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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

09
Jan22

Brasil-2: pandemia e caos econômico e social

Talis Andrade

Retirantes Portinari

Por Altamiro Borges

A barbárie durante a pandemia é tanta que a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19, instalada no Senado em abril do ano passado e batizada de CPI do Genocídio, indiciou Jair Bolsonaro, muitos capachos do governo e vários empresários inescrupulosos – como Luciano Hang, o “Véio da Havan”, e os sócios da Prevent Senior, onde “óbito também é alta” – por vários crimes previstos na legislação brasileira. 

O presidente da República só não sofreu impeachment porque se aliou aos políticos pragmáticos do Centrão, cedendo cargos públicos e milhões de reais em emendas parlamentares. Concluído seu triste mandato, o fascista poderá ser preso por liderar a maior mortandade da história recente do Brasil. Ele ainda deverá ser julgado no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia/Holanda, por crimes contra a humanidade. 

No cômputo geral, sua gestão na pandemia misturou incompetência gerencial, principalmente no período do general Eduardo Pazuello à frente do Ministério da Saúde; com genocídio premeditado, expresso na tese anticientífica da imunidade de rebanho via infecção; e com lucro macabro, escancarado nas tentativas de propina na compra da vacina indiana Covaxin ou na ação de planos de saúde, como a Prevent Senior e a Hapvida. 

O negacionismo teimoso do presidente-capitão – que tratou o coronavírus como “gripezinha”, “histeria da mídia” e “coisa de maricas”, que serviu de garoto-propaganda de remédios ineficazes, como a cloroquina e a ivermectina, e que agiu contra o uso de máscaras e de medidas de isolamento social – só confirmou sua postura criminosa, sua opção pela necropolítica, sua falta de empatia com o sofrido povo brasileiro. 



Desemprego, arrocho e retirada de direitos 

Além das centenas de milhares de mortos e de milhões de sequelados, o péssimo enfrentamento à pandemia da Covid-19 também resultou em efeitos econômicos e sociais ainda mais danosos ao Brasil na comparação com outras nações. 

Enquanto governantes de vários países arquivavam os dogmas neoliberais e aplicavam bilhões de dólares para reanimar suas economias, o “austericídio fiscal” do ministro Paulo Guedes levava à falência quase 600 mil empresas no período, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) de setembro último. 

No final de 2019, antes da pandemia, o país tinha 4,369 milhões de estabelecimentos; no segundo trimestre de 2021, o número despencou para 3,788 milhões – baixa de 13,3% ou 581,3 mil empresas a menos. Essa quebradeira agravou ainda mais o quadro de desemprego no país. Neste período, o número de empregados no setor privado caiu 10,1% – de 44,7 milhões para 40,2 milhões. A redução foi de 4,5 milhões de vagas. 

A tragédia social só não foi maior graças ao auxílio emergencial de R$ 600, que foi aprovado em 2020 a partir da pressão do movimento sindical e da bancada progressista no Congresso Nacional. Totalmente insensível, a equipe econômica do governo não tinha previsto qualquer benefício e, quando forçada, aceitou conceder apenas R$ 200 em três parcelas. 

A condução desastrosa do país teve efeitos destrutivos na vida dos trabalhadores. Todos os indicadores pioraram. O desemprego aberto, que já era alto antes da pandemia, explodiu e hoje vitima quase 15 milhões de brasileiros – cerca de 13% da População Economicamente Ativa (PEA). 

Na juventude, a situação é ainda mais desesperadora e sem perspectiva. Entre os jovens de 18 a 24 anos, o desemprego atingiu 27,1% em agosto último. A renda também despencou. Através de planos capengas e parciais, o governo repôs uma parcela ínfima do salário dos trabalhadores que tiveram suas jornadas reduzidas ou seus contratos suspensos na pandemia. Na média nacional, o rendimento dos assalariados com registro em carteira no setor privado e público diminuiu 20%; no caso dos autônomos, a queda foi ainda mais acentuada, de 40%. 



A precarização do trabalho nas empresas 

A pandemia também acelerou a precarização do trabalho. O patronato aproveitou a crise para promover processos de reestruturação produtiva que ceifaram empregos, renda e direitos. Houve a intensificação do trabalho por aplicativos, do home office e de outras mutações com base na tecnologia da informação. 

A uberização, como fenômeno do trabalho sem direitos e massacrante, cresceu sem qualquer controle ou regulamentação. O trabalho remoto é utilizado pelas empresas para sabotar a legislação, alongar jornadas e intensificar a exploração. As denúncias de aumento da jornada por parte de trabalhadores em home office aumentaram 4.205% em 2020. 

Muita gente hoje está disponível 24 horas por dia para ser explorado; novas doenças crescem no mundo do trabalho, como a depressão e a Síndrome de Burnout, que é o distúrbio emocional decorrente da exaustão extrema, estresse e esgotamento físico. A informalidade está virando regra no Brasil. Segundo o IBGE, já são quase 25 milhões de trabalhadores por conta própria. 

O patronato também aproveitou a pandemia para rebaixar os salários. Segundo balanço de julho último do Dieese (Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Socioeconômicas), 54% dos reajustes obtidos pelos sindicatos nas datas-base ficaram abaixo da inflação. Só 16,5% dos acordos conquistaram ganhos reais. 

Esse arrocho fica ainda mais grave em função da alta da inflação no último período, que atinge principalmente os alimentos, energia elétrica e combustíveis. Nessa onda da precarização, o governo tentou impor a chamada “carteira verde e amarela” e uma minirreforma trabalhista. Ambas visavam eliminar direitos – principalmente da juventude, com a extinção das férias e do 13º salário –, mas foram barradas temporariamente graças à pressão do sindicalismo. 

Já no setor público, o governo segue tentando aprovar a Proposta de Emenda Constitucional da reforma administrativa – também batizada de “PEC da rachadinha” –, que acaba com a estabilidade e as carreiras no funcionalismo, estimula a privatização e a terceirização e degrada a qualidade dos serviços prestados pelo Estado. 


