Durante os dias 24 e 25 de maio, estávamos encerrados no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, em São Paulo, participando da 50ª Sessão do Tribunal Permanente dos Povos. Examinávamos, entre outros temas, os crimes contra a humanidade atingindo a população negra, praticados pelo presidente Bolsonaro e seu governo de extrema direita.
Enquanto isso, lá fora, no Rio de Janeiro, a Polícia Militar, a Polícia Rodoviária Federal e outras forças especiais levavam ao cabo uma operação de doze horas, iniciada na madrugada. Armaram emboscada contra varejistas de drogas, à guisa de conter o narcotráfico, na favela Vila Cruzeiro, na região da Penha, no Norte da cidade. O saldo: 26 execuções, incluídas mortes por bala perdida.
Foram os próprios moradores que recolheram os corpos. Porta-vozes das polícias informaram que a tal “operação” – uma chacina – foi longamente preparada a fim de reprimir traficantes. O que se revelou, no entanto, foi (mais) um arroubo de incompetência das forças públicas, que resultou no extermínio de varejistas do tráfico – cinco com ficha criminal pregressa e o restante suspeito –, em vez de uma verdadeira operação de combate ao crime organizado. Evidentemente, várias mortes foram exibidas como consequência de um confronto “faz de conta”.
As polícias podem dizer o que quiserem sobre como essas mortes ocorreram, pois a cena do crime foi totalmente desfeita, os corpos abandonados na mata pelos policiais. Claro que, pela necropsia, onde a verdade emerge com exame das balas e das armas dos envolvidos, será possível saber mais. Mas a tradição carioca é fazer investigações rigorosíssimas sempre de mentirinha, muitas vezes, como em outras grandes chacinas, conduzidas em segredo, impedindo-se a sociedade civil de ter acesso aos dados da investigação.
Faz tempo que a policiais militares agem, até mesmo como forças de ocupação das favelas no Rio de Janeiro, tendo como alvo a população negra. A organização Favela Não Se Cala até chama esses “campos de extermínio” de “faixas de Gaza brasileiras”. As polícias no Rio, sem controles e sem limites, agem até mesmo com treinamento e armas israelenses, como as forças de ocupação dos territórios palestinos – as quais, segundo o jornalista Gideon Levy escreveu noHaaretz, o respeitadíssimo jornal de Israel, “tornaram-se tropas de assalto (do inglês,storm troops) no sentido mais profundo e carregado desse termo; não há outra maneira de descrevê-las”.
Essasstorm troopsbrasileiras ousam criticar o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, por suas decisões corajosas para conter a sanha de extermínio e de racismo nas operações policiais, desde a pandemia de Covid-19. Decisões que governantes do Rio de Janeiro, em campanha eleitoral, não têm coragem de tomar, por demagogia com a extrema direita bolsonarista.
No passado recente, estava na moda considerar o mau funcionamento das polícias, em conluio com organizações criminosas, narcotraficantes e com as milícias – que hoje controlam a maior parte do território do estado do Rio de Janeiro – como um Estado paralelo. O fato é que nunca houve paralelismo algum. O crime organizado, o narcotráfico e as milícias estão incrustados no funcionamento do Estado, em todas as unidades da federação.
Como disse Pedro Constantine, um dos dirigentes do Favela Não se Cala, em entrevista àTV 247, o aparelho repressivo estatal não tem interesse de enfrentar o tráfico e as milícias para não perder lucros advindos da tolerância às atividades criminosas nas favelas. As armas de uso exclusivo das Forças Armadas, ostentadas pelos criminosos (no atacado e no varejo de drogas) não caem do céu. Muito provavelmente são fornecidas por aqueles que se beneficiam do comércio de drogas.
A Polícia Militar do Rio de Janeiro informou que a operação na Vila Cruzeiro tinha como objetivo capturar os líderes da organização criminosa Comando Vermelho.AP - Bruna Prado
A operação policial que deixou mais de 20 mortos na terça-feira (24) em uma favela do Rio de Janeiro repercutiu na imprensa internacional. Os jornais e sites de emissoras de televisão relatam a indignação da população após o episódio e chamam a atenção para a violência da polícia no Brasil.
