Para as elites brasileiras são aceitáveis a xenofobia, o racismo, a misoginia, o machismo contra países com uma população de maioria negra.
A supremacia branca cassou o mandato do deputado Arthur do Val (Mamãe Falei) porque declarou as mulheres ucranianas "são fáceis porque são pobres".
Numa entrevista que concedeu ao jornal New York Times, Jair Bolsonaro disparou comentários relacionados ao canibalismo e agressões xenófobas às mulheres haitianas.
Em um dado momento da entrevista, Bolsonaro diz que estava numa tribo indígena e não comeu carne humana por falta de companhia.
Ele também disse que só não fez sexo com uma mulher haitiana “pela falta de higiene”.
Por Guilherme Amado, no Metrópoles -A cassação do mandato do deputado estadual Arthur do Val perdeu força nos corredores da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). O ex-integrante do MBL não escapará de uma punição, mas as consequências para ele devem ser mais brandas.
Deputados da base governista e da oposição afirmam que Arthur poderá ter o mandato suspenso por um período de seis a oito meses. Apesar de encerrar a atuação legislativa do deputado, a pena preservaria os seus direitos políticos. Já a cassação do mandato tornaria Arthur inelegível por oito anos.
Procurado, o advogado do deputado, Paulo Bueno, disse que “a cassação de Arthur do Val é inviável juridicamente e os precedentes da própria Alesp demonstram isso”.
COPROFAGIA
O áudio sobre as ucranianas foi gravado para um grupo de amigos no WhatsApp e o conteúdo foi revelado pela coluna do Lauro Jardim, no O Globo. O deputado diz que contou o número de mulheres bonitas na alfândega e diz que vai voltar ao Leste Europeu quando a guerra acabar.
“Mano, eu juro pra você, eu contei: são 12 policiais deusas. Mas deusas que você casa e faz tudo que ela quiser. Assim, eu tô mal. Eu não tenho nem palavras para expressar”, declara no áudio.
Em outro trecho, faz uma comparação entre as ucranianas e as brasileiras. “Se você pegar a fila da melhor balada do Brasil, na melhor época do ano, não chega aos pés da fila de refugiados aqui”, afirma o deputado.
O senador também vê como corrupção clara o fato de o ex-juiz ter lucrado milhões com a Lava Jato
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) classificou o ex-juiz Sergio Moro como "ladrão", assim que soube que ele recebeu cerca de R$ 3,7 milhões de uma consultoria estadunidense que embolsou R$ 42 milhões das empresas brasileiras que o próprio Moro quebrou na Lava Jato. Renan também insinuou que Moro pode ter escondido recursos em nome da "conje" Rosângela Moro. Confira
Renan Calheiros
Moro embolsou US$45 mil/mês de quem ele condenou como juiz. Um pé de meia malcheiroso (R$ 3,7 milhões). O juiz ladrão foi corrompido? Qual o trabalho dele para ficar milionário com dinheiro dos corruptores? Tem mais em nome de terceiros? Da “conje”? E o conflito de interesses?
Ignoradas pelos pais e pelo estado, crianças eram colocadas para adoção ou abrigadas por vizinhos e outras mulheres. Foto Jean Pavão para o Intercept Brasil
O GRANDE FLUXO DE CLIENTES e de dinheiro também abriu caminho para a exploração sexual infantojuvenil nos prostíbulos de Três Lagoas. “Como era muito famosa, de ganharem muito dinheiro, começou a surgir as meninas de menor, 15 anos, 16 anos. Aí começou o Conselho Tutelar vir junto com a polícia. Elas corriam e se abrigavam nas casas dos moradores da redondeza. Era tudo misturado, a família, a zona, a escola”, recorda Júlia Santos.
Corrupção e dissimulação alimentavam esse negócio ilegal. “A maioria mentia a idade. Tinha muito movimento, não dava tempo para procurar se era de maior ou não. Queria ficar, azar. Se a polícia levasse era problema delas”, esquiva-se Dalva. “Às vezes dava problema para a gente, tinha que pagar para não ir presa. Levava a menor, fechava a casa, ia lá e pagava a taxa, e eles liberavam de novo. O delegado fazia o papel e tinha que pagar no banco”, explica.
Segundo o policial aposentado Genésio Aparecido da Silva, que à época atuou na delegacia de Foz, o controle realizado nos prostíbulos não se resumia a coletar as taxas do alvará de funcionamento, servia também para evitar a presença de menores de idade nos bordéis. “Mas muitas arrumavam uma certidão fria, preenchiam e diziam que tinham 18 anos. Isso acontecia”, reconhece.
No Paraguai, do outro lado da fronteira, também havia adolescentes nas casas do bairro María Magdalena, que tinha 400 mulheres em 37 boates. “As proprietárias saíam ao interior para encontrar meninas e falavam aos pais sobre o futuro maravilhoso que elas teriam”, observa o jornalista Alcibiades González Delvalle. Ele foi à cidade de Hernandarias em 1979 para investigar a morte de uma adolescente e desvendou um esquema de corrupção envolvendo autoridades locais, o que acelerou o fim da área de prostíbulos.
A vítima seria Adriana da Silva, de 16 anos, de Medianeira, cidade paranaense a 60 km da fronteira. A morte não foi comunicada, e o corpo foi enterrado em um cemitério particular de um fazendeiro. A identidade não foi confirmada, e a investigação foi arquivada. Mas o jornalista descobriu que a esposa do juiz responsável pelo caso ia aos sábados à zona de prostíbulos para vender produtos de beleza às mulheres. “Ninguém mais podia vender, só ela. E os preços eram altos”, relata.
Assim como no Brasil, do lado paraguaio cada mulher tinha de pagar uma taxa à prefeitura para se registrar e outra mensal para trabalhar. Donos das boates pagavam todo mês para funcionar, além de um adicional ao delegado de polícia a título de “proteção especial”, que incluía o resgate das mulheres que porventura fugissem. “Ninguém podia sair”, recorda Delvalle.
As autoridades locais faturavam uma bolada com o comércio sexual de Hernandarias. O chefe do Centro de Saúde também cobrava uma quantia das mulheres a cada 15 dias, a pretexto de atendimento clínico. “Todos ganhavam, menos as meninas”, diz. O destino do que era arrecadado também nunca foi esclarecido.
A série de reportagens de Delvalle no jornal ABC Color marcou o início do declínio da zona de prostituição de Hernandarias. As casas foram sendo abandonadas, e as mulheres se espalharam por outros locais da fronteira. Algumas foram parar na zona de meretrício em Três Lagoas, em Foz do Iguaçu.
