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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

30
Dez22

Fascismos ou fascismo?

Talis Andrade

Imagem Plato Terentev

 

Considerações acerca das divergências interpretativas sobre o conceito histórico

por Sergio Schargel /A Terra É Redonda

Com quase 100 anos de historiografia e fortuna crítica, há diversas correntes interpretativas sobre o fascismo, seja como conceito, seja como o movimento de Mussolini. Algumas são contraditórias entre si, mas outras se contaminam, possuem pontos de consenso. Entre as principais correntes que se opõe, vale chamar a atenção para duas em particular: fascismo hermético e fascismo maleável.

O nome em si já indica o que esperar. Uma corrente que interpreta o fascismo como um movimento limitado a sua manifestação italiana com Mussolini (ou, se muito, a Europa de entreguerras), o outro que o entende como um conceito mais amplo, passível de deslocamento no tempo-espaço. Isto é, um fascismo x vários fascismos. O movimento se forma a partir do conceito, ou o conceito se forma a partir do movimento? Como o dilema do ovo e a galinha, transposto à teoria política.

Para os adeptos do fascismo hermético, o fascismo deve ser congelado em sua versão italiana, e qualquer outro movimento posterior, por mais semelhante que seja, não será reconhecido dentro do mesmo conceito. Ou seja, o conceito não deve absorver características novas. Por mais parecido que seja, é algo novo. Ou, como diz Michael Mann, “o fascismo de entreguerras não é um fenômeno genérico, mas de um período específico da Europa. Seu legado sobrevive, hoje, sobretudo num tipo diferente de movimento social: os etnonacionalistas”. Ignora Michael Mann, porém, que o fascismo sempre foi justamente uma forma de etnonacionalismo, um nacionalismo populista de massas.

Essa corrente também convenientemente ignora um aspecto chave: qualquer conceito político se reconstrói. A democracia brasileira é a mesma em 2022 que era em 2002? Ou a democracia estadunidense é igual a democracia francesa em 2022? Por certo que não. O conceito é o mesmo, mas os adjetivos sobre democracia beiram o infinito: procedimental, liberal, agonística, minimalista… Liberais do laissez-faire franceses olhariam horrorizados para os estadunidenses que se denominam liberais e, no entanto, o conceito é o mesmo. Se falamos em várias democracias, vários autoritarismos, vários nacionalismos, vários populismos, vários conservadorismos, por que não falamos em vários fascismos? Ou aceitamos o fascismo como um conceito elástico, ou teremos que empregar adjetivações consecutivas sempre que nos referirmos a democracias, conservadorismos, e outras noções políticas.

Outro ponto: como podemos falar em fascismo ou Fascismo, quando foram muitos fascismos? Lembremos que o Fascismo de Mussolini sobreviveu por mais de 20 anos, e certamente não foi estanque. Foram muitos movimentos, dentro de uma matriz. O fascismo italiano se reinventou, perpassou distintos estágios, evoluiu, retrocedeu em alguns momentos, intensificou em outros. Teve uma experiência liberal, no início, surgiu como uma dissidência do Partido Socialista Italiano (e em seus primeiros momentos ainda mantinha preocupações sociais semelhantes), um período de ditadura declarada após o assassinato de Giacomo Matteotti, as campanhas coloniais na década de 1930 e a tentativa de institucionalização com a publicação da Doutrina, e, por fim, a fusão com o nazismo durante a Guerra. Como falar, então, que o movimento de Mussolini foi uno? Sobre qual fascismo nos referimos quando falamos de Mussolini?

Se tomarmos a interpretação de Robert Paxton, de um fascismo “elástico”, ou “etapista”, então não há nada sobre o conceito que o impeça de se espalhar para além da Itália ou da Europa entre 1919 e 1945. Em outras palavras, movimentos equivalentes do mesmo período, como o Integralismo, poderiam ser considerados como fascistas. É evidente que quando se desloca um conceito da Europa para o Brasil diferenças significativas aparecerão. Todavia, pontos básicos de consenso permanecem, de forma que nos permitem chamar uma versão brasileira de liberalismo como tal, e o mesmo com fascismo. Em outras palavras, é preciso trabalhar os pontos de consenso e dissenso, quando da política comparada, para apreender essas reconstruções.

Dado esses argumentos, o que impediria que fascismos aparecessem no contemporâneo? Se o Integralismo foi uma versão de fascismo brasileiro, por exemplo, por que o bolsonarismo não o poderia? O argumento da política econômica é insuficiente, considerando que o próprio fascismo de Mussolini perpassou um período liberal. Como sugere Paxton em seu livro, é preciso resgatar o conceito da má utilização que sofreu desde a III Internacional, quando foi alargado a ponto de classificar os sociais-democratas como “sociais-fascistas”, mas não descartá-lo completamente. Pois é preciso um conceito que dê conta de englobar a forma de política inédita que surge no alvorecer do século XX, uma política de massas, populista, reacionária, autoritária e profundamente nacionalista, distinto de tudo que se via até então. Um movimento que mescla características simultâneas, condensadas dentro desses outros conceitos, como messianismo, rejeição da democracia agonística, desejo de retorno a um passado idealizado, inimigos objetivos desumanizados por terem imposto suposta degenerescência à nação, conspiracionismo paranoico e base de massas. Na falta de um conceito melhor, usa-se fascismo.

Em um artigo sem tradução para o português, mas depois condensado em seu livro, Paxton destaca que todo fascismo obedece a uma lógica pautada por cinco estágios, que vão da criação dos movimentos a entropia ou radicalização. O que impede que vejamos novos Hitlers e Mussolinis surgindo todos os dias, da mesma forma que impediu que o fascismo chegasse ao Executivo Federal no Brasil em 1938, não é um milagre, mas a junção de variáveis como resiliência democrática, cultura política, disposição do establishment em abraçar o movimento, o sentimento de crise, entre outros. A maior parte dos fascismos, como ressalta o autor, morrem ainda no primeiro ou no segundo estágio, sem conseguir adquirir relevância política suficiente. Alguns, como o Integralismo ou o Falangismo, vão além, e chegam ao poder. Mas falham no terceiro estágio, pois chegam como participantes secundários, forçados a obedecer a um movimento protagonista paralelo como o Franquismo ou o Varguismo.

