PMs ameaçaram matar crianças e obrigaram que elas se jogassem em esgoto em Guarujá, diz Defensoria Pública
247 -Policiais militares ameaçaram matar crianças durante as ações da Operação Escudo na Baixada Santista (Chacina noGuarujá), em São Paulo, apontam denúncias constantes em relatos colhidos pela Defensoria Pública de São Paulo, informa a jornalistaMônica Bergamo na Folha de S.Paulo.
Os depoimentos foram feitos por pessoas que testemunharam abusos praticados pelos policiais.
Um dos relatos aponta que policiais abordaram crianças para questioná-las sobre a localização de supostos traficantes da região no momento em que elas brincavam em um campinho de futebol.
"Como se recusaram a informar o solicitado, [os policiais] mandaram que se jogassem no canal caso não quisessem morrer. O canal recebe água de esgoto e mangue. Nenhuma criança se afogou porque logo em seguida foram socorridas por suas genitoras", aponta um relatório do depoimento, obtido pela jornalista.
Outro relato aponta que a população da Baixada Santista vive aterrorizada com as atrocidades da PM. Nas palavras de uma testemunha, é só a polícia subir no morro que "morre pessoas".
Ao longo da ação, que foi encerrada na quarta (6), ao menos 28 pessoas foram mortas, o que a tornou a mais letal da polícia paulista desde o Massacre do Carandiru, chacina em que 102 presos foram assassinados por PMs em 1992, informa a Folha de S.Paulo.
NASSIF COMENTA A CHACINA NO GUARUJA: "QUANDO O GOVERNADOR LIDERA A VIOLÊNCIA, NINGUÉM SEGURA"
28 civis trucidados para vingar a morte de um soldado lembram as vinganças nazistas nos territórios ocupados
Presidente do CNDH, André Carneiro Leão, diz ao Portal Vermelho que outras recomendações para redução da letalidade (28 pessoas mortas para vingar morte de um pm) continuarão sendo monitoradas em São Paulo.
Após 40 dias, o governo de São Paulo anunciou nesta terça-feira (5) o fim da Operação Escudo (denominada de Chacina do Guarujá), iniciada no fim de julho no litoral paulista após o assassinato de um soldado das Rondas Ostensivas Tobias (Rota) durante uma ação policial em Guarujá. A Operação Escudo deixou ao menos 28 pessoas mortas, numa das operações mais letais já realizadas. O anúncio foi feito pelo secretário da Segurança Pública, Guilherme Derrite, durante uma entrevista coletiva.
A interrupção foi anunciada logo após a Defensoria Pública de São Paulo e a ONG Conectas Direitos Humanos entrarem com uma ação civil pública na segunda-feira (4) com pedido de tutela antecipada para que a Justiça obrigue o governo de São Paulo a instalar câmeras corporais nos policiais militares e civis que atuam na Operação Escudo, na Baixada Santista. Caso não fizesse isso, a ação também exige que a operação seja imediatamente suspensa, sob pena de multa diária. Na semana passada, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) também cumpriu missão em São Paulo para verificar a atuação das polícias e fez dezenas de recomendações para reduzir a letalidade das operações.
Em entrevista aoPortal Vermelho, o presidente do CNDH, André Carneiro Leão, entendeu que essa decisão (de encerrar a Operação Escudo) atende à primeira recomendação do Conselho à Secretaria de Segurança Pública e ao Governo de São Paulo. “Mas entendemos que existem outras mais de 20 recomendações que ainda não foram cumpridas pelo Governo do Estado de São Paulo”, acrescentou.
Segundo o Derrite, o litoral paulista continuará com o apoio da Operação Impacto, que estava em andamento na região antes da Operação Escudo. Com a mudança, os policiais do Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep) que estavam no local para dar apoio voltarão para suas bases.
O governo de São Paulo, por sua vez, afirma que a Operação Escudo visa combater o tráfico de drogas e o crime organizado na Baixada Santista e que, desde o início da operação, foram presas 747 pessoas, sendo 291 foragidas da Justiça, e apreendidos mais de 934 kg de entorpecentes, causando um prejuízo estimado em mais de R$ 2 milhões ao tráfico. Além disso, alega que nenhum desvio de conduta foi tolerado e que até o momento nenhuma denúncia de abuso durante a operação foi registrada.
Em relação às operações que ele disse que continuam, segundo o que foi informado, o CNDH entende que são operações padrões, que já ocorriam anteriormente. “Mas a nossa leitura é de que, na verdade, independentemente do nome que a operação tenha, o que precisa mudar é a política de letalidade. Isso é que precisa ser de fato alterado e conformado aos parâmetros internacionais de direitos humanos”, explicou.
O conselheiro também comentou o fato de ter havido uma grande movimentação no comando de batalhões, na segunda-feira (4), inclusive da própria Rota. Derrite teria justificado como movimentações naturais de carreira na polícia. “De fato, há uma série de equívocos na gestão da Segurança Pública de São Paulo e, talvez, isso esteja se refletindo na organização interna com insatisfações que têm sido manifestadas de algumas representações das forças de segurança do alto escalão”, pondera.