A incursão policial contra o tráfico de drogas na Vila Cruzeiro foi destaque em vários países. Antes mesmo do saldo definitivo de vítimas fatais ter sido divulgado,o jornal britânicoThe Guardian informavaque “o número de mortos coloca o incidente entre as operações policiais mais mortíferas da história recente do Rio de Janeiro”. O diário também lembra que o episódio acontece um ano depois de outra operação letal, na favela do Jacarezinho, quando 28 pessoas foram mortas, “provocando denúncias de abuso e execuções sumárias”.
A operação na Vila Cruzeiro “provocou indignação e protestos entre os moradores, que disseram se sentir aterrorizados e presos em sua comunidade, e levou a pedidos de uma investigação independente de organizações de direitos humanos e funcionários das Nações Unidas”,relata o canal de televisãoAl Jazeeraem seu site. A emissora lembra ainda que a Vila Cruzeiro já havia sido palco de confrontos violentos em fevereiro, quando a polícia matou oito pessoas.
Segundo a Polícia Militar (PM) do Rio de Janeiro, a operação, que durou cerca de 12 horas e provocou o fechamento de escolas e de outros serviços públicos, tinha como objetivo capturar os líderes da organização criminosa Comando Vermelho. “Os policiais militares, que frequentemente realizam esse tipo de operação matinal nas favelas do Rio contra traficantes de drogas, afirmam terem sido recebidos a tiros’”,relata o canal de televisão francêsBFMem seu site. Mas a emissora pondera essa informação, ressaltando que durante essas operações violentas realizadas pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, “moradores e ativistas costumam denunciar abusos e execuções extrajudiciais de suspeitos, em atos que, na maioria das vezes, ficam impunes”.
Feridos e familiares das vítimas diante do hospital após operação da polícia que deixou mais de 20 mortos na favela da Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro.AP - Bruna Prado
The Guardianlembra que, no início deste ano, a Suprema Corte do Brasil estabeleceu uma série de condições para a polícia realizar batidas nas favelas do Rio, “para reduzir assassinatos cometidos por policiais e violações de direitos humanos”. O diário britânico explica ainda que “o tribunal decidiu que a força letal deve ser usada apenas em situações em que todos os outros meios tenham sido esgotados e quando necessário para proteger a vida, e deu à polícia 180 dias para instalar dispositivos de gravação de áudio e vídeo em seus uniformes e veículos”.
Bolsonaro parabenizou a Polícia Rodoviária Federal pela chacina na Vila Cruzeiro, no antigo Quilombo da Penha. Chamou os homicidas de heróis, no Rio de Janeiro.
Quatro agentes da PRF torturaram e assassinaram Genivaldo de Jesus Santos em Umbaúba, Sergipe. Lula e Alckmin pediram justiça. Bolsonaro ficou calado.
Qualquer pessoa minimamente informada não precisa de mais do que alguns minutos para listar de dez a vinte casos de barbárie explícita
por Álvaro Nascimento
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“Por todas as circunstâncias, diante dos delitos de desobediência e resistência, após ter sido empregado legitimamente o uso diferenciado da força, tem-se por ocorrida uma fatalidade, desvinculada da ação policial legítima”. “…possivelmente devido a um mal súbito, a equipe foi informada que o indivíduo veio a óbito.”(Boletim da Polícia Rodoviária Federal publicado pela Folha de São Paulo em 27/05/2022, relativo à morte de Genivaldo de Jesus Santos em Umbaúba, Sergipe, assistida em vídeo por todo o Brasil).
Os termos “circunstâncias”, “delito de desobediência” “legitimidade no uso da força”, “fatalidade”, “ação policial legítima”, “mal súbito” utilizados no boletim dos policiais que assassinaram Genivaldo, numa viatura policial transformada em câmara de gás, não retrata apenas o nível de degradação profissional, humana, moral e ética que autoridades de nosso País expõem à luz do dia em episódio determinado. Há algo além disso a ser constatado.
Qualquer pessoa minimamente informada não precisa de mais do que alguns minutos para listar – de memória e sem o auxílio do google – de dez a vinte casos de barbárie explícita ocorridos nos últimos tempos. Todos, invariavelmente, tratados como exceção do que seria um convívio social aceitável, mas que justamente por sua repetição escancaram o que na verdade significam: um elemento constituinte de um projeto de civilização.
