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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

24
Jul22

Governo é o "culpado" por mortes de Dom e Bruno? O governo é o responsável (vídeos) 

Talis Andrade

Caminhão circula em Los Angeles, durante a Cúpula das Américas, com telão que traz a imagem de Dom Phillips e Bruno Araújo. Repercussão no mundo é a pior possível. E com razão - DivulgaçãoCaminhão circula em Los Angeles, durante a Cúpula das Américas, com telão que traz a imagem de Dom Phillips e Bruno Araújo. Repercussão no mundo é a pior possível. E com razãoI

 

por Reinaldo Azevedo

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Pronto!

Já se sabe o que se temia saber: Dom Philipps e Bruno Araújo Pereira estão mortos. O governo Bolsonaro é culpado? "Culpa" é vocábulo oriundo ou da religião ou do direito penal. O governo Bolsonaro é responsável. E a "responsabilidade" integra o vocabulário da política e da moral.

Bolsonaro, como ficou evidente em mais de uma manifestação, preferiu culpar as vítimas. É o que também fazem os seus bate-paus nas redes sociais. A síntese é esta: "Conheciam os perigos; quem mandou?". Os facinorosos digitais, na verdade, já estão dedicados a uma campanha para demonizar o jornalista e o indigenista, a exemplo do que fizeram com Marielle Franco, assassinada no dia 14 de março de 2018.

No extremo da abjeção, chegaram a associá-la ao tráfico de drogas. Na sanha para atrair o eleitorado de extrema-direita, o então candidato ao governo do Rio Wilson Witzel, que disputava o segundo turno com Eduardo Paes em 2018, levou Daniel Silveira e Rodrigo Amorim a um ato para quebrar uma placa de rua em homenagem à vereadora. Silveira e Amorim já tinham sido eleitos, respectivamente, deputado federal e deputado estadual. Era a brutalidade em estado puro. Na foto, os três riem à larga.

Em 1976, Milton Nascimento e Ronaldo Bastos compuseram a música "Menino", em homenagem a Edson Luís, assassinado pela Polícia no dia 28 de março de 1968 no Calabouço, restaurante estudantil que ficava no Aterro do Flamengo. Diz a letra:

"Quem cala sobre teu corpo/ Consente na tua morte (...) Quem cala morre contigo/ Mais morto do que estás agora".

O bolsonarismo não cala sobre os corpos. Essa gente os proclama e os transforma em estandarte às avessas, como se fossem despojos que tomaram do inimigo. Assim, não basta que morram: também é preciso destruir a sua reputação, tentando impor-lhes uma segunda morte, como tentaram fazer com Marielle.

AS RESPONSABILIDADES

O governo Bolsonaro é culpado? É responsável pelo desmonte das políticas ambientais; pela incitação quase cotidiana, ainda que indireta, à invasão de terras indígenas; pela demonização das reservas; pela desqualificação permanente de lideranças e entidades que atuam em favor da preservação da Amazônia; pela incentivo à resolução de conflitos na base da bala; pela desqualificação dos críticos, mesmo os mais técnicos, que são tratados como inimigos.

A rede bolsonarista antecipou um argumento que o próprio presidente vocalizou em solenidade no Palácio do Planalto:

"Quando mataram a Dorothy Stang, ninguém culpou o governo. Era de esquerda".

No dia 12 de fevereiro de 2005, a freira norte-americana Dorothy Stang, naturalizada brasileira, foi assassinada com seis tiros na área rural do município de Anapu, no Pará. A morte da missionária foi encomendada pelos fazendeiros Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, e Regivaldo Galvão, o Taradão. Amair Feijoli da Cunha, o Tato, foi intermediário do crime. Rayfran das Neves Sales e o comparsa, Clodoaldo Carlos Batista, foram os executores.

Numa entrevista, Rayfran diz que não esperava que a morte da freira tivesse tamanha repercussão porque, vejam vocês, "quase todo dia morria gente lá". E depois emendou: "A mídia fez isso. Colocaram o que eles quiseram colocar. Eu não sou um monstro". E dá um sorriso.