Jornal da época narra a derrocada da zona de prostituição, já no fim das obras da usina.
O fim da zona
O DECLÍNIO DA ZONA DE PROSTITUIÇÃO começou com a redução de clientes, o avanço da aids numa época em que a doença era tida como sentença de morte e o início da construção de um complexo penitenciário bem ao lado, hoje com quatro unidades. “Foi acabando, desmontando tudo”, conta Neusa, que trabalhou na boate Carinho da Noite, a última a fechar as portas, em 2018. As casas que não foram derrubadas ou queimadas hoje funcionam como moradias, oficina mecânica, marmoraria e até casa paroquial.
No canteiro de obras de Itaipu, mulheres eram exceção. A representação simbólica disso está expressa no painel de 25 metros de largura e dois de altura exposto no mirante da usina, uma homenagem aos barrageiros que ergueram a “obra do século”. Já as trabalhadoras do sexo que atendiam aos empregados de Itaipu vivem no esquecimento – a única lembrança são os filhos, já adultos, que surgiram daquelas relações.
Mas, sem elas, talvez as obras não tivessem sido as mesmas. “A prostituição foi considerada uma parte vital na construção da hidrelétrica”, diz o jornalista paraguaio Alcibiades González Delvalle. “Em uma lógica circular, os homens não poderiam trabalhar adequadamente sem relações regulares, e a hidrelétrica não poderia ser construída sem os trabalhadores da barragem”, concorda o historiador John Howard White. “Em suma, não poderia haver barragem hidrelétrica sem as profissionais do sexo”.
Delvalle descreve a hipocrisia e o descaso do alto escalão da Itaipu à época em relação a essas mulheres. A binacional planejou e construiu projetos habitacionais para seus trabalhadores, com educação, saúde, recreação, treinamentos. Os empregados, por sua vez, usufruíam da prostituição. “Itaipu não teve um papel direto, mas, sim, o ímpeto emanado de seus trabalhadores e como consequência indireta de suas atividades”, complementa White.
Para Delvalle, Itaipu e as subcontratadas deveriam ter reconhecido as prostitutas como uma categoria legítima de trabalhadoras, com os mesmos benefícios concedidos aos trabalhadores da barragem. Sugere ainda que o acompanhamento médico dessas mulheres deveria ter sido feito nos hospitais e clínicas operados por Itaipu, para evitar a exploração pelas autoridades de saúde.
Quarenta anos depois, Dalvalle lembra com certo desalento a confirmação da previsão que fez durante as obras: “quando a barragem for finalmente inaugurada, ninguém encontrará nenhuma placa para comemorar ou homenagear as jovens de Hernandarias”. Segundo ele, a prostituição era vista como uma necessidade, mas apenas tolerada enquanto permanecesse escondida.
Registro de uma das crianças em Três Lagoas. Não se sabe, ao certo, quantas foram fruto da prostituição; cidade, no entanto, registrou uma explosão no número de nascimentos na época das obras. Foto Jean Pavão para o Intercept Brasil
A FAMÍLIA DE JÚLIA DOS SANTOS foi impactada pela instalação dos prostíbulos no bairro Três Lagoas, ao lado da área rural onde ela nasceu e se criou. Da janela de casa, a menina via tudo acontecer.
“Na época não existia preservativo, então era muita criança”, conta Júlia. Apesar do zelo ao fichar e recolher as taxas das trabalhadoras do sexo, o estado era menos eficiente ao garantir métodos contraceptivos para elas. É difícil precisar o número exato de crianças nascidas das relações dos barrageiros com as prostitutas. Mas, de concreto, há 12.115 nascimentos registrados sem o nome do pai em apenas duas décadas de influência direta de Itaipu na demografia de Foz do Iguaçu.
A gravidez indesejada impunha uma decisão difícil. “A gente não sabe se era aborto espontâneo ou forçado, mas tinha muito aborto”, disse Santos. As mulheres que levavam a gestação adiante davam à luz na Maternidade Iguaçu ou no Hospital São Vicente de Paula. “Muitas tinham o parto em casa mesmo [no bordel]”. O destino dos bebês era variado. “Tinham crianças que as mães pagavam pensão para cuidar, outras davam, outras iam embora”, revela a ex-gerente de boate Dalva Pereira.
Eram tantos bebês que as famílias do entorno da zona do meretrício faziam um esforço coletivo para cuidar dos recém-nascidos. “Minha mãe chegou a acolher mais de 30 crianças, filhos das prostitutas”, lembra Júlia dos Santos. “Elas não podiam cuidar, porque tinham que trabalhar à noite, então eu me obrigava a cuidar”, confirma Maria Florinda dos Santos, hoje com 84 anos, então vizinha da zona.
Maria era a benzedeira do bairro e passou a fazer também o papel de mãezona ao acolher os filhos das trabalhadoras do sexo. Outras vizinhas fizeram o mesmo. “Não só a minha mãe, a Alice*, dona de uma boate, também criou muita criança. Tem a minha comadre Tereza também, que criou essas crianças”, lembra Santos. Alice, cujo nome real não será divulgado, foi proprietária da boate Carinho da Noite, uma das mais badaladas da fronteira, que só encerrou as atividades em 2018.
Maria Florinda dos Santos (à esquerda) chegou a acolher mais de 30 crianças que orbitavam os arredores de sua casa, vizinha da zona. Sua filha, Júlia (à direita) observava tudo. Foto Jean Pavão para o Intercept Brasil
Os donos de bordéis costumavam dispensar a mulher que engravidasse ou exigiam o aborto. Alice fazia diferente. Mantinha a garota na boate durante a gestação como faxineira ou cozinheira e assumia a responsabilidade de criar o recém-nascido. Montou uma casa num bairro a cinco quilômetros de distância, o Parque Imperatriz, para acolher essas crianças e destacou uma de suas funcionárias para cuidar. Ao todo, afirma que adotou 44 crianças – oito delas registradas em seu nome.
Por duas vezes, Alice se recusou a receber o Intercept na porta de sua casa, onde funcionava a boate. Neusa, a “segunda mãe”, a funcionária que trocou as fraldas e cuidou das crianças, explicou a razão: preconceito e perseguição. Também receosa, Neusa relutou a entrar no assunto e falou em meias palavras. Não foi fácil adaptar-se à vizinhança tendo a um só tempo até 38 filhos de prostitutas na mesma casa. Todo o peso da discriminação recaía sobre eles a ponto de quase ir parar na televisão. Eram meados dos anos 1990, Neusa não soube precisar o ano, quando um juiz bateu à porta, acompanhado de um cinegrafista e de um repórter.