O assassinato do músico negro Evaldo dos Santos – que sai de casa com a família e é fuzilado com 80tiros por soldados do Comando Militar do Leste, no Rio de Janeiro, e junto com ele morre o catador de material reciclável Luciano Macedo, que tenta socorrê-lo – não é um acidente ou mesmo exceção a ser lamentada e punida. É parte de um modelo civilizatório.
Assim como o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, também um homem negro, que após um desentendimento com uma funcionária é barbaramente espancado e morto por dois seguranças brancos (um deles PM) no supermercado Carrefour, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, na véspera do Dia da Consciência Negra.
A barbárie constituinte deste projeto também mata Aluísio Sampaio, presidente regional do Sindicato dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Sintraf), assassinado em Altamira, no Pará, com vários tiros na cabeça, próximo à BR-163. Ele já havia denunciado à Polícia as ameaças de morte que vinha recebendo devido à sua luta em defesa dos agricultores familiares com os grileiros armados até os dentes da região.
O mesmo elemento constitutivo desta civilização produz uma série de ataques, que se transforma na maior chacina já registrada no estado de São Paulo, que resulta em 17 execuções sumárias e sete pessoas feridas em Osasco e Barueri, ao lado da maior e mais rica capital brasileira. Denúncia do Ministério Público de São Paulo afirma que PMs e outros agentes de segurança pública integram o grupo de extermínio criado para vingar o assassinato de um PM e um guarda municipal mortos dias antes na região.
Vítima deste mesmo projeto de civilização, Zezico Rodrigues Guajajara, liderança indígena da Nação Guajajara, é assassinado a tiros no Maranhão. A denúncia é do Conselho Indigenista Missionário. Zezico era um dos líderes da Terra Indígena Araribóia, diretor do Centro de Educação Escolar Indígena Azuru, professor há 23 anos e há anos denunciava a ação dos grileiros de terra. Seu corpo foi encontrado crivado de balas na estrada da Matinha, próximo à sua aldeia, Zutiwa, no município de Arame (MA).
Uma “operação policial” no Jacarezinho, no Rio de Janeiro, que segue a cartilha deste mesmo projeto de civilização, comandada pela Polícia Civil, mata 28 pessoas e se torna a chacina com maior número de mortos na história da cidade. Meses depois, policiais civis derrubam a marretadas um memorial em homenagem aos mortos naquela operação, sob o argumento de que o monumento não teria sido aprovado pela Prefeitura.
Em seu levantamento anual, “Conflitos no Campo Brasil 2021”, a Comissão Pastoral da Terra demonstra que a mesma barbárie constituinte do modelo de ocupação do campo no Brasil contabiliza 1.768 ocorrências, uma média de 34 por semana. São 35 os assassinatos no ano, sendo 10 de lideranças indígenas e três de quilombolas. As ocorrências são caracterizadas por conflitos relativos ao uso da terra, acesso à água e ao trabalho escravo.
A mesma barbárie constitutiva deste modelo faz com que moradores retirem os corpos de oito pessoas de um manguezal no bairro do Salgueiro, em São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro. A Polícia Militar anuncia ter entrado em “confronto com suspeitos”, um dia depois de um policial militar ter sido morto durante um patrulhamento. Dos oito mortos, dois não tinham passagem pela polícia. A Vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-Rio, Nadine Borges, diz que os corpos apresentam sinais de tortura e que a ação foi uma chacina.
Mais uma “operação policial” constitutiva deste modelo, desta vez na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro – realizada pela Polícia Militar e pela Polícia Rodoviária Federal com a justificativa de prender traficantes – resulta na morte de 23 pessoas, incluindo a cabeleireira Gabrielle Ferreira da Cunha, que estava dentro de sua casa, na comunidade vizinha da Chatuba, quando foi atingida por um tiro.
A lista é imensa, é nacional e é cotidiana. Seu tamanho, dimensão territorial e permanência demonstram que já passou da hora de pararmos de tratá-la como um defeito, uma exceção, um problema que pode e deve ser corrigido com novas políticas públicas, protocolos, medidas regulatórias ou mesmo através de punições, sejam brandas ou aquelas que nunca chegam.