Importante sempre lembrar, todavia, que conceitos como reacionarismo e autoritarismo por óbvio existem de forma independente, não sendo necessariamente fascismos. Mas quando aparecem em simultâneo, cresce o aroma.

09
Out22

Lula, Bolsonaro e o populismo

Talis Andrade

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por Cristina Serra

- - -

Está na praça um livro precioso para a discussão de uma categoria política que tem se prestado a muita confusão e distorção: o populismo. A obra é “Do que falamos quando falamos de populismo” (Companhia das Letras), dos cientistas políticos Thomás Zicman de Barros e Miguel Lago.

O livro analisa os contextos em que o termo surgiu no mundo e no Brasil e as mudanças de sentido adquiridas ao sabor de circunstâncias e conveniências (da política, da academia e do jornalismo). Mais importante ainda é o enquadramento contemporâneo do tema, em meio à disputa eleitoral Lula x Bolsonaro. É provocação intelectual das boas.

Muito usado com intenção pejorativa, o populismo foi motivo de orgulho para seus criadores, um movimento político russo, da segunda metade do século 19, que se opunha à tirania tzarista.

No Brasil, quem primeiro reivindicou o uso da expressão foi a direita reacionária, representada pelos integralistas de Plínio Salgado, no pós-guerra. No século 20, o populismo serviu para designar líderes tão destoantes quanto Vargas, JK, Jânio, Jango e Adhemar de Barros.

Dou um salto para chegar aos dias de hoje. Os autores argumentam que existem vários populismos (à direita e à esquerda) e que nem todas as suas formas ameaçam os fundamentos da democracia liberal. Defendem a tese de que o populismo pode ser, inclusive, “uma forma de mobilização emancipadora”, a partir da incorporação de direitos para enormes contingentes populacionais.

O livro considera falsa qualquer simetria entre os populismos contidos nos projetos lulista e bolsonarista, sobretudo a partir do que oferecem como resposta a conflitos e à vulnerabilidade de grupos sociais subalternos, diante de um mundo onde as certezas sobre o futuro se evaporaram.

Os autores também discutem a estética e a teatralidade do lulismo e do bolsonarismo, ampliando, com clareza solar, a compreensão das diferenças abissais entre os dois campos políticos, postos diante do eleitor.

 

16
Set22

“Bolsonaro é um pesadelo”, diz correspondente do Le Monde que lança livro na França

Talis Andrade
O jornalista Bruno Meyerfeld, correspondente do jornal Le Monde no Brasil.
O jornalista Bruno Meyerfeld, correspondente do jornal Le Monde no Brasil. © RFI

 

O correspondente do jornal francês Le Monde no Brasil, Bruno Meyerfeld, lança nesta segunda-feira (12), em Paris, o livro “Cauchemar brésilien” (Pesadelo brasileiro, em tradução livre) pela Editora Grasset. Baseada em reportagens pelo país, entrevistas e pesquisas sobre a história política do Brasil, a obra expõe a visão do jornalista sobre a personalidade e a trajetória do presidente brasileiro Jair Bolsonaro e as ações de seu governo.  

“O Bolsonaro é uma figura diversa e muito complicada. Foi difícil atribuir um título só para esse personagem. Ele é um produto do interior do Brasil, do Rio de Janeiro, onde foi deputado durante muitos anos, e um produto da política de Brasília”, diz Meyerfeld sobre o processo que o levou a escolher o título da obra.

“Alguns dizem que ele é um doente, um louco, outros dizem que ele é um grande estrategista, que conseguiu criar uma configuração perfeita para chegar ao poder. Ao mesmo tempo, outros dizem que é um ditador, um fascista. Mas os que gostam dele dizem que ele é um democrata e que o STF o impede de governar”.  

Finalmente o título do livro foi definido em uma conversa de bar no Rio, quando uma prima do jornalista expressou seu sentimento de que sob Bolsonaro os brasileiros vivem um verdadeiro pesadelo.

“Pesadelo é interessante porque é apavorante, parece surreal, mas fala muito sobre você e seu inconsciente. Acho isso uma característica muito forte do Bolsonaro e tão louco que pareça o bolsonarismo hoje, e especificamente o presidente, ele fala muito sobre a história do Brasil, a sociedade brasileira e suas raízes. Para mim, de certa forma, ele é um pesadelo”, diz o jornalista franco-brasileiro.

Sob o ponto de vista francês, a política do governo Bolsonaro para o meio ambiente é um dos pontos que justifica qualificar sua gestão de pesadelo. “Para os franceses, esse processo de destruição incrível que acontece na Amazônia é apavorante”, afirma.  Mas, segundo Meyerfeld, para os brasileiros, as maiores críticas podem vir da gestão da Covid-19 e da crise econômica, agravada pela inflação alta, a taxa de desemprego e a fome que atinge 33 milhões de cidadãos.

No entanto, para o correspondente do Le Monde, que chegou ao Brasil em 2019, quando Bolsonaro assumiu o governo, o mais grave diz respeito à crise relacionada à democracia do país. “Os ataques do Bolsonaro, dos bolsonaristas e de seu governo contra as instituições e contra as urnas eleitorais e o sistema de votação brasileiro, que era um motivo de orgulho dos brasileiros até hoje, vão ter consequências no longo prazo”, avalia. 

O grande número de armas em circulação no Brasil, estimado em 1 milhão, também são motivo de preocupação. “Essas armas vão ficar e poderão ter um impacto bastante grande nas relações sociais e no clima de violência que existe no Brasil”.