Vizinhos haviam feito denúncia de maus-tratos. Mas, depois da vistoria e dos esclarecimentos, o juiz foi só elogios, segundo relato da cuidadora. As mais de 40 crianças cresceram com o estigma pelo modo como foram concebidas e pelo perfil socialmente negativo de quem as gerou. Incontáveis vezes, Neusa teve de ir à escola socorrer um dos seus, vítima de intolerância.
“Só porque é filho de prostituta não tem direito de viver?”, questiona. Não é sem motivo que Alice prefere o silêncio. Evita abrir as feridas do preconceito agora que os filhos são adultos. Prefere preservá-los, pois entre eles, diz Neusa, há servidor público graduado, chefe de cozinha, empresário, garçom e professora. “Todos estão encaminhados, nenhum virou bandido”, orgulha-se.
Segundo ela, havia homens cientes da gravidez. “Muitos até ajudaram essas meninas, muitos não quiseram ajudar nem conhecer. Quanta criança que tem nesse mundo que não sabe quem é o pai e às vezes pode tá conversando com ele? Quantas mães às vezes estão do lado do filho e não sabe por que ela doou o filho?”, questiona. Dá para imaginar quantas? “Ah, foram muitas. Muitas nasceram, muitas morreram, muitas foram abortadas. Era a lei da época. Porque, para a boate, a mulher tem que ser bonita, e a gravidez não deixa a mulher bonita”. (Continua)
Apesar de o estado e a empresa negarem, a prostituição era encarada como necessidade para o bom andamento das obras – um canteiro majoritariamente composto de homens solteiros. Foto Jean Pavão para o Intercept Brasil
ITAIPU SE RECUSAVA a assumir alguma responsabilidade ou discutir abertamente a zona de prostituição – ainda que a mudança no local das boates tenha ocorrido para atender aos seus interesses. E continua assim mesmo passados 45 anos. “Não temos registros de atuação da Itaipu para a remoção ou realocação de casas de prostituição em Foz do Iguaçu”, informou a empresa ao Intercept, por meio de e-mail.
Mas pesquisadores dizem outra coisa. “As autoridades da empresa e da cidade entenderam a necessidade de uma zona de tolerância que fosse suficientemente afastada do centro da cidade, facilmente acessível pela rodovia e ampla o suficiente para conter o número de casas necessárias para atender os milhares de trabalhadores da barragem que chegariam à fronteira”, diz John Howard White na sua tese de doutorado em filosofia da história pela Universidade do Novo México, dos EUA, sobre gênero e trabalho na fronteira entre Brasil e Paraguai.
“Os guardas de Itaipu controlavam os bordéis para que não acontecessem brigas e para que os trabalhadores não se embebedassem ao ponto de que quando voltassem ao trabalho pudessem sofrer ou ocasionar algum acidente”, salienta a geógrafa Patrícia Claudia Sotuyo no seu mestrado.
A zona de prostituição também era monitorada de perto pelo estado. Todas as trabalhadoras do sexo de Três Lagoas eram fichadas na Polícia Civil do Paraná. Eram cerca de 700 – mas, até o final da obra, esse número somou 10 mil.
O estado exercia controle sobre o corpo dessas mulheres ao emitir a “carteira de dançarina”, com foto e dados pessoais na frente e carimbos das visitas médicas no verso. Cabia à Polícia Civil, por meio do Fundo Especial de Reequipamento Policial, o Funrespol, o trabalho de fiscalizar os exames médicos das mulheres e cobrar as taxas de alvará das boates.
A prostituição em si não é proibida no Brasil, mas o Código Penal, de 1940, considera crime “tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente de seus lucros ou fazendo-se sustentar, no todo ou em parte, por quem a exerça”. A pena prevista é de reclusão de um a quatro anos, e multa.
“As mulheres, para trabalhar, tinham que trazer um documento na delegacia, e a gente fazia a carteirinha de bailarina, com o nome original e o nome fantasia”, disse o policial aposentado Genésio Aparecido da Silva, chefe do Funrespol entre 1978 e 1986. “Todos os meses você anotava. Se uma desse furo, você falava ‘olha, cadê o exame do mês passado?’. Então era bem cobrado, a exigência tinha que ser cumprida”.
Cada boate recolhia uma taxa mensal ao Funrespol, convertida depois em equipamentos para as forças policiais. Mesmo considerado marginal, o trabalho das prostitutas era revertido para a compra de armas, munições e viaturas que serviam aos órgãos estatais de repressão.
Havia uma escala para receber os donos das boates. “Os proprietários sabiam que pagavam um alvará de funcionamento, e a gente já avisava que as mulheres tinham que ir lá no Funrespol fazer a carteirinha”, lembra Genésio. No início do mês, os policiais faziam uma ronda pela cidade para cobrar as taxas. “Você fazia uma vistoria e chamava a proprietária ou o proprietário. Tinha que levar os documentos, senão podia fechar o estabelecimento”.
“Eles vinham fazer vistoria, boate por boate, mulher por mulher”, conta Dalva Alves Pereira, 63 anos, ex-gerente de boates que hoje mora com o marido em um conjugado de quarto e sala no bairro. “Nós fazíamos exame no ginecologista para ver se não tinha doenças venéreas. Nós pagávamos, fazíamos no posto [de saúde] e particular. Às vezes eles vinham colher aqui [o sangue]”, diz. “Para poder pagar o alvará tinha que levar o exame na delegacia. Todo mês tinha que levar os exames das mulheres, todas, na delegacia”.
Os militares tomaram o poder à força em 1964 não só com o objetivo de eliminar as esquerdas. Havia o pretenso projeto de um “Brasil Grande”, apoiado em obras colossais e numa sociedade de princípios morais, cristãos e conservadores, pontua o antropólogo José Miguel Nieto Olivar. No livro “Devir puta”, resultado do seu doutorado, ele constata que o estado foi complacente com prisões, torturas e mortes de prostitutas.