Matadores não gostam da mídia.

O presidente era Lula. A ministra do Meio Ambiente era Marina Silva. É fácil enfrentar a questão proposta por Bolsonaro — até porque ninguém está "culpando" o seu governo. De fato, a gestão Lula não podia ser considerada responsável porque buscava combater a grilagem de terra e dava suporte à reforma agrária. O assassinato de Dorothy estava contra a metafísica influente do Palácio do Planalto então; já as mortes de Dom e Bruno estão a favor do Palácio de agora.

É claro que o presidente da República sabe a diferença. Assim como diferentes foram as reações.

Lula se pronunciou deste modo sobre Dorothy:

"É abominável que as pessoas ainda achem que um revólver 38 seja a solução para um conflito, por mais grave que ele seja. Nós não descansaremos enquanto não prendermos os assassinos e os mandantes do crime para que a gente mostre, claramente, que no nosso governo não tem impunidade".

Em seguida, referiu-se à preservação ambiental, à criação de reservas e a assentamentos:

"Essas coisas têm incomodado alguns reacionários, alguns conservadores da área madeireira. Porque os bons madeireiros estão trabalhando de acordo com o governo; estão fazendo parcerias com a ministra Marina [Silva, do Meio Ambiente]"

Bolsonaro preferiu atribuir a responsabilidade às vítimas:

"Esse inglês era malvisto na região porque ele fazia muita matéria contra garimpeiro, questão ambiental. Aquela região lá, região bastante isolada, muita gente não gostava dele. Tinha que ter mais do que redobrado a atenção para consigo próprio. E resolveu fazer uma excursão. (...) A gente não sabe se quando, saiu do porto, só dois, alguém viu e foi atrás dele. Lá tem pirata no rio, tem tudo o que se possa imaginar lá. É muito temerário você andar naquela região sem estar devidamente preparado fisicamente e também com armamento, devidamente autorizado pela Funai. Pelo que parece, não estavam".

Não havia, efetivamente, como responsabilizar — culpados são os assassinos — o governo Lula porque este buscava coibir, em vez de incentivar, atividades ilegais em reservas indígenas.

PARALELISMOS CANALHAS

Em conversa com uma militante bolsonarista, o presidente reclamou de uma decisão do ministro Roberto Barroso, que cobrou providências do governo. E citou os 60 mil desaparecidos por ano no país:

"Barroso podia dar cinco dias também para achar os 60 mil. Vem sentar na cadeira para dar dica de como achar os 60 mil desaparecidos e não só dois que estão lá porque todos merecem dedicação".

É outro argumento vomitado por seus apoiadores nas redes. O número, com efeito, é brutal, mesmo para um país com 215 milhões de habitantes. É evidente que são múltiplas as causas que o explicam — e não se descarte que parcela se deva à violência. Mas só os estúpidos, ou contaminados por incurável má-fé, ignoravam que o desaparecimento (e, agora se sabe, morte) de Bruno e Dom estava ligado a uma questão que diz respeito a políticas públicas e a escolhas feitas pelo Estado e pelo governo brasileiros.

A canalha igualmente grita: "Quase 60 mil pessoas são assinadas por ano. Por que duas fazem tanto barulho?" Noto que a política armamentista de Bolsonaro concorre para a carnificina. Mas isso fica para outra hora. Mesmo diante da tragédia civilizatória que representam essas milhares de mortes, o "barulho" por Bruno e Dom é justificável e tem de ser amplificado. Ainda que seus assassinos possam não ter a consciência de todas as implicações de seu crime, este tem uma óbvia dimensão política. Dada a orientação que hoje emana do Palácio do Planalto, pode-se falar que essas mortes são conexas à política oficial.

PARA ENCERRAR

E, se ainda faltassem evidências da responsabilidade do governo federal pela tragédia, convém lembrar que, enquanto Bruno e Dom estavam desaparecidos, Bolsonaro fez dois discursos furibundos contra reservas indígenas, ameaçando descumprir decisão judicial caso o Supremo não reconheça o tal marco temporal -- que é inconstitucional.

