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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

10
Jul23

Juiz das garantias e interpretação desconforme com a Constituição

Talis Andrade

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Por Lenio Luiz Streck

6. Por que a imparcialidade deve ser o modo-de-ser do juiz

(Continuação)  A imparcialidade faz parte do juiz-como-juiz. A coisa como-coisa já deveria trazer a própria desnecessidade do juiz das garantias. E o cenário que o torna necessário é o mesmo cenário que pode vir a torná-lo inútil. Essa é a grande questão.

Sou, portanto, um aliado nessa luta. Insuspeito quanto a isso, acho. Estamos na mesma trincheira. Saúdo o juiz das garantias. Mas quero ir além do JG. Há mais coisas a conquistar. Mas reconheço o jogo difícil.

Insisto que o problema está no modo como concebemos a gestão da prova. Não existe (re)estrutura que supere um universo jurídico que aceita que juiz decide com discricionaridade com o argumento de que "é assim e pronto", "não tem o que fazer".

Não há garantias que sejam garantidas quando até garantistas acreditam em ficções como "o livre convencimento veio pra superar a prova tarifada". Falei (d)isso para o próprio Sergio Moro, em debate em 2015, quando poucos enxergavam que o rei estava nu. Moro me respondeu: "– Tenho livre convencimento". E ainda tentou tirar onda comigo, dizendo "afinal, o livre convencimento veio para superar a prova tarifada"? Respondi: "– Ah sim, obrigado. Eu não 'sabia' (ironia)". E acrescentei que, com juízes como ele, eu preferia um textualista ou até mesmo a própria tarifação — mormente porque a "tarifação" nas constituições garantidoras é benfazeja (ou alguém acha que a própria garantia da imparcialidade pode ser superada por livre convencimento ou uma nulidade da prova pode ser superada por convencimento livre)? E assim a vida continua.

Estou escrevendo um livro sobre isso. Sobre as origens. Com dados empíricos. Onde morou o juiz boca da lei? Ele habitou em algum canto do Direito brasileiro? Onde e como a tal "superação" da prova tarifada ocorreu no Brasil? E se ainda se pode falar em "superação" a um tempo em que temos um elenco de neotarifações riquíssimas como o elenco das garantias do artigo 5º da Constituição. E, mais grave: alguma garantia pode ser superada por livre convencimento?

Enfim, tudo isso torna o juiz das garantias paradoxal. Por paradoxal que possa parecer, paradoxalmente o JG é necessário.

Precisamos do juiz das garantias. Que pena. Mas precisamos.

Só que meu papel, aqui, será o de lembrar que não resolveremos os problemas da crise do Direito no Brasil (que, aliás, vai ao ponto de necessitarmos de um JG) se não superarmos o problema de um ensino jurídico que reproduz o senso comum teórico.

Um bom exemplo é que falamos em "precedentes qualificados" e não resolvemos até hoje o problema sobre o que é um precedente. Abundam os estudos sobre inteligência artificial e até hoje não resolvemos a questão da prova no Brasil.

E aí queremos resolver a livre apreciação com um novo juiz. Quase hobbesianamente. Só que Hobbes sacou, homem de seu tempo, que uma hora isso precisa terminar.

Ao contrário de Hobbes, sou um otimista metodológico.

Por enquanto, sou a favor do juiz das garantias. Claro que sim. Mas meu otimismo também é cauteloso: sou favorável, consciente de que só sairemos dessa quando resolvermos o problema da gestão-compreensão do que é isto — o processo, o que é um precedente e sobre o que é isto — o livre convencimento e a livre apreciação da prova.

Sou a favor do juiz das garantias. Mas vou sempre lembrar que todo juiz deveria ser das garantias.

 

7. O voto do ministro Fux e o conceito de interpretação conforme

Por fim e não menos importante: li o voto do ministro Luiz Fux. Ele legislou. Isso precisa ser dito. Ao fazer interpretação conforme, fez vários novos textos. Reescreveu a lei. E isso é vedado ao Judiciário. Mais grave ainda é fazer interpretação em desconformidade com a lei e com a Constituição.

Interpretação conforme não altera o texto, apenas a norma. Se alterar o texto, o Judiciário legisla. Porque o Judiciário cuida do passado e o Legislativo cuida do futuro. Quem escreve textos é o Legislativo.

Normas — o sentido que é dado ao texto — não podem alterar o próprio texto. Judiciário pode anular textos. Interpretação conforme é dar sentido que conforme a lei (no seu texto) à Constituição, sendo que, para isso, altera-se a norma (que é sempre, conforme nos ensina Müller, o produto da interpretação do texto). Essa é a tradição.

Trago aqui alguns comentários sobre isso. O primeiro, de Canotilho: "o aplicador de uma norma não pode contrariar a letra e o sentido dessa norma através de uma interpretação conforme a constituição, mesmo [que] através desta interpretação consiga uma concordância entre a norma infraconstitucional e as normas constitucionais". O segundo é Luís Roberto Barroso, para quem "não é possível ao intérprete torcer o sentido das palavras nem adulterar a clara intenção do legislador". O terceiro é Gilmar Mendes, para quem, na jurisprudência do STF, os limites à interpretação conforme a constituição resultam tanto da expressão literal da lei quanto da vontade (concepção original) do legislador.

Posso até, no limite dos limites, encontrar guarida em redefinições textuais mínimas — porém, o caso do JG, como posto pelo voto do ministro Fux, refoge a qualquer dessas possibilidades. Vejamos o que dirão os demais ministros.