Mas, em Itaipu, os militares preferiram usar a prostituição ao seu favor. A equipe da delegacia de Foz do Iguaçu enviava relatórios mensais de arrecadação ao comando da Polícia Civil, em Curitiba. Não há registros de quanto dinheiro a prostituição vigiada em Três Lagoas rendeu à ditadura militar. (Continua)
A prostituição no bairro entrou em decadência com o fim das obras e o avanço da aids. Os antigos bordéis hoje funcionam como residências, mercearia, oficina mecânica, marmoraria e até uma casa paroquial. Foto: Jean Pavão para o Intercept Brasil
(Continuação) - Os efeitos persistiram mesmo após a conclusão de Itaipu, pois um grande contingente de barrageiros, como eram chamados os trabalhadores da barragem da usina, permaneceu em Foz, inclusive milhares de migrantes que nem chegaram a trabalhar na obra. Ao fim dos trabalhos, o cartório registrou 7.605 nascidos vivos e 96 natimortos sem a paternidade reconhecida entre 1985 e 1994.
O Intercept foi até o bairro de Três Lagoas para ir atrás dos “filhos de Itaipu”, uma legião de crianças nascidas de encontros furtivos com prostitutas. Na época, centenas de mulheres – às vezes milhares – trabalhavam na zona com a anuência da ditadura militar. E, sem saber, com o dinheiro da venda de seus corpos, ajudavam a financiar armas e munições para os braços armados do estado. Seus filhos são uma das poucas lembranças da época em que a ditadura lucrou com prostituição.
Três dias de fervo
O BAIRRO TRÊS LAGOAS concentrou o maior número de prostíbulos da fronteira no auge das obras de Itaipu. “Tinha umas 25 casas grandes, fora os botecos. Dava umas 30, 35, entre tudo”, diz Dalva Alves Pereira, 63 anos, de codinome Regina quando gerenciou boates no lugar. O número de mulheres variava conforme o tamanho da casa. “Chegou a ter mais de 700, porque tinham as que moravam e as que vinham de fora fazer ponto. Ficavam uma semana, duas, um mês, dois. Tinha mais de 700, 800, contando tudo”.
Poucas casas eram de alvenaria e tinham piscina, um atrativo de luxo para seduzir a clientela. A maioria era de madeira, onde a sala de estar servia de pista de dança, ligada a um corredor que dava para os quartos. Era o lugar mais movimentado da fronteira, de dia e de noite, daí o apelido de “Paraíso da prostituição” dado pela imprensa local.
A empresa deu prioridade à contratação de solteiros, porque os dormitórios coletivos ficavam no interior do canteiro de obras. “Foram 12 mil empregados solteiros sob a responsabilidade da Unicon, empresa responsável pela administração e distribuição dos barrageiros nos alojamentos”, aponta a geógrafa Patrícia Claudia Sotuyo em seu mestrado sobre segregação urbana em Foz do Iguaçu no período da construção da usina.
Dalva Alves Pereira era conhecida como ‘Regina’ quando gerenciava boates. Foto: Jean Pavão para o Intercept Brasil
Os barrageiros passavam a semana batendo laje e nos dias de folga iam aos bordéis para aliviar as tensões de um extenuante trabalho controlado com rigor militar. “Existia um interesse por parte da empresa em que os funcionários fossem extravasar suas angústias, neuroses, desejos, na zona do meretrício”, afirma o historiador Luiz Eduardo Catta no seu mestrado sobre o cotidiano na fronteira durante a construção da usina. Estima-se que, ao longo dos 10 anos das obras, ao menos 10 mil mulheres trabalharam nas mais de 30 casas de prostituição de Três Lagoas.
Os dias de pagamento na obra ocasionavam preparativos frenéticos nos bordéis, prevendo a chegada de ônibus e carros com os barrageiros. Itaipu pagava o salário em dinheiro, em um envelope com as cédulas. Parte disso ia parar na zona ou nos bailinhos espalhados pela cidade. “Os caras desciam daquele caminhão com o dinheiro na mão. Aí tomava [bebia] um pouco, ia botar no bolso e tinha um punga que levava o dinheiro. Era uma loucura”, recorda o policial aposentado Genésio Aparecido da Silva, que prendeu muitos barrageiros metidos em confusão na zona. “Era bem agitado nos dias de pagamento”.
O ex-barrageiro João Carlos Chaves reservava parte do salário para se divertir nos bordéis de Três Lagoas. “Na metade do mês, eu ia para lá e não queria nem saber. A farra era boa”, lembra. “Passava a noite lá e às vezes nem vinha no domingo”, disse, às gargalhadas. “Às vezes vinha na segunda”. (Continua)
JOÃO BATISTA E MARIA FLORINDA DOS SANTOS saíram do interior do Rio Grande do Sul e chegaram em Foz do Iguaçu em 1969 com um filho no colo e outro na mão. Compraram um alqueire de terra no bucólico bairro Três Lagoas para plantar hortaliças e criar porcos e galinhas. De repente, se viram rodeados de bordéis naquele que seria o maior centro de diversão adulta da tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina.
A nova zona de prostituição foi instalada a 400 metros de um ponto de ônibus na margem sul da BR-277. Era um efeito colateral da mega obra da usina hidrelétrica de Itaipu, usada pelos generais como símbolo do “milagre econômico”. A antiga zona da cidade havia sido removida pelos militares para dar lugar a um conjunto de casas para os operários, e os bordéis foram realocados para o pacato bairro rural, na época ocupado por produtores de milho. No pico das obras, Itaipu contava 40 mil empregados – 12 mil deles solteiros.
João e Maria estavam na margem sul da rodovia. João tinha oito filhos do primeiro casamento e nove com Maria. Mas, segundo Júlia, filha do casal, ele teria mais quatro com garotas de programa das boates – nenhum deles reconhecidos pelo pai. “É o que a gente sabe, pode ser mais”, admite Júlia, que tinha cinco anos quando a zona começou a se instalar. A família viveria um estranho paradoxo. De um lado, João tinha filhos com as trabalhadoras do sexo; de outro, Maria acolhia e cuidava dos filhos das garotas de programa que trabalhavam na zona.