Vale dizer: havia dois defensores de reservas indígenas, provavelmente mortos, como o próprio Bolsonaro especulou, e ele fez proselitismo fascistoide contra terras indígenas. O bolsonarismo não consente nas mortes porque cala.

O bolsonarismo tripudia sobre os corpos.

 

 

 

 

14
Jul20

Um Nuremberg para Bolsonaro

Talis Andrade

 

Por Marcio Sotelo Felippe/ Revista Cult

Em 16 de outubro de 1998 o senador Augusto Pinochet encontrava-se tranquilamente em Londres para tratamento médico. Foi preso pela Scotland Yard em cumprimento a um pedido de extradição emitido pelo juiz espanhol Baltazar Garzon por crimes contra a humanidade.

A ditadura de Pinochet deixou 40 mil mortos segundo dados oficiais, mas estima-se que o número real seja próximo de 100 mil. Entregou o poder em 1989, mas manteve o controle das Forças Armadas e, em 1998, tornou-se senador vitalício.

Nenhum dos crimes foi cometido na Espanha ou na Inglaterra. Embora houvesse menção a cidadãos espanhóis vítimas da ditadura chilena no pedido acatado por Garzon, isso não era relevante. O pedido de extradição e sua observância  pelo Estado inglês naquele momento tinham como fundamento a regra da jurisdição universal dos crimes contra a humanidade. Não importa a nacionalidade das vítimas, o lugar em que os crimes foram cometidos; não importam as regras típicas do Direito comum e interno sobre competência. Por força de uma norma vinculante (diz-se “cogente”) de Direito Internacional, todo Estado  tem jurisdição nos  crimes contra a humanidade.

Nada de novo. Desde o início da Idade Moderna, por volta do século 16, a pirataria está sujeita à jurisdição universal. O primeiro escritor do Direito Internacional, Grocio, em 1624, escreveu que “reis têm o direito de punir não apenas por ofensas contra si ou seus súditos, mas também nas graves violações das leis da natureza (…) porque devem cuidar da sociedade humana em geral” (De Jure Belli ac Pacis).

No episódio, o Estado inglês deu decisões contraditórias, em alguns momentos reconhecendo a jurisdição universal. A resistência liderada por Margaret Thatcher, que gostava  de Pinochet porque combateu o comunismo, fez com que o ditador não fosse extraditado para a Espanha e pudesse retornar para o Chile por razões de saúde.

Faria bem a Bolsonaro refletir sobre Pinochet. Ou sobre Eichmann, condenado por um Estado que sequer existia quando seus crimes foram cometidos. Um dia, quem sabe, ao pisar em algum aeroporto em algum lugar do mundo, o presidente poderá ser surpreendido por um mandado de prisão.

O colunista da Folha de S.Paulo Bruno Boghossian fez a revelação mais chocante sobre a conduta de Bolsonaro na crise da pandemia. Deveria ter sido manchete em todos os jornais, mas passou algo despercebido em meio à coleção de loucuras perpetradas por ele desde o início da crise. Boghossian afirma que o ex-secretário do Ministério da Saúde, Wanderson Oliveira, contou à repórter Natalia Cancian que o Palácio do Planalto foi avisado em março que a estimativa de mortos pela pandemia seria de 100 mil pessoas em seis meses. No momento em que escrevo, quatro meses depois, ultrapassamos 70 mil mortos. A projeção está sendo certeira. Sabendo dela, Bolsonaro disse no final de março que “alguns vão morrer, é a vida” e que os mortos “não passariam de 800”.

Desde então aglomerou-se sem máscaras. Afirmou tratar-se de uma gripezinha. Defendeu o uso de remédios sem comprovação científica. Fez carga contra os governadores e prefeitos que tomaram as necessárias e sãs medidas sanitárias restritivas. Usou a si mesmo como exemplo de saúde por ser “atleta”, escancarado a eugenia da sua conduta (os idosos, frágeis e portadores de comorbidades não importavam). Quis liberar academias e salões de beleza das restrições. Quis impedir o uso de máscaras em presídios, templos religiosos e em lojas. Demitiu dois ministros da saúde porque não seguiram a sua política criminosa. O Ministério da Saúde é ocupado por um militar interino. Nunca houve plano, estratégias ou esforço coordenado de combate à doença por parte do governo federal. Dos 40 milhões de reais previstos para enfrentar o novo coronavírus, o governou gastou apenas 12 milhões.