- - -

[1] No Dicionário de Hermenêutica, discuto os conceitos de livre convencimento e livre apreciação da prova à luz da filosofia e do direito estrangeiro. São dois verbetes que tratam da matéria.

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04
Mar21

Ocultação de prova é a gota d’água que transborda a Lava Jato

Talis Andrade

86 charges sobre o escândalo da #VazaJato (para compartilhar com aquele tio  reaça que adorava o Sergio Moro) – blog da kikacastro

 

  • POR LENIO STRECKMARCO AURÉLIO DE CARVALHO E FABIANO SILVA DOS SANTOS  

     

    As novas descobertas sobre as mensagens postas à lume pela Operação Spoofing mostram que Procuradores do Ministério Público Federal do Paraná conversaram, em 13 de setembro de 2016, sobre a (não) inclusão de um áudio obtido por meio de uma interceptação telefônica de Mariuza Marques, funcionária da empreiteira OAS, encarregada da supervisão do edifício.

    “Pessoal, especialmente Deltan [Dallagnol, coordenador da Lava Jato], temos que pensar bem se vamos utilizar esse diálogo da MARIUZA, objeto da interceptação. O diálogo pode encaixar na tese do LULA de que não quis o apartamento. Pode ser ruim para nós”.

    Quem escreveu a mensagem foi o procurador Athayde Ribeiro Costa, quando mostrou o trecho de intercepção para Deltan e cia. Eles se convenceram que a interceptação telefônica deixava “claro que as reformas feitas no imóvel foram feitas no interesse de Marisa Letícia [esposa de Lula]”.

    O diálogo poderia mostrar a correção da tese de defesa de Lula no processo do Triplex, conforme diz, agora, a sua defesa ao STF.

    Eis outra parte do diálogo:

    “Concordo com Athayde. eu não usaria esse dialogo [sic]. ao menos nao [sic] na denuncia”, escreveu a procuradora Jerusa Viecili. Athayde, então, pergunta ao procurador Julio Noronha: “vamos tirar o dialogo [sic] da MARIUZA ne?” Noronha responde: “vamos”.

    O restante pode ser lido nos veículos de comunicação. O que queremos aqui mostrar, para além da indiscutível e escandalosa parcialidade de Moro, é a falta de isenção do MPF e o seu agir estratégico que fez com que, segundo os diálogos, escondessem provas, omitindo algo que poderia beneficiar o réu. O que diriam os alunos de primeiro ano da Faculdade de Direito sobre isso?

    Aqui entra a importância e a urgência da aprovação do projeto Anastasia-Streck, que tramita no Senado. Ali se pretende legislar sobre uma coisa muito simples: o dever de o MP colocar na mesa tudo o que tem, inclusive o que for favorável à defesa. Em suma, o projeto visa proibir o que sempre esteve proibido: o escondimento de provas que possam favorecer réus. Isso está no Estatuto de Roma, no artigo 160 do CPP alemão e no art. 3º. do CPP austríaco. Para falar apenas desses ordenamentos.

    Mas isso é velho. Nos EUA, desde 1963 o MP tem a obrigação de mostrar o que tem. Trata-se do precedente Brady v. Maryland.

    É o que consta do filme Luta pela Justiça, disponível no Netflix. O advogado Bryan Stevenson defende, pro bono, Walter McMillian, acusado de um homicídio. Ele já estava no “corredor da morte” quando Stevenson pegou sua causa.

    Stevenson luta pela justiça. E, ao final, no Tribunal, invoca o caso Brady v. Maryland. Porque havia descoberto que o MP e a polícia tinham escondido provas.

    E Walter foi absolvido.

    Eis a questão. Simples assim. No Brasil, não precisaríamos que o parlamento aprovasse um projeto como o Anastasia-Streck. Da Constituição já se infere que o MP, por ter as garantias de um juiz, não deve – e não pode – fazer “agir estratégico”. Mas, com tudo o que se viu na lava jato e nos diálogos acima explicitados, parece que temos de construir um precedente como Brady v; Mariland. Isso poderá ocorrer no julgamento da suspeição do juiz Sérgio Moro, em breve.

    Há muitos Walters McMillians por aí. Esperando a lei ou o precedente, para obrigar uma coisa óbvia em qualquer democracia: que o MP coloque na mesa tudo o que tem, inclusive o que tem a favor do réu. E que deve investigar buscando a verdade processual, inclusive a favor do réu. E que não deve agir como se viu nos diálogos acima.

    Talvez estes diálogos constrangedores, que mostram um escondimento de prova, possam servir de marco jurisprudencial: um caso Brady brasileiro. Assim esperamos.

    O Supremo tem, no julgamento que se aproxima, uma oportunidade singular de reacreditar nosso Sistema de Justiça, mostrando ao mundo que uma de suas maiores democracias possui instrumentos e condições para corrigir equívocos por ela mesma produzidos.

    Artigo publicado no DCM /Prerrô

     
14
Fev21

Impunidade de procuradores e juízes emporcalha Judiciário e MP

Talis Andrade

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por Jeferson Miola

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Quem lê as práticas delituosas e os acertos mafiosos combinados entre Moro, Deltan e comparsas da Lava Jato fica em dúvida se se tratam de diálogos mantidos entre procuradores e juízes, ou entre integrantes de alguma facção criminosa ou alguma organização mafiosa.

Estes “agentes públicos” romperam todos os limites da moralidade, da probidade, da decência, da ética, da legalidade e da constitucionalidade. Eles exorbitaram as funções e prerrogativas dos cargos, intoxicaram as instituições e corromperam o sistema de justiça movidos por interesses pessoais, político-partidários e de um projeto extremista de poder.

