Como empresa de espionagem israelense alvo da PF se espalhou pelo poder público no Brasil
Por Caio de Freitas Paes, Laura Scofield, Rubens Valente
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Sergio Moro espionou para os Estados Unidos, comandando uma quadrilha de procuradores da liga da justiça da Lava Jato. Vide tags
PRF, militares e governos de 9 estados contrataram serviços de empresa de espionagem Cognyte, agora sob investigação. E Lava Jato plantou escutas, espionou até para os Estados Unidos. A boceta de Pandora
Protesto no sepultamento do reitor Cau Cancellier, em 3 de outubro de 2017 (Fonte - print Facebook)
Ricardo Torres
objETHOS
“A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade!!!”. Essa frase estava escrita em um pedaço de papel encontrado no bolso do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo no dia em que a sua vida foi interrompida. No dia 6 de julho de 2023, o Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou um comunicado oficial que trata das denúncias que motivaram a Operação Ouvida Moucos, realizada pela Polícia Federal em 2017, informando a improcedência das denúncias e o arquivamento do processo. A decisão apresenta mais uma etapa da elucidação da verdade sobre a inocência do reitor.
A mesma PF que prendeu e humilhou Cancellier encerrou o inquérito sobre o caso em 2018 por falta de provas. À época das acusações e da prisão, estimulados por um cenário imerso no lavajatismo, os jornalistas que cobriram os fatos desenvolveram o que há de pior no jornalismo declaratório. Na esteira das afirmações das autoridades policiais, estruturou-se um julgamento midiático sumário e desacertado. A partir de uma abordagem carente de informações concretas, os jornalistas produziram conteúdo e desenvolveram suas ações de maneira inconsequente e irreparável.
A vida do reitor não pode ser reconstituída. A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) convive até hoje com a sombra da injustiça e do abuso de poder. A divulgação da inocência de Cancellier alcançou repercussão nacional com publicações na revista Veja, Nexo Jornal, Carta Capital, Correio Braziliense, Jornal do Brasil, entre outros. Também mobilizou a atenção do ministro da Justiça, Flávio Dino, que informou que irá tomar providências e apurar as responsabilidades dos agentes públicos envolvidos na abordagem abusiva que se desdobrou em trágicas consequências.
A repercussão significativa da decisão do TCU não ameniza em nada os erros cometidos pelos órgãos de imprensa à época. Todos os envolvidos neste episódio lamentável terão que conviver com a injustiça e com o peso da responsabilidade ética que envolve o ofício jornalístico.
Em entrevista à Agência de Comunicação da UFSC, o professor Rogério Christofoletti lembrou as características da cobertura realizada durante a deflagração da operação da PF. “A cobertura que a gente teve naqueles primeiros dias, no dia da deflagração da Ouvidos Moucos, foi uma cobertura muito espetaculosa”. Christofoletti explica que a abordagem majoritária foi de acusação, a PF estava presa em suas convicções, e, por meio de um espírito de manada, os jornalistas apenas reproduziram o que estava sendo dito sem nenhum espaço para a dúvida.
Quando o jornalismo acaba com pessoas e reputações
A partir de uma perspectiva sensacionalista e condenatória, a reputação do reitor da UFSC e, em consequência, a da Universidade foram soterradas por meio da inação jornalística. Sim, o que o momento requisitava era apuração, inquietação e dúvida sobre as acusações sem lastro apresentadas pelas autoridades da PF.
O jornalista Paulo Markun escreveu o livro “Recurso Final: a investigação da Polícia Federal que levou ao suicídio de um reitor em Santa Catarina” para entender a alegação da PF sobre a ação de uma quadrilha que teria roubado 80 milhões de reais. “Foi uma leviandade imensa propagada por nós, jornalistas. Nós é que fizemos isso, comprando sem colocar em dúvida a versão que tinha sido apresentada”, declarou Markun em entrevista à revista Carta Capital.
Em sua coluna, o jornalista Elio Gaspari lembrou aspectos que motivaram a Ouvidos Moucos. “A investigação contra Cancellier partiu de uma denúncia anônima. Em julho de 2017, a delegada da Polícia Federal Érika Marena produziu um relatório de 126 páginas e o encaminhou à Justiça. Marena era uma estrela da Operação Lava Jato e num filme que a louvava ela era interpretada pela atriz Flávia Alessandra. Em agosto, a juíza Janaína Cassol autorizou o início da Operação Ouvidos Moucos. No dia 14 de setembro, Cancellier e outros cinco professores foram presos. Eram acusados de um desvio de R$ 80 milhões”. Gaspari afirmou que “a morte do reitor Cancellier foi um momento exacerbado dos tempos lava-jatistas. Revisitá-los com frieza evitará que se repitam”.