No texto, o autor alerta que o Brasil se transformou em uma espécie de “laboratório sobre os riscos do extremismo” e Bolsonaro é uma demonstração concreta do que o populismo de extrema direita é capaz de fazer, como a propagação da desconfiança na democracia e a utilização das redes sociais em um país que se encontra, segundo Bruno, em uma “bolha”. “Nessa bolha você pode fazer e falar o que quiser, exprimir qualquer tipo de opinião e está tudo bem. Tudo é muito extremo no Brasil porque às vezes você não tem o autocontrole, uma parte da sociedade brasileira se sente legítima para falar o que quiser”, afirma.

Bruno Meyerfeld refuta qualquer atribuição de Bolsonaro como “Trump Tropical”, em referência ao ex-presidente americano Donald Trump, ou de comparações com outros políticos populistas, como o húngaro Viktor Orban e a francesa Marine Le Pen, líder da extrema direita no país. “Isso é ignorar as especificidades do Brasil e do Bolsonaro. Ele é produto de uma história do Brasil moderno, da ditadura militar, da época da construção de Brasília também dos anos 1950 e 60, e de 30 anos de democracia. Ele tem características próprias”, garante.

 

França virou obstáculo

 

No livro de 361 páginas, Meyerfeld busca fornecer pistas de reflexão para os franceses que, na sua opinião, estão com uma certa dificuldade em acompanhar as mudanças que ocorreram no Brasil desde a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder.  

“Estou percebendo uma forma de incompreensão muito forte. O Brasil de alguns anos atrás era visto como um símbolo de desenvolvimento, progresso de uma democracia mais alegre e progressista, com um líder operário que conseguiu tirar milhões de pessoas da pobreza e de diminuir a taxa de desmatamento em 80%, era algo forte. Era uma democracia nova que estava dando certo. Hoje, com o Bolsonaro, que é visto aqui como o extremo do extremismo, um símbolo de desespero e retrocesso, as pessoas não entenderam muito bem a transição”, avalia.  

Durante o processo da produção do livro, Bruno Meyerfeld tentou várias vezes entrevistar o presidente, mas sem sucesso. Segundo ele, Bolsonaro não tem uma relação difícil apenas com a imprensa brasileira, mas também com os jornalistas estrangeiros e particularmente franceses. O obstáculo é reflexo também de uma crise diplomática entre os dois países depois dos embates de Jair Bolsonaro com o francês Emmanuel Macron, um recorrente crítico das políticas ambientais em vigor no Brasil. “Há pessoas inclusive do primeiro escalão do governo [brasileiro] que têm bastante respeito, até são francófilas, mas tem uma certa dificuldade em demonstrar afinidade por causa dessa briga do presidente com Emmanuel Macron”, explica.

“Fui a Brasília várias vezes, falei com vários assessores e entendi muito rapidamente que Bolsonaro não iria dar uma entrevista a um jornalista francês”. O pior, segundo Bruno Meyerfeld, é que o presidente conseguiu expandir sua visão hostil sobre a França para diferentes regiões. “Muitos setores favoráveis ao presidente Bolsonaro têm uma antipatia e até uma certa raiva contra a França. Isso dificulta muito mais o meu trabalho”, explica.

O livro “Cauchemar Brésilien” é lançado às vésperas do 1° turno da eleição presidencial no Brasil, ocasião para os franceses entenderem melhor o clima político instaurado no país e que pode se tornar imprevisível. “Lula é favorito e tem grandes chances de ganhar, mas o Bolsonaro tem uma dinâmica muito forte e ninguém pode menosprezar as chances do atual presidente se reeleger. Oito meses atrás ele tinha perdido cerca de metade dos eleitores dele. Atualmente, a perda é entre 20% e 25% . Hoje ninguém ganha com 70% no segundo turno e a sociedade vai continuar bastante dividida no futuro, com certeza”, opina.

O jornalista Bruno Meyerfeld lançou o livro Cauchemar brésilien, nesta quarta-feira, 7 de setembro.
O jornalista Bruno Meyerfeld lançou o livro Cauchemar brésilien, em 7 de setembro. © RFI


19
Jul22

“Bolsonaro é caso urgente de prisão, impeachment ou interdição”, diz o jurista Marcelo Uchoa

Talis Andrade

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247 -  O jurista Marcelo Uchôa defendeu nesta segunda-feira (18) que Jair Bolsonaro (PL) seja preso ou afastado do cargo após colocar novamente em dúvida a confiança do sistema eleitoral brasileiro, com o objetivo de justificar a possibilidade de golpe caso ele seja derrotado na eleição. 

"Há uma estratégia clara e em curso por parte do presidente da República, afirmada agora para o mundo inteiro, de contestar a idoneidade das instituições nacionais e justificar um golpe de Estado caso ele não vença as eleições. Cabe prisão, impeachment ou interdição. Urgentemente", escreveu o jurista no Twitter. 

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin, afirmou que Bolsonaro faz "populismo autoritário"

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03
Jul22

A ameaça da reeleição

Talis Andrade

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Bolsonaro escancarou o uso do “poder da caneta”

 
por Gustavo Krause
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No Brasil, a experiência da reeleição foi um erro. O Presidente Fernando Henrique reconheceu num gesto de grandeza humana e política. O que se imaginava uma avaliação democrática de aprovação ou desaprovação da gestão governamental, permitiu “fazer o diabo quando é a hora da eleição”, expressão sincera da Presidente Dilma Rousseff.
 

E quando é a “hora da eleição”? Está fixada no calendário eleitoral, mas começa exatamente no dia da posse do candidato(a) eleito(a), o(a) incumbente, que tem a força do “poder da caneta” e estimula o apetite insaciável por mais poder: todos passam a pensar na próxima eleição e a próxima geração que se vire a seu tempo.

Bolsonaro escancarou o uso da “caneta”. Por quê? Porque as eleições de 2018 foram, na expressão de Sergio Abranches, “disruptiva”, ou seja, rompeu com todos os padrões tradicionais e fatores capazes de explicar o êxito eleitoral de um candidato sem estrutura partidária, recursos financeiros e, apenas, 8 segundos de tempo no horário eleitoral.