Mas eles foram muito mais longe. Coordenaram e executaram medidas ilícitas com agentes públicos e privados estrangeiros; e, mais grave, atuaram a serviço de governo estrangeiro, em linha com os Departamentos de Estado e de Justiça dos EUA [“presente da CIA”, como confessou Deltan].

Esta descrição não é fruto de imaginação ficcional; tudo está documentado nas mensagens cuja divulgação fora autorizada pelo STF.

Os inúmeros ilícitos praticados por estes elementos – os conhecidos até o momento, por que ainda deverão surgir outras revelações – estão tipificados em dezenas de artigos do Código Penal, das Leis Orgânicas do MP e da Magistratura, da Constituição Federal, do Código de Ética Pública e de outras normas legais, inclusive aquelas relacionadas a terrorismo e à segurança nacional.

Como servidores públicos, não poderiam destruir documentos [os diálogos] armazenados em telefones funcionais. Mas, para se protegerem, apagaram as provas dos crimes cometidos para impedir a comparação entre o então publicado pela Vaza Jato/Intercept e o armazenado no aplicativo Telegram [aqui – Procuradores estão destruindo provas que os incriminam].

A destruição de conteúdo dos aparelhos telefônicos funcionais configura crime, e este crime foi assumido por eles próprios no comunicado oficial de 19 de junho de 2019, quando anunciaram que “os procuradores descontinuaram o uso e desativaram as contas do aplicativo ‘Telegram’ nos celulares, com a exclusão do histórico de mensagens tanto no celular como na nuvem. Houve reativação de contas para evitar sequestros de identidade virtual, o que não resgata o histórico de conversas excluídas”.

Este mega-empreendimento mafioso – “o maior escândalo judicial da história”, como publicou o New York Times – dificilmente conseguiria alcançar seus propósitos sem a atuação orgânica e militante da Rede Globo.

Deltan informou aos comparsas o rega-bofe com “a pessoa que mais manda na área de comunicação no país”, João Roberto Marinho, para falar “da guerra de comunicação que há no caso”, ou seja, do planejamento do jornalismo de guerra contra Lula e o PT.

Nem é preciso grande exercício lógico para entender por que a Globo omite do seu noticiárioe, portanto, sonega a mais de 70% da população, o direito de ser informada a respeito deste que é o maior escândalo de corrupção judicial do mundo.

A despeito, entretanto, de tudo isso que já se sabe, os juízes e procuradores implicados nos crimes e nas práticas mafiosas continuam impunes e protegidos por chicanas judiciais e pelo corporativismo fascista das entidades e órgãos que os acobertam.

Esta impunidade emporcalha o Judiciário e o Ministério Público e reforça a condição do Brasil como pária do sistema mundial de nações. É impossível confiar no judiciário e no MP que aceitam como natural ou normal a presença de elementos criminosos nos seus estamentos.

Não se pede vingança ou justiçamento, mas apenas justiça. Com a rigorosa observância do devido processo legal e do amplo direito de defesa.

É preocupante pensar que, se não houver punição desses elementos – e sempre há o risco de que, como prêmio, recebam polpudas aposentadorias – eles permanecerão nos quadros do Ministério Público do Brasil por, no mínimo, as próximas duas ou três décadas.

É preferível, neste sentido, a extinção do Ministério Público. Pelo menos se evita desperdício de dinheiro público numa instituição que, ao invés de defender e proteger o Estado de Direito, a legalidade e a Constituição, pratica justamente o contrário.

08
Nov20

Força, Mariana Ferrer !

Talis Andrade

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por Cristina Serra

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Milênios de violência contra a mulher e de cultura do estupro estão condensados no vídeo da audiência do caso Mariana Ferrer. A jovem de Santa Catarina acusa o empresário André de Camargo Aranha de tê-la estuprado dois anos atrás.

Mariana é submetida a uma sessão de humilhações. O advogado do acusado, Cláudio Gastão da Rosa Filho, ofende, intimida e constrange a jovem. Usa a velha estratégia de transformar a vítima em culpada. Ataca a moralidade de Mariana usando fotos pessoais que ela postava na internet, como se ainda vivêssemos no tempo da Inquisição.

Os outros três homens presentes permanecem impassíveis. Inclusive o juiz do caso, Rudson Marcos. Ele apenas sugere a interrupção da sessão quando Mariana já está chorando. Na íntegra do vídeo que circula na internet, o tratamento dispensado à vítima contrasta com o clima de camaradagem e gentileza em que transcorreu o depoimento do acusado, rico e influente.

O juiz acabou por inocentar Aranha, acatando a tese esdrúxula de estupro não intencional, apresentada pelo promotor Thiago Carriço de Oliveira. O estupro moral sofrido por Mariana na audiência é o desfecho de um processo cheio de falhas: sumiço de imagens, testemunhos desqualificados, mudança de versão do acusado.

A História registra que o estupro é um ato violento de poder e dominação, usado inclusive, como arma de guerra. No Brasil, há uma linha do tempo que explica a renitente violência contra a mulher. Começa com o estupro de indígenas e africanas; passa pelo abuso de empregadas domésticas, tratadas na casa grande como porta de entrada da vida sexual dos filhos machos.

Está nas histórias de Ângela Diniz, Eliane de Grammont, Elisa Samudio, nas pacientes de Roger Abdelmassih, nas vítimas do charlatão de Abadiânia e em milhares de outras mulheres e crianças. Que a coragem de Mariana seja pedagógica. Homens, entendam: não vão nos calar. Mulheres, denunciem. Força, Mariana ! Você não está sozinha.