Longe de ser exceção, a barbárie está paulatina e cotidianamente demonstrando ter se transformado em regra social que busca permanente legitimidade. Tal qual os óculos que usamos, isso está tão perto de nossos olhos que não a enxergamos como parte constituinte desta civilização. Enxergar a barbárie como parte integrante do modelo civilizatório em que estamos metidos parece ser o primeiro passo e única forma de superarmos a verdadeira tragédia em que estamos mergulhados, principalmente os mais pobres, os negros, os índios, as mulheres.
É urgente substituirmos o olhar de espanto e indignação frente à inaceitável violência que mata Genivaldo, Evaldo, João Alberto, Aluísio, Zezico, Gabrielle, assim como os 17 mortos em Osasco e Barueri, os 28 no Jacarezinho, os 8 de São Gonçalo, os 23 na Vila Cruzeiro e os demais que a sua memória consiga resgatar. Seguir estranhando a ocorrência destes fatos, mesmo que seja uma estranheza indignada, como se fossem pontos fora da curva, é como construir uma cortina de fumaça que tenta esconder a trágica constatação de que a barbárie é alicerce, combustível e oxigênio deste modelo de sociedade. Superar a barbárie exige enxergá-la como verdadeiramente é. E ter claro o papel imprescindível que ela cumpre na perpetuação do modelo.
Apenas dois dias depois de a corporação, sem razão plausível ter participado ativamente de uma invasão bélica na favela de Vila Cruzeiro, no Rio, a corporação, agora elevada à condição de “queridinha” de Jair Bolsonaro, mete-se em um caso de repercussão mundial, pois o vídeo do homem colocado na “chaminé” em que as bombas transformaram o carro da PRF, balançando as pernas em desespero, a esta altura, corre o mundo.
Para a minha geração é ainda mais chocante, porque conservamos dos anos 60 a imagem televisiva doVigilante Rodoviário,à qual a corporação deve muito da simpatia que lhe rendeu bons salários. Mas que não evitou que se tornassebolsonarista,não só em adesão política como, agora, também em métodos brutais.
Pelo menos é assim que sai deste episódio de Sergipe.
O caso George Floyd, que abalou o planeta, não é mais dantesco, embora tenha havido uma repercussão maior, porque é no centro do mundo e os protestos, por lá, merecem muito mais atenção que os daqui, já imediatamente desclassificados como sendo feitos por ordens de traficantes, não pela revolta de mães, irmão e amigos das vítimas.
Policiais durante a ação que terminou com a chacina de 25 pessoas na Vila Cruzeiro, Zona Norte do Rio, na terça, 24 de maio. Foto José Lucena/TheNews2/Folhapress
Polícia não retirou nem mortos nem feridos do local da chacina, tampouco facilitou o trabalho deixado para os moradores.
Depois da chacina que deixou ao menos 25 mortos na Vila Cruzeiro, na Zona Norte do Rio, moradores tiveram dificuldade em resgatar os mortos e feridos.
Defensores, advogados e assessores parlamentares tentaram negociar um corredor humanitário, maso cessar fogo foi negado. Assim, os moradores tiveram de fazer os resgates de forma precária, sob tiros, correndo o risco de serem alvejados.
Neste vídeo, eles registram o momento em que policiais aparecem na Vila Cruzeiro para retirar um carro apreendido – foram 12 no total – enquanto o corpo de uma vítima jaz a céu aberto.
Encerrada a chacina, a polícia não retirou nenhum corpo do local. Esse trabalho ficou com os moradores.
Uma mulher idosa, que chora, é abraçada por um jovem. Ela está com o peito encostado e o braco estendido sobre um caixão com um corpo coberto por flores e véu. Eles são negros.
Gabriella Ferreira da Cunha
Mãe diante do corpo de Gabriella Ferreira da Cunha, 41 anos. Sua filha foi atingida por um tiro na entrada da Chatuba, ao lado da Vila Cruzeiro. A bala perdida costuma ser achada em corpos pretos e pobres.
O espetáculo de celebração da morte e da incompetência continua. E não faltou, por óbvio, o apoio de Jair Bolsonaro ao massacre da Vila Cruzeiro, no Rio.
Até agora, apareceram 25 corpos.
Dados alguns testemunhos, a forma da ação e gravações que vieram a público, é possível que o futuro venha a revelar ossadas de vítimas largadas na mata.
