JOÃO BATISTA E MARIA FLORINDA DOS SANTOS saíram do interior do Rio Grande do Sul e chegaram em Foz do Iguaçu em 1969 com um filho no colo e outro na mão. Compraram um alqueire de terra no bucólico bairro Três Lagoas para plantar hortaliças e criar porcos e galinhas. De repente, se viram rodeados de bordéis naquele que seria o maior centro de diversão adulta da tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina.

A nova zona de prostituição foi instalada a 400 metros de um ponto de ônibus na margem sul da BR-277. Era um efeito colateral da mega obra da usina hidrelétrica de Itaipu, usada pelos generais como símbolo do “milagre econômico”. A antiga zona da cidade havia sido removida pelos militares para dar lugar a um conjunto de casas para os operários, e os bordéis foram realocados para o pacato bairro rural, na época ocupado por produtores de milho. No pico das obras, Itaipu contava 40 mil empregados – 12 mil deles solteiros.

João e Maria estavam na margem sul da rodovia. João tinha oito filhos do primeiro casamento e nove com Maria. Mas, segundo Júlia, filha do casal, ele teria mais quatro com garotas de programa das boates – nenhum deles reconhecidos pelo pai. “É o que a gente sabe, pode ser mais”, admite Júlia, que tinha cinco anos quando a zona começou a se instalar. A família viveria um estranho paradoxo. De um lado, João tinha filhos com as trabalhadoras do sexo; de outro, Maria acolhia e cuidava dos filhos das garotas de programa que trabalhavam na zona.

Um levantamento inédito feito pelo Intercept (Mauri König) mostra que a história de João e Maria não é a única. As obras de Itaipu fizeram a população de Foz do Iguaçu explodir: subiu de 35 mil em 1975 para 140 mil habitantes em 1984, datas do início das obras e do início das operações da usina. No mesmo período, cresceu também o nascimento de crianças sem o nome do pai no registro. Naquela década, o cartório de registro civil de Foz do Iguaçu anotou o nascimento de 4.280 crianças vivas e 134 natimortas sem paternidade definida – números pelo menos cinco vezes maior do que na década anterior às obras da usina hidrelétrica. (Continua)