Um levantamento inédito feito pelo Intercept (Mauri König) mostra que a história de João e Maria não é a única. As obras de Itaipu fizeram a população de Foz do Iguaçu explodir: subiu de 35 mil em 1975 para 140 mil habitantes em 1984, datas do início das obras e do início das operações da usina. No mesmo período, cresceu também o nascimento de crianças sem o nome do pai no registro. Naquela década, o cartório de registro civil de Foz do Iguaçu anotou o nascimento de 4.280 crianças vivas e 134 natimortas sem paternidade definida – números pelo menos cinco vezes maior do que na década anterior às obras da usina hidrelétrica. (Continua)
Sara, na noite de sábado, atacou o Palácio da Justiça; na manhã do domingo, imitando Bolsonaro, fez comício na porta do Forte Apache, sob a proteção de Abraham Weintraub, ministro da Educação, que voltou a chamar os ministros do STF de "vagabundos"; e foi presa hoje
Filme “300”, que inspira acampamento bolsonarista também é referência para grupos racistas e neonazistas; como os europeus, o grupo brasileiro apela à desobediência civil e à violência
* Movimento Identitário europeu elegeu “300” como símbolo de sua luta contra refugiados * Ideal de sacrifício pela pátria e resistência violenta “contra invasores” também aparece no discurso do grupo brasileiro * “O que preocupa é o caráter paramilitar” do movimento, diz socióloga
por Andrea DiP, e Niklas Franzen/ Agência Pública
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“Olá, nós somos os 300 do Brasil, o maior acampamento contra a corrupção e a esquerda do mundo” diz, de maneira nada modesta, Sara Fernanda Giromini, mais conhecida como Sara Winter. No vídeo, ela convoca “pessoas que tenham a coragem de doar ao Brasil sangue, suor e sono” a fazer parte de seu movimento de extrema direita bolsonarista que, desde o começo de maio, está acampado nos arredores da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Ontem, Sara também teve o celular e o computador apreendidos pela operação da Polícia Federal relacionada ao inquérito das Fake News que é conduzido pelo STF. Em resposta, fez vários vídeos e posts no Twitter desafiando e xingando o ministro Alexandre de Moraes, que conduz o inquérito, e ainda fez ameaças: “A gente vai infernizar a tua vida. A gente vai descobrir os lugares que você frequenta. A gente vai descobrir as empregadas domésticas que trabalham pro senhor. A gente vai descobrir tudo da sua vida. Até o senhor pedir pra sair. Hoje, o senhor tomou a pior decisão da vida do senhor”. Nas redes sociais, o comentário era de que ela fez isso com a intenção de ser presa para se tornar um mártir ou candidata – ou os dois.
O “maior acampamento do mundo” também tem recebido atenção nos últimos dias; menos por seu tamanho – não passa de algumas barraquinhas espalhadas pelo gramado – e mais pelas declarações e ações de sua fundadora. Ainda no começo de maio, Sara admitiu em entrevista à BBC News a presença de armas no acampamento “para a proteção dos próprios membros”. O Ministério Público do Distrito Federal chegou a mover uma ação civil pública pedindo que o acampamento fosse desmontado, que houvesse uma revista para busca e apreensão de armas e que o grupo fosse proibido de atuar. O pedido, porém, foi negado pelo juiz Paulo Afonso Carmona da 7ª Vara da Fazenda Pública do DF. O acampamento também é alvo de uma investigação pela PGR: deputados do Psol pediram a abertura de um inquérito para investigar a atuação de Sara Winter em uma “formação de milícia” e o Supremo Tribunal Federal autorizou a abertura do procedimento para apurar quem seriam os financiadores do movimento. A existência de um suposto quartel-general do grupo em uma chácara, com estrutura militar, também está sob investigação.
Apoiadores do movimento de extrema-direita estão acampados na Esplanada dos Ministérios
O nome do grupo de Sara Winter, “300 do Brasil”, assim como algumas imagens e o uso do grito “Ahu” durante manifestações, são inspirados pelo filme 300, do diretor Zack Synder, de 2006, que por sua vez se baseia nos quadrinhos de Frank Miller e Lynn Varley de 1998. O filme mostra a luta heróica de um exército de 300 espartanos, liderado pelo Rei Leónidas, contra um exército de 30 mil soldados persas liderado pelo “deus-rei” Xerxes I da Pérsia querendo invadir Esparta.
Apesar de ter se tornado um grande sucesso, o filme americano também foi fortemente criticado pela violência explícita e por ter uma estética fascista. Os soldados espartanos são musculosos, hiper masculinizados, fortes e apresentados como bons e honrosos. Enquanto isso, Xerxes é afeminado e andrógino e seus soldados são mostrados como ferozes invasores. Na Alemanha, chegou a ser comparado aos filmes da diretora nazista Leni Riefenstahl.
Em entrevista à reportagem, a co-fundadora dos “300 do Brasil”, Desire Queiroz, explica o que motivou a referência ao filme: “A gente teve a ideia justamente pela luta. Isso mostra que nós somos poucas pessoas que podem vencer muitas pessoas". Ela conta que o grupo começou com 10 pessoas mas que apesar disso é forte e pode “lutar e vencer”. E nega que movimentos da extrema direita europeia tenham sido uma influência para a criação do grupo. Procurada, Sara Winter não respondeu os pedidos de entrevista.
“Europeus verdadeiros” contra “Invasores”
Na Europa, movimentos de extrema direita fazem frequentemente referência ao filme 300 e à Batalha das Termópilas. Mas para a direita europeia, o filme e o combate heróico dos espartanos contra persas representam a atual luta dos “europeus verdadeiros” contra os “invasores” refugiados.
O caso mais famoso é o do chamado “Movimento Identitário”, que começou na França, mas existe hoje em vários países do continente europeu. Com uma crítica pesada a uma suposta “islamização da Europa” e uma comunicação ofensiva, o grupo usa o “etno pluralismo”, principal conceito da nova direita, para dizer que sociedades devem ser “culturalmente puras” e que cada povo tem seu habitat. O número de membros do Movimento Identitário é bastante baixo e eles também tentam compensar isso com ações espetaculares que geram grande atenção na mídia, como ocupações, acampamentos e performances em lugares públicos.
Segundo a pesquisadora e jornalista alemã Carina Book, o filme 300 virou referência para movimentos de extrema direita por vários motivos. A Batalha das Termópilas representa a luta do Ocidente contra o Oriente e o rei Leônidas ordena que seu exército enfrente a morte para salvar a população de uma invasão do Oriente Médio. “Esse discurso de fazer um sacrifício pela nação e resistência violenta contra ‘invasores’ frequentemente acha-se no discurso do Movimento Identitário” explica Carina, que estuda o movimento há muitos anos e publicou alguns livros sobre a nova direita europeia. O uso do discurso do sacrifício, e do “sangue e suor” pela pátria também é muito frequente por parte dos integrantes do “300 do Brasil”. No vídeo de convocação diz: “buscamos pessoas que tenham a coragem de doar ao Brasil sangue, suor e sono, que estejam dispostas a abrir mão de sua comodidade e dedicar-se integralmente às ações coordenadas, inclusive tendo em mente a possibilidade de ser detido (…) Se você está disposto a passar frio, ficar no sol, tomar chuva, e a fazer parte dessa página na história do Brasil, VENHA!”. No Twitter, mensagens como “O soldado que vai a guerra e tem medo de morrer é um covarde” também são fartamente encontradas.