É a barbárie em estado puro servindo à campanha eleitoral.
Para a surpresa de ninguém, estão nas redes tuítes falsos atribuídos a Marcelo Freixo, pré-candidato do PSB ao governo do Estado, pregando o fim da PM.
A máquina de desinformação e mentira funciona junto com a máquina de matar. E, se tudo isso lhes parece pouco, a Polícia do Rio agora diz não reconhecer a autoria de oito das mortes.
"Lutarei para que não sujem a imagem dela", diz mãe de cabeleireira morta durante chacina na Penha
Diz um antigo ditado, que a ordem da natureza é um filho morrer depois da sua mãe. Mas, a violência em que as favelas do Rio foram jogadas, fez essa lógica se inverter. Divone Ferreira da Cunha, de 72 anos, enterrou nesta quarta-feira (25) a filha Gabriella Ferreira da Cunha, de 41 anos, no cemitério do Caju, região central do Rio. A cabeleireira foi vítima de um disparo de arma de fogo, na Chatuba, durante uma das incursões policiais que aconteceu no Complexo da Penha, na última terça-feira (24).
“Eu quero dizer que ela foi muito amada e será muito amada e lembrada. Lutarei para que não sujem a imagem dela, o seu nome. Minha filha era muito trabalhadeira, muito alegre”, diz emocionada a mãe Divone.
Familiares e amigos indo em direção ao local onde o corpo de Gabrielle foi enterrado
A senhora revelou que a filha era muito solidária e, por vezes, fazia o cabelo de graça para quem não tinha condições de pagar na comunidade onde morava. Gabriella, que foi rainha do carnaval em Petrópolis, em 2002. “Ela era uma pessoa sorridente, amorosa, feliz”
Gabriella estava no Rio há 18 anos e era viúva. Deixou um filho de 17 anos, Maian Ferreira da Cunha. O menino estava muito abalado e não quis dar entrevista. A avó afirma que ele continuará com ela em Petrópolis, local onde o neto estava quando recebeu a notícia. “Falaram pelo Twitter para o meu neto. Aí viemos para cá. Nós ficamos sabendo eram umas 9 da manhã. O que eu não deveria acontecer, aconteceu. Hoje eu estou aqui enterrando aqui a minha filha”, conclui a mãe da vítima.
Enterro aconteceu quatro horas depois, no cemitério do Caju.
[Na chacina da Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, confessa a polícia de Cláudio Castro que matou "apenas" 17 negros. Não morreu nenhum policial. Falta investigar a morte de oito moradores da Vila, o antigo Quilombo da Penha. Que as forças armadas, que são brancas, mudaram o nome para Complexo da Penha.
Complexo tem os seguintes sinônimos: abstruso, anfigúrico, arrevesado, complicado,
intrincado, que explicam a presença da Polícia Rodoviária Federal na favela. Chacina que teve o ferveroso apoio do presidente Jair Bolsonaro aos homicidas. Solidariedade de miliciano.
Talvez o Bope pretendeu informar que trucidou 17 moradores, e as 8 mortes restantes da chacina foram executadas pela Polícia Rodoviária Federal. Bem provável e macabro, e combina com a necropolítica do governo militar de Jair Bolsonaro.
Há quem fale que um serial killer acompanhou as tropas assassinas do Bope e PRF]
Mototaxista e ex-marinheiro são duas das vítimas da chacina policial na Penha
Na ação do BOPE, PRF e PF que está sendo investigada pelo MPF, Ricardo José Cruz Zacarias Jr. e Douglas Costa Inácio Donato foram mortos
As marcas da letalidade dos agentes policiais na chacina ocorrida na região conhecida como Matinha, no Complexo da Penha, na última terça-feira (24) ainda repercutem nesta quarta-feira (25). A ação brutal coordenada pelo Batalhão de Operações Especiais (BOPE) e Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Polícia Federal (PF) deixou 23 pessoas mortas e seis pessoas feridas, focialmente, segundo a Polícia Civil.
Entre as vítimas dessa intervenção que está sendo investigada pelo Ministério Público Federal (MPF), estão o mototaxista Ricardo José Cruz Zacarias Jr, que participava de uma manifestação contra a brutalidade dos agentes, e o ex-marinheiro Douglas Costa Inácio Donato, que saiu para levar um amigo para casa de moto e não retornou.
