1987 e 1988) mostra como as lideranças da extrema direita na CPI têm "preconceito profundo" aos pobres, enquanto naturalizam a representação das classes mais ricas e poderosas.
Matricarca era conhecida como Mãe Bernadete — Foto: Conaq
A líder quilombola e ialorixá Bernadete Pacífico, de 72 anos, foi morta a tiros em Simões Filho (BA) na noite de quinta-feira, seis anos após o assassinato de um de seus filhos, Fábio Gabriel Pacífico dos Santos, o Binho do Quilombo, em 2017
Por BBC
A líder quilombola e ialorixá Bernadete Pacífico, de 72 anos, foi morta a tiros em Simões Filho (BA) na noite de quinta-feira (17/08), seis anos após o assassinato de um de seus filhos, Fábio Gabriel Pacífico dos Santos, o Binho do Quilombo, em 2017.
Matriarca do quilombo Pitanga dos Palmares e ex-secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial de Simões Filho, a líder era conhecida como Mãe Bernadete e passou a vida lutando pelos direitos dos quilombolas.
Desde 2017 ela lutava por Justiça pelo assassinato de Binho, que até hoje continua impune.
Há anos Bernadete vinha também denunciando as ameaças que recebe e a perseguição aos quilombolas.
"Eu não posso sair, minha casa toda cercada de câmeras", relatou em um encontro com a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber no mês passado.
O que se sabe sobre o assassinato
Dois homens usando capacetes invadiram o terreiro do quilombo, na cidade de Simões Filho, na região metropolitana de Salvador, e executaram Bernadete, segundo informações da Secretaria de Segurança Pública (SSP) da Bahia e da ministra de Igualdade Racial Anielle Franco.
Wellington Santos, filho de Bernadete, disse à imprensa da Bahia que a mãe estava com três netos e uma outra criança no momento da execução. Segundo ele, os assassinos afastaram as crianças e mataram Bernadete com 12 tiros.
"Minha família está sendo perseguida. Em 2017, meu irmão foi assassinado da mesma forma e ontem minha mãe foi executada enquanto estava com seus três netos. Queria saber o que a gente fez para esse povo. Não sabia que fazer o bem contraria tanto as elites", disse Wellington à TV Bahia.
Denildo Rodrigues, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), da qual Bernadete fazia parte, disse à Agência Brasil que os quilombos e terreiros da Simões Filho estão sob constante ameaça de grupos ligados à especulação imobiliária.
Ele também afirmou que o assassinato de Bernadete está relacionado à morte de seu filho Binho, que foi executado dentro de seu carro em setembro de 2017 a tiros após deixar os filhos na escola. O inquérito sobre o caso corre em segredo de Justiça na Polícia Federal.
"Ela sabia, e a Justiça sabia, que quem mandou matar Binho tava lá, perto da comunidade. Só que não deu nada. Ela nunca ficou quieta. Agora foi silenciada", disse Rodrigues. A SSP não confirmou a relação entre os crimes.
O governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT) disse que recebeu a notícia do homicídio com “pesar e indignação” e que determinou que as polícias militar e civil fossem imediatamente ao local e que sejam “firmes na investigação”. Disse também que secretários do governo estão acompanhando o caso e prestando apoio à família e à comunidade.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou em nota que governo federal mandou representantes dos ministérios da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos e Cidadania, mandou representantes e que aguarda uma "investigação rigorosa do caso".
"Meus sentimentos aos familiares e amigos de Mãe Bernadete", escreveu o presidente.
Liderança de Bernadete
Bernadete liderava o quilombo Pitanga dos Palmares, uma das três comunidades quilombolas de Simões Filho.
O quilombo foi certificado em 2004, mas quase 20 anos depois o processo de titulação pelo Incra ainda não foi concluído.
Formado por cerca de 290 famílias, o quilombo é conhecido pelas artesãs que fazem itens em piaçava e pelas bordadeiras que produzem peças em ponto cruz.
A comunidade também tem uma associação onde mais de 120 agricultores produzem e vendem frutas, verduras e farinha para vatapá.
Além de líder comunitária local e líder religiosa, Bernadete também participava da Conaq e da luta por direitos de outros quilombos, além de defender e representar a cultura popular quilombola.
Ela estava presente, por exemplo, quando o quilombo Caipora recebeu eletricidade pela primeira vez, em 2017.