O grito de guerra “Ahu” dos soldados espartanos, usado pelos “300 do Brasil”, também é usado nas manifestações do Movimento Identitário. Se, em maio deste ano, Sara tuitou “ATENÇÃO BRASÍLIA! DESÇAM AGORA PRA PRAÇA DOS 3 PODERES! A ESQUERDA QUER OCUPAR A PRAÇA. OS 300 DO BRASIL VÃO TOMAR CAFÉ DA MANHÃ VERMELHO HOJE! AHU AHU AHU”, em 2016 durante um ato em Berlim, capital da Alemanha, Martin Sellner, um dos líderes do Movimento Identitário, falou: “Hoje estamos aqui com 300 pessoas. 300 é um número que nós identitários gostamos”. E puxou o Ahu entre os integrantes do grupo, como mostra esse vídeo.
Mas não é só o Movimento Identitário que gosta de se comparar aos espartanos. Em vários protestos e shows, neonazistas fazem referência ao filme e aos espartanos como mostra a revista antifascista e investigativa alemã Das Versteckspiel. No site da marca de moda neonazista Asgar Aryan, segundo a reportagem, há inclusive um moletom com a imagem de um soldado espartano.
As referências à Grécia usadas pela extrema direita são antigas. No dia 30 de janeiro de 1943, quando a derrota dos nazistas na batalha de Stalingrado já era certa, o Ministro da Aviação da Alemanha Hermann Göring fez um discurso comparando a situação dos soldados nazistas com a Batalha das Termópilas, legitimando ideologicamente a batalha. E uma unidade especial da Luftwaffe, força aérea nazista, ficou famosa por voar em missões suicidas contra os Soviéticos e foi chamada de Esquadrão Leónidas.
Convidada a assistir os vídeos do “300 do Brasil”, Carina Book diz que encontra semelhanças com os movimentos de extrema direita europeus. “A estética do vídeo inicial dos ‘300 do Brasil’ lembra muito a dos vídeos do Movimento Identitário. As semelhanças podem ser vistas no vídeo ‘Declaração de guerra’ publicado em 2012 na França, que alerta sobre os supostos danos da migração para a Europa”. Semelhanças também podem ser vistas neste vídeo do Movimento Identitário da Alemanha.
O apelo à “desobediência civil”, o uso de palavras como “revolução” ou performances com uma caixão em frente do Congresso também lembram o discurso e as ações “metapolíticas” da extrema direita europeia, diz a pesquisadora. O caráter paramilitar do movimento chama a atenção. Os militantes chamam-se de “soldados” e falam de uma “guerra”. Frequentemente os integrantes fazem saudações militares, prometem treinamentos e reivindicam uma disciplina rígida.
“Ucranizar” o Brasil
Em algumas ocasiões Sara Winter declarou que recebeu treinamento na Ucrânia e que queria “ucranizar” o Brasil, uma afirmativa difícil de compreender. O chamado “Euromaidan” foi uma série de protestos que aconteceram na Ucrânia em 2014 quando o governo, por pressão do governo russo, anunciou que não iria assinar um acordo de associação com a União Europeia. Mas, logo depois, as manifestações passaram a incluir bandeiras contra a corrupção e o abuso de poder, também com o apoio de grupos neonazistas. Os protestos foram violentamente reprimidos, mas o presidente Víktor Yanukóvytch acabou sendo deposto e fugiu do país.
“Em 2013 e 2014 aconteceu um levantamento contra uma elite corrupta. É possível que ela se refira a isso com sua fala de ‘ucranizar”, diz Andreas Umland, cientista político que vive em Kiev, na Ucrânia . Mas também é possível, devido ao discurso bélico dos “300 do Brasil”, que Sara Winter se refira à guerra quando diz “ucranizar”. Após a expulsão do presidente, as forças armadas russas apoiadas por militantes pró-russos invadiram a península da Crimeia e começaram uma guerra no leste da Ucrânia, nas regiões Donesk e Luhansk, que dura até hoje. Além dos exércitos dos dois países, lutaram milícias pró-russas e, do outro lado, grupos paramilitares voluntários da Ucrânia. O caso mais famoso é o do Batalhão Azov, que, apesar de ser acusado de ser um grupo neonazista, foi incorporado na reserva das Forças Armadas ucranianas e hoje está subordinado ao Ministério do Interior daquele país. Segundo o pesquisador Umland, vários voluntários estrangeiros estavam nos batalhões. “Algumas pessoas vieram pra cá por motivos ideológicos, principalmente neonazistas. Outros viram na busca de uma aventura”.
Nos treinamentos promovidos por Sara, são proibidos fotos e vídeos e é exigido roupa adequada para um treinamento físico de combate. Em um vídeo ela diz: “Muita gente achando que aqui é colônia de férias, achando que vai chegar aqui ficar de perna pra cima fazendo live, fazendo selfie. Se você quiser vir pra isso, não venha, não coloque teu nome na lista, não faça caravana. Aqui é treinamento. A gente exige treinamento, disciplina, ordem, patriotismo”. Ela diz que, além dos treinamentos “com especialistas em revolução não violenta, táticas de guerra de informação”, há “palestras sobre a atual situação política, econômica e social do Brasil”. Através de uma vaquinha virtual, o grupo arrecadou mais de 60 mil reais para financiar os encontros que estão acontecendo em meio à pandemia de coronavírus, que já matou mais de 25 mil pessoas no Brasil. O grupo obviamente se opõe às medidas de isolamento, seguindo as determinações de seu líder maior Bolsonaro.
Em entrevista à reportagem, a socióloga Sabrina Fernandes diz: “O que preocupa em relação aos 300 é seu possível caráter paramilitar, especialmente se consideramos a relação do bolsonarismo com milícias e as próprias Forças Armadas. O risco é de que esse grupo consiga inflamar com mais intensidade essa base leal bolsonarista, o que pode levar a um acirramento do conflito e a uma aplicação prática do ideário fascista que já compõe a estrutura ideológica do bolsonarismo.”