Em 2022 a colunista da NSC Dagmara Spautz também registrou aspectos da desastrosa cobertura no artigo “O jornalismo falhou no caso que levou à morte trágica o reitor Cancellier”. A jornalista destacou: “Algumas perguntas muito importantes terminaram aquele 14 de setembro de 2017 sem resposta. A mais inconveniente delas é se havia materialidade para que o reitor fosse preso em uma operação policial sem antes ter passado por um interrogatório formal. Julgado publicamente antes que tivesse direito a um processo de acordo com a lei”.
Como no caso da Escola Base, a cobertura do caso Cancellier será lembrada como um exemplo de como a atividade jornalística pode destruir reputações e acabar com a vida dos envolvidos nos fatos retratados pela imprensa. Mais do que isso, em um cenário imerso em estratégias de desinformação, o caso chama a atenção para a necessidade da formação ética e profissional dos jornalistas. O jornalismo declaratório, que condena sumariamente, é perverso e, em casos como o do reitor Cancellier, fatal.
A versão das autoridades precisa ser confrontada
Imersos em um ecossistema que estimula a desinformação, diante da precarização das condições de trabalho e da violência enfrentada, especialmente nos últimos anos, o labor jornalístico precisa preservar a sua atitude questionadora e investigativa. Como afirma o professor Christofoletti, precisamos fazer um “jornalismo responsável”.
Iniciadas em 2019 pelo portal The Intercept Brasil, as revelações realizadas pela Vaza Jato, que envolveram o vazamento de conversas no aplicativo Telegram entre integrantes da Operação Lava Jato, demonstram com clareza a necessidade de uma atitude prudente de questionamento diante de convicções e afirmações de autoridades judiciárias e policiais.
Alguns dos diálogos espúrios que foram revelados envolviam o suicídio do reitor Cancellier como demonstra a reportagem do The Intercept “Dallagnol expôs soberba e desumanidade ao prestar solidariedade a delegada após morte de reitor da UFSC”. Em uma conversa com a delegada Erika Mialik Marena, o ex-procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol afirma: “Erika, eles não prevalecerão. É um absurdo essas críticas. Um bando de – perdoe-me – imbecis”. Todos os esforços jornalísticos empregados no conjunto de reportagens produzidas na Vaza Jato demonstram a necessidade de confrontar a versão das autoridades oficiais, especialmente quando as acusações realizadas envolvem a reputação e a dignidade dos indivíduos.
No caso de Cancellier, diante dos erros jornalísticos e de suas desastrosas consequências, percebemos nitidamente os danos provocados pela falta de apuração e de responsabilidade jornalística. Em muitos aspectos, a condenação midiática e o endeusamento das autoridades acusadoras lembra o mesmo modus operandi persecutório praticado contra o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva.
Durante o primeiro encontro promovido pelo Governo Federal, em janeiro de 2023, com reitores e reitoras de universidades e institutos federais em Brasília, Lula lembrou a injustiça e condenação antecipada do reitor. “Faz 5 anos e 4 meses que esse homem se matou pela pressão de uma polícia ignorante, de um promotor ignorante, de pessoas insensatas que condenaram as pessoas antes de investigar e antes de julgar.” Na última quarta-feira (12/07), durante a cerimônia de instalação do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, o presidente voltou a mencionar o caso: “Sempre que a gente puder, a gente tem que lembrar das pessoas que foram vítimas do arbítrio, para que esse arbítrio, essa insanidade, nunca mais aconteça no nosso País”. A premissa apresentada por Lula se aplica ao jornalismo, pois os jornalistas precisam lembrar a cobertura do caso Cancellier como um exemplo que expressa as piores consequências que o erro jornalístico pode gerar.
As Forças Tarefas como a do Banestado, embrião da Lava Jato, transformaram-se numa Polícia Federal à parte, desgarrada da instituição
O poder absurdo da corporação foi conquistado entre 2013 e 2016, quando o lobby da ADPF encontrou pela frente a leniência do Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso.