Segundo o Conaq, Bernadete "atuava na linha de frente para solucionar o caso do assassinato do seu filho Binho e bravamente enfrentou todas adversidades que uma mãe preta pode enfrentar na busca por justiça e na defesa da memória e da dignidade de seu filho".
247- O presidente Lula usou a sua conta no Twitter para demonstrar seu pesar e indignação diante da morte brutal da líder quilombola Mãe Bernadete Pacífico, assassinada nesta quinta-feira no município de Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador, na Bahia.
Na quinta-feira (17),Mãe Bernadete foi morta a tiros dentro de seu terreiro, um local sagrado que ela liderava com comprometimento e dedicação. Sua partida deixou não apenas a comunidade quilombola, mas também a luta por igualdade, justiça e diversidade profundamente abaladas.
Lula não apenas lamentou a morte da líder religiosa, mas também destacou sua atuação como defensora dos direitos e igualdade racial, e a notável coragem que ela demonstrou ao exigir justiça pelo assassinato de seu próprio filho, que também era uma figura de destaque na comunidade quilombola e foi assassinado há 6 anos.
“Com pesar e preocupação soube do assassinato de Mãe Bernadete, liderança quilombola assassinada a tiros em Salvador. Bernadete Pacífico foi secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial na cidade de Simões Filho e cobrava justiça pelo assassinato do seu filho, também um líder quilombola. O governo federal, por meio dos ministérios da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos e Cidadania, mandou representantes e aguardamos a investigação rigorosa do caso. Meus sentimentos aos familiares e amigos de Mãe Bernadete”, escreveu o presidente.
A TV Justiça resgata parte da história do Brasil com o documentário Quilombos do Século XXI, que estreia neste domingo (17). Líderes do movimento negro e historiadores afro-brasileiros discutem a questão do racismo estrutural que vigora no país desde o fim da escravatura, em 1888. Leis que foram publicadas ainda no Império impediram a emancipação dos descendentes diretos dos grupos escravizados pelos portugueses.
A COP 27 – CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS (UNFCCC, sigla em inglês), realizada no Egito, em novembro de 2022, para enfrentar impactos e estabelecer estratégias sobre a questão climática, foi ratificada por 198 países e territórios.
Naquela ocasião, Antônio Guterres, Secretário-Geral da ONU, advertiu: “Estamos no caminho para o inferno climático. O tema do encontro “perdas e danos” não pode ser varrido para debaixo do tapete. É imperativo moral. É uma questão fundamental de solidariedade internacional e de justiça climática – e acrescentou – os que menos contribuem para a crise estão colhendo a desordem semeada por outros”.
Recentemente, 27 de julho do ano corrente, Guterres foi mais enfático: “O ar é irrespirável. Uma onda de calor avassaladora. A surpresa é a velocidade da mudança. O mundo passou do aquecimento para a era de ebulição”. E concluiu, cobrando “ações radicais e imediatas”.
Não faltaram vozes negacionistas, acusando os que assim pensam de “ecoterroristas”. Este alinhamento ideológico tem uma espessa venda nos olhos e uma couraça resistente dos adeptos ao fenômeno que mata a varejo, os mais vulneráveis, e pode assassinar por atacado os habitantes do planeta.
Esta conjuntura me traz à memória um fato doloroso. Em 1975, o Recife sofreu a maior e mais letal enchente dos rios Capibaribe e Beberibe. Mais de uma centena de vítimas fatais e uma devastação urbana na periferia, áreas ribeirinha e em bairros de todos os segmentos sociais.
Incontinenti (na época era Secretário da Fazenda), o Governador organizou um gabinete de crise para enfrentar as questões emergentes e iniciou gestões com o Governo Federal para adotar medidas estruturais a exemplo de barragens de contenção e obras que protegeram a cidade de recorrentes tragédias.
Diante do panorama desolador, me veio à lembrança a frase de duvidosa autoria e alvo certeiro: “Deus perdoa sempre, o homem, às vezes, a natureza, jamais”. Cidade anfíbia, Recife é “Metade roubada ao mar/ Metade à imaginação/ Pois é do sonho dos homens/que uma cidade se inventa” (Carlos Pena Filho). A Natureza perdoa a cidade poética, mas cobra um preço alto pelo valor da água.