Um fenômeno. Fez o percurso eleitoral sem debates e vitimizado por um grave atentado. Cresceu eleitoralmente. Venceu as eleições com ideias ancoradas no posto “Ipiranga”, supostamente, liberais. Mas não chegou a ser um enigma. A cada dia, emitia os sinais de que o discurso antipolítico, moralista, era uma cortina de fumaça para encobrir a absoluta inapetência para governar e, muito menos, para enfrentar os problemas globais decorrentes da pandemia e da emergência climática.

O Palácio do Planalto é uma fábrica de crise. Instituições sob suspeitas. Violências e ódios vicejam numa sociedade partida, como se a crise fosse a própria essência do governante inspirado no que os ideólogos dos extremismos denominam política da eternidade.

Na era digital, o uso intensivo das redes sociais, decisivas na eleição de 2018, é o mecanismo eficaz para a adesão irracional das mensagens e o meio mais rápido no alcance da mentira do que na disseminação da verdade. É o território adequado para o funcionamento das autocracias.

O ambiente eleitoral é ameaçador. O que deveria ser um momento de vigor democrático e renovação da esperança é a arena radicalizada entre “nós” e “eles”. Não é um preâmbulo saudável para a pacificação dos exaltados.

A propósito, o professor da Universidade de Yale, Timothy Snyder, estudioso das autocracias, criou e definiu o “sadopopulismo como políticas implementadas que prejudicam as pessoas… é sadismo, a administração deliberada da dor”.

Espero que o voto seja a vacina contra esta cepa do populismo.

Está faltando tinta na Bic do Bolsonaro | Ruth de Aquino - O Globo

Bolsonaro disputa maratona de insensatez com ele próprio, aponta Folha -  Brasil 247

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12
Jun22

A violência política

Talis Andrade

Charge Erasmo Spadotto – Brasil em Cima de Tudo - Portal Piracicaba Hoje

É o clima de animosidade decorrente do ambiente de intolerância que impede um espaço mínimo para o debate entre os candidatos sobre o Brasil

 

por Gustavo Krause

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A que ponto chegamos. O orçamento para segurança dos candidatos à Presidência da República prevê gastos de R$ 57 milhões e serão geridos pelo Sistema Integrado de Proteção aos Candidatos.

A propósito, a disputa pelo poder não é um jogo entre Cavalheiros e Damas. É jogo bruto aqui e mundo afora. No caso Brasileiro, tem se agravado.

A violência, supressão da Política, marcou o vasto mundo, sempre. Os fanáticos não perdoam. Seguem exemplos emblemáticos: Gandhi (grande alma), Anwar Sadat (Nobel da Paz, 1978), Martin Luther King, Kennedy, o Papa João Paulo II, Olof Palme, Primeiro-Ministro de Suécia, (1986), visionário na defesa das mulheres e da economia ambientalmente sustentável.

No Brasil, o primeiro Presidente civil, Prudente de Morais (1894-1898), ao recepcionar as tropas que regressavam da Guerra de Canudos, foi salvo do punhal do praça Marcelino Bispo de Arruda pelo Ministro da Guerra, Marechal Carlos Machado Bittencourt, vítima fatal do atentado.

Em 1930, o assassinato de João Pessoa, no Recife, por motivos passionais, serviu de estopim para a revolução liderada por Getúlio Vargas. Em 1954, o atentado da Rua Tonelero, a Carlos Lacerda, implacável opositor do Presidente, aprofundou a crise político-militar que levou Vargas ao suicídio. Há suspeita histórica de que “muitas mãos” apertaram o gatilho.

Em março de 2018, houve o brutal assassinato da vereadora Marielle Franco. No dia 06 de setembro, o Candidato Bolsonaro sofreu um grave atentado em Juiz de Fora. No primeiro trimestre do corrente ano, houve um aumento de 48,7% de casos de violência de crimes contra lideranças políticas (Observatório da Violência Política e Eleitoral)

Há uma violência mais sutil que afeta a democracia. É o clima de animosidade decorrente do ambiente de intolerância que impede um espaço mínimo para o debate entre os candidatos sobre o Brasil. As ofensas ocupam o lugar das propostas. O Presidente já deu provas evidentes de desapreço pela democracia. Reza por uma cartilha autoritária. Não vai a debates. Lula exerce o malabarismo discursivo entre a bolha radical e os “liberais” da Faria Lima. Refuga o debate como fizera em 2006.

São comportamentos que violentam a democracia. Não é fato inédito. Candidatos de várias filiações partidárias usaram a tática de não colocar em risco eventuais vantagens nas pesquisas.

Estão se lixando para o eleitor. Debater, qualquer que seja o formato, exige preparação, ensaios extenuantes, clareza nas ideias e compromissos programáticos.

A fuga alimenta a praga do populismo e reforça o inevitável estelionato eleitoral.

charge-chega-de-violencia-1 - PSDB - Mulher | PSDB – Mulher

Manifestantes dos povos indígenas Awa, Kaapor, Guajajara, Tremembé e Gamela em Santa Inés, Maranhão.

Atriz vencedora do Oscar Julie Christie e manifestantes na Embaixada do Brasil em Londres, pedindo que o Presidente Bolsonaro proteja as terras indígenas e pare o genocídio no Brasil

Atriz vencedora do Oscar Julie Christie e manifestantes na Embaixada do Brasil em Londres, pedindo que o Presidente Bolsonaro proteja as terras indígenas e pare o genocídio no Brasil. Publicado por Rosa Gauditano em janeiro 2019

03
Abr22

3ª via como discurso de ódio. E ainda: Moro, a conja e falsidade ideológica

Talis Andrade

namoro moro doria por vaccari.jpeg

 

por Reinaldo Azevedo

= = =

Um pequeno texto no Globo informa que Sergio Moro se encontrou neste sábado, em um hotel, com Eduardo Leite, ex-governador do Rio Grande do Sul e derrotado — inconformado — nas prévias do PSDB. Parece acreditar apenas em disputa que ele vence. Mas isso vem daqui a pouco. Um singelo parágrafo traz uma informação essencial:

"Moro deixou o hotel neste sábado e encerrou sua estada de dois dias em São Paulo também sem definir a qual cargo vai concorrer. Logo após sua filiação ao União Brasil, o partido anunciou em comunicado, que o ex-juiz seria candidato a deputado federal por São Paulo."