No grupo oficial dos “300 do Brasil” no Telegram está descrito: “Junte-se a nós. Seja parte do exército que vai exterminar a esquerda e a corrupção.” Desire Queiroz defende o uso dessas palavras. “Isso faz parte do discurso, temos o direito de nos expressar. Queremos exterminar a esquerda com argumentos.” Ela argumenta também que todas as ações dos “300 do Brasil” são não-violentas, que o grupo defende a democracia e nega que se trata de um movimento fascista. Porém Sabrina Fernandes lembra: “Ao contrário dos comunistas que se afirmam comunistas, é estratégico para fascistas negarem serem fascistas dependendo do contexto. Uma vez que eles se declaram abertamente fascistas, isso legitima ações, organizações e frentes antifascistas. O conceito de democracia é esvaziado há tempos e para eles constitui uma noção bastante particular do que é o povo brasileiro, representada pela ideia do ‘cidadão de bem’. Nessa concepção, a democracia é um espaço de poder para este tipo de cidadão, o que evoca um ideário nacionalista específico também que pode ser associado a um programa fascista.”
Na esteira das semelhanças estéticas, a pesquisadora Carina Book chama a atenção para uma foto do “300 do Brasil” em que Sara Winter aparece com outros militantes, usando uma máscara de caveira. A máscara, que também é vendida no Brasil, é muito popular na Europa e nos Estados Unidos entre neonazistas. “A máscara de caveira virou uma estética universal fascista”, escreve o jornalista Jake Hanrahan no Twitter. A rede terrorista neonazista Atomwaffen Division usa exatamente a mesma máscara em seus vídeos de propaganda.Organização neonazista Atomwaffen Division. De acordo com pesquisadores, há semelhanças entre o movimento liderado por Sara Winter e grupos fascistas europeusDe acordo com pesquisadores, há semelhanças entre o movimento liderado por Sara Winter e grupos fascistas europeus
Uma trajetória de muitas coincidências
Sara Fernanda Giromini sempre negou publicamente qualquer relação com grupos neonazistas e fascistas mas sua trajetória, assim como a de seu novo grupo, é cheia de coincidências com esses movimentos. Natural de São Carlos, cidade do interior de São Paulo, Sara aderiu ao codinome Winter quando fundou célula do movimento ucraniano Femen no Brasil em 2012. O nome, Sara Winter, é homônimo ao de uma socialite britânica que foi espiã de Hitler e membro da União Britânica de Fascistas, mas a Sara brasileira nega a relação e diz que o nome foi inspirado em uma cantora. O Femen em si é um movimento polêmico, adepto do “sextremismo”, que visa chamar a atenção da mídia e da sociedade para alguns temas com mulheres protestando seminuas. Sara ganhou muita atenção da mídia na época porém sua atuação sempre foi vista com desconfiança por algumas vertentes do movimento feminista. Alegava-se, entre outras coisas, que era um movimento muito vertical, sem referência, com processo de seleção, além de ser difícil adaptar as pautas da Ucrânia no Brasil, já que são países com realidades tão diferentes e complexas.
Sara Winter fundou o movimento Femen no Brasil
Em entrevista ao site Opera Mundi em 2012, Bruna Themis, ex-integrante do Femen Brasil e parceira de Sara, contou porque decidiu deixar a organização em poucos meses. Entre os motivos ela destacou a falta de propostas e embasamento teórico: “O Femen não tem proposta, isso eu posso afirmar. Elas não gostam nem de ler as críticas nos jornais ao movimento. Eu sempre lia e queria saber o porquê de falarem isso ou aquilo. Quando fui detida, uma das meninas me empurrou porque queria aparecer na câmera. É engraçado e triste. (…) O Femen não é um movimento feminista. Ninguém lá sabe o que é feminismo. Eu sugeri que a gente buscasse vínculos com outros coletivos ou outros grupos feministas, mas a Sara recusou”.
Bruna também contou que as diretrizes vindas da matriz ucraniana era a de que apenas mulheres dentro do padrão de beleza estabelecido por elas pudessem participar e que a célula brasileira teria sido criticada por colocar “meninas gordinhas nos protestos”. Por fim, disse que saiu porque Sara Winter era autoritária e simpática ao nazismo: “A Sara disse que admira Hitler como pessoa, que ele foi um bom marido, que amava os animais, mas que não admira o Hitler público”, afirmou.
Na entrevista ao Opera Mundi, outra informação chama a atenção. Bruna comenta que o Femen da Ucrânia pouco sabia sobre a célula brasileira e vice-versa e que Sara havia ido a Kiev por sua própria conta. Mas no filme “A Vida de Sara”, um documentário biográfico produzido pela plataforma Lumine, apelidada de “Netflix conservadora”, Sara Winter diz que a organização mandou dinheiro para que ela fosse para a Ucrânia passar por um treinamento. Financiada ou não pela organização, Sara conta que passou por um treinamento “muito hardcore”, quase “um exército”. Recentemente ela voltou a dizer nas redes sociais que passou por treinamento na Ucrânia e que iria replicá-lo no Brasil. Procurado, o Femen Ucrânia disse que responderia a entrevista porém até o fechamento da reportagem não houve resposta. Vale lembrar que a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), que hoje processa Sara Winter por calúnia e difamação, também participou de um protesto do Femen em 2012, como mostra este vídeo.
A deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP, à direita), em manifestação do grupo Femen, em São Paulo, no dia 29 de dezembro de 2012
O filme foi produzido Matheus Bazzo, que exerceu a mesma função no documentário sobre a vida e a obra de Olavo de Carvalho, “O Jardim das Aflições”. Matheus também é um dos fundadores da plataforma conservadora, que se propõe a trazer séries e programas “para quem entende a importância da verdade, da beleza e da bondade nas produções artísticas” segundo o site Estudos Nacionais. No filme de Sara não há qualquer menção a patrocinadores. No entanto, logo nas primeiras cenas, a militante aparece passeando com seu filho em uma loja da Havan e em certo momento, ele toca o sino da loja, evidenciando o logotipo ao fundo.
Em 2013, a organização ucraniana desligou Sara e declarou publicamente que não tinha mais representantes no Brasil. “Gostaria de dizer algo que imagino seja novo para vocês. Não temos mais Femen Brasil. A pessoa que nos representava, Sara Winter, e que tem sua própria conta no Facebook, o Femen Brasil, não faz parte do nosso grupo. Tivemos muitos problemas com ela. Ela não está pronta para ser líder. É uma pena, mas essa decisão faz parte do nosso crescimento como movimento honesto. O Femen Brasil não nos representa”, disse na época ao jornal Zero Hora uma das fundadoras do movimento original, a ucraniana Alexandra Shevchenko.