** Continua...

24
Dez21

A médica chilena e o monstro infanticida brasileiro

Talis Andrade

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por Jeferson Miola

No dia 25 de novembro de 2021 a médica chilena Izkia Siches renunciou à presidência do Colégio de Médicos – uma instituição respeitadíssima e influente no Chile. O Colégio de Médicos equivale ao Conselho Federal de Medicina do Brasil; no entanto, com funções de representação sindical, além das de regulamentação profissional.

Izkia renunciou a este importante cargo porque, como cidadã consciente da ameaça representada pelo ultradireitista José Antonio Kast à democracia e à sociedade, sentiu-se convocada a atuar pela vitória de Gabriel Boric.

Na carta de renúncia publicada quatro dias depois do 1º turno da eleição presidencial no Chile, Izkia escreveu estar “convencida de que necessitamos nos dedicar a melhorar nosso país […] e esperançosa de que no futuro próximo todas as novas gerações possam gozar, sem importar sua condição social, de uma saúde que lhes permita desenvolver seus projetos de vida e de uma medicina que os cuide e os trate em função de suas necessidades”.

Isto temos sonhado desde nossa formação como médicos e esse também segue sendo hoje meu sonho como médica, cidadã e mãe”, ela concluiu.

No dia seguinte, 26/11, Izkia foi apresentada por Gabriel Boric como coordenadora da sua campanha. A atuação da médica chilena nas três semanas decisivas no 2º turno da eleição foi fundamental. O trabalho que desempenhou junto com o comando de campanha é apontado como um dos fatores determinantes da vitória de Boric.

Enquanto no Chile a jovem médica Izkia faz uma escolha humanitária em defesa da vida, no Brasil um médico abjeto atua como engrenagem da fábrica macabra de mortes de crianças.

A oposição de Marcelo Queiroga à vacinação infantil é criminosa. À luz do direito internacional, pode inclusive ser caracterizado como mais um crime bolsonarista contra a humanidade que, todavia, é tolerado pelos tribunais brasileiros.

Queiroga não é exclusividade no gênero de médicos que traem o juramento de Hipócrates e se convertem em colaboracionistas do fascismo, como acontece hoje no Brasil – vide os experimentos nazistas da empresa Prevent Júnior, bem como o endosso e a cumplicidade de dirigentes inescrupulosos de entidades médicas às práticas notoriamente criminosas, anticientíficas e negacionistas.

Esta linhagem de médicos associados ao terror de Estado e ao fascismo não é novidade no Brasil. Na ditadura [1964/1985], enquanto muitos médicos entregavam-se à resistência democrática, alguns deles forneciam atestados de óbito falsos para ocultar as causas de mortes decorrentes de brutal tortura nos porões do regime.

Estes últimos – facínoras que maculam a medicina – ficaram impunes na justiça e preservaram o registro profissional no Conselho Federal de Medicina.

O exemplo da médica chilena Izkia Siches é um contraste ético, moral e humano de proporções galácticas em relação ao ministro bolsonarista da Morte, o monstro infanticida.

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22
Dez21

Luciano Hang entra com ação contra Nando Motta por charge

Talis Andrade

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Luciano Hang, apoiador de Jair Bolsonaro e dono da rede de lojas Havan, entrou com uma ação na Justiça contra o  ilustrador Fernando Rosário, conhecido como Nando Motta.www.brasil247.com - { imgCaption }}

 

Hang acredita que é um dos personagens na charge acima, uma vez que foi depor na CPI do genocídio, acusado de participar do gabinete paralelo que sabotava a vacina e tratava da estratégia da propagação do vírus visando a imunidade de rebanho. 

Publica G1: "O empresário também é defensor do uso de tratamentos ineficazes para combater a Covid – conhecidos, no conjunto, como 'kit Covid'.

Ele chegou a ocultar que a mãe dele, Regina Hang, vítima de Covid, havia recebido os medicamentos do kit Covid. O empresário foi para as redes sociais dizer que ela poderia ter sido salva pelo que ele chama de tratamento preventivo.

Contudo, em outro momento, Luciano confirmou que a mãe fez, sim, tratamento com medicamentos sem eficácia contra a Covid-19 tanto em casa como nos ambientes da Prevent Senior.

Eu faço uma live explicando que a minha mãe morreu de covid, que eu lamentava que nela não tinha sido feito o tratamento preventivo – preventivo é antes de ela ficar doente. Mas, sim, depois, na nossa casa, ela fez o tratamento precoce inicial e deve ter continuado com todos os tratamentos na Prevent Senior", disse Hang à CPI.

Em outro momento, a Senadora Eliziane Gama pergunta se Hang fez arrecadação para comprar o chamado 'kit Covid', com remédios ineficazes. Ele diz que sim, mas nega que a arrecadação foi feita para distribuir medicamento como política pública.

Nós arrecadamos dinheiro, damos pro (sic) hospital pra comprar remédios", disse Hang à CPI.
 
15
Nov21

O legado da CPI da Covid e a midiatização da política

Talis Andrade

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por Rogério Christofoletti e Samuel Pantoja Lima
Pesquisadores e coordenadores do objETHOS

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), criada para apurar os crimes cometidos pelo governo federal durante a pandemia da Covid-19, terminou seus trabalhos na última terça-feira, 26, depois de quase seis meses de investigação, centenas de horas de sessões e a coleta de milhares de documentos. Aprovado por maioria, o relatório pede o indiciamento de duas empresas e 80 pessoas, incluindo o presidente da República, neste caso por nove crimes, entre os quais charlatanismo, epidemia com resultado morte, infração a medidas sanitárias preventivas, e crimes de responsabilidade e contra a humanidade.

Onze senadores, 66 depoimentos colhidos e 369 horas de sessões transmitidas; 251 quebras de sigilo, mais de mil e quinhentos requerimentos apresentados e a análise de quase 10 terabytes de documentos. Os números impressionam, mas a CPI tem um papel muito maior para história recente do país e que deixa, inclusive, bons legados nas sempre tensas relações entre jornalismo, democracia, cidadania e política.