Em dimensão planetária, “A terra dá, a terra quer” é o título de um precioso livro de autoria de Antonio Bispo dos Santos (Ubu Editora, 2023) ou, simplesmente, Nego Bispo, um semeador de palavras com a força e a longevidade do Jequitibá-Rosa, a beleza das orquídeas e a sabedoria da terra fértil onde brotam ideias que atravessam o tempo.
O Nego Bispo, nascido em 1959 no vale do rio Berlenga, formou-se na autêntica Universidade dos saberes de mestres e mestras do Quilombo Saco Cortume, município de São João do Piauí. Escritor, ensaísta, poeta da escrita e da sagrada oralidade que defende ideias com a força do ativismo da cosmofobia revolucionária, que cria e recria um mundo com a arma das palavras e dos “conceitos”, uma “guerra de denominações” que contraria o colonialismo acadêmico.
Mas, Bispo é de Paz. Se o “inimigo” adora dizer desenvolvimento, ele contrapõe a palavra boa envolvimento; se agrega sustentável, ele oferece biointeração; para o saber sintético, saber orgânico; transporte chama transfluência; transforma mentes porque nela joga uma cuia de sementes; e o dinheiro e a troca? Nego Bispo não hesita em responder compartilhamento.
Com 18 anos, foi para a cidade. É o contrário da mata. É um território artificializado, humanizado: onde as pessoas têm medo de gente. Voltou para o mundo que foi seu berço para pensar e viver um modo de vida no seu “cosmos”, o quilombo e assim se define: “Eu não sou humano, sou quilombola. Sou lavrador, pescador, sou um ente do cosmos [...] somos povos de trajetória, não somos povos da teoria. Somos da circularidade: começo, meio e começo. As nossas vidas não têm fim. A geração avó é o começo, a geração mãe é o meio e a geração neta é o começo de novo”.
MARIA DO SOCORRO COSTA, LIDERANÇA QUILOMBOLA INCLUÍDA NO PROGRAMA DE PROTEÇÃO AOS DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS, RETRATADA EM SUA CASA NO MUNICÍPIO DE BARCARENA, NO NORDESTE DO PARÁ. FOTO: ALESSANDRO FALCO/SUMAÚMA
Casas que alagam, insegurança alimentar, falta de atendimento à saúde e nenhuma perspectiva de futuro – essa é a rotina das pessoas que protegem a Amazônia de inimigos poderosos. Ameaçadas de morte e sem a cobertura efetiva dos programas oficiais de proteção, elas vivem em situação de absoluta indignidade
Osvalinda Alves Pereira vive a um décimo de segundo da morte. Seu coração de 55 anos, adoecido por uma patologia agravada por sua luta pelafloresta em pé, às vezes para de bater por um tempo. Ela congela. Bota a mão no peito. Ouviu dos médicos, ao entrar na fila do marca-passo, que um décimo de segundo a mais sem pulsar poderia ser fatal. A mulher de estatura baixa, grandes olhos verdes como a floresta que protege e mãos engrossadas pelo trabalho de uma vida na lavoura, faz parte de uma das 70 famílias do Projeto de Assentamento Areia II, criado em 1998 no município de Trairão, no sudoeste do Pará. Fez-se defensora do meio ambiente e do direito à terra no estado onde mais se mata no campo, em uma das áreas mais perigosas para defender qualquer direito no Brasil. Por uma década, escutou ameaças de homens que queriam saquear a floresta em que vive. Até que um dia, em 2018, ela acordou, foi até a lavoura colher maracujás com seu companheiro e encontrou dois buracos no chão. Eram covas abertas, com duas cruzes fincadas e dois nomes escritos: o dela e o dele. Osvalinda congelou. Botou a mão no peito. Quem os ameaçava certamente os observava e poderia matá-los ali, num décimo de segundo.