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05
Nov20

Caso Mariana Ferrer: violência institucional e revitimização

Talis Andrade

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por Beatriz Accioly, Luciana Terra e Luanda Pires / Cult

Em um processo marcado por substituição da promotoria, mudança de depoimento e desaparecimento de imagens, empresário paulista André de Camargo Aranha foi inocentado pela 3ª Vara Criminal de Florianópolis após ser indiciado por estupro de vulnerável em 2018 sob acusação de ter violentado a jovem Mariana Ferrer durante uma festa em Jurerê Internacional.

Apesar da existência de provas contundentes acerca tanto do estado de vulnerabilidade de Ferrer – em razão do efeito de substâncias entorpecentes – bem como da consumação do ato – a partir da comprovação do rompimento do hímen e da existência de DNA e sêmen do réu no corpo e nas roupas da vítima -, o juiz responsável pelo caso, Rudson Marcos, acolheu o pedido de absolvição apresentado pelo promotor Thiago Carriço, representante do Ministério Público.

O promotor fundamentou-se na tese de que era impossível que o agressor percebesse que a vítima não estava em condições de consentir ou não o ato praticado. Acatado pelo magistrado, o argumento desonera André de Camargo Aranha da responsabilidade de assegurar que Ferrer pudesse conscientemente consentir qualquer interação sexual.

A ausência de intencionalidade ou a premissa de que o acusado não tinha como perceber que Ferrer estava entorpecida não excluem um ponto central para a existência de uma situação de violência sexual: condição sine qua non, o consentimento é a principal métrica para relações sexuais éticas, respeitosas e mutuamente prazerosas.

Além dos fundamentos utilizados para absolvição na sentença prolatada em setembro de 2020, também causou revolta nacional o vídeo da audiência publicado nesta terça (3) pelo The Intercept. Nas imagens, Mariana é “reviolentada”, exposta e humilhada pelo advogado de defesa Cláudio Gastão da Rosa Filho. O juiz, por sua vez, se mantém inerte, sem reprimir ou colocar fim aos ataques deferidos contra a moral e a pessoa da vítima, intervindo apenas para arguir se ela precisava de tempo para se recompor e tomar água, após Ferrer afirmar, com razão, que a forma como estava sendo tratada não era digna “nem aos acusados de crimes hediondos”.

Diante da divulgação das indecorosas posturas do advogado e do juiz, juristas e especialistas de todo o país manifestaram-se a respeito do caso. Para o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, “as cenas são estarrecedoras”. No ofício que instrui a abertura de procedimento para investigação da conduta do juiz, o conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Henrique Ávila afirma que “as chocantes imagens do vídeo mostram o que equivale a uma sessão de tortura psicológica no curso de uma solenidade processual”.

Apesar da comoção causada pelo vídeo, atitudes como as do advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho são antigas e constantemente utilizadas como tática de defesa pelos patronos de agressores de crimes sexuais que, em vez de se ater aos fatos e à legislação, baseiam-se no comportamento das vítimas e em alegações sexistas para questionar sua índole e moral, justificando os crimes cometidos por seus clientes.

 

Vale ressaltar o receio de que
essa decisão abra precedente
em casos similares; que os
magistrados, legitimando a
violência de gênero
institucional, utilizem essa
decisão deletéria a fim de
absolver outros agressores,
perpetuando uma estrutura no
sistema penal brasileiro que
culpabiliza vítimas e escancara
a seletividade do poder
punitivo estatal.

 

Violência institucional é a violência praticada por instituições públicas que, por meio de seus agentes, fazem a manutenção de afrontas a direitos das mulheres. O caso de Mariana Ferrer é um exemplo desse tipo de prática. É evidente a conduta antiética dos envolvidos, que deixam de julgar o agressor para julgar a vítima e a sua conduta. O Judiciário deve ser um ambiente de acolhimento e escuta das vítimas, e não de humilhações e desestímulo a denúncias.

A manutenção de práticas como a sofrida por Mariana, em que as vítimas são constantemente “reviolentadas” ao procurarem o sistema de Justiça, contribui de forma direta para a subnotificação de crimes sexuais no país. Prova disso é que apesar de o Brasil ter ultrapassado a marca de 65 mil casos de violência sexual apenas em 2018 – mais de 180 estupros por dia – estima-se que apenas pouco mais de 7% dos casos tenham chegado às autoridades. Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

É o número mais alto desde 2009, quando houve uma mudança na tipificação do crime de estupro no código penal brasileiro, e o atentado violento ao pudor passou a ser enquadrado como estupro. Hoje, a cada hora, quatro meninas de até 13 anos são estupradas no Brasil, sendo que, ainda segundo o Fórum, 96% dos criminosos são do sexo masculino e 75% dos autores dos estupro são conhecidos das vítimas.

Segundo pesquisa dos institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, 97% das brasileiras com mais de 18 anos já passaram por situações de assédio sexual no transporte público ou em táxis. A maioria das mulheres entrevistadas, cerca de 71%, afirma conhecer alguma mulher que já foi assediada no espaço público.

Num país que mantém índices como esses, uma tese como a que inocentou André de Camargo Aranha, agressor de Ferrer, não só contribui para a manutenção da cultura do estupro, mas abre um precedente perigosíssimo, dado que crimes de cunho sexual ocorrem em ambientes privados e as provas são, em sua maioria, os testemunhos das partes. De maneira alguma essa deveria ser a resposta do Judiciário.