O ramo de trabalho de Ricardo é uma das mais tradicionais dentro das comunidades cariocas. A tendência profissional surgiu pela necessidade dos moradores, pois o difícil acesso às ruas e a negativa de atendimento dos aplicativos nas viagens são condições comuns e que apenas os moto-táxis conseguem driblar. Em protesto pela morte do colega, os trabalhadores organizam uma manifestação na comunidade.
Já a morte de Douglas, segundo os familiares e noticiado pelo portal jornalístico Uol, aconteceu durante as primeiras horas da chacina policial. De acordo com as informações, o ex-marinheiro trabalhava atualmente em uma loja de calçados e almejava ingressar na carreira de vigilante.
A Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro (FAFERJ) em nota divulgada pelas redes sociais disse enfaticamente que a chacina do complexo da Penha revela que a política de segurança pública de Cláudio Castro é única e exclusivamente o extermínio da favela. Uma chacina eleitoreira com justificativas que foram mudando ao longo do dia, conforme subia o número de mortos, escolas, hospitais e órgãos públicos fechados na região.
Ainda em nota, afirma no Complexo da Penha há dezenas de comunidades, cerca de 70 mil famílias, que foram afetadas por uma operação injustificada e com finalidade eleitoral de atacar a constituição brasileira e determinações judiciais. Uma cortina de fumaça para esconder a crise que o Rio de Janeiro vive, com alto índice de desemprego e miséria, principalmente em nossas favelas.
Por fim, lamenta que o Estado haja com tanta violência e crueldade, sem pensar nos efeitos nocivos a toda comunidade. Centenas de milhares de moradores não tiveram direito de ir e vir, crianças ficaram sem escola e a vacinação foi interrompida. Não há uma cidade integrada, afirmam, mas um estado se desintegrando.
Enterro de mototaxista morto em chacina policial conta com homenagens e corredor de motos
Ricardo José Cruz Zacarias Jr foi sepultado no cemitério de Irajá, na Zona Norte do Rio, nesta tarde de quinta-feira (26)
Na tarde desta quinta-feira (26), amigos e familiares realizaram uma despedida durante o enterro do mototaxista assassinato durante a chacina policial na região conhecida como Matinha, no Complexo da Penha, na última terça-feira (24).
Com corredores de motos, canções em homenagem e gritos por justiça e paz, o sepultamento de Ricardo José Cruz Zacarias Jr aconteceu no cemitério Irajá, na Zona Norte do Rio de Janeiro.
Em homenagem, colegas de trabalho de Ricardo realizaram um corredor de motos. Foto: Renato Moura / Voz das Comunidades
A ação de extermínio do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Polícia Federal (PF) deixou oficialmente23 pessoas mortas e 6 feridas, de acordo com a última atualização da Polícia Civil. Anteriormente, os dados divulgados pelo hospital Getúlio Vargas informavam 25 mortos. Mesmo com a mudança, a operação segue sendo a segunda mais letal da história da cidade do Rio de Janeiro.
Amigos e familiares se despedem de Ricardo, uma das vítimas da chacina policial no Complexo da Penha. Foto: Renato Moura/Voz das Comunidades
É importante ressaltar que o Ministério Público Federal (MPF) abriu uma investigação para a apuração da operação. Pois, segundo a instituição, há indícios de execuções e de torturas pelos agentes de segurança pública. Além disso, organizações e iniciativas de Direitos Humanos emitiram uma nota pública pela verificação dos fatos e pela integridade da população da favela.
Jovem negro de 16 anos, vítima da chacina na Penha, é enterrado no cemitério do Caju
João Carlos de Arruda foi morto durante incursão policial na Vila Cruzeiro com perfuração na altura do tórax
Mais um promissor futuro foi interrompido durante a chacina policial que atingiu a Vila Cruzeiro, Complexo da Penha, na terça-feira (24). O estudante João Carlos de Arruda Ferreira, de 16 anos, foi vítima de facada na altura do tórax, segundo a certidão de óbito. O jovem foi enterrado na tarde desta quinta-feira, às 13h, no cemitério do Caju.
O irmão do jovem, o mototaxista Washington Patrício Ferreira, de 29 anos, tinha a guarda de João. Segundo Washington, João era uma pessoa alegre e muito querido pela família. “Era um menino de bom coração, apaixonado por bondade e brincalhão”.