Como é? "Encerrou sua estadia de dois dias em São Paulo"? Ao se filiarem ao União Brasil, ele e sua "conja" afirmaram que têm domicílio eleitoral no Estado, o que, obviamente, é mentira. Já estreiam no partido com uma ocorrência escancarada de falsidade ideológica. Resolveram usar as terras paulistas como mero palanque, embora, como todos sabem, não tenham qualquer vínculo com a região. Ademais, entendo, tratam com menoscabo o Paraná, que, então, passa a ser considerado pequeno para o tamanho de sua ambição.

Olhem a que abismo político e moral desce a articulação disso a que pretendem chamar "terceira via". Leite perdeu a disputa interna em seu partido para João Doria. Deveria bastar. Ainda que quisesse se colocar como alternativa, isso só poderia ser feito num diálogo com o vitorioso no embate interno — na hipótese, claro!, de que ele, Leite, fosse efetivamente uma alternativa mais viável, coisa que nem os números nem as projeções mais otimistas demonstram. Não descarto nada que a física, a química ou a matemática digam ser possível. Mas reitero: se essa construção é ao menos potencialmente viável, um senso mínimo de lealdade indica que haveria de se fazer com Doria, não contra ele.

É um troço, em si, vergonhoso, pouco importa a opinião que se tenha sobre a postulação do ex-governador de São Paulo. Se Leite não consegue ser fiel a um processo de escolha de candidato definido pelo próprio partido e se a palavra que empenha junto aos seus não vale, por que a população haveria de acreditar em eventuais pactos que ele proponha como candidato? Trata-se de um despropósito talvez sem paralelo na política brasileira.

Fico com a impressão de que alguns medalhões da elite, infelizes com o que chamam, por aí, estupidamente, de "polarização", ficam zumbindo ao seu ouvido, como moscas azuis: "Vá em frente; chegou a sua vez; as prévias que se danem; vamos salvar o Brasil".

Eis aí: "salvacionismo". Essa palavra poderia definir as articulações até aqui da chamada "terceira via", aí sem exceção. Os que se apresentam como alternativa ainda estão no estágio da deslegitimação das duas candidaturas que estão na liderança e que expressam, no momento, a vontade de 70% do eleitorado — destacando-se que a diferença entre Lula e Bolsonaro é gigantesca. Peço atenção a três questões.Image

 

A PRIMEIRA QUESTÃO: PASSADO, PRESENTE E FUTURO


Não se pode simplesmente dizer que as pessoas estão erradas; que escolheram o equívoco; que, no fundo, não sabem nem votar. Há postulantes de mérito tentando um lugar nesse pleito -- não é o caso de Moro, o rei do demérito. Pois, então, que se desdobrem para evidenciar essas qualidades, indicando um caminho para o país. "Ah, mas Lula e Bolsonaro também não indicam", poderia responder alguém. Será? Dias desses, Leite afirmou que Lula remete ao passado; Bolsonaro, ao presente e que o país precisa de quem trate do futuro.

É uma frase espertinha, coisa de candidato a marqueteiro. Mas não quer dizer nada. Assenta-se, de resto, numa falácia. O "passado" que Lula evoca ainda é parte do cotidiano dos brasileiros. Todas as questões que realmente importam na campanha, na área social, são oriundas de políticas públicas implementadas pelo PT. Nem preciso enumerá-las. O "presente" de Bolsonaro traduz-se num embate ideológico que mobiliza — e não gosto disto, mas é fato — milhões. Com a conivência dos agora postulantes à "terceira via", que se juntaram a Bolsonaro em 2018, o "capitão" sequestrou o discurso liberal e conservador e o empurrou para uma espécie de guerra religiosa — a exceção é Luiz Felipe Dávila, e Ciro não se enquadra no grupo na categoria "terceira via".

Não, senhores! Lula e Bolsonaro não estão tratando de questões mortas.

 

A SEGUNDA QUESTÃO: OS "POPULISMOS"


A tentativa da "terceira via" de descontruir armadilhas populistas que Lula e Bolsonaro encarnariam costuma cair muito bem entre os brasileiros que estão com o futuro garantido. Os que vivem na incerteza -- a esmagadora maioria -- nem sequer entendem a conversa. Se vazada em grego antigo, não faria muita diferença. Rejeito, noto à margem, que o ex-presidente e o atual sejam males opostos e combinados também na economia. Aliás, acho essa suposição estúpida, mentirosa. Incluindo pessoas no mercado consumidor, o Brasil foi alçado à condição de "grau de investimento" no governo Lula. Grita-se: "A economia desandou com Dilma". É verdade. Mas, então, que se faça a crítica com os devidos matizes, tentando incluir na conversa os muitos milhões de brasileiros que veem sua condição de vida se deteriorar dia a dia.

Resta sempre a suspeita de que Lula e Bolsonaro precisam ser descartados porque só um "terceira via" teria condições de ministrar um "remédio amargo" que os outros dois rejeitariam... Como se Bolsonaro tivesse mesmo se esmerado em bondades!!! Ademais, o PT está fora do poder há seis anos. Sempre se podem evocar as vicissitudes que não decorreram de escolhas do governo — sempre existem, não? —, mas o fato é que houve uma deterioração de políticas públicas em áreas essenciais do país. E, bem..., o PT não teve nada com isso. Do MEC ao garimpo e desmatamento ilegais, passando pela paralisia do Minha Casa, Minha Vida, preciso mesmo fazer a lista?