 

Cidadania eletrônica

Diversos aspectos tornaram esta CPI diferente de todas as anteriores. A participação da sociedade foi um desses fatores distintivos. A participação direta, via plataformas digitais (redes sociais) ou pelo aplicativo e-Cidadania, transformou profundamente o modo do público interagir com os senadores e protagonizar um nível de participação cidadã – que resultou em dezenas de perguntas, diretamente repassadas das contas nas diferentes redes sociais (Twitter, WhatsApp, Instagram, Facebook…) para as testemunhas e investigados pela CPI. O site Senado Notícias que cobriu os trabalhos da Comissão, publicou uma reportagem a respeito destacando o crescimento significativo de mensagens enviadas pelo canal e-Cidadania para os membros do colegiado. Em média, os integrantes da Comissão receberam um total de 350 a 400 mensagens de usuários da internet com sugestões, críticas e correções – no auge da visibilidade da CPI.

Muito naturalmente, por outro lado, a CPI saiu do espaço físico do Senado Federal e passou a integrar os estúdios de televisão e de rádio, ocupando espaços em podcasts com vasta audiência, portais de notícias, blogs e perfis de redes sociais. A TV Senado teve sua transmissão em tempo real reproduzida, em dezenas de horas, em canais nacionais de informação 24 horas, como a Globo News, Band News e CNN Brasil. Somente as emissoras alinhadas ao governo federal (Record, SBT, Rede TV! e Jovem Pan) não pautaram de maneira intermitente, dando destaque sempre à defesa do ponto de vista bolsonarista – seja à base do negacionismo ou da defesa de tratamento cientificamente ineficazes (o chamado “kit covid”).

Outras CPIs também tiveram ampla vitrine midiática, mas desta vez, o alcance e a permanência deram novos contornos à comissão investigativa. Afinal, tratava-se da apuração de ações e omissões numa catástrofe sanitária com a possibilidade real de imputação de crimes das maiores autoridades do país. Além disso, as suspeitas não pairavam apenas sobre numerário desviado para corrupção, mas envolviam dor, sofrimento, adoecimento, sequelas, perdas e mortes em proporções inaceitáveis em qualquer contexto. Desta forma, os meses foram passando e sociedade, governo e classe política criaram muitas expectativas sobre os resultados que colheriam os senadores a partir de tanto trabalho. Num país que, infelizmente, naturalizou a expressão “a CPI pode dar em pizza”, nenhum relatório poderia pacificar as ansiedades sociais. Nas quase 1,3 mil páginas de relatório final, coube muita coisa, mas muito também poderia ser adicionado. Enfim, o documento expressa um tempo, um enredo, seus atores e um drama que está longe de terminar, tanto quanto a própria pandemia que até este momento já ceifou mais de 607 mil vidas.

 

Furo e a disputa da hegemonia

Do ponto de vista midiático, a CPI da Covid não foi só a mais porosa para participação popular e a de maior exposição pública. Ela também permitiu, mais uma vez, que o jornalismo oferecesse contribuições à sociedade e à história nacional.

Foi do jornalismo investigativo, num furo do jovem repórter Guilherme Balza (Globo News e Portal G1) que a CPI recebeu a contribuição mais relevante: o esquema macabro da empresa Prevent Senior, um plano de saúde para idosos, que foi pouco a pouco desvendado pelas reportagens de Balza e pelas investigações parlamentares da CPI (e suas assessorias técnicas). No final, o que se viu foi um esquema de morte: desde a manipulação de certidões de óbitos (falsidade ideológica) nas quais a Covid-19 não aparecia como “causa mortis”, quanto em experimentos para-científicos feitos à revelia das pessoas infectadas e sem autorizações das famílias (uma espécie de experimento à base de cloroquina, no qual os doentes não tinham conhecimento, nem deram seus consentimentos). E tudo isso para comprovar a tese fraudulenta que permitiria a adoção de remédios (cloroquina, ivermetctina, azitromicina etc.) cuja eficácia contra o Sars-CoV-2 (coronavírus) jamais foi comprovada, em nenhum país do mundo. Após as conclusões da CPI, parece não restar dúvida quanto à responsabilidade pelos crimes praticados pelas autoridades do plano federal, que insistiram em estratégias erráticas no combate da pandemia.

A disputa da hegemonia das ideias a esse respeito e a intensa guerra ideológica travada via mídia e redes sociais prossegue ainda mais potencializada agora, depois da entrega do relatório final às autoridades judiciárias e legislativas. Na próxima semana, os senadores devem entregar uma cópia do documento ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), porque a CPI pediu o indiciamento de Jair Messias Bolsonaro também por crime de responsabilidade. Dito de outro modo, isto pode levar a um processo de impeachment, improvável pela correlação de forças na Câmara – e Lira é um aliado fiel do presidente –, mas suficiente para trazer um desgaste ainda mais profundo ao atual governo.

Nos dois primeiros dias após o término da CPI, a disputa midiática em torno dos desdobramentos jurídicos e políticos já deu seus sinais. Na Folha de S. Paulo e no Portal UOL, circulou interpretação atribuída à fonte “off-the-record” da Suprema Corte brasileira afirmando categoricamente: “Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) consideraram ‘fraco’ o relatório final da CPI da Covid. Nos bastidores do Supremo, o comentário é de que não há elementos suficientes para comprovar o cometimento de crimes por parte de Bolsonaro. Um dos ministros ouvidos em caráter reservado afirmou que seria difícil o relatório “resultar em punição ao presidente”. Os próximos dias, a mídia deverá mostrar outros movimentos na disputa ideológica intensa por um diagnóstico definitivo para a CPI. Terá ela efeitos práticos e justos? Será suficiente para atenuar o sabor amargo que a pandemia deixou em nossas bocas? Poderá provocar punições exemplares e levar à adoção de práticas mais acertadas?

 

Legado midiático

As respostas para as perguntas acima ainda estão distantes. Os tempos da política e da justiça são distintos do tempo do cidadão comum e das redações jornalísticas, ávidas por notícias em tempo real. Cientistas políticos, sociólogos e historiadores serão muito mais competentes para desenhar o mapa do território produzido pela CPI da Covid. Mas do ponto de vista midiático, arriscamos contabilizar alguns frutos desse processo.