O desfecho do caso mostrou o quanto o Estado brasileiro é absolutamente parcial e sempre fica ao lado de homens, brancos e ricos. Fosse outro o agente, certamente o desfecho seria diferente. Condutas lastimáveis de operadores da lei enredam o mais impensado descumprimento do ordenamento. Os códigos são rasgados e anos de emancipação feminina, escanteados.

Importante lembrar da importância da sociedade civil e dos veículos de imprensa na denúncia e reportagem de qualquer tipo de violência, bem como a união da sociedade em iniciativas pelas e para as mulheres.

A exemplo do grupo iniciado nos Estados Unidos, surge o Me Too Brasil, inspirado e influenciado pelo movimento fundado por Tarana Burke para dar visibilidade a denúncias de abuso sexual. Visando amplificar a voz de mulheres vítimas dessa violência, a campanha chega ao país como um braço independente que, por meio da união de esforços com o projeto Justiceiras, proporciona apoio e orientação às sobreviventes, além da tomada das providências necessárias para, juntas, acabarmos com o abuso sexual no Brasil.

Criada por mulheres e para mulheres, a iniciativa conta hoje com quase quatro mil voluntárias nas áreas jurídica, psicológica, assistencial e médica, e uma rede de apoio e acolhimento com três mil vítimas atendidas em todo o Brasil. Que este caso de grave violação aos direitos humanos e das mulheres sirva de paradigma para uma mudança estrutural na proteção de todas as vítimas de violência que denunciam e adentram o sistema de Justiça.

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05
Nov20

A falácia do estupro culposo

Talis Andrade

O advogado e o estuprador

por Regina Abrahão

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A forma mais fácil de definir estupro é a ocorrência de situação sexual sem o consentimento de quem o sofre. A falta de consentimento pode se dar pela negativa ou pela falta de discernimento da vítima em concordar que esta situação sexual aconteça. Homens, mulheres e crianças podem ser vítimas, apesar de mulheres serem as mais atingidas. Uma pessoa pode não ter discernimento para concordar com o sexo por vários motivos: não ter idade legal para consentir, não possuir condições cognitivas para discernir (como deficiências sérias) ou estar sob efeito de substâncias que lhe alterem a capacidade mental.

Neste último caso se enquadrou uma jovem modelo e influencer em mais um caso deste crime repugnante. A jovem, que trabalhava na recepção dos convidados em festa vip foi drogada, conduzida a um espaço reservado e estuprada. O crime, porém, não terminou após o estupro. O caso teve inúmeras irregularidades em sua condução: troca de agentes policiais, de promotor, vídeos apagados, depoimentos mudados.  Por fim, a mesma justiça que deveria acolher a vítima e punir o agressor terminou por criar uma figura até agora inexistente na norma jurídica, perigosíssima e criminosa: O estupro onde o criminoso não tem intenção de estuprar.

A figura do crime culposo é aquela onde não houve a intenção do resultado obtido. Uma pessoa caminha apressada pela rua, derruba outra e a queda causa ferimentos, um objeto derrubado sem querer de andar alto que atinge um transeunte, um acidente causado por falha nos freios que causa uma morte. São casos dolosos, ou seja, onde não havia a intenção de causar dolo. O crime de estupro não pode, portanto, ser considerado culposo (quando não há intenção de ser praticado) já que para ocorrer precisa da explícita disposição do autor. Estupros não ocorrem por desejo, necessidade, amor ou sentimentos. Ocorrem pelo desrespeito e desprezo pela vítima, pela sensação de poder sujeitar alguém pela força. Estupradores são sempre criminosos sem caráter nem humanidade, independente de classe social, idade, gênero, cultura. Um estupro é e será sempre um crime bestial.

A moça em questão foi e seguiu sendo violentada, Primeiro pelo autor. Depois, pela justiça, que determinou a proibição e cancelamento de suas páginas em redes sociais. E continuou sendo violentada num processo em que foi agredida, humilhada, exposta e por fim, injustiçada. O mesmo advogado que já defendeu Sara Winter e Olavo de Carvalho fez do agressor vítima e da vítima culpada pela agressão. O juiz se absteve de conduzir um julgamento justo e o promotor validou o discurso da defesa. O criminoso é rico e influente, e a justiça foi sensível ao seu status. Um caso escandaloso e descabido, que reverbera no mundo todo, como se tornou comum tamanhos são os descalabros no Brasil de hoje.

Mariana é a vítima, mas não só ela. O risco é imenso. Todas nós, mulheres, fomos agredidas e vitimadas. O perigo de este argumento criar jurisprudência e ser usado em outros julgamentos é real, já que poderá ser utilizado por  advogados inescrupulosos em julgamento de outras agressões semelhantes. Reverter este julgamento, pressionar o judiciário, trabalhar a opinião pública é urgente e indispensável. Ainda mais em tempos de obscurantismo como o que estamos vivendo (e sofrendo), abrir essa brecha é garantir a impunidade para este crime hediondo e desumano.

Toda a nossa solidariedade a Mariana, todo nosso repúdio à quadrilha composta pelo estuprador, promotor, juiz e demais que deturparam a lei norteados pelo machismo, misoginia e pelo poder do capital.Image

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Criado em junho, o abaixo-assinado "Justiça por Mariana Ferrer" quebrou agora há pouco o recorde de adesões de uma petição brasileira no site Change.org, em 2020. Leia a notícia completa no blog do Ancelmo Gois, no O Globo. 

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26
Jan20

Como uma operação que começa no Brasil leva a Petrobras a ser processada nos EUA?

Talis Andrade

Nos últimos 5 anos, a Petrobras recebeu da Lava Jato um ressarcimento de R$ 4 bilhões. Mas perdeu 4 vezes mais do que isso só em multas para evitar julgamentos em solo norte-americano

Por Luis Nassif e Cintia Alves, do GGN

A Lava Jato já foi definida na mídia internacional como uma benção e, ao mesmo tempo, uma maldição para os brasileiros.

