Prisão imediata no Júri: esse é ponto central do RE 1.235.340/SC (Tema decorrente: 1.068) que está agora no plenário físico do STF. Até agora tínhamos o seguinte resultado:
O ministro Barroso (aqui) deu provimento ao RE e fez tábula rasa, dizendo que nem mesmo a limitação de 15 anos deve ser levada em conta como teto, com o que qualquer condenação do júri se torna de aplicação automática (prisão do réu dos moldes da súmula declarada inconstitucional do TRF-4, nº 122).
Os ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Carmen Lúcia e André Mendonça acompanharam tal entendimento.
Já os ministros Gilmar, Rosa e Lewandowski discordaram e votaram inclusive pela inconstitucionalidade do dispositivo da Lei Anticrime que dizia que prisões acima de 15 anos determinavam a prisão imediata.
Restou o ministro Fachin, com voto médio, discordando da maioria dos cinco, mas não concordando com a minoria dos três. Para ele, não pode haver prisão automática, salvo para penas acima de 15 anos.
Então tínhamos, até o pedido de destaque do ministro Gilmar, cinco votos plenos pela prisão automática, três pela inconstitucionalidade até mesmo dos 15 anos e um voto pela manutenção dos 15 anos sem automaticidade.
Escrevi aqui na ConJur sobre o voto do ministro Barroso, que foi condutor da maioria dos cinco votos. Barroso diz que presunção da inocência, formada nas ADCs 43, 44 e 54, é princípio e não regra, podendo ser "aplicada com maior ou menor intensidade, quando ponderada com outros princípios ou bens jurídicos constitucionais colidentes".
Assim, no item 16 do seu voto, Barroso diz que é necessário ponderar o princípio da presunção de inocência e, como tal, "pode ser aplicado com maior ou menor intensidade, quando ponderada com outros princípios ou bens jurídicos constitucionais colidentes" com a soberania dos veredictos, de modo a dar prevalência a este último fundado, inclusive, na função do Direito Penal de proteção de bens jurídicos, in casu, da vida humana. Aí já começa o problema: fosse correto o dizer do ministro, ficaria a pergunta: quem decide "a maior ou menor intensidade"? Com qual critério?
Sigo. Demonstrei o equívoco do voto do ministro Barroso e cheguei a colocar a fórmula peso de Alexy para demonstrar que a ponderação propalada pelo ministro se mostrou errada. Demonstro isso com detalhes (para quem não leu, ponho o link mais uma vez aqui).
Na sequência, lembrei do caráter vinculante das ADC 43, 44 e 54, que exigem a vinculação do julgador ao seu resultado como uma condição prima facie — o que se afirma inclusive com apoio na TAJ de Alexy. Isto é, não há nada na teoria de Alexy que dê algum conforto ao voto do ministro Barroso.
No meu artigo também falei do equívoco do voto do ministro ao fazer a interpretação conforme à Constituição (verfassungskonforme Auslegung) do dispositivo que diz que penas acima de 15 anos têm cumprimento imediato.
Nesse sentido, o voto contestado comete o pecado da jurisdição constitucional, que é o de mascarar uma legislação pelo Judiciário como controle de constitucionalidade incidental. Seu argumento é de que a lei não deveria limitar a execução da pena para casos de condenação igual ou maior a 15 anos. Na sua opinião, a regra deveria valer para qualquer condenação, e assim ele propõe essa discussão em seu voto.
Não é possível encontrar algum espaço para uma interpretação conforme a Constituição no caso. No caso, o voto estabelece uma nova lei. A dogmática constitucional mostra claramente que o instituto da Interpretação Conforme possui limites. O que muda na interpretação conforme é a norma (sentido do texto), mas o tribunal não está autorizado a colocar outra "letra no lugar".
Aí vem a grande questão, bem captada nos votos de Gilmar, Rosa e Lewandowski: se existe inconstitucionalidade, essa está em dizer que penas de 15 anos mandam prender automaticamente. A inconstitucionalidade reside no inverso do que disse o ministro Barroso.