A Comissão Parlamentar de Inquérito mostrou-se atenta às repercussões nos meios jornalísticos e nas redes sociais, servindo-se de conteúdos e assimilando certas interpretações. Depreende-se com isso que as próximas CPIs não vão se encerrar nas salas de reunião, mas vão constantemente medir as temperaturas políticas nas arenas de discussão pública. Isso acaba sinalizando caminhos e permitindo calibragens finas. Por consequência, as camadas mais articuladas da sociedade perceberam que seus espaços de participação se ampliaram, e isso parece ser irreversível. Do ponto da cidadania, este é um resultado muito positivo, pois reduz a distância que o próprio parlamento cria como escudo das cobranças sociais.

Durante as investigações, percebemos vários episódios de colaboração mútua entre jornalistas e a cúpula da CPI, seja por meio da troca de informações ou por vazamentos seletivos de documentos. Esses casos ora permitiam abastecer o noticiário com informações antecipadas e ora possibilitavam que os políticos avançassem em nichos de investigação. Isso não é novo na política, convenhamos. A proximidade de informantes e informadores faz parte do cotidiano de quem atua nos palácios e casas legislativas, e de quem cobre esses personagens. O que colhemos da CPI é que o jornalismo crítico mais uma vez presta seus serviços à sociedade, mesmo em tempos em que é severamente atacado, sobretudo pela principal autoridade pública do país.

Ainda do ponto de vista midiático, um dos legados é que a CPI deu ao país uma consistente narrativa sobre como o governo brasileiro atuou em meio à maior pandemia de nossos tempos. Esse relato é uma trágica e revoltante crônica, superpovoada de personagens que trazem sobre os ombros muitos indícios de crimes e descasos. Não é qualquer narrativa, extraída apenas das idiossincrasias e conveniências de onze senadores; é um enredo registrado num documento que já é histórico, independente de seus desdobramentos. É uma história escrita por uma instituição política, uma comissão investigativa, que analisou documentos, colheu depoimentos e recorreu a especialistas de diversas áreas para tecer seu relatório final.

Do ponto de vista histórico, essas foram as conclusões à que chegou o Senado Federal, a Câmara Alta do parlamento brasileiro. Não é pouco. Para quem se ocupa de registrar o presente – como é o caso dos jornalistas -, o relatório da CPI é uma voz forte no texto deste tempo que nos aflige. Para quem vive este tempo, é o doloroso noticiário sobre a tragédia que transformou nossas vidas e as mortes dos nossos entes queridos.

 

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04
Nov21

O indiciamento do presidente por crimes contra a humanidade

Talis Andrade

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por Marcelo Semer

O presidente da República está prestes a ser indiciado pelo cometimento de diversos delitos, inclusive crimes contra a humanidade, pela intencional e desastrada condução das políticas públicas em face da pandemia do coronavírus, que levaram o país ao podium mundial de mortos, com mais de seiscentas mil vidas perdidas. 

Até agora, Bolsonaro tem sido beneficiado por um conjunto de diques de contenção: de um lado, o Procurador Geral da República, escolhido a dedo, fora das indicações da carreira, e que tem levado o Ministério Público Federal, sempre tão combativo, ao silêncio, quando não à defesa do próprio governo; de outro, o presidente da Câmara dos Deputados, a quem aliou-se politicamente, mediante a concessão de cargos e verbas, que mantém devidamente engavetados dezenas de pedidos de abertura de impeachment. 

Outros presidentes não tiveram a mesma sorte: Michel Temer chegou a ser denunciado criminalmente pelo então procurador-geral Rodrigo Janot; Dilma Roussef sofreu a vindita do deputado Eduardo Cunha (afastado e condenado pela Justiça e por seus pares, mas só depois de comandar o impeachment) e Fernando Collor de Mello sofreu tanto o processo político quanto o criminal. 

Enfim, com um relatório altamente fundamentado, depois de seis meses de funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado, que ouviu mais de 60 pessoas, e nutrido por consistentes pareceres jurídicos, as acusações contra Jair Bolsonaro são em gênero, número e grau, muito mais lesivas e impactantes do que as que suportaram seus antecessores. 

É hora, então, de se aguardar para saber se, afinal de contas, as instituições permanecem mesmo funcionando. Ou se o sistema político-jurídico de blindagem vai jogar as mais sérias imputações até então deduzidas contra um presidente da República para debaixo do tapete. E se a mídia, que tanto se escandaliza com gastos além do teto, apontará, com igual destaque, a indignidade dos omissos.

O que se apurou em meses de comissão parlamentar, e paralelamente em fundados estudos a ela encaminhados, como por exemplo o do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário da USP coordenado pelos professores Deisy Ventura e Fernando Aith, é que os drásticos resultados da pandemia no país decorreram de opções políticas tomadas pessoalmente pelo presidente da República. 

Assim, as enormes dificuldades para a efetivação do isolamento social por aqui foram consequências diretas do esforço em sentido contrário empreendido por Jair Bolsonaro, seja na edição de decretos que buscaram liberar atividades comerciais ao máximo, seja pela luta política e jurídica contra as medidas de isolamento nos Estados, seja no exemplo quase cotidiano do presidente, ele mesmo, sem intermediários, promovendo aglomerações à sua volta. 

O uso de máscara, talvez a mais bem sucedida das profilaxias não farmacológicas contra a disseminação do vírus, foi bombardeado diuturnamente pelo presidente, que: não a usava na maioria de seus eventos políticos (tanto que restou autuado em diversos deles); criticava sua eficácia, com base em fake news (como a live em que sugeria ser o apetrecho responsável pela redução da oxigenação do sangue); e como se não bastasse retirava à força, máscaras de crianças em plena aglomeração. Por fim, sugeriu inúmeras vezes que o ministro da Saúde providenciasse ato normativo para abolir a obrigatoriedade de seu uso, ainda sob patamares incipientes de imunização.

A imunização, aliás, foi o maior entre seus pecados capitais. 

Constituiu um gabinete paralelo que simulou subsídios científicos para dar sustentação à tresloucada tese da imunização de rebanho, pela qual nenhuma medida seria realmente necessária para contornar uma epidemia que se esvairia por si só, assim que atingisse um certo patamar de contaminação. O deputado Osmar Terra passou um ano e meio fixando datas próximas para o “fim da pandemia”, que o presidente repetia em rede nacional, sem se ater ao fato de que: a-) mesmo as pessoas já contaminadas poderiam ser novamente infectadas; b-) mais de um milhão e meio de brasileiros teria morrido na espera de que todos pudessem ser naturalmente imunizados -o que, aliás, não aconteceu em lugar nenhum do planeta mesmo depois de quase dois anos de pandemia.