Uma benção porque revelou o esquema de corrupção que existiu nas entranhas da Petrobras. Mas, por outro lado, a operação devastou a economia e comprometeu a democracia brasileira.

Uma presidente caiu, outro foi preso e impedido de disputar a eleição em 2018, e um terceiro chegou ao poder com a ajuda da principal estrela da operação, que depois ganhou o cargo de ministro da Justiça. Tudo porque a Lava Jato criou a tempestade perfeita que levou a política nacional ao colapso.

 

Nos últimos 5 anos, a Petrobras recebeu por meio da Lava Jato um ressarcimento de 4 bilhões de reais. Mas perdeu cerca de 4 vezes mais do que isso só em multas para evitar julgamentos nos Estados Unidos.

O que mais existe por trás dessa operação que rompeu fronteiras, desmontou a política do pré-sal e ameaça a estabilidade e a democracia na América Latina?

Como uma operação que começa no Brasil conseguiu colocar a Petrobras no banco dos réus nos Estados Unidos?

É o que vamos mostrar na série especial “Lava Jato Lado B – A influência dos EUA e a indústria do compliance.”

CAPÍTULO 1 – COMO A ANTICORRUPÇÃO SE TORNOU BANDEIRA POLÍTICA DOS EUA

As perdas da Petrobras nos Estados Unidos se devem à montagem de uma estrutura global dedicada ao combate à corrupção, que cresceu exponencialmente após o atentado às Torres Gêmeas, levando o País a se tornar uma espécie de polícia do mundo.

Essa estrutura foi construída a partir de três leis e duas instituições que vamos abordar neste capítulo.

As leis permitem investigações contra estrangeiros mesmo quando os crimes não têm origem nos Estados Unidos.

Já as duas instituições fundaram uma notável rede de cooperação internacional, um arranjo que alguns críticos consideram inconstitucional porque desrespeita a soberania dos estados nacionais.

LEI #1: FOREIGN CORRUPT PRACTICES ACT (FCPA), A LEI DE PRÁTICAS CORRUPTAS NO EXTERIOR

FCPA é a sigla em inglês para Lei de Práticas Corruptas no Exterior, usada pelas autoridades norte-americanas para processar empresas e pessoas de praticamente qualquer parte do mundo. Para isso, basta que o crime investigado tenha algum vínculo com o País.
Por exemplo: se o dinheiro passou por um banco norte-americano ou se a empresa investigada vende ações na Bolsa de Nova York, os Estados Unidos se julgam habilitados para agir.

Foi assim que eles entraram no escândalo da Fifa. E, além da Petrobras, também processaram a Odebrecht, a Braskem, a Embraer, a alemã Siemens, a francesa Alstom, a holandesa SBM Offshore, entre outras empresas.

“Isso é porque se passar por um banco americano vira assunto interno americano. Esse exemplo que você deu mostra a força dos EUA. Houve a denúncia da Fifa e uma das consequências disso, compra de imóveis ou transações financeiras via bancos americanos, fez com que o Departamento de Justiça ficasse autorizado a atuar dessa maneira. E eles têm uma força tal que prenderam na Suíça nacionais de outros países, inclusive do Brasil”, explica o ex-embaixador do Brasil em Washington, Rubens Barbosa.

A FCPA foi criada no final dos anos 1970, em resposta a um esquema de corrupção envolvendo a Lockheed Martin, empresa responsável por grandes sucessos da aviação, incluindo caças da segunda guerra mundial.

Apesar de ter sido acusada de distribuir mais de 3 bilhões de dólares em propina na Itália, Holanda e Japão muitas décadas atrás, a Lockheed sobreviveu e faz parte do império militar norte-americano. O combate à corrupção não quebrou a empresa.

Hoje a FCPA é aplicada pelo Departamento de Justiça, no campo criminal, e pela Comissão de Valores Mobiliários, no âmbito civil e administrativo.

Foi por conta da atuação dessas instituições que a Petrobras assinou, em 2018, um acordo de 853 milhões de dólares com o Departamento de Justiça, para não ser julgada nos Estados Unidos, depois das revelações da Lava Jato.

LEI #2: A CONVENÇÃO DA OCDE

No final dos anos 1990, os Estados Unidos pressionaram e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a OCDE, haprovou a Convenção Antissuborno.

Na prática, foi uma forma diplomática encontrada pelos Estados Unidos para levar os princípios da lei anticorrupção norte-americana a outros países.

Entre eles, o Brasil, que ratificou o acordo em 2000, se comprometendo a combater o pagamento de propina a agentes públicos em transações internacionais.

A Convenção inspirou o Brasil a criar, em 2013, a Lei 12.846, a nossa própria Lei Anticorrupção, que abriu caminho para o uso da delação premiada nos termos que transformaram a Lava Jato no que ela é hoje.

LEI #3:  SARBANES-OXLEY ACT (SOX)

No início dos anos 2000 o mundo assistiu à explosão de uma das muitas bolhas especulativas que sacudiram a economia global. Foi neste ambiente que começaram a pipocar escândalos contábeis, e um dos maiores foi o caso Enron.

O grupo gigantesco, líder em distribuição de energia, foi denunciado em 2001 por manipular o balanço com o propósito de esconder as dívidas e inflar os lucros.

As investigações respingaram em bancos e na auditoria Arthur Andersen, uma das mais prejudicadas no processo.