Por quê? Porque o STF possui um precedente vinculante sobre presunção da inocência: as ADCs 43, 44 e 54. A holding do precedente é: não existe prisão automática no Brasil. Havendo condições pessoais favoráveis, é possível recorrer aos tribunais superiores em liberdade. Aliás, prisão automática existia no CPP original. No Estado Democrático, o STF baniu, ainda que por escassa maioria. Presume-se a inocência. E não a culpa.
Portanto, o voto de Barroso coloca o STF contra o próprio STF, ao não obedecer a seu próprio precedente. Trata-se de um easy case que o ministro transformou em um tragic case.
Há uma contradição na posição do ministro e dos que o seguiram. Se o STF decidir pela prisão automática no júri — para qualquer pena ou mesmo para aquelas acima de 15 anos — teremos que a Suprema Corte cai em uma contradição: uma afirmação e uma negação. Um precedente que assegura algo e outro que dessassegura o que assegurava. Com a tese dos cinco votos, cria-se duas categorias de réus: os do júri (sem presunção de inocência) e os do resto do "sistema" (que possuem esse direito).
Resta saber se, vencedora a tese da prisão automática, caberia reclamação no STF contra o próprio Supremo, por descumprimento de seu próprio precedente. Afinal, Reclamação constitucional cabe toda vez que um tribunal desobedece a um precedente vinculante da Suprema Corte.
Volta-se ao problema recorrente: o que é um precedente (ver qui a crítica à recém-lançada Revistade Precedentes). Como podemos falar de precedentes, se institucionalizamos algo que inexiste nos demais países: a divisão em "precedentes qualificados" e "precedentes meramente persuasivos"? O que é vinculante num precedente? O que vincula? Essa é a discussão que temos de fazer — e nisso a doutrina tem de se manifestar.
Como pode uma decisão em três ADCs que declara constitucional um artigo que espelha a Constituição não gerar um precedente a partir do qual está sacralizada como precedente a presunção da inocência até o trânsito em julgado, no sentido de que, tal como optou por fazer o legislador, ninguém será preso até que se encerre juridicamente a presunção da inocência com o trânsito em julgado?
Há mais uma questão que deveria ser levada em conta, mais pela doutrina do que pelo próprio STF: se o STF "superar" o precedente da presunção da inocência no caso da prisão no Júri, estará aberta a porta para voltar ao patamar anterior às ADCs 43, 44 e 54. Mais ainda, restará a institucionalização da Repercussão Geral como uma carta branca para que magistrados legislem. Observe-se: no RE não está em discussão a prisão automática. Era um caso concreto acerca da possibilidade de recorrer ou não em liberdade. O que está ocorrendo — com o Tema 1068 — é que o precedente a ser firmado é uma forma de legislar para o futuro.
Numa palavra: esse é o papel da doutrina em qualquer país do mundo, queiramos ou não. Sua função é iluminar e mostrar os acertos e os erros das decisões judiciais. Com todas as vênias — para usar um jargão do juridiquês — se esse não for o papel da doutrina, ela perde a sua serventia. A obra mais premiada na Alemanha nos últimos tempos se chama Uma Interpretação Ilimitada (ou Não Constrangida), de Bernd Rüthers (Die unbegrenzte Auslegung). Ali ele mostra como, ao ficar silente, a doutrina (e não só ela, é claro) assistiu, lenientemente, à ascensão do regime que levou ao nazismo.
Chamo a esse papel, com toda a lhaneza, de necessário constrangimento epistemológico [1].
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[1] Cfe. Verbete Constrangimento Epistemológico – Streck, L. L. Dicionário De hermenêutica (Editora Casa do Direito, 2ª. Ed) e Verbete Fator Julia Roberts – Streck, L.L. Dicionário Senso Incomum (Editora Dialética).
Em pedido encaminhado a Alexandre de Moraes, advogados afirmam que filhas de Torres estariam abaladas e que mãe do preso está com câncer. Também ex-secretário de Segurança Pública do DF, ele teve prisão decretada por indícios de omissão no caso dos atos de vandalismo de 8 de janeiro. Um golpe que para ser vitorioso seria sangrento com milhares de órfãos, de presos torturados e mortos. Um ministro da Justiça e Segurança sabe da samgreira de um golpe
Segue piedoso texto de Márcio Falcão e Bruna Yamaguti, TV Globo e g1 DF:
A nova defesa deAnderson Torrespediu, nesta segunda-feira (10),a revogação da prisão preventiva do ex-ministro e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal ou substituição por outra restrição “menos gravosa”.Os advogados afirmam que a liberdade de Torres não prejudicaria as investigações e relatam que ele estaria em "estado de tristeza profunda".