À custa da defesa desta tese -inúmeras vezes enunciada pelo presidente- atrasou-se enormemente a aquisição de vacinas, postergando-se a imunização -e, com isso, ampliando exponencialmente o número de mortos. Bolsonaro disse não à “vacina chinesa”, o que atrasou por meses o início da imunização e, ao mesmo tempo, ignorou dezenas de ofertas da Pfizer, buscando pretextos jurídicos ou econômicos para negar sua compra. À inquietação da população que via o tempo passar e as mortes se multiplicarem, seu ministro da Saúde, aquele que expressamente dizia ser o homem que lhe obedecia, indagava: “para que tanta ansiedade?”.

Sua luta contra a vacina tem perdurado mesmo depois da inequívoca comprovação do sucesso contra o vírus. Bolsonaro fez questão de desfilar na Assembleia Geral das Nações Unidas como o único chefe de Estado não vacinado e, ainda após apresentação do relatório da CPI, teve tempo para a disseminação de mais uma mentira maliciosa, relacionando o vírus da AIDS à imunização. 

Considerando que ainda metade do país ainda não está totalmente vacinada e mais de vinte milhões de brasileiros estão com a segunda dose atrasada, a persistência da luta contra a vacina certamente significará mais mortes.  Estivesse o presidente já sendo processado criminalmente em alguma das milhares de varas pelo país, uma reiteração delituosa tão desbragada certamente justificaria a decretação da prisão preventiva.

Mas se isolamento, máscaras e vacinas eram ignorados de forma sistemática, o presidente da República, com o aval tabajara de seu gabinete paralelo, tentou construir com medicamentos sabidamente ineficazes, um álibi para o negacionismo: o kit covid, do qual o presidente foi, mais uma vez, o principal garoto propaganda. 

Para empurrar a cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina garganta abaixo dos brasileiros, ele fez anúncio em cadeia nacional, gastou fábulas por meio das coniventes Forças Armadas, demitiu dois de seus ministros da saúde resistentes à farsa e, sob o abrigo cúmplice da direção do Conselho Federal de Medicina, bateu-se pela “autonomia médica” como reforço a seu charlatanismo. Como a CPI expôs de forma contundente, o braço privado de seu gabinete paralelo, a Prevent Senior, obrigava seus médicos a ministrar tais remédios, ao mesmo tempo em que escondia números daqueles que morriam após o tratamento. 

De outro lado, uma falsa sobrenotificação de mortes, também havia sido propagandeada pelo presidente, após adulteração de suposto estudo do Tribunal de Contas da União, por meio de um relatório renegado, que chegou às suas mãos coincidentemente pelo filho de um grande amigo.

Conseguir o feito de ultrapassar a marca de 600.000 mortos (atrás apenas dos Estados Unidos, por enquanto) não foi fácil: foi um verdadeiro tour de force do governo Bolsonaro, capitaneado pelo presidente em pessoa: provocações a governadores, pressão sobre Judiciário, ostensiva publicidade paga com o dinheiro público e uma subterrânea rede de propagação de fake news, repleta de tentáculos em diversos veículos de mídia, blogs, templos etc.

Pode ser que essas milhares de almas tenham sido perdidas como um instrumento para vitaminar sua própria sobrevivência política, evitando que a desaceleração na economia colocasse à prova suas promessas eleitorais -teriam sido, ademais, mortes em vão, porque tem sido justamente o retardo na redução de mortes e casos, que mais prejudica o país, inclusive na economia.

Mas o fato é que olhando retrospectivamente, todos os pilares que o governo Bolsonaro apresentou a partir de 2019, quando iniciou sua gestão, justificavam as condutas que viriam a desenvolver na pandemia: 

a-) a ânsia pela desregulamentação e esvaziamento do poder fiscalizatório, e o predomínio de uma suposta liberdade de matar e desmatar, se casam perfeitamente com a repulsa tão consistente quanto inexplicável, ao uso da máscara protetora e do respeito às regras sanitárias; 

b-) o terraplanismo com que se tentou reescrever a história do país -e por mais incrível que parecesse, também a geografia- reflete-se no contínuo negacionismo acerca da gravidade da pandemia, aliada à propagação de inúmeras teorias da conspiração, com as quais, entre outras providências grotescas, propagou-se o boato de enterros com caixões vazios, emulou-se a invasão a hospitais para desvelar a “mentira” da lotação dos leitos e reproduziu-se a abjeta expressão “vírus chinês”, propositadamente hostil; 

c-) o pensamento mágico que circunda a imagem do presidente (a consideração de “mito” mesclado com a visão de um escolhido) incorporam-se no apego desmesurado ao tratamento precoce e a ideia de um fármaco salvador que ajudaram a compor a tônica do negacionismo (não é tão grave se é curável); 

d-) o darwinismo social, a ideia de que só os mais fortes sobrevivem impulsiona a aceitação da imunidade de rebanho, traduzida pela lógica de que todos os brasileiros iriam pegar a doença e apenas os mais fracos, os que tem comorbidade ou não tem “histórico de atleta” seriam mortos ou sequelados. A ânsia de cravar essa diferenciação levou o presidente a reclamar, em reunião ministerial, de atestado de óbito de um militar (por não darem destaque às comorbidades), a chamar de “bundões” os jornalistas pelo sedentarismo e aduzir a repulsa ao “país de maricas”; 

e-) a inserção no horizonte internacional, a partir da adesão ao antiglobalismo trumpista, conduzido, sobretudo, pelo então chanceler Ernesto Araújo, levou o governo à colisão com a OMS e o desprezo a quaisquer iniciativas globais, o que viria também a dificultar a inserção no mercado das vacinas. 

A visão de mundo do bolsonarismo é um conjunto destes elementos: a política da destruição, a lógica da irracionalidade que estimula o fanatismo, o retorno a um passado idílico sem amarras politicamente corretas, em que os fortes possam prevalecer sem perder tempo para cuidar dos ficam pelo caminho. A reverência às milícias e o desprezo aos indígenas mostra bem de que lado da morte o presidente se posiciona. 