A condenação contra a auditoria foi revertida quando o processo chegou em tribunal superior, mas o estrago já estava feito. Os mais de 100 mil trabalhadores da empresa foram reduzidos a apenas 200 depois do escândalo.

Em 2002, foi a vez da WorldCom se envolver num julgamento que custou 30 mil empregos e mais de 100 bilhões de dólares em perda de valor de mercado.

O Congresso reagiu a esses casos que envolveram setores importantes da economia criando a Lei Sarbanes-Oxley, conhecida como SOX.

Seu objetivo é evitar a fuga de investidores por causa de crimes financeiros e contra o mercado de capitais, tudo entendido como falta de governança nas empresas.

Por isso, a lei obriga a contratação de auditorias independentes e a criação de controles internos para reduzir a ocorrência de fraudes.
Estamos falando do que pode ser considerado o embrião do compliance, uma palavra que a Lava Jato ajudou a popularizar no Brasil.

Compliance pode ser entendido como a adoção de um conjunto de regras que previnem desvios nas empresas.

Para cumprir com as determinações da SOX, a Petrobras mantém uma espécie de ouvidoria que recebe denúncias de qualquer tipo de irregularidade que possa vir a causar danos ao patrimônio da estatal ou prejuízo aos acionistas.

Foi por este canal que chegaram alertas sobre problemas em refinarias, incluindo a polêmica em Pasadena.

Como consequência da falha no controle interno, investidores estrangeiros moveram contra a Petrobras uma ação coletiva nos Estados Unidos, e conseguiram um acordo de quase 3 bilhões de dólares.

A SOX entrou em vigor pouco tempo depois do atentado das Torres Gêmeas, um acontecimento que não só mudou o conceito de segurança do Departamento de Estado norte-americano, como também fez da luta anticorrupção uma maneira de intervir na economia global.

“Acho que há uma série de fatos históricos que vai mudando. O fim da Guerra fria faz mudar, a questão do comunismo deixa de ser central, é mais uma questão de geopolítica mais ampla. O que o 11 de setembro acrescenta fortemente é a guerra contra terror, que tem uma dimensão ligada à corrupção, de certa maneira, por causa da lavagem de dinheiro”, afirmou o ex-chanceler Celso Amorim.

“Eu achava que aquele ataque às torres iriam ter profundas consequências não só na sociedade americana, mas na política externa americana. Foi isso o que ocorreu. Você teve uma psique americana que ficou alterada”, acrescentou Rubens Barbosa.

O atentado também produziu um apagão nos direitos civis depois que o governo Bush assinou um decreto batizado de Lei Patriota, em outubro de 2001.

“Eu dizia na época que era o Ato-5 dos Estados Unidos. O Ato-5 aqui foi esse Patriot Act americano, que deixava todos os direitos garantidos pelas Constituições suspensos. O governo americano poderia interferir na correspondência, endereços, e-mails, telefone, correspondências. Foi uma reação violenta”, pontuou Barbosa.

O decreto vinha com a promessa de aprimorar o combate ao terrorismo, mas na prática também acabou com freios e contrapesos que dificultam abusos nos tribunais e nas agências de segurança.
E nenhum outro setor contribuiu mais para a selvageria que se instalou no País do que a Seção de Integridade Pública do Departamento de Justiça.

ISTITUIÇÃO #1N – Setor de Integridade Pública do Departamento de Justiça

Esse departamento é uma espécie de unidade anticorrupção de elite, com dezenas de promotores encarregados de investigar autoridades públicas.

Uma das figuras mais polêmicas é Andrew Weissmann, um ex-promotor que liderou inquéritos de grande repercussão na imprensa nas últimas décadas, passando pelo caso Enron até chegar à Petrobras.

Enquanto Weismann esteve no Departamento de Justiça, técnicas nada ortodoxas foram desenvolvidas e depois incorporadas pela Lava Jato.

Como, por exemplo, o uso da mídia para escandalizar conduções coercitivas; a ocultação de provas e ameaça a testemunhas de defesa, além do uso intenso de prisões que acabam em delação premiada.

O emblemático caso Ted Stevens

Uma das mais graves violações que já ocorreram na história da seção de Integridade Pública do Departamento de Justiça atingiu o ex-senador republicano Ted Stevens.

O caso lembra um pouco o que aconteceu com o ex-presidente Lula na Lava Jato.

Stevens era o senador mais antigo dos Estados Unidos, tinha mais de 40 anos de vida pública quando foi acusado de receber milhares de dólares em presentes de um amigo pessoal, que também era sócio de uma das maiores empresas de petróleo do Alasca.

O empresário foi associado à reforma de uma cabana que pertencia a Stevens, que foi transformada num modesto chalé de dois andares no meio de uma zona florestal.

No decorrer do julgamento, descobriram que a empresa que fez as melhorias teria se aproveitado da situação para superfaturar o valor da obra.

Mas os promotores criaram outra narrativa, uma que sustentava crime de corrupção.

Stevens acabou condenado em primeira instância em 2008, e não conseguiu se reeleger. Foi o fim da sua carreira política.

O jogo só começou a virar quando um agente do FBI denunciou erros e abusos cometidos por investigadores durante o processo.

A força-tarefa escondeu provas e até testemunhas da defesa, e levou ao júri indícios de culpa que depois foram considerados uma fraude pela Justiça.

O juiz Emmet Sullivan derrubou a sentença em 2009 e mandou investigar a atuação dos promotores. Em crise, o próprio Departamento de Justiça pediu desculpas a Stevens e reconheceu que a ação da força-tarefa foi irresponsável e deveria ser apurada.
Stevens morreu num acidente de avião em 2010.