Família enterrou o corpo de João na tarde desta quinta-feira. Foto: Vilma Ribeiro / Voz das Comunidades
João estava na sexta série do ensino fundamental. Estudava à noite na escola Nereu Sampaio de segunda à quinta-feira. Durante o dia, brincava e cuidava das sobrinhas, filhas de Washington. Nos finais de semana, os irmãos jogavam bola em momentos de lazer.
“Há 2 anos, estava aqui nesse mesmo lugar”, relatou Washington. Enterrou a mãe, o pai, e agora o irmão. “Não tenho palavras sobre o meu irmão. Que Deus guarde o coração dele e os nossos”.
Ex-escravos encontraram acolhida no entorno da Igreja da Penha no século 19
Diferente da maioria das comunidades do estado, que foram crescendo populacionalmente nos anos 60 e 70, a história do Complexo da Penha começou muito antes, na época da escravidão. A comunidade era o endereço certo para a liberdade dos escravos foragidos, que se refugiavam nas encostas dos morros da Penha. A região era então administrada por um padre abolicionista e republicano que os abrigava e protegia. Através da atuação desse padre, foi possível a formação de um quilombo. Para chegar ao quilombo, era necessário passar pelo Morro do Alemão, Morros da Fé e Juramento, até chegar ao Morro da Serrinha, onde ficava situado.
Crescendo em números, após a abolição da escravidão, o quilombo se tornou uma comunidade formalmente livre. Antes de virar favela, a Vila Cruzeiro era reconhecida como Quilombo da Penha. A comunidade contribuiu de forma significativa para a difusão do samba e do Carnaval. Como a primeira rádio só veio a ser criada em 1923, até então a Festa da Penha foi precursora das folias que atualmente caracterizam os festejos carnavalescos. O fato do primeiro samba gravado na história do Brasil – “Pelo telefone” – composto por Donga ter sido concretizado em uma dessas festas confirma a importância da comunidade na consolidação e popularização do gênero no país.
Com terras muitos férteis, excelentes para o plantio, fortes e ricas em produtividade, lagos artificiais, fartura de peixes de água doce, animais silvestres, nascentes de águas cristalinas que brotam das margens das rochas da Pedreira até hoje, o local atraiu outros povos. Em meados dos anos 60, nordestinos e portugueses desenvolveram o comércio local, conhecido anteriormente como “Bar Dourado”. Obra de um português chamado José Manoel Dourado, que implantou uma quitanda que hoje é conhecida como “mercearia”.
Com o crescimento populacional, nessa mesma época o manguezal que se estendia da Lobo Júnior até o mercado São Sebastião sofreu sucessivos aterros. Hoje essa região praieira da Penha pertence à Marinha do Brasil. O porto da Praia da Moreninha e a comunidade de pescadores ficou conhecido como favela Kelson’s, pertencente à Penha Circular. Alguns moradores antigos ainda sobrevivem do pescado.
Pouco a pouco, a comunidade foi atingindo as dimensões que apresenta na atualidade. Porém, muitos mitos e personalidades importantes não foram esquecidos. Os mestres Touro e Dentinho, que foram os primeiros a levar a capoeira para fora do Brasil, são alguns desses exemplos. Fortemente influenciada pela cultura africana, a capoeira foi desenvolvida e aperfeiçoada no Brasil. As famosas rodas de capoeira dos mestres Dentinho e Touro, que também eram irmãos, foram muito perseguidas pelas autoridades locais.
Foi nesse contexto que apareceu um certo Madame Satã, que se refugiava nessas rodas, pelo fato de também ser perseguido por ser homossexual e por se envolver em eventuais confusões. Madame Satã tinha uma profunda admiração pelo mestre Dentinho. Mestre Dentinho faleceu em 2011, aos 65 anos, vítima de um AVC, e se tornou um símbolo de cultura da Penha. Hoje, a capoeira, juntamente com o samba, são considerados patrimônios culturais brasileiros. Os mestres Touro e Dentinho têm uma parcela neste feito.