O embrião desse poder veio do instituto das Forças Tarefas, a partir do Caso Banestado. As FT acabaram se transformando numa Polícia Federal à parte, desgarrada da própria instituição, e dos sistemas de freios internos.
Em 2013 e 2014, quando trouxeram seus vícios pra dentro do Órgão, blindados pela Justiça e MPF com quem se promiscuíram, deu no que deu, rachou. Mas ja tinham a mídia na mão.
O trabalho de lobby ficou a cargo dos delegados Marcos Leôncio Sousa Ribeiro, presidente da ADPF, Anderson Torres, Sandro Avelar e, especialmente o deputado-delegado Luis Felipe Francischini e outros delegados que atuavam como assessores parlamentares. Transitavam pelo Congresso com “pastichas azuis”, deixando rolar a suspeita de que seriam dossiês contra parlamentares.
Seja como for, os delegados conseguiram aprovar tudo o que desejavam, com a presidente Dilma Rousseff sem ser devidamente orientada pelo Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso.
Foram 6 leis que deram superpoderes aos delegados da PF e às forças tarefas.
O ponto central do poder do delegado da PF: o novo formato do inquérito policial. A lei dá exclusividade da condução do inquérito ao delegado de polícia. Caberá a ele, individualmente, investigar, julgar e indiciar quem ele quiser. Não precisará ouvir a perícia e outras carreiras auxiliares. É decisão individual que, mais tarde, poderá ser revista na Justiça, mas condenará eternamente os indiciados no tribunal da mídia.
A lei também definiu que o cargo de delegado será privilégio do bacharel em Direito, “devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados”.
Com isso, ficaram de fora dos inquéritos os EPAs (Escrivães, Papiloscopista e Agentes da PF).
Esta é a lei que define organização criminosa e dispõe sobre investigação criminal. Além de conceituar organização criminosa, a lei prevê penas severas a “quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa”
A lei prévio instituto da colaboração premiada, a escuta ambiental e quebra de qualquer forma de sigilo, telefônico, bancário, fiscal, previu a infiltração de agentes.
Dispõe sobre destruição de drogas apreendidas.
Reorganização das classes da carreira Polícia Federal.
Separa os funcionários em várias carreiras. No topo, o delegado de PF, com formação de advogado e participação em concurso com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil.
O cargo de Diretor-Geral torna-se privativo dos delegados.
Dispõe sobre atos terroristas e define o modelo de investigação.
Art. 11. Para todos os efeitos legais, considera-se que os crimes previstos nesta Lei são praticados contra o interesse da União, cabendo à Polícia Federal a investigação criminal, em sede de inquérito policial, e à Justiça Federal o seu processamento e julgamento, nos termos do inciso IV do art. 109 da Constituição Federal .
As Forças Tarefas como a do Banestado, embrião da Lava Jato, transformaram-se numa Polícia Federal à parte, desgarrada da instituição
Dias atrás, o Tribunal de Contas da União considerou improcedentes as acusações da Operação Ouvidos Moucos em relação ao aluguel de carros pelo Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Catarina. Mesmo assim, vários professores foram presos, humilhados e mantidos na prisão por vários dias.
No mesmo dia, o Ministro Flávio Dino declarou que seriam apurados os abusos da Operação Ouvidos Mouros. A reação da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) e da Federação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (FENADEPOL) foi um desafio ao Ministro.
Em nenhum momento fazem qualquer autocrítica.
“Essas atribuições são pautadas na legalidade e na constitucionalidade, tendo como finalidade o esclarecimento de fatos, em tese, criminosos. Assim, não existe compromisso dos Delegados Federais com a acusação ou com a defesa, mas sim com o sistema de justiça criminal, entendido como um todo”.
Dizem haver mecanismos de controle e de cobrança direcionados à função dos policiais. A nota traz algumas pistas sobre esse superpoder:
“A atividade policial, em especial a de Delegado de Polícia Federal, tem no seu cerne um imensa responsabilidade, consubstanciada na condução e presidência do Inquérito Policial”.
Quanto aos exageros, nenhuma autocrítica, mas apenas
“Assevere-se, ainda, que é exigência da atividade investigativa a tomada de diversas decisões cruciais, muitas vezes em tempo limitado em decorrência dos princípios da eficiência e da oportunidade”.
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