Logo depois, um dos promotores, afastado do cargo por causa dos abusos, cometeu suicídio.

Essa má conduta que marcou o caso Stevens não é exatamente uma novidade.

A operação Enron já havia inaugurado esse perfil de promotor que acredita que os fins justificam os meios.

E o fato é que investigar e punir esses desvios não é regra, é exceção.

Andrew Weissmann, por exemplo, seguiu normalmente com sua vida de estrela no Departamento de Justiça, até decidir abandonar o cargo público e retornar à advocacia privada, em outubro de 2019.
Durante anos, ele acumulou críticas de setores da mídia pelo histórico de violações.

Algumas são retratadas no livro “Autorizado a mentir”, escrito pela ex-promotora Sidney Powell.

No caso Enron, por exemplo, houve situações desumanas, como o relato de um ex-executivo que ficou trancado numa “gaiola infestada de insetos, com apenas uma fenda de luz”.

Muitos investigados enfrentaram meses de prisão e alguns, até de solitária, e receberam ameaças contra seus familiares, até decidirem cooperar com o Departamento de Justiça.

INSTITUIÇÃO #2 – DHS, o Departamento de Segurança Interna

Em 2002, depois do atentado às Torres Gêmeas, da criação da Lei Patriota e da SOX, os Estados Unidos fizeram uma outra grande mudança na estrutura anticorrupção.

Eles criaram o DHS, o Departamento de Segurança Interna, que tem um objetivo muito claro: manter a América segura.

Com orçamento estimado em 40 bilhões de dólares, as 22 agências desse departamento juntam todos os serviços de inteligência e compartilham informações obtidas através de espionagem.

Seus 240 mil funcionários são capacitados para responder à ameaça terrorista, em chamados internos, nas fronteiras ou no campo cibernético.

“Uma das razões pelas quais não foi detectado esse ataque [às torres gêmeas] é porque não havia comunicação entre os órgãos de segurança e informação. Se eles tivessem um sistema ágil de comunicação. Se tivessem melhor aparelhados… Isso é uma grande potência que tinha essas vulnerabilidades. A curto prazo foi criado o Departamento de Defesa Interna, que centralizou essas informações todas as agência americanas estão subordinadas ao Homeland Department”, comentou Barbosa.

Juntos, o DHS e a Agência Nacional de Segurança, a NSA, formam o núcleo de proteção dos Estados Unidos.

Uma das primeiras parcerias entre o DHS e as autoridades brasileiras aconteceu durante a operação Banestado, que contou com a participação do ex-juiz Sérgio Moro e de outros agentes da Lava Jato.

No capítulo 2 dessa série (assista aqui), veremos como a relação com os Estados Unidos se intensificou nos últimos anos, a ponto de respingar em interesses nacionais.

LAVA JATO LADO B (2019)
Argumento: Luis Nassif 
Roteiro, pesquisa e entrevistas: Luis Nassif e Cintia Alves 
Imagens e edição: Nacho Lemus 
Locução: Marco Aurélio Carvalho Coordenação geral: Cintia Alves e Lourdes Nassif
Colaboradores: André Sampaio (entrevista Mark Weisbrot) e Zé Bernardes (imagens Pedro Serrano) 
Agradecimento especial: Estúdio do Criar Brasil.

 
 
09
Ago19

Quem mente? Moro ou o ministro Noronha?

Talis Andrade

 

moro noronha.jpg

 

por Jeferson Miola

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Em recente manifestação ao STF na ADPF [Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental] promovida pelo PDT para impedir que o ministro Sérgio Moro destruísse as provas sobre a suposta invasão hacker, Moro alega “mal-entendido” e agora nega diálogo comunicando a destruição de provas.

Ao STF, Moro se explicou que “A afirmação de que este ministro teria informado a uma das vítimas que o ‘material obtido vai ser descartado’ é apenas um mal-entendido quanto à declaração sobre a possível destinação do material obtido pela invasão criminosa dos aparelhos celulares […]” [aqui].

A referência do Moro “a uma das vítimas” é ao ministro do STJ João Otávio de Noronha, que foi quem informou, em primeira mão, que “Recebi pelo ministro Moro a notícia de que fui grampeado”.

Apesar de afirmar que “Não tenho nada que esconder, não estou preocupado nesse sentido”, Noronha transparece tranquilizar-se com o comunicado que recebeu de Moro: “As mensagens serão destruídas, não tem outra saída. Foi isso que me disse o ministro e é isso que tem de ocorrer” [aqui].

Como se percebe, não se trata de “apenas um mal-entendido”, como agora alega Moro, mas sim de mentira sobre o fato sucedido.

Um deles 2 está mentindo. É fundamental saber qual deles mente. Será o ministro bolsonarista Sérgio Moro, ou o ministro lavajatista João Otávio de Noronha?

A situação tanto do Moro como a do Noronha é complicada, seja na hipótese de terem mentido, seja na hipótese de terem falado a verdade sobre a intenção de destruir provas.

A situação do ministro do STJ, porém, adiciona complicações, porque caso tenha falado a verdade, Noronha teria prevaricado e deixado de dar voz de prisão a um delinqüente – no caso, Sérgio Moro – que lhe comunicava o cometimento de crime em flagrante.

Noronha, além disso, teria estimulado o crime de Moro: “[…] é isso que tem de ocorrer”.

A solução para esclarecer a verdade sobre este caso escabroso é uma acareação; colocar Moro e Noronha frente à frente para saber quem deles mente, mesmo sabendo que os dois estão, desde logo, seriamente implicados com ilegalidades.

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