Para cúmulo e remate, vetou pontos de projeto aprovado pelo Congresso que garantiam a comunidades e aldeias indígenas acesso universal a água potável, distribuição gratuita de materiais de higiene, de limpeza e  desinfecção de superfícies, oferta emergencial de leitos hospitalares e de unidade de terapia intensiva, ventiladores, máquinas de oxigenação sanguínea e recursos para resguardar a saúde indígena. Cerca de nove mil estão contaminados e 190 morreram. Sentenças de morte para indígenas. A recusa em proteger presidiários e indígenas são, mais uma vez, criminosas políticas eugenistas.

O Estatuto de Roma, que rege o Tribunal Penal Internacional, estabelece como crime contra a humanidade, entre outros, homicídios e atos desumanos que causem intencionalmente grande sofrimento ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental, cometido no quadro de um ataque generalizado ou sistemático contra qualquer população civil.

O dispositivo é, na verdade, uma consolidação de normas imperativas, obrigatórias, de Direito Internacional, fixadas desde Nuremberg, cujas fontes são o costume, o reconhecimento ao longo do tempo, os princípios gerais de direito. No caso dos crimes contra a humanidade, o conceito e as regras de aplicação foram solidificadas pela Comissão de Direito Internacional da ONU, em 1950, e contemplavam a mesma norma: assassinato, extermínio, escravização, deportação e outros atos desumanos cometidos contra qualquer população civil.

Convém estabelecer a distinção entre normas costumeiras, imperativas de Direito Internacional e normas convencionais estabelecidas por tratados, acordos firmados entre Estados. É que as primeiras têm vigência e eficácia acima das segundas. Isto é expresso na Convenção de Viena sobre tratados: “É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza”.

O Brasil assinou o Estatuto de Roma. Não tivesse assinado continuaria, como todos os países que não o firmaram (como os Estados Unidos), ainda sujeito às normas costumeiras imperativas de Direito Internacional Penal, à categoria crime contra a humanidade. A prisão de Pinochet não se deu sob a égide do Estatuto de Roma, que somente se aplica aos signatários e por atos posteriores à sua vigência. Deveu-se a tais normas imperativas de Direito Internacional, assim como a condenação de Eichmann, o processo de Klaus Barbie e de tantos outros criminosos nazistas desde o fim da  II Guerra.

Teria Bolsonaro, seja pelo Estatuto de Roma, seja pelas normas imperativas de Direito Internacional, cometido crime contra a humanidade na crise da pandemia, devendo ser responsabilizado por milhares de mortes? A resposta é inapelavelmente sim.

Não é qualquer violação de direitos humanos que pode ser caracterizada como crime contra a humanidade. Exige-se o “elemento internacional”, que está presente quando dois requisitos são satisfeitos: uma política de Estado e a gravidade das violações. Sem tais requisitos a conduta está sujeita apenas aos ordenamentos internos. Por isso a Máfia ou o PCC não podem ser responsabilizados por crimes contra a humanidade. Somente pelos que estão à frente ou são executores de ações de Estado (embora se admita que organizações políticas não estatais, mas poderosas, possam ser sujeitos das violações, como Al-Qaeda, por exemplo).

Que a conduta de Bolsonaro seja uma política de Estado não pode haver dúvida razoável. Ela é explícita, confessa. Toda a sua trajetória no trato da pandemia grita isso. Ao criticar a absurda interinidade de um militar sem formação médica no Ministério da Saúde, há meses, enquanto morrem todos os dias mais de mil pessoas, o ministro Gilmar Mendes afirmou que o “o exército está se associando ao genocídio”. O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta disse ter havido “um desmanche do Ministério da Saúde no meio da maior pandemia do século”. Todo o corpo técnico do Ministério foi trocado. Uma política selvagem e fascista.