No pedido, a defesa do ex-ministro também argumenta que as filhas de Torres estariam abaladas e que a mãe do preso está com câncer.
"Anderson Torres] entrou em um estado de tristeza profunda, chora constantemente, mal se alimenta e já perdeu 12 quilos”, diz o pedido encaminhado ao ministroAlexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo os advogados, Torres não ocupa mais cargo na administração do Distrito Federal e, por esse motivo, "não teria qualquer condição de interferir no curso das investigações ainda em andamento, que, a propósito, já caminham para a sua conclusão".
"E a ser assim, a manutenção da prisão do requerente, que já dura cerca de 90 (noventa) dias, passaria a ser vista como uma grande injustiça e só se justificaria sob a ótica da antecipação do juízo de valor sobre o mérito (culpa) da causa, o que é iniludivelmente avesso ao sistema acusatório, ao Estado de Direito e ao princípio constitucional da presunção de inocência”" afirma a defesa do ex-ministro.
Em fevereiro deste ano, os ex-advogados de Torres já haviam feito opedido de revogação.
Em depoimento à Polícia Federal feito em fevereiro, Torres disse que não era de sua responsabilidade o planejamento operacional das ações para controle da manifestação e alegou ainda ter perdido seu celular nos Estados Unidos, onde passava férias no dia dos ataques.
Anderson Torres, que ora está em uma luxuosa cadeia, com valet de chambre, herdou ou manteve, como ministro da Justica e Segurança, um sistema carcerário desumano, com presos torturados, famintos, amontoados como lixo humano.
Um jovem cumpre pena de quatro anos em regime fechado por um crime que não cometeu. Outro, há anos, teria direito à progressão de regime e, no entanto, continua atrás das grades. Dezenas de casos como esses são retratados no documentário “Sem Pena”, coprodução entre o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e a Heco Produções, que ganhou o prêmio de melhor filme eleito pelo júri popular no Festival de Cinema de Brasília. O documentário vai muito além da situação dramática das penitenciárias brasileiras e retrata a realidade do sistema de justiça criminal e a dificuldade de obtenção de direitos pelos presidiários – situação constantemente mostrada nos mutirões carcerários realizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que desde 2008 proporcionaram a liberdade a 50.610 detentos que já possuíam esse direito e, no entanto, continuavam presos. O documentário, que levou cinco anos para ser concluído, mostra o que está por trás dos crimes, como a falta de oportunidades de estudo e trabalho e a disparidade social, o que faz que a maior parte da população carcerária seja jovem, negra e pobre, ou, como define um dos entrevistados do filme, trata-se do “encarceramento da pobreza”. Nenhuma população carcerária cresce na velocidade da brasileira, que já é a terceira maior do mundo. Sem Pena desce ao inferno da vida nas prisões brasileiras para expor as entranhas do sistema de justiça do país, demonstrando como morosidade, preconceito e a cultura do medo só fazem ampliar a violência e o abismo social existente.
No mundo, a maior incidência da morte de jovens é pela violência. Mas, quando este mesmo jovem é entregue ao sistema penitenciário do Brasil, outro drama prevalece: a maioria morre por doenças tratáveis. Devido às péssimas condições de higiene, ao excesso de umidade e à falta de ventilação do cárcere, agravados pela superlotação, as mortes por doença representam 61% dos 1.119 óbitos registrados nas prisões do país no último levantamento realizado, no primeiro semestre de 2017. No mesmo período, o Brasil tinha 24.633 presos diagnosticados com doenças transmitidas ou agravadas nas celas: 7.211 com HIV, 6.591 com tuberculose, 4.946 com sífilis, 2.683 com hepatite e 3.232 com outras enfermidades transmissíveis. No caso da tuberculose, a incidência dentro da cadeia é 4.500% maior do que fora dela.