Mas seja por fidelidade à racionalidade da destruição, seja para minorar desgastes eleitorais, o fato é que milhares de vidas foram sacrificadas por interesses menores, políticos ou pessoais, a partir de decisões que nasceram no círculo mais íntimo do poder. 

Rigorosamente todas as ações contrárias ao bom senso e lesivas à saúde, ostentam as digitais de Jair Bolsonaro -as mesmas que, por justiça, agora se espera sejam colhidas em seu indiciamento.

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18
Out21

“Uma cegueira assassina”, diz jornal francês sobre postura de Jair Bolsonaro diante da pandemia

Talis Andrade

Capa do jornal La Croix desta segunda-feira (18), mostrando que a CPI traz à tona, em primeiro lugar, a responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro. “Uma cegueira assassina”, diz a manchete do diário.Capa do jornal La Croix desta segunda-feira (18), mostrando que a CPI traz à tona, em primeiro lugar, a responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro. “Uma cegueira assassina”, diz a manchete do diário. © Fotomontagem Adriana de Freitas

O jornal La Croix desta segunda-feira (18) destaca na capa, acompanhada de uma foto de dois coveiros trabalhando em um cemitério do subúrbio carioca, as conclusões da CPI sobre a administração da pandemia no Brasil, que seriam divulgadas amanhã, após quatro meses de inquérito. A reportagem foi publicada antes do anúncio do adiamento da leitura dos resultados.

“Covid, os erros criminosos das autoridades brasileiras” é o título da reportagem. “A responsabilidade do presidente brasileiro é central na catástrofe sanitária provocada pela pandemia, com o segundo maior número de óbitos do mundo, após os Estados Unidos", reitera.

La Croix levanta algumas das questões às quais a CPI da pandemiavai tentar responder: a ausência de lockdown em grande escala, a responsabilidade pelo colapso do sistema de saúde e a suposta corrução na compra de vacinas superfaturadas. 

O jornal francês explica que a CPI traz à tona, em primeiro lugar, a responsabilidade do presidente Jair Bolsonaro. “Uma cegueira assassina”, diz La Croix. O senador Randolfe Rodrigues, vice-presidente da comissão, já anunciou que o ex-capitão enfrenta 11 acusações, entre elas, crime contra a saúde pública, charlatanismo e crime contra a humanidade. 

La Croix também cita outra acusação contra Bolsonaro, a de “prevaricação no escândalo Covaxin”, em que o governo propôs pagar US$ 15 cada dose, contra o preço inicial fixado pelo fabricante indiano Bharat Biotech de US$ 1,34.

 

Disparidade regional

Em meados de outubro, menos da metade da população brasileira (47%) está totalmente vacinada. O diário católico aponta as grandes disparidades entre os Estados: apenas 25% dos habitantes de Roraima ou da Amazônia receberam duas doses, contra 61% no Estado mais rico, São Paulo.

Apesar de a campanha ter se acelerado no verão, a CPI lembra que o presidente recusou a compra de vacina da Pfizer em 2020.

La Croix cita ainda os acordos políticos de Bolsonaro com o “centrão” e o trágico escândalo das cobaias humanas pelo grupo Prevent Senior. 

O Tribunal Penal Internacional (TPI), na Haia, vai examinar o relatório final da CPI e poderá, a princípio, julgar o presidente brasileiro por crimes contra a humanidade, acrescenta o jornal francês. 

 
11
Out21

O vídeo com Marcos do Val obriga a CPI da Covid a reconvocar Carlos Wizard a depor

Talis Andrade

RETRATO DE CARLOS WIZARD MARTINS

Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil; Folhapress

 

Reunião secreta revela que o gabinete paralelo do Ministério da Saúde não era informal, mas organizado e com amplo acesso à alta cúpula do governo, inclusive ao presidente

 
 
por João Filho /The Intercept

 

EM JUNHO deste ano, a CPI da Covid recebeu um vídeo que confirmou a suspeita dos senadores sobre a existência de um Ministério da Saúde não oficial, que ficou conhecido como gabinete paralelo. Nele, é possível ver Bolsonaro em uma reunião com Osmar Terra e outros médicos negacionistas defendendo o tratamento precoce com remédios comprovadamente ineficazes contra covid.

Lá também estava o biólogo negacionista Paolo Zanotto, grande amigo de Jair Bolsonaro e contra a vacinação em massa. No vídeo, Zanotto fala abertamente sobre o gabinete paralelo, o qual ele chama de “shadow board” e coloca em dúvidas a eficácia da vacinação — contrariando todas as evidências científicas. As imagens da reunião deixaram claro porque Pazuello foi negligente no processo de compra das vacinas. Ele não era o ministro de fato, mas uma marionete comandada pelas decisões desse gabinete paralelo.

No mês passado, apareceu mais um vídeo do gabinete paralelo. Dessa vez, Zanotto aparece em uma reunião online com Pedro Batista Jr., diretor-executivo da Prevent Senior. A conversa entre os dois deixou claro que o protocolo macabro idealizado pela Prevent Senior para aplicar os medicamentos do kit covid em pacientes era de conhecimento do governo federal. O gabinete paralelo não só sabia que a Prevent Senior tratava pacientes como cobaias humanas como acompanhou de perto os experimentos.

Nesta semana, o Intercept publicou um outro vídeo que traz novos elementos sobre o gabinete paralelo. As imagens mostram uma reunião online secreta em junho deste ano comandada pelo empresário Carlos Wizard. Wizard é aquele bilionário bolsonarista que fugiu da CPI como o diabo foge da cruz, e quando finalmente apareceu, preferiu se esconder atrás da Bíblia e fazer proselitismo religioso.

O empresário carola teve a oportunidade de demonstrar sua inocência na CPI, mas preferiu se proteger atrás de um habeas corpus. O silêncio soou como um berro de confissão de culpa. Se ele ficou quieto na CPI para não se incriminar, no escurinho da reunião secreta ele era o mais falante e atuava claramente como um coordenador das ações negacionistas do gabinete paralelo.