Os dois países com maior número de mortes têm presidentes negacionistas. Estados Unidos, com 140 mil, Brasil, com 70 mil, em curvas ascendentes. A China, com equivalentes dimensões continentais e 1,3 bilhão de habitantes, controlou a pandemia com 4.600 mortes. Trata-se, portanto, de violação grave, maciça, do direito à vida, à saúde, à integridade física, em decorrência de uma política de Estado.

O conceito de crime contra a humanidade contém a expressão “ataque generalizado ou sistemático”. A palavra “ataque” pode à primeira vista significar apenas uma conduta ativa, ou como se diz no jargão jurídico, “comissiva”, vindo à mente a ideia de ataque armado, de um pogrom, de um ato ostensivo de violência. No entanto, homicídios ou atos desumanos podem ser ataques cometidos por omissão, como no exemplo clássico da mãe que, tendo o dever jurídico de zelar pela vida do filho, deixa de alimentá-lo ou se omite dos cuidados necessários. Ou do salva-vidas que se omite diante de pessoas se afogando. Basta que o agente tenha o dever jurídico específico de evitar a morte para que se caracterize o homicídio por omissão. Se assim é em casos singulares, assim é quando as vítimas são milhares e os omissos têm, como agentes de Estado, dever jurídico de salvaguardar a vida dos cidadãos. No Holocausto, parte das milhões de vítimas morreram por maus tratos, condições desumanas de trabalho ou ausência de cuidados médicos, e não só pelo assassinato dito comissivo, “positivo”. Igualmente no genocídio armênio, em que parte da população foi morta por condições desumanas impostas no curso de um deslocamento territorial cujo objetivo era efetivamente o extermínio.

A morte de milhares de cidadãos brasileiros teria sido evitada se a política de Estado do governo Bolsonaro não tivesse sido a omissão, motivada por interesses políticos mesquinhos, pela eugenia e a indiferença à vida, como é próprio do fascismo. Isso diante de dados que vinham de todo o mundo desde o começo do ano, e da informação de que 100 mil pessoas morreriam no Brasil em seis meses.

Considerar isso tudo um fato da política ou mera gestão passível de crítica política é afastar-se de qualquer patamar civilizatório. É permitir, ignorando toda a construção jurídica moderna, que chefes ou agentes de Estado possam ser criminosos em massa, desde que com meios implícitos ou por omissão.

A vigência de uma norma jurídica e o reconhecimento de sua obrigatoriedade, dita “cogência”, não significam, claro, a sua eficácia. Os Estados Unidos foram responsáveis por inúmeros crimes contra a humanidade no século 20, e ainda no século corrente, apoiando ditaduras terroristas ou praticando atos terroristas de mão própria que causaram  milhares de mortos. Não se pode razoavelmente esperar que a política  perca do Direito na maior parte das vezes. Ela ganha, praticamente sempre.  Supor que algum presidente norte-americano encontre seu Nuremberg não é realista.

No entanto, que Bolsonaro, tal como Pinochet, encontre em algum aeroporto do mundo um mandado de prisão é um sonho civilizatório possível. Poderia Mussolini imaginar, no auge de seu poderio, que terminaria seus dias enforcado em praça pública e pendurado de ponta cabeça em um posto de gasolina?

Melhor do que elucubrações éticas duvidosas e cerebrinas, como desejar a sua morte, são o impeachment e a responsabilização jurídica. Desejar a morte não tem, até onde se sabe, qualquer eficácia, além de ser um dilema moral inútil no discurso público, a menos que seja um incitamento ao assassinato. Já Bolsonaro encontrar um Nuremberg seria um avanço civilizatório. Que se sente no banco dos réus em Haia, no Tribunal Penal Internacional, ou em qualquer lugar do mundo em que houver um juiz que tenha a coragem e o compromisso que um dia tiveram os acusadores  espanhóis e o juiz Garzon.

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