“Eu praticamente me vi morta, eu e meu marido. Arrebenta com qualquer coração. Tudo vira um trapo”, diz ela. Osvalinda é uma conhecidadefensora de direitos. Foi retratada em inúmeras reportagens –e em um documentário– que contam a história de pessoas ameaçadas por lutar pela reforma agrária no Pará. Ela preside a Associação das Mulheres do Areia II e, em 2012, ao lado do companheiro, Daniel Pereira, de 52 anos, começou a denunciar a extração ilegal de madeira e a grilagem dentro do assentamento. As ruas do Areia II servem de estrada para caminhões lotados de toras arrancadas de três unidades de conservação do entorno: a Floresta Nacional do Trairão, a Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio e o Parque Nacional do Jamanxim. Em 2014, quatro anos antes de encontrarem as covas em seu quintal, os dois já tinham sofrido tantas ameaças que acabaram inseridos no programa de proteção aos defensores de direitos humanos do governo federal. Mas ele não conseguiu dar segurança a Osvalinda e Daniel para que vivessem em paz. Não havia escolta policial nem nenhum equipamento de segurança que protegesse a casa onde moram. E os criminosos se aproximavam livremente.
OSVALINDA E DANIEL: LIDERANÇAS AMEAÇADAS DE MORTE POR MADEIREIROS E INSERIDAS NO PROGRAMA DE PROTEÇÃO AOS DEFENSORES DOS DIREITOS HUMANOS SÃO RETRATADAS EM UMA FLORESTA DO PARÁ. FOTO: ALESSANDRO FALCO/SUMAÚMA
Inaugurado em 2004, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o programa de proteção aos defensores de direitos humanos foi renomeado, em 2018, e passou a se chamarPrograma de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH). O objetivo, no entanto, continuou o mesmo: dar segurança a pessoas que lutam por direitos para que possam permanecer em seus territórios. Em situações extremas, quando o risco é muito alto, ele deve retirar o ameaçado de casa e acomodá-lo em uma residência provisória, em um local secreto, até que a situação melhore e seja possível voltar. A lei diz que a União pode firmar convênios e acordos com os estados que queiram fazer seus próprios programas. Em 2019, o Pará implementou o seu, que é gerido pela ONG Sociedade, Meio Ambiente, Educação, Cidadania e Direitos Humanos (SOMECDH).
Os defensores de direitos humanos incluídos no programa, porém, sofrem com regras inadequadas e não são, de fato, protegidos no território. Os que precisam ser retirados de casa e alojados na residência provisória enfrentam situações humilhantes. Nos últimos dois meses, entrevistamos seis famílias de defensores paraenses inseridas no programa. Vimos pessoas adoecidas que não conseguem atendimento médico adequado vivendo em casas provisórias lotadas de mofo e com esgoto subindo pelo ralo. Longe de suas roças, às vezes elas não têm dinheiro suficiente para alimentar a família. E, diante da falta de proteção, convivem com o medo constante, em um estado onde, entre 2013 e 2022, 98 pessoas foram assassinadas e outras 127, vítimas de tentativas de assassinato, segundodados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). As mortes no campo no Pará correspondem a um quarto dos assassinatos desse tipo no Brasil.
ERASMO THEOFILO, AMBIENTALISTA AMEAÇADO DE MORTE EM ANAPU, NO PARÁ, COM O FILHO DE DOIS ANOS. A FAMÍLIA DELE SEGUE EM EXÍLIO APÓS AMEAÇA DE MORTE QUE O OBRIGOU A DEIXAR O SEU TERRITÓRIO. FOTO: ALESSANDRO FALCO/SUMAÚMA
Diante disso, um grupo de defensores de direitos humanos do estado se organizou para uma nova luta: a de serem realmente defendidos. Unidos em uma associação, eles pretendem levar ao governo federal uma série de demandas para a melhoria do programa. Querem a garantia de atendimento médico adequado, recursos financeiros para manter-se com dignidade quando precisam sair do território e a construção de muros e de sistemas de segurança e vigilância em suas casas. Também pedem que seja prevista uma ajuda para que possam ser realocados definitivamente em outro território quando precisarem deixar para sempre suas comunidades. Eles vão levar suas demandas no próximo mês a Brasília, onde o governo federal se prepara para montar um grupo de trabalho para rediscutir o programa (leia mais abaixo). “Queremos [a regulamentação de] um projeto de lei federal para proteger de fato os defensores de direitos humanos, assim como foi a Lei Maria da Penha [para mulheres vítimas de violência doméstica]”, explicaNatalha Theofilo, uma das integrantes da associação.