É possível proceder à crítica informada dos governos petistas e do governo Bolsonaro. Enfiá-los no mesmo saco, declarando que são iguais, é uma mentira evidente, que o eleitorado não engoliu.

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A TERCEIRA QUESTÃO: A DEMOCRACIA


Acho essencialmente imoral que postulantes a terceira via não digam com clareza inconfundível, sem chance para leituras laterais, que Bolsonaro representa um risco para a democracia, e Lula não. Nem me limito à anunciada disposição de Bolsonaro para liderar um golpe, faltando apenas que os fardados topem a loucura. E ele insistiu na ameaça neste sábado. Além disso, há a história.

Dilma foi impichada sob a alegação de ter cometido pedalada fiscal. A propósito: reexaminei documentos e denúncia. Seu governo era muito ruim. Mas o crime não existiu, e o impeachment, que também defendi, foi um erro. Sigamos. Deixou o poder sem resistência e se submeteu às decisões das instâncias políticas e judiciais. Lula foi preso em razão de uma condenação sem provas. Ficou 580 dias na cadeia. Candidato à Presidência, está dialogando com quem ajudou a depor o seu partido e mesmo apoiou a Lava Jato, que o levou injustamente à prisão.

É imperdoável que os postulantes à "terceira via" não estabeleçam uma hierarquia moral que faça a devida distinção entre Lula e Bolsonaro no que respeita à defesa da democracia.

 

O GRANDE PATETA


O encontro entre Moro e Leite, de que trato no começo deste texto, é uma espécie de emblema de todos esses equívocos, com o peso adicional de que ambos resolveram juntar desvios personalistas ao que já não tinha rumo. Os de Leite já estão expostos. Moro, reconstituam rapidamente a trajetória, era o juiz que se comportava como o Luís 14 da 13ª Vara Federal de Curitiba. Foi servir como ministro de Bolsonaro, acumulando desastres no cargo. Chutado, escolheu -- o que é estupefaciente -- ganhar alguns milhões por nove meses de trabalho, sabe-se lá qual, na Alvarez & Marsal. Retorna ao Brasil como demiurgo do "nem-nem" e anuncia: "Juntem-se a mim os pré-candidatos". Dá tudo errado. Suas propostas para o Brasil se resumem a um tartamudeio de uma nota só. Abandona o Podemos sem nem aviso prévio e migra para o União Brasil com o compromisso firmado de que não pleiteará a Presidência. Ele mesmo faz o anúncio. No dia seguinte, muda de ideia, assegura não ter desistido e é desautorizado por parte da direção da legenda. Ainda assim, na sequência, encontra-se com Leite, aquele que não aceita o resultado de um jogo cujas regras ajudou a definir.

E o que eles todos têm a dizer? Há uma frase de Moro, publicada nas redes sociais, junto com uma foto em que aparece ao lado da senadora Simone Tebet (MS), pré-candidata do MDB: "Precisamos da indignação e do apoio de todos os brasileiros de bem".

Nessa formulação, os 70% que, por ora ao menos, escolhem ou Lula (mais ou menos 45%) ou Bolsonaro (mais ou menos 25%) não são "brasileiros de bem". E seria necessário, então, que a terceira via resolvesse criar uma minoria militante e indignada — que alcançaria, no máximo, 30% nas condições de hoje — contra aquela larga maioria de "pessoas do mal".

Prestem atenção a esta conclusão: a conversa de postulantes da terceira via, nos termos em que vem sendo processada, está se transformando numa variante de "discurso de ódio".

 

 

06
Mar22

As ideologias jogam bombas

Talis Andrade

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A extrema direita mostra o seu poder de fogo sob o conjunto de ideias bizarras e esotéricas

 

por Gustavo Krause

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Neste espaço, dia 24 janeiro de 2021, publiquei artigo intitulado O pesadelo. Tema: livro Guerra Pela Eternidade (Ed. Unicamp, 2020). Destaquei a análise do autor Benjamim Teitelbaum sobre o Tradicionalismo, fonte de inspiração ideológica dos populismos de extrema-direita como ameaça real às democracias liberais do ocidente.

Persistente, o autor ouviu três ideólogos do Tradicionalismo: o americano Steve Bannon, o brasileiro Olavo de Carvalho e o russo Aleksandr Dugin a partir da obra do patriarca René Guénon (1886-1951) e Julius Evola (1898-1974).

Descontadas divergências pontuais, todos exerceram real influência sobre governantes de três grandes países: EUA, Trump; Brasil, Bolsonaro; Rússia, Putin, cada qual com estilos e estratégias distintas.

Bannon ajudou a eleger Trump; indicou secretários de Estado em áreas estratégicas. (O conflito com a filha e o genro do Presidente causou uma demissão humilhante). Fortaleceu a direita americana com o legado do trumpismo; teve decisiva participação no resultado do Brexit: segue dando conselhos a peso de ouro.

O autor aproximou-se do ideólogo de Bolsonaro, Olavo de Carvalho a quem definia como um Tradicionalista heterodoxo. Língua solta e agressiva gerou frequentes atritos. Indicou Velez Rodriguez e Ernesto Araújo, genuíno tradicionalista, em áreas estratégicas para uma frustrada revolução cultural.

Dugin é o intelectual de maior densidade e ativista/guerreiro presente na brutalidade do conflito entre a Ossétia do Sul e a Geórgia. Rebelde e ousado, se movia no espaços de poder, lembrando Gregori Rasputin. Não tinha relacionamento oficial com o governo Putin.

Expressava o ódio às democracias ocidentais, em especial aos EUA, com a frase: “Tudo que é antiliberal é bom”. No seu livro, Fundamentos da geopolítica, encoraja os russos “a introduzir a desordem na atividade interna americana”. O secularismo corrompido era o grande adversário espiritual da guerra pela eternidade.