Já imaginou como é a vida dentro de uma prisão? O que fazem no dia-a-dia as mulheres e os homens que são privados da liberdade? O Domingo Espetacular entrou em dois dos presídios mais conhecidos do Brasil, onde estão detentos que se tornaram famosos por conta da superexposição na mídia. Um deles é Tremembé, no interior de São Paulo, para ver de perto o espaço que os famosos dividem com presos nada comuns. São pessoas que cometeram crimes hediondos como estupro e homicídio. Será que é possível voltar ao convívio da sociedade depois de pagar a pena?
Recentemente o Supremo Tribunal Federal declarou, no âmbito da ADPF nº 334, proposta pela PGR ainda em 2015, a inconstitucionalidade da prisão especial prevista no artigo 295, inciso VII, do Código de Processo Penal. A decisão se deu por rara unanimidade do pleno, tendo o ministro Alexandre de Moraes como relator.
O fundamento central da decisão baseou-se na necessidade de se observar o princípio constitucional da isonomia, em que "[a] extensão da prisão especial a essas pessoas [diplomadas] caracteriza verdadeiro privilégio que, em última análise, materializa a desigualdade social e o viés seletivo do direito penal e malfere preceito fundamental da Constituição que assegura a igualdade entre todos na lei e perante a lei". (grifei)
A questão parece ser, em um primeiro olhar, pacífica. Um "easy case". E o consenso se fez presente, de fato, na unanimidade do pleno.
Mas exercitando meu resoluto senso incomum — sem deixar de lado meu local de fala como amicus da corte —, ouso discordar das razões de uma decisão como essa.
Vejamos.
Uma isonomia às avessas?
Todos sabemos que soa muito bem falar em "isonomia" quando o mérito é a "impunidade", o "combate" (sic) à criminalidade, etc. Combater privilégios é uma obrigação republicana.
A questão que se deixa de lado, contudo, quando se decide sobre qualquer tema relacionado ao sistema carcerário brasileiro, é... o próprio sistema carcerário!
Explico. Como sabemos, no mesmo ano em que a ação que discuto aqui foi proposta, 2015, o Supremo Tribunal declarou o sistema prisional em Estado de Coisas Inconstitucional (ADPF 347). Na época me manifestei contrariamente ao modelo de decisão aplicado, uma vez que de difícil — ou impossível — eficacialidade (sugiro a leitura do texto que escrevi — ver aqui).
Não parece desarrazoado pensar, hoje, que, se o sistema prisional é "inconstitucional", não faz muito sentido retirar a previsão de prisão especial para quem possua curso superior. Por isso é que se trata de uma isonomia às avessas, ou "nivelada por baixo". O jornalista Elio Gaspari, falando a sério ou por ironia, disse que, ao ser extinta essa prisão especial, os presídios melhorariam, porque gente do andar de cima faria com que as condições melhorassem em face da possibilidade desse segmento frequentar os ergástulos de Pindorama.
Não creio muito nesse tipo de "dialética". Seria mais ou menos como um marxista dizer que assalto acirra a luta de classes ou que não dar esmola acirra a revolução. Isto é: prender pessoas "do andar de cima" sem o "privilégio" da prisão especial antes da condenação definitiva poderá acarretar melhorias? Não creio. Porque o ponto não é esse.
Se o argumento é a isonomia, não funciona, porque advogados e autoridades continuarão a ter esse direito "especial". Logo, talvez a decisão do STF funcionasse se fosse, mesmo, para todos.
Eu não concordo. Sou a favor da prisão especial enquanto os presídios continuarem como estão (em Estado de Coisas Inconstitucional — afinal, foi o STF quem assim decidiu!).
No giro do raciocínio, penso que não deveria nem mesmo haver "prisão especial", pois esse raciocínio já parte do pressuposto de que há uma prisão "geral" — leia-se, um tipo de prisão que não seja condigna e humanitária.
Prisão deveria ser uma só, para qualquer prisioneiro, provisório ou definitivo, excetuando-se, evidentemente, pessoas que exigem algum cuidado especial do Estado, seja para assegurar a sua própria segurança ou a dos demais presos. Isso, sim, que poderíamos chamar de isonomia.