No vídeo, Wizard parece atuar como um diretor-executivo do gabinete das sombras. Médicos representantes de 27 estados participaram da reunião. Entre eles estava Emmanuel Fortes, um dos vice-presidentes do Conselho Federal de Medicina, o CFM. Suas declarações no vídeo confirmam que a entidade trabalha 100% alinhada ao governo na implementação do tratamento precoce em massa. Fortes chegou a dizer na reunião que é “mais seguro” para médicos receitar do que não receitar a cloroquina — o que, já naquele momento, contrariava todas as evidências científicas.

O médico nunca escondeu sua admiração por Jair Bolsonaro. Pelo contrário, fez questão de demonstrar isso ao publicar uma foto ao lado do presidente em suas redes sociais em março deste ano. O vice-presidente do CFM aproveitou a postagem para tecer elogios e prometer fidelidade ao genocida em suas redes sociais: “Estive em solenidade onde estava o presidente Bolsonaro e aproveitei para fazer o registro e declarar que continuo confiando em seu governo”. E completou prometendo apoio à sua reeleição e contando uma série de mentiras sobre a atuação do presidente na presidência: “Estarei consigo em 2022 porque, nesses últimos trinta anos foi o presidente que mais investiu em construir a infraestrutura em normativos, leis, decretos, portarias e programas para efetivamente termos políticas de estado, não políticas de governo”.

A presença de Fortes nessa reunião e em diversas outras lives públicas com médicos negacionistas do Médicos pela Vida demonstram como o CFM investiu diretamente no impulsionamento das mentiras sobre o kit covid.

Emmanuel Fortes ao lado do presidente Jair Bolsonaro, para quem fez campanha em 2018.

 

Outra figura importante da tropa de choque negacionista é o senador Marcos do Val, do Podemos do Espírito Santo. Ele, que é integrante da CPI da Covid, aparece no vídeo dizendo que trabalha para convencer autoridades sobre a eficácia do kit covid e organizar a sua distribuição. Na reunião fica claro que Do Val atuava como um dos braços políticos do esquema negacionista. Ele revelou ter tratado do assunto com políticos, militares e integrantes do Ministério Público.

Do Val era uma espécie de faz-tudo do gabinete paralelo para ajudar a promover medicamentos comprovadamente ineficazes. No vídeo, Wizard apresenta o senador como um representante do grupo “seja diante do Ministério Público, seja diante de alguma questão com a Anvisa, seja diante do Exército (…) seja alguma intermediação com o seu governador, com o prefeito local”. Ou seja, temos um senador bolsonarista atuando como lobista dos interesses de um gabinete que é objeto de investigação da CPI, da qual ele é membro.

O “padrinho” do gabinete paralelo atuava dos dois lados do balcão, fingindo investigar o grupo para o qual trabalhava com afinco. Trata-se de um escândalo por si só.

Durante o depoimento de Wizard na CPI, o senador mentiu ao dizer que o gabinete nunca lhe pediu alguma coisa. Já no depoimento do deputado Luis Miranda, em que ficou demonstrada a prevaricação do presidente diante de uma denúncia de corrupção no Ministério da Saúde, Do Val levantou-se da cadeira e o empurrou como um cão de guarda do bolsonarismo.

 

Mas ninguém pode se dizer surpreso com a desfaçatez da atitude do senador. Ele é o cara que se elegeu na onda do bolsonarismo depois que conquistou milhões de seguidores nas redes sociais se vendendo como um ex-policial da Swat sem nunca ter sido um policial da Swat. Do Val nem policial é. É um professor de taekwondo que deu treinamentos de imobilizações táticas para a polícia americana.

 

Teve algum destaque no Senado como relator na Comissão de Constituição e Justiça do pacote anticrime proposto pelo ex-ministro da Justiça, Sergio Moro. Graças à sua atuação na defesa da flexibilização de armas nessa CCJ, ele foi condecorado pelo presidente da República com a Ordem do Mérito da Defesa. Entidades da sociedade civil apontaram conflito de interesses pelo fato do senador ter um histórico de relacionamento com a Taurus, fabricante de armas. Do Val é também aquele senador que demitiu a namorada do seu próprio gabinete para que ela pudesse ser recontratada graças à ajuda de “amigos do Senado” que lhe deram um cargo na Diretoria-Geral do Senado, onde passou a receber um salário maior.

Então ficamos assim: a tropa de choque do Ministério da Saúde paralelo era liderado por um bilionário bolsonarista, protegido politicamente por um senador bolsonarista e contava com o apoio de um médico bolsonarista integrante do CFM — e mais um punhado de médicos que flertam com o charlatanismo. O “”Conselho Científico Independente” — nome eufemístico que Wizard deu para o gabinete negacionista — tinha largo acesso às principais figuras do governo, inclusive ao presidente da República, e contava com grande espaço na estatal TV Brasil para boicotar as vacinas e difundir um tratamento comprovadamente ineficaz.

vacinação vista por bolsonaro.jpeg

 

Enquanto estendia o tapete vermelho para a picaretagem, o governo federal dava um perdido na Pfizer e boicotava a compra de vacinas. Quantas mortes podem ser colocadas na conta de um gabinete que trabalhou contra um medicamento que salva-vidas de pacientes com covid e investiu pesado em outros que comprovadamente não salvam? Quantas vidas seriam poupadas se esse gabinete paralelo não tivesse se mobilizado para difundir o protocolo macabro da Prevent Senior à revelia da ciência?

Hoje, depois de todas as provas divulgadas pela imprensa e pela CPI, dizer que houve um genocídio comandando pelo governo Bolsonaro e sua tropa de choque é a mera constatação de um fato. Mas, se a CPI ainda quiser mais provas, bem poderia reconvocar o falante Carlos Wizard para se sentar no banco dos depoentes.

MAIS VÍDEOS

 

Nos EUA, rede de saúde de direita ganha milhões com kit covid de hidroxicloroquina e ivermectina

 
10
Out21

600 mil mortes no Brasil: "liberou geral" pode fazer curva da Covid-19 voltar a subir

Talis Andrade

 

Estádios de futebol com mais público, cidades cogitando o fim do uso obrigatório de máscaras, espaços de lazer liberados em condomínios. O Brasil, que chega aos 600 mil mortos por Covid 19 nesta sexta-feira (8), já pode mesmo se dar ao luxo de afrouxar as medidas sanitárias contra o coronavírus?