M.A. também faz parte do grupo. É uma mulher calma, de fala tranquila, que quase entrou para a estatística do horror. Apesar de fazer parte do programa, ela vive sem nenhuma segurança em uma comunidade quilombola que foi invadida em 2020 por grileiros ligados ao Comando Vermelho, facção à frente do tráfico de drogas no Rio de Janeiro e em outros estados brasileiros. Em umaAmazônia mal fiscalizada, o grupo criminoso viu na invasão de terras públicas um novo negócio rentável. Quando os grileiros chegaram ao território, muitos quilombolas fugiram, inclusive o presidente da associação local. Foi então que M.A. assumiu o comando da entidade e passou a denunciar os crimes. Seu nome será mantido em sigilo nesta reportagem a pedido dela – por segurança.
DETALHES DA CASA DE UMA DEFENSORA DOS DIREITOS HUMANOS AMEAÇADA. FOTO: ALESSANDRO FALCO/SUMAÚMA
“De início, a gente não sabia que era o Comando Vermelho. Só sabíamos que eles estavam desmatando tudo e loteando perto do quilombo. Mas quando eles se aproximaram da comunidade eu fui pra cima e disse: ‘Aqui, não’”, lembra a mulher. Sentada em uma cadeira de plástico, ao lado de dois terços católicos enrolados em uma garrafa de vidro, ela narra, em meio ao cantar dos pássaros e ao som da chuva, seu encontro com o terror. Era uma manhã de novembro, no ano passado, e ela estava em casa organizando a papelada da compra de placas solares que os moradores tinham conseguido por meio de um projeto. “Ouvi o barulho de uma moto e, quando saí, vi um rapaz no pátio de casa. Ele disse: ‘Sai aqui, porque o que eu vim fazer é muito rápido’. Eu não poderia imaginar que ele estava armado e, quando menos percebi, ele puxou a arma e disse: ‘Olha, eu vou te dar um aviso, tu não te mete com a gente, porque se vierem tirar qualquer um do Comando [Vermelho] eu vou vir aqui e matar toda a tua família’.” A filha dela, de 22 anos, gritou, apavorada. Antes que outros moradores chegassem, o homem subiu na moto. Mas reforçou: “Tá avisada”, conta ela, que para de falar cada vez que uma moto se aproxima.
Depois da ameaça, M.A. foi inserida no PPDDH. Mas nem sua casa nem sua rotina tiveram qualquer alteração. O imóvel permanece com muros baixos. Por conta própria, ela mesma comprou uma grade de segunda mão e a instalou na porta de entrada. “Todo mundo disse: ‘Pelo amor de Deus, tu tens que ir embora, tens que sair daí’. Mas eu não vou sair da minha casa. Tenho muito a fazer pela minha comunidade.” Paradoxalmente, ela se sente mais protegida depois que um policial foi morto dentro do quilombo, em um confronto com os criminosos. As rondas foram reforçadas. “Quando somente o quilombo era ameaçado, não tinha muita atuação da polícia. Mas agora, com a morte do PM, as coisas acalmaram”, diz M.A. (continua)
Deputados das Bancadas do Boi e da Bala realizam CPI contra camponeses, quilombolas, pequeno agricultor, populações ribeirinhas
CPI dos Sem Terra vai investigar os ricos ladrões de terras da União, dos povos indígenas, dos quilombolas? Não. Vai investigar sim os pobres camponeses, os que plantam alimentos para ser vendidos nas feiras. Vão investigar os camponeses que foram presos e torturados no golpe militar de 1964, que instalou uma ditadura que durou 21 anos. Vão investigar os sem terras perseguidos pelos governos Temer e Bolsonaro, perseguidos pela extrema direita, pela supremacia branca, pela Casa Grande colonial, nazi-fascista.
CPI vai favorecer os latifundiários nacionais e estrageiros, que têm a proteção da Bancada da Bala, das chacinas da Polícia Militar, das empresas de segurança, da campagada, dos pistoleiros de aluguel. Os grileiros pagam os assassinartos de defensores dos direitos humanos, de ambientalistas, de lideranças sindicais, de líderes comunitários.
Os latifundiários tocam fogo nas florestas, envenenam os rios e promovem o contrabando de madeira nobre, pedras preciosas, ouro, minérios estratégicos, produtos florestais, plantas medicinais. A grilagem patrocina o tráfico de pessoas, o trabalho escravo, a construção de aeroportos clandestinos, o contrabando de armas e drogas.
A partir deste vídeo é possível entender mais a fundo de que maneira o crime de grilagem de terras públicas na Amazônia se desenvolve, desde o momento da invasão da terra até a aprovação de anistia para os invasores.