O contrassenso jurisdicional
Todo o resto é contrassenso jurisdicional, pois ao fim e ao cabo o Supremo Tribunal está, nas razões do acórdão da ADPF 334, decidindo contra o mérito da ADPF 347 (a do Estado de coisas Inconstitucional). Parece-me difícil não ligar uma decisão à outra.
Continuo a achar que aquela decisão (a do ECI) também teve caráter meramente retórico, pois declarar o sistema carcerário um estado de coisas inconstitucional não resolve(u) o problema. É como proibir o mosquito da febre amarela.
Garantir aos acusados que suas garantias processuais penais sejam cumpridas, por outro lado, resolve(ria). Mas a decisão veio e fez jurisprudência. Logo, o precedente do Estado de Coisas Inconstitucional tem de ser respeitado. Portanto, se há um "estado de coisas inconstitucional" nas/das prisões brasileiras, dever-se-ia diminuir o número de detentos, não aumentar. Pior: já tem muita gente querendo acabar com a presunção da inocência.
Quem ler a Lei de Execuções Penais perceberá que, fosse obedecida à risca, dispensaríamos prisão especial. O problema é a triste realidade. A triste realidade de um sistema já declarado inconstitucional e que, na prática, continua degradado e degradante. A decisão tomada na ADPF 334 mira na isonomia, mas a acerta na incoerência, pois o cumprimento da lei — para todos — é que gera a isonomia.
De todo modo, torçamos para que os órgãos competentes — incluindo neles o legislativo — impeçam que novos projetos encarceradores e punitivistas avancem; o executivo, a partir de políticas penitenciárias e de segurança pública efetivas; e o judiciário, cumprindo a LEP com rigor e efetivando garantias processuais a todos (vide o contraexemplo do Rio Grande do Norte, pois não?).
Apenas com o tempo poderemos atestar o quão retórico ou efetivo foram decisões como a ADPF 347 e 334.
Numa palavra final, vale a ironia do jornalista e filósofo Hélio Schwartsman, da Folha de S.Paulo. Como ele é "apenas" (entendamos bem as aspas) alguém com curso superior (portanto, sem direito à prisão especial!), sugere: "... vou reativar minha igreja, a Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio, e passar a distribuir ordenações sacerdotais. Com a exclusão dos que tem formação universitária do rol de beneficiados, o preço do título de ministro religioso deve subir".
Nota: para quem não sabe, pastores continuam com direito a prisão especial. Isto é: resta um imenso rol de pessoas com direito à prisão especial.
O caso Adélio Bispo de Oliveira desmoraliza a justiça brasileira. Primeiro que pagaram advogados para servir de carrascos. Advogados e juiz de custódia, se for o caso, ou juiz responsável pela Penitenciária Federal de Campo Grande fazem vista grossa para a punição que sofre Adélio nas mãos dos cruéis carcereiros nomeados por Jair Bolsonaro.
Melhor seria Adélio fosse executado - a pena de morte criada exclusivamente para ele, do que sofrer tortura diária em uma cadeia de segurança máxima do governo federal. Preferível a morte do que padecer cada interminável segundo de solidão, cada imutável minuto sem falar com nenhuma alma viva ou morta.
Desde que deu uma suposta canivetada em Bolsonaro, Adelio passou a ser um preso incomunicável, sem noção de quando é noite e de quando é dia. E fazendo jejum, comendo o pão que o diabo amassou, e sem os medicamentos que deveria tomar para amenizar os transtornos mentais de insônia, de ansiedade, de tensão, de medo das visagens. Fanático religioso, o medo do demônio, do inferno.
Que custa um comprimido para a constante dor de cabeça? Um telefonema para amenizar a saudade dos parentes, afastado que está das coisas, dos bichos e das pessoas?
Nem advogado Adélio tem. Apareceu um advogado de porta de cadeia.
Nenhum preso sofre mais a fome, a falta de tratamento médico psiquiátrico, a solidão, o apartamento, a separação, a incomunicação que Adélio.
A tortura que padece um castigo pelo crime que praticou ou medo de que ele fale. Por que preferiu usar uma arma branca depois de treinar tiro ao alvo na escola dos filhos de Bolsonaro?