Com cerca de 450 óbitos diários pela doença, o país de fato tem o que comemorar porque já teve índices bem piores, chegando a 4 mil mortes por dia no auge da pandemia este ano e ao dramático platô de mil vidas perdidas diariamente durante vários meses.

Hoje, mais da metade dos municípios brasileiros celebra o fato de não ter registro de óbitos, graças ao avanço da vacinação. Mas especialistas dizem que o ‘liberou geral’ que muitos querem para ontem pode colocar a perder esse quadro que, finalmente, parece caminhar para a redenção pandêmica coletiva.

A especialista em saúde pública e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Ligia Bahia disse à RFI que o foco deve ser o retorno consistente das atividades essenciais como as aulas nas escolas e universidades, com as medidas sanitárias respeitadas. “A gente nunca teve um quadro tão favorável na pandemia. Entretanto, ainda não dá para dizer que acabou. Nós demoramos muito tempo para chegar a esse patamar de vacinação e, mais de oito meses depois, a gente ainda não tem 70% da população com duas doses”, explica. "Além disso, o número de novos casos e de mortos ainda é relativamente alto. Então não podemos bobear agora. Não estamos num patamar seguro ainda e a variante delta circula por aqui.”

O epidemiologista Julival Ribeiro, da Sociedade Brasileira de Infectologia, afirmou à RFI que a falta de cuidado nesse momento pode trazer consequências imprevisíveis. “Essa falsa impressão de que a pandemia acabou é muito preocupante. A pandemia está aí presente e temos que observar o que pode acontecer nos meses vindouros, não só aqui no Brasil, mas também no mundo inteiro. Lembrar que Israel, mesmo com a vacinação da população adiantadíssima, está sugerindo a terceira dose para toda população por causa da variante delta”, ressalta o especialista.

 

CPI na reta final

No Congresso, a CPI da Covid deve finalizar os trabalhos, com a votação do relatório final até o dia 20. Nessa fase derradeira, parlamentares se concentram no tenebroso caso da operadora de saúde Prevent Senior, que virou símbolo do descaso com a vida e da insistência fatal em remédios sem eficácia contra a doença. O paciente Tadeu Andrade, de 65 anos, contou no Senado que quase morreu porque a empresa convencia parentes a aceitar tratamento paliativo, encerrando a internação na UTI, mesmo quando ainda havia chance de sobrevivência.

Minha família não concordou, nessa reunião, com o início dos cuidados paliativos, se insurgiu, ameaçou ir à justiça para buscar uma liminar e impedir que eu saísse da UTI, ameaçou procurar a mídia. Nesse momento, a Prevent recuou e cancelou o início do tratamento paliativo, ou seja, eu, em poucos dias, estaria vindo a óbito e hoje eu estou aqui”, disse, emocionado, à CPI.

O último a ser ouvido deve ser o ministro da saúde Marcelo Queiroga, que já está de volta ao Brasil depois da quarentena que fez nos Estados Unidos por contrair Covid 19. Ele foi convocado pela terceira vez após um órgão técnico subordinado à sua pasta ter adiado a análise de um parecer que contraindica o uso da cloroquina e outras drogas no tratamento da Covid. O adiamento se deu por pressão do Planalto.

 

08
Out21

CPI mostra hino da Prevent Senior durante sessão

Talis Andrade

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por Renato Machado

Durante sessão da CPI da Covid, nesta quinta-feira (7), o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) pediu para reproduzirem o hino da Prevent Senior. Depoimentos recentes mostram que a operadora de saúde adota uma hierarquia rígida, baseada no lema "lealdade e obediência".

O médico Walter Corre de Souza Neto explicou em seu depoimento que o hino era tocado nas reuniões dos "guardiões", que eram chefes dos plantões e coordenadores de ambulatórios.

A letra afirma:

"Nascemos para trilhar, um caminho a desbravar,

Nascemos para viver, de lutas até morrer,

E juntos nós estaremos, e juntos nós venceremos,

Com espadas e com canhões, Nós somos os guardiões".

Eu participei de só uma reunião. E nessa reunião a gente teve que ficar de pé, colocar a mão no peito e cantar", afirmou.

O relator Renan Calheiros (MDB-AL) descreveu a ação como uma "prática nazista".

 

04
Out21

#PandoraPapers: "Guedes e Campos Neto fazem de conta que nada aconteceu"

Talis Andrade

 

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Deu no Twitter
 
Oliver Stuenkel 
"O artigo 5º do Código de Conduta da Alta Administração Federal, instituído em 2000, proíbe funcionários do alto escalão de manter aplicações financeiras, no Brasil ou no exterior, passíveis de ser afetadas por políticas governamentais."
Brasil de Fato
Enquanto a desvalorização do real pressiona a inflação e milhões no país passam fome, quase 2 mil brasileiros com contas em paraísos fiscais lucram com a alta do dólar. Um deles é Paulo Guedes, mas tem outros que você conheceImage
Fernanda da Escóssia
Ter dinheiro em paraísos fiscais é necessariamente ilegal? Não. A pessoa precisa declarar o negócio às autoridades. A questão é que, numa sociedade desigual como a brasileira, ter offshore é usar um privilégio - ser muito rico - para obter outro privilégio- pagar menos imposto
Reinaldo Azevedo
Guedes e Campos Neto tentam fazer de conta que nada aconteceu. Sabem que isso não é verdade.

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Poder360
#PandoraPapers: Augusto Aras vai “oficiar” Paulo Guedes para ter informações. Acredita este correspondente: Vai. Não vai. Pra começar já esqueceu o Neto que se parece cada vez mais com o avô Roberto Campos.Image
Marcelo Freixo
URGENTE! Eu e os demais líderes da oposição na Câmara vamos acionar o MPF para que Paulo Guedes e Roberto Campos Neto sejam investigados por manterem empresas num paraíso fiscal. A legislação brasileira proíbe que membros da cúpula do governo mantenham esse tipo de negócio.
Randolfe Rodrigues 
Para o povo, a alta do dólar representa tudo mais caro. Para Paulo Guedes, representa lucro milionário de sua empresa no exterior. Iremos convocar o Ministro e o Presidente do BC para se explicarem ao Senado, além de apresentar notícia-crime ao STF!Image

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