O objetivo estratégico Tradicionalista é a destruição dos valores iluministas: estado-nação, secularismo, direitos humanos, ciência, feminismo, instituições, globalismo. A proposta se alicerça no tempo cíclico e na hierarquia: a Idade do ouro (sacerdotes), prata (guerreiros), bronze (mercadores), sombria (escravos). A motivação central: a espiritualidade. Eles veem caos na estrutura, ordem nas ruínas e o passado no futuro.

A regeneração do tempo como um fim em si mesma é violenta. Múltiplas causas estão por trás dos bombardeios. A ideologia é o gatilho. Em 2014, Dugin convocou, em entrevista, os ouvintes a “matar, matar e matar” os leais a Kiev. Sonha com a unipolaridade eurasiana.

O cleptocrata Putin, hoje, obedece a voz cruel que ordena os crimes de guerra.

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17
Fev22

A reviravolta da liberdade de expressão e de imprensa no mundo

Talis Andrade

comunicação conversa Mohammad Saba'aneh.jpg

 

Por Ruy Dourado /ConJur

A liberdade de expressão e de imprensa não se confundem, mas caminham lado a lado , são importantes para o desenvolvimento humano, social e político de qualquer país.

A liberdade de expressão assegura o direito de manifestação do pensamento, de opiniões e ideias. Já a liberdade de imprensa decorre do direito de informação. O artigo 1º da Lei 2.083/1953 assegura que "é livre a publicação e a circulação no território nacional de jornais e outros periódicos".

Ambos são considerados como direitos fundamentais e garantidos pelo artigo 5º da Constituição Federal de 1988.

Entretanto, estamos observando que esses direitos vêm sendo ao longo deste século fustigados por investidas muitas vezes sutis, e outras nem tanto, por governos travestidos de democracia, quando na verdade não passam de verdadeiros manipuladores da população para perpetuarem seus objetivos, muitas vezes inconfessáveis.

O mundo mudou. Isso é fato. Hoje temos as mídias sociais ditando o certo e o errado, o populismo escancarado em certos continentes, aumento da pobreza, concentração de capital etc.

Como se tudo isso não bastasse, ainda surgiu uma pandemia no meio do caminho, que vem "autorizando" governos a adotarem medidas que flagrantemente violam o direito dos cidadãos e as liberdades individuais. Como todo evento histórico depende de algum tempo para ser entendido, teremos de aguardar o distanciamento necessário desses fatos para realmente entendermos o que tudo isso irá significar para a humanidade.

Contudo, o mais curioso de tudo isso é que desde já identificamos o que parece ser um alinhamento mundial na busca pelo controle dos seus cidadãos e de suas vidas privadas, sob o pretexto, entre outros, de aumentar a segurança contra atos terroristas, evitar ataques cibernéticos e, mais recentemente, controlar a pandemia da Covid-19 e suas mutações.

No Democracy Index de fevereiro de 2021, da Economist, constatou-se que, em tradução livre, "bloqueios impostos pelo governo e outras medidas de controle de pandemia levaram a uma enorme reversão das liberdades civis em 2020, causando um rebaixamento na maioria dos países".

Temos observado uma deterioração na defesa das garantias à liberdade expressão e de imprensa em diversos países e, ao mesmo tempo, um silêncio ensurdecedor dos operadores do Direito nas suas diferentes frentes.

A título de exemplo do que estamos discorrendo neste breve texto, merece destaque a virada do nosso vizinho Uruguai, que, a partir de um pacote legislativo abrangente, incluiu restrições à liberdade de expressão.

E isso em um país que, desde o seu retorno à democracia, tem sido destacado como um exemplo democrático na América Latina, ficando dez posições à frente dos Estados Unidos no mesmo Democracy Index, de 2020, da Economist.

Sob o pretexto de conter o aumento da criminalidade, a Lei de Urgente Consideração (LUC) prevê maiores poderes para conter manifestações, endurece sentenças e limita as chances de relaxamento de prisão.

Tudo o que vemos no momento atual da humanidade cria um ambiente hostil para se viver em liberdade plena. Poderíamos citar diversos exemplos do aumento do controle pelo Estado da vida das pessoas pelo mundo.

Mas o que este singelo texto pretende provocar é a reflexão dos operadores do Direito para que fiquem atentos a todas essas investidas ao controle indiscriminado das liberdades individuais e da imprensa, que muitas vezes vêm vestidas de uma narrativa enviesada e que, na verdade, visam a promover interesses próprios e perpetuar o controle sobre a vida das pessoas.

comunicação conversa vida moderna Adán Igles

02
Nov21

Questões sobre o fascismo, ontem e hoje

Talis Andrade

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Imagem Thiago Kai

 

por Vladimir Puzone /A Terra É Redonda

As discussões sobre o fascismo têm ganhado nova importância nos últimos anos, tanto em debates de movimentos e organizações de esquerda quanto em meios universitários. O motivo é evidente para quem acompanha minimamente o cenário das crises mundial e brasileira. A ascensão de grupos e de governos de extrema-direita em países com diferentes condições políticas e econômicas fez com que o termo fascismo voltasse a ser amplamente utilizado.

No entanto, apesar da retomada do termo, restam muitas questões sobre sua pertinência para compreender e combater aqueles grupos e governos. Entre essas questões, é possível destacar as seguintes: quais as semelhanças e diferenças entre seus usos atuais e as discussões que atravessaram o século XX, período que assistiu ao florescimento de movimentos e regimes mais ou menos próximos ao modelo italiano, a origem de todos eles? Será que esse é mesmo um termo adequado para se compreender o que está acontecendo? Seria o fascismo um movimento e uma ideologia datados no tempo, isto é, vinculados à primeira metade do século XX? Ou estaríamos diante de formas renovadas de suas manifestações?