Adélio está hoje visivelmente insano
por Joaquim de Carvalho
O advogado Zanone Manuel de Oliveira Júnior, que defendeu Adélio Bispo de Oliveira, disse que a chance da Polícia Federal encontrar em seu celular qualquer informação que leve a quem pagou pela defesa do autor da facada ou suposta facada em Juiz de Fora é zero.
Como o advogado Saul, da série Breaking Bad, ele contou que tem por hábito usar celulares por pouco tempo e depois destruí-los.
O celular apreendido com ele em dezembro de 2018, três meses depois do episódio em Juiz de Fora, já não era o que ele usava quando teria sido contratado para assumir a defesa de Adélio.
Eu entrevistei Zanone para o documentário “A máquina de fakeadas da extrema direita no Brasil”. A entrevista durou cerca de 20 minutos.
A certa altura, quando perguntava sobre detalhes do processo, Zanone disse que estava recebendo ligação de uma assessora, desligou e não atendeu mais a meus telefonemas.
“Eu destruo os celulares para proteger meus clientes, para que ninguém saiba o que converso com eles”, disse.
Outros pontos da entrevista serão publicados no documentário, que está em fase de finalização.
Zanone entrou no caso de maneira surpreendente.
No dia da facada ou suposta facada, ele agiu rápido para assumir o caso. Como tem escritório em Belo Horizonte, pediu a um ex-estagiário, que tem escritório em Barbacena, que fosse até a sede da Polícia Federal em Juiz de Fora e assumisse o caso, em nome próprio e também dele.
Em entrevista ao UOL, esse advogado, Pedro Possa, deu a versão de que foram contratados por um líder religioso que teria assumido o caso por “amor ao próximo”.
Cascata. Repito: cascata.
A entrevista foi publicada na sexta-feira passada, dois dias depois do Brasil 247 publicar artigo de minha autoria que relatava a conversa do perito José de Ribamar de Araújo e Silva com o ativista de direitos humanos Marconi Burum.
Nessa conversa, transmitida pelo Canal Resistência Contemporânea, Ribamar contou que entrevistou Adélio numa visita ao presídio federal em Campo Grande (segurança máxima).
Segundo ele, Adélio está hoje visivelmente insano, o que contrasta com seu estado de saúde em 7 de setembro de 2018, quando falou em audiência de custódia à Justiça Federal em Juiz de Fora.
Segundo ele, Adélio vive em condições análogas à tortura, como denunciaram outros presos do presídio.
Há mais de três anos, ele vive isolado em uma cela, de onde sai apenas num intervalo de duas horas, para banho de sol.
Adélio também nunca recebeu visita da família. Há duas semanas, um dos sobrinhos dele, Jeferson Ramos de Souza, mandou mensagem ao advogado Zanone, para tentar agendar uma visita.
O advogado respondeu em áudio que providenciaria o deslocamento, mas não deu nenhuma data. Parentes de Adélio contam que ele sempre dá essa resposta — “visita em momento oportuno” —, mas nunca toma nenhuma providência.
O perito Ribamar relatou que Adélio reclamou muito da falta de contato com os parentes.
“Ele disse que tem três irmãos, com quem se dava muito bem, e um sobrinho, com quem também se dá muito bem, mas que nunca foi visitado por eles, e ele sente falta desse contato”, destacou Ribamar, na conversa transmitida pelo canal Resistência Contemporânea.
Na hipótese de que Adélio tenha mesmo o transtorno mental grave que o tornou inimputável, Adélio deveria ser tratado em hospital psiquiátrico ou, na ausência de vaga, permanecer junto de familiares e receber atendimento médico adequado na rede pública.
Na entrevista ao UOL, o advogado Pedro Possa afirmou que Adélio é medicado no presídio. “Acredito que o tratamento tenha surtido efeito e ele esteja melhorando a consciência”, afirmou.
Não é possível dizer a que interesse atende essa declaração veiculada num site de grande audiência, mas com certeza não é a interesse público, já que a situação de Adélio é vista pelo defensor público Valber Rondon como uma grave violação de direitos humanos.
No ano passado, o defensor recorreu à Justiça para que Adélio fosse transferido a um hospital psiquiátrico em Minas Gerais.