A cultura no Complexo da Penha não é só representada pela capoeira e pelo samba. A Folia de Reis predominava nas festas juninas. Na comunidade Merendiba, o xodó da amada e a caipira da tia Helena são tradicionais. Também tinha a maior fogueira do bairro do Grotão. A fogueira do Sr. Ananias, ou Cachimbinho, como era conhecida. As brasas ficavam acesas por mais de quatro dias.
Foi no Campo do Ordem e Progresso que Adriano Leite Ribeiro fez os seus primeiros gols. Adriano Imperador representou o Brasil em competições internacionais e foi fundamental na Copa América de 2004, e das Confederações em 2005, sendo artilheiro em ambos os torneios, e garantindo o Brasil na Copa do Mundo de 2006. Em 2009, a revista Época o elegeu como um dos brasileiros mais influentes do mundo.
O nome “Complexo da Penha” surgiu equivocadamente em 2010, quando houve a ocupação pelos militares na Vila Cruzeiro. A mídia chamou a região erroneamente de “Complexo da Penha”, comunidade que já era conhecida como Vila Cruzeiro.
Caveirão circulando na comunidade pela manhã e deixando moradores apreensivos
Para metralhar negros e negras que depois de mortos todos são classificados como bandidos. A incursão na Vila Cruzeiro envolveu agentes do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) e Polícia Rodoviária Federal (PRF); já é a 3ª mais letal da história do Rio
Os primeiros relatos de tiros começaram na madrugada de terça-feira (24), por volta das 5h, de acordo com os moradores. Esse também foi o horário em que a plataforma Fogo Cruzado registrou o tiroteio e, mais tarde, publicou a informação de que ação se tratava de uma “operação policial” na Vila Cruzeiro, Penha.
À frente da Federação de Associações de Favelas do Rio de Janeiro(FAFERJ), o historiador e professor Derê Gomes falou a respeito da incursão policial. “Uma chacina eleitoreira. O que vi no Complexo da Penha foi uma carnificina. Um filme de terror na vida real para invocar eleitores conservadores e cidadãos contra as favelas do Rio”.
Em seguida, Derê Gomes ressalta. “O Estado é tão violento e cruel quanto o crime organizado e não pensa um segundo nas centenas de milhares de moradores do Complexo da Penha que não tiveram direito de ir e vir, das crianças sem escola, da vacinação interrompida”.
Guilherme Pimentel, agente da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, relatou que muitas mensagens foram recebidas nas primeiras horas da manhã. Diante das mensagens desesperadas de moradores, a equipe esteve presente na Penha. “Entramos em contato com os órgãos de controle das forças policiais e pedimos providências. Essa violência (operação) estava atingindo a população como um todo. Inclusive, com o fechamento de escolas, unidades de saúde, comércio e impedindo as pessoas saírem para estudar, para trabalhar”.
Guilherme, em seguida, classificou a operação como “caçada humana” e criticou a atividade policial dentro de favelas do Rio de Janeiro. “Uma vez que as famílias ficam no meio desse fogo cruzado, se sentindo inseguras, deitadas no chão, se escondendo dentro do banheiro, dentro de cômodos mais afastados da área externa, como fica a integridade física e mental dessas pessoas? Esse tipo de operação, que jamais seria naturalizado nos bairros nobres da cidade, também não pode ser naturalizado dentro das favelas”.
Cecília Olliveira, diretora executiva daplataforma Fogo Cruzadoe jornalista especializada em segurança pública, também falou a respeito da incursão policial. “Essa é a sexta chacina policial em 2022 na Zona Norte do Rio (…) Qual seria o ganho que a gente tem com operações como essa, que são o centro da política de segurança pública?”. Ela faz um questionamento quanto às ações policiais diante do cenário da segurança pública e reflete que o estado apenas perde ante à barbarie como a que atingiu o Complexo da Penha. “Quando você olha para o outro lado, a gente tem muitos danos. Muitos danos como Gabriele, que foi morta logo no começo da operação. Aí entra para a estatística como mais uma vítima de bala perdida. E como fica a família da Gabriele? Quantas Gabrieles a gente já viu, a gente tem visto, a gente ainda vai ver?”, finaliza.
[Ações longe, bem longe das milícias. Nem a intervenção militar do general Braga Neto, no governo de Michel Temer, entrou nos invisíveis territórios das intocáveis milícias, principalmente no Rio das Pedra]