Diretor documentário “A Vida de Sara” também produziu documentário sobre Olavo de Carvalho
No filme, Sara conta que que já se prostituiu e dá detalhes de um terrível estupro que teria sofrido. Também aparece atirando e manipulando armas de fogo, cuidando do filho, fala sobre um aborto que teria realizado e sobre como tudo isso a levou a se tornar uma “anti-feminista” católica. Mas ela já tinha uma trajetória controversa antes disso. Em sua página no Facebook, na mesma época em que fazia protestos pelo Femen, ela dizia que admirava Plínio Salgado, o movimento skinhead e algumas personalidades conservadoras, como Ronald Reagan. Antes ainda, entrevistava bandas neonazistas e aparecia em fotos de shows dessas bandas. Além disso, tinha uma tatuagem no ombro de uma cruz de ferro, símbolo germânico que se tornou popular durante o regime nazista e era a principal condecoração de guerra. Sara diz que a tatuagem é uma homenagem aos “cavaleiros templários da idade média”, mas a pesquisadora alemã Carina Book confirma que é a cruz de ferro.
A partir de 2015, Sara passa a se declarar publicamente uma militante conservadora de direita, anti-feminista, anti-aborto, pró-vida e religiosa. Em 2016, aparece em um vídeo ao lado de Bolsonaro se dizendo “curada” do feminismo. No mesmo ano, se acorrentou no Largo da Carioca no Rio de Janeiro, dizendo que faria greve de fome contra a decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerar legal um caso de aborto até os três meses de gravidez. O ato virou piada nas redes sociais por ter durado poucas horas.
E se hoje ela diz que quer derrubar o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM/RJ), em 2018 foi candidata a deputada federal por seu partido mas não conseguiu votos suficientes.
Sara Winter é apoiadora do governo Bolsonaro
Como militante conservadora de extrema direita, Sara coleciona no currículo um “Congresso Anti-Feminista”, fotos com fetos de borracha e palestras dadas em igrejas pelo Brasil. O grupo dos “300 do Brasil”, segundo ela, foi uma ideia de Olavo de Carvalho, a quem tem como guru. Entre os entusiastas do “300 do Brasil”, estão a deputada Bia Kicis (sem partido), o jornalista do Terça Livre Allan dos Santos – ambos investigados no inquérito das Fake News – e seu (autodeclarado) ex-psiquiatra, Ítalo Marsilli, que também é discípulo de Olavo de Carvalho e já declarou em um de seus vídeos que mulheres não deveriam votar pois são fáceis de seduzir: “Na democracia grega, a única do mundo que funcionou, não estava previsto o voto feminino. Quando o voto passa ser pleno, ou seja, mulheres e todo mundo pode votar, a gente vê que tem uma crise na regência do Estado. É muito fácil você convencer mulher de votar, é só você seduzi-la”.
A vida de Sara Winter, 27 anos, é cheia de mudanças radicais, que acontecem repentinamente e com muitas coincidências. Como ocorreu nesta manhã quando, antecipando que poderia ser presa por ter ameaçado o ministro Alexandre de Moraes, Sara Winter publicou uma hashtag pedindo sua libertação: #SaraLivre.
Família brasileira é presa por comandar império de prostituição e drogas em Londres. Na internet eles colecionavam elogios por ostentar Rolls Royce, Ferrari e Lamborghini. E criticavam a corrupção no Brasil com postagens antipetistas e lavajatistas. “Os corruptos piram”, diziam
A BCC deu matéria sobre uma gangue familiar presa em Londres por comandar uma ‘império’ que compreendia bordéis, prostituição e drogas.
Nas redes sociais eles colecionavam elogios de parentes, amigos e curiosos por ostentar com jetskis, um Rolls Royce, uma Ferrari e uma Lamborghini.
Numa das cidades mais caras do mundo, criticavam a corrupção no Brasil com postagens antipetistas e lavajatistas. “Os corruptos piram”, diziam.
O que a BBC não fala é quem era o ídolo dos bandidos: Jair Bolsonaro, claro. No Facebook do trio, o mito é onipresente.
O casal de paulistas Flavia Xavier-Sacchi (23) e Renato Dimitrov Sacchi (43), e o irmão dele, Raul Sacchi (49), foram condenados e presos.
Flavia e Renato confessaram a culpa e pegaram 8 anos de prisão. Raul pegou 9 anos e dois meses de cana. A quadrilha empregava pelo menos outros cinco brasileiros e faturava milhões de libras por ano, segundo a Scotland Yard, que trabalhou por mais de um ano com agentes infiltrados à paisana no esquema, descrito como "uma rede sofisticada de prostíbulos, pelos quais vendiam drogas e controlavam prostitutas, gerando lucros acima de um milhão de libras" - ou mais de cinco milhões de reais - por ano.
Toda a investigação começou a partir da denúncia de uma jovem brasileira, que procurou a polícia em abril de 2017. A mulher, cuja identidade foi preservada, contou que foi forçada a trabalhar nos bordéis da quadrilha durante dois meses e que os brasileiros diziam que matariam a família dela no Brasil, caso ela tentasse deixar a prostituição. Com ajuda de autoridades britânicas, ela conseguiu fugir - a polícia, por sua vez, começou a visitar os bordéis e flagrar funcionários vendendo drogas, especialmente cocaína.
Casal Flávia-Renato Sacchi e Raul Sachi
As batidas policiais continuaram e outros quatro brasileiros - Maria Carvalho, Tony Simão, Henim Almeida e Anna Paula De Almeida Prudente - foram presos por participação no esquema.
A família Sacchi foi presa em 7 meses antes do julgamento, em fevereiro deste ano. Na casa de Renato e Flavia, a polícia encontrou £ 50 mil libras (ou mais de R$ 250 mil) em dinheiro, dois tasers e uma lata de gás de pimenta - os artefatos eram usados, junto a bastões de beisebol, na segurança dos prostíbulos.
Em aparelhos de telefone confiscados, os investigadores encontraram uma série de trocas de mensagens pelo WhatsApp em que os réus discutiam métodos de segurança e detalhes sobre a operação dos bordéis. Em um dos grupos, Raul Sacchi escreveu: "Não existe isso de garotas cansadas. Elas estão ali para trabalhar."
Em 1 de abril de 2018 escreveu Renato Sacchi: "PT a maior organização criminosa do mundo"; em 5 de setembro de 2018 confessou: Ä certeza que fiz a escolha certa só aumenta. #Eu voto Bolsonaro 17". Confira aqui