O juiz de Campo Grande responsável por acompanhar a execução penal no presídio federal determinou a transferência, mas o magistrado responsável pelo caso em Juiz de Fora negou.
Estabeleceu-se um conflito de competência, que acabou no Supremo Tribunal Federal. Kássio Nunes Marques negou liminar para a transferência, e a ação foi julgada, em caráter definitivo em agosto, pela Segunda Turma do STF, que confirmou por unanimidade a decisão do ministro indicado por Jair Bolsonaro.
Para o defensor público Valber Rondon, o caso deveria ser denunciado a cortes internacionais de direitos humanos, da ONU ou OEA, já que Adélio é o único caso de inimputável que cumpre medida de segurança em presídio federal, onde 90 por cento dos presos tomam remédio psiquiátrico para suportar o isolamento e as regras de segurança máxima.
Valber foi trnsferido para Brasília há cerca de um ano. Segundo ele, a transferência não tem relação com o caso Adélio.
Seu sucessor em Campo Grande, efetivado há pouco tempo, ainda não tomou nenhuma providência nesse sentido.
A entrada de Zanone no caso é vista nos bastidores de Justiça como uma estratégia de advogados para assumir um caso de repercussão e, com isso, ganhar publicidade.
Pedro Possa, o advogado mobilizado por Zanone na tarde da facada ou suposta facada, esteve com Adélio no mesmo dia.
Para abordar o possível cliente, ele teria dito que tinha sido enviado pela mãe de Adélio.
Policiais que acompanharam a abordagem contam que Adélio riu e contou que a mãe tinha falecido fazia tempo.
Pedro Possa tentou se corrigir e afirmou que, na verdade, era uma tia. Adélio respondeu que não tinha proximidade com nenhuma tia.
Mesmo assim, assinou procuração no dia seguinte para Zanone, Pedro Possa e outros dois advogados para que assumissem sua defesa.
Uma questão importante: se Adélio já era portador de transtorno mental grave, essa procuração teria valor?
Mais tarde, outro criminalista entraria no caso, Alfredo Mejia, que é do Rio Grande do Sul e, a exemplo de Zanone, tem vasta experiência em direito penal, inclusive com livros publicados. Este, como Zanone, também não tem um patrocinador conhecido.
Zanone foi o primeiro a dar ao caso um encaminhamento que não é próprio de quem quer exposição midiática positiva.
Ele poderia ter defendido o Tribunal do Júri para Adélio, por tentativa de homicídio.
Mas, desde a primeira hora, propôs que o caso fosse enquadrado na Lei de Segurança Nacional então vigente, por inconformismo político; que Adélio fosse declarado inimputável; e que fosse transferido para presídio federal, longe de Minas Gerais.
A estratégia de Zanone pode ser vista como contrária aos interesses do cliente, já que, no Tribunal do Júri, ele não teria uma pena por tempo indeterminado (como, na prática, ocorre agora) e ficaria mais claro a motivação de Adélio para a ação em Juiz de Fora.
O que se sabe é que Adélio, ao contrário do que ele mesmo disse, não era um militante de esquerda — portanto, não tinha uma “ideologia diametralmente oposta à de Bolsonaro”.
Na rede social e em pregações em igrejas, Adélio promovia bandeiras bolsonaristas, como a redução da maioridade penal (projeto do próprio Bolsonaro e de seu filho senador, Flávio) e o combate ao projeto que criminaliza a homofobia.
Adélio só começou a fazer ataques a Bolsonaro depois de 5 de julho de 2018, quando dividiu o mesmo espaço com Carlos Bolsonaro no Clube de Tiro .38, onde fez um curso de três dias.
Encerrado o processo em Juiz de Fora que considerou Adélio inimputável, Zanone passou a dividir a defesa dele com a Defensoria Pública da União.
O órgão, criado pela Constituição de 1988 para atuar em casos em que o réu ou condenado não tenha condições financeiras para bancar a defesa, só entrou no caso depois que recebeu uma carta manuscrita de Adélio, em que ele pedia o afastamento de Zanone.