Também é possível afirmar com alguma dose de certeza que o termo “fascismo” não é consensual. Se não há muitas dúvidas em caracterizar os movimentos e regimes liderados por Mussolini e Hitler com a expressão, não se pode dizer o mesmo a respeito dos acontecimentos em diferentes lugares e períodos. A Espanha de Franco entre os anos 1930 e 1970 pode ser considerada um caso exemplar do fascismo tanto quanto o Japão das décadas de 1930? Seria possível caracterizar as ditaduras militares da América do Sul em meados do século XX da mesma forma que o regime grego da mesma época?

Além dessas questões, muito se discute a respeito de um neofascismo, levando-se em conta sobretudo as semelhanças com as formas de mobilização de grupos em sua maioria pequeno-burgueses e os atuais protestos contra a corrupção nos governos petistas e, mais recentemente, a favor de Jair Bolsonaro. Assim como seus antecessores, os manifestantes brasileiros apontam para a eliminação política e física de seus opositores de esquerda. Apesar dessa semelhança, também é possível se contrapor à caracterização da mais recente onda de direita no Brasil como neofascista. Afinal, grande parte dos apoiadores do atual presidente não reivindicam a herança fascista e não usam símbolos como os fascios ou suásticas. Ao contrário, em afirmações revisionistas e que beiram o delírio, alegam que o nazismo seria de esquerda.

Ainda sobre o paralelo entre a situação histórica das primeiras décadas do século anterior e o presente cenário político brasileiro, o sentido da expressão “fascismo” também é disputado se levarmos em conta uma análise da forma de governo e do estado, bem como sua relação com a forma pela qual a acumulação de capital ocorre em distintos períodos históricos. Por um lado, o caso alemão foi considerado por muitos observadores da época como um exemplo da intervenção ativa do Estado sobre os processos de acumulação e organização da força de trabalho nas plantas fabris, ao mesmo tempo em que o partido nazista se associava a grandes conglomerados capitalistas.

Por outro lado, é difícil dizer que o governo Bolsonaro preze por uma intervenção ativa na atual crise econômica, haja vista a política de preços dos combustíveis que favorece exclusivamente os acionistas da Petrobrás e procura levar à força sua privatização completa. É claro, o horizonte da acumulação alterou as atribuições do estado, que agora atua mais fortemente para garantir que as condições da financeirização possam continuar, reforçando ao mesmo tempo a precarização dos trabalhadores e sua transformação em empresários de si mesmos. O vínculo entre o Estado e o governo brasileiro e os grupos ligados a bancos e instituições financeiras não deixa de apresentar um traço em comum com o caso nazista. Contudo, alguns veem nos eventos nacionais um caso de aprofundamento de tendências autoritárias da política brasileira, ou, em chave distinta, um simples regime de destruição dos arranjos institucionais do Brasil firmados na Constituição de 1988 – que tentou, com passos muito tímidos, a construção de um estado de bem-estar por aqui.

Mais recentemente, nos últimos anos, o retorno da expressão “fascismo” ao vocabulário teórico e político não deixou de ser atravessado por polêmicas. Entre as mais significativas está a oposição com outro termo caro ao debate contemporâneo, “populismo”. Mais do que um simples adjetivo que descreve formas de regime político distintas das democracias representativas liberais, a palavra populismo procura, para muitos, captar as transformações das direitas contemporâneas. Assim, “fascismo” seria um termo adequado para descrever o que aconteceu entre as duas primeiras guerras mundiais, mas muito pouco preciso para se entender uma gama de organizações e governos que vão desde Donald Trump até Rodrigo Duterte, passando por nomes como Recep Erdogan e Viktor Orbán.

Tamanhas seriam as novidades representadas por movimentos como o Tea Party, o MBL e o movimento 5 Stelle que muitas autoras preferem utilizar um termo ainda mais abrangente do que populismo e fascismo. É comum encontrarmos a expressão “novas direitas” para enfatizar ideários e práticas que não seriam encontrados no século XX. Seguindo uma trilha aberta por estudos sobre processos de (des)democratização, aqueles governos e movimentos seriam descritos também como “iliberais” – embora essa caracterização deixe escapar as possíveis afinidades entre os liberalismos e os fascismos. Estão em questão, portanto, as próprias promessas da democracia liberal e representativa e seus contínuos fracassos em fazer justiça a um processo real de democratização da vida da maioria das pessoas.

Sem dúvida, um dos terrenos de difusão das “novas direitas” e de movimentos neofascistas são as redes sociais. A divulgação de fake news e de páginas com teorias conspiratórias, que alimentam as paranoias e síndromes persecutórias de muitos aderentes das extremas-direitas, encontrou não apenas um refúgio em plataformas como FacebookYouTube e Whatsapp. Estas também fomentaram a própria forma de organização de grupos de intolerância e que glorificam a violência e o uso de armas de fogo. No entanto, podemos dizer que a relação entre tais grupos e os meios contemporâneos de comunicação e divulgação de informações não deixa de apresentar algumas semelhanças com a mobilização do rádio e do cinema operada pelos fascismos. Em particular, podemos ver como em ambos os momentos históricos o conteúdo das mensagens divulgadas pelas lideranças autoritárias apresentam distorções da realidade muitas vezes toscas, além da clara mobilização de sentimentos de frustração e ressentimento com uma ordem social marcada pela irracionalidade.

Ao contrário do que alguns círculos de esquerda e anticapitalistas propagam, discutir o fascismo é, sim, importante. Não se trata de um debate puramente intelectual, como se saber quais os traços dos movimentos fascistas e sua relação com a sociedade capitalista consistisse apenas numa lista de aspectos universais a serem aplicados aos casos particulares. O combate aos grupos e regimes que buscam o extermínio de lutadores e organizações de trabalhadores e subalternos não pode ser feito sem que se conheça o adversário. Em especial, simples palavras de ordem contra os fascistas e seus assemelhados não levam a formas de organização de trabalhadores e subalternos que se coloquem como alternativa à rebelião a favor da ordem burguesa. O anti-intelectualismo não é somente um beco para a transformação radical de nossa forma de organização social. Ele é o próprio solo fértil em que germinam e florescem os fascismos e seus movimentos congêneres.

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