Trecho da carta em que Adélio pede o afastamento do indesejado Zanone. Um afastamento que a Justiça cúmplice não concede. Até um doido sabe quando um advogado não serve. Suspeito não é Zanone ter um suposto contrato. Suspeito é ele teimar em ser advogado de um preso na marra...
Hoje Zanone é, formalmente, curador processual do autor da facada ou suposta facada em Juiz de Fora, mas ainda dá as cartas no caso, como mostra a resposta que forneceu há duas semanas ao sobrinho de Adélio sobre a visita no presídio federal.
Pode ter havido facada em Juiz de Fora? Sim. Pode ter sido um autoatentado? Sim. O episódio é marcado por uma série de lacunas, que só uma investigação independente pode preencher.
Enquanto isso, Bolsonaro viaja para Dubai e dá declarações que, à primeira vista, parecem soar insanas, como a de que discutiu lá a troca de “presos políticos”.
Adélio não é um preso político, pelo menos formalmente, mas o desdobramento de uma investigação independente poderia gerar, efetivamente, acusados por agirem politicamente num caso que foi decisivo para a ascensão da extrema direita no Brasil.
José de Ribamar de Araújo e Silva integra o Mecanismo Nacional de Prevenção à Tortura, entidade criada por acordo do Brasil com a ONU, e esteve no estabelecimento onde Adélio vive isolado. Nem os parentes podem visitá-lo.
José de Ribamar de Araújo e Silva furou a proibição federal por representar a ONU.
De acordo com o art. 136, § 3.º, IV, da Constituição Federal, o preso não poderá ficar incomunicável. No entanto, pode ser decretada por decisão fundamentada do juiz a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, segundo art. 21, § único do Código de Processo Penal, não poderá exceder a três dias.
A incomunicabilidade é, sim, uma tortura. Mas com as ciências da Psiquiatria, do Comportamento, novos meios foram criados, além da Santa Inquisição.
A tortura existe sempre para arrancar informações. Adélio já discursou tudo que tinha de falar. Contou tantas histórias, que terminou com atestado de louco, assinado por psiquiatras e psicólogos.
Portanto, torturar Adélio visa a morte. Que seja suicídio ou 'suicidado' tanto faz.
O perito José de Ribamar de Araújo e Silva visitou Adélio Bispo de Oliveira no presídio federal de Campo Grande, que tem regras mais duras do que qualquer outro estabelecimento penal de segurança máxima.
Segundo o relato dele, dado ao ativista de direitos humanos Marconi Barum, ao chegar no presídio para verificar se havia tortura, pessoas do presídio disseram para ele falar com Adélio. E ele falou.
Adélio cumpre medida de segurança no local, por ter sido considerado inimputável pela Justiça Federal em Juiz de Fora.
O perito conversou com o ativista de direitos humanos Marconi Barum, do canal Resistência Contemporânea. Marconi é formado em letras e tem especialização em Direito Público.
A Defensoria Pública da União, que entrou no caso depois de receber uma carta de Adélio reclamando do advogado Zanone Manuel De Oliveira Júnior, entrou na Justiça para que ele fosse transferido a um hospital psiquiátrico.
O juiz de primeira instância em Campo Grande determinou a transferência. A Justiça Federal em Juiz de Fora foi contra. E estabeleceu-se um conflito de competência.
Em agosto, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, depois do caso passar pelo Tribunal Regional Federal da 1a. Região e STJ, confirmou liminar do ministro Kássio Nunes, indicado por Jair Bolsonaro, e autorizou a permanência de Adélio no presídio, onde sua rotina, segundo Ribamar, é comparável à de tortura.
O defensor que entrou com a medida para que Adélio deixasse o presídio federal me disse que o caso deveria ser remetido às cortes internacionais dos direitos humanos.
O defensor público da União é Valber Rondon Ribeiro Filho e sua declaração foi dada antes do relato do Ribamar se tornasse público e sem que tivesse conhecimento dessas informações.
"Adélio é um caso único, escandaloso, que precisa ser denunciado", disse o defensor público.
Ele não recorreu às cortes internacionais por ter sido transferido a Brasília. Segundo ele, a transferência não tem relação com o caso Adélio.
Veja o vídeo com os principais trechos da entrevista do perito José de Ribamar de Araújo e Silva.