André não sabe se isso pode ser atribuído à intervenção do Conselho, ou da movimentação ocorrida por parte de outros órgãos e entidades de Direitos Humanos. “Mas o que podemos dizer é que essas mudanças talvez sejam reflexo dessa incerteza, dessa insegurança na gestão pública”, avalia.
O defensor público diz que o CNDH “lamenta muito” que a Operação Escudo tenha ocorrido. “O fato dela ter ocorrido, nas condições em que ocorreu, com acusações de que se tratava, na verdade, de uma vingança”, disse André.
Do ponto de vista técnico do CNDH, houve uma modificação da política de segurança pública no Estado de São Paulo. Antes da posse de Tarcísio de Freitas (Republicanos) e de Derrite, a política vinha no sentido de redução da letalidade policial. A Operação Escudo, no entanto, representa parte dos dados concretos, que foram contabilizados já nesse ano, de um aumento dessa taxa de letalidade. “Então, aquilo que deveria ser uma política de Estado, uma política independentemente de partido político ou de pensamento ideológico, de conformação das atuações da polícia de acordo com o Estado de Direito, parece que agora vai num sentido inverso e nos preocupa”, diz ele.
No entanto, o conselheiro ressalta que o fato de a Operação ter sido encerrada não impede a atuação do Conselho. “Muito pelo contrário, como eu disse, essa foi apenas a primeira das recomendações. Existem outros que precisam ser responsabilizados e as vítimas reparadas. Então o Conselho seguirá acompanhando a gestão até que efetivamente situações como essa não voltem a acontecer”, garantiu.
Durante este período de violência nas abordagens policiais, a questão das câmeras nos uniformes se tornou uma questão crucial, conforme a SSP-SP se negou a entregar imagens, alegando problemas na captação. O defensor público diz que esta é uma das uma das recomendações do CNDH, que São Paulo apresente um plano de ampliação da implementação das câmaras corporais em todos os batalhões, em especial nos batalhões de operações especiais da polícia.
Desde o início da operação, a Defensoria Pública enviou cinco funcionários à Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, solicitando informações sobre as investigações das mortes e a utilização de câmeras corporais pelos policiais. No entanto, as respostas recebidas até o momento não foram suficientes para esclarecer os fatos.
“Nós vamos seguir acompanhando e monitorando. Nós tivemos um diálogo com o Procurador-Geral de Justiça e nessa conversa ele manifestou também ser favorável à ampliação do uso das câmaras. Nós encaminhamos uma recomendação também ao Ministério da Justiça, porque pensamos que essa é uma política pública que deve ser nacionalizada, ou seja, deve ser expandida para todos os estados do país e vamos cobrar também do Ministério da Justiça que alinhe essa política, que oriente a forma de implementação dessa política”, completou.
Operação Escudo (Chacina do Guarujá)
A Operação Escudo (Chacina do Guarujá), iniciada em julho de 2023, foi deflagrada pela Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo em resposta à morte do soldado das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) Patrick Bastos, no Guarujá. Inicialmente previsto para durar cerca de um mês, a operação continuou por tempo indeterminado, resultando em 28 mortes até a segunda-feira (4).
Segundo a SSP, todas as mortes decorrentes de intervenção policial estão sob investigação, e os laudos oficiais das mortes não registraram sinais de tortura ou qualquer incompatibilidade com os relatos das ocorrências.
Os laudos do Instituto Médico Legal, por sua vez, revelam que de 24 mortos na Baixada Santista durante os 30 dias da Operação Escudo, 46 tiros atingiram as vítimas. Os promotores de justiça estão analisando esses laudos para determinar as estatísticas das mortes. Até o momento, as imagens das câmeras corporais usadas pelos policiais trouxeram informações importantes para as investigações, mostrando tanto confrontos com crimes quanto falhas operacionais.
Chuva forte causa estragos em cidades do RS — Foto: Reprodução/ RBS TV
Associação de PMs pretende que a chacina de Guarujá seja chamada de Operação Escudo - de defesa de Brasília contra os atos golpistas e terroristas
247- A Federação Nacional de Entidades de Praças Militares Estaduais (Fenepe), que representa mais de 40 entidades de oficiais militares das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros no Brasil, moveu um processo contra as emissoras Globo, Band e TV Cultura. O motivo central do processo é a contestação do uso do termo "chacina" nas reportagens que cobriram a Operação Escudo, realizada pela Polícia Militar no litoral de São Paulo, após o assassinato do soldado Patrick Bastos Reis. Chamar de "escudo" a chacina da polícia de Tarcísio de Freitas é desmoralizar o programa escudo de defesa de Brasília contra atos terroristas e golpistas de extremistas bolsonaristas. Que resultaram na prisão do alto comando da PM do DF.
De acordo com reportagem dojornalFolha de S. Paulo, que teve acesso a documentos judiciais do caso, que tramita na 32ª Vara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), a Fenepe alega que os telejornais, como Jornal Nacional, Bom Dia Brasil, Jornal da Cultura, Jornal da Band e Brasil Urgente, veicularam o termo "chacina" para descrever a ação policial, o que é considerado pela associação como uma "ofensa à corporação".
Segundo a Fenepe, essas reportagens estariam prejudicando a imagem dos policiais/praças militares perante a sociedade civil, gerando uma deterioração na opinião pública sobre a corporação e criminalizando as ações dos policiais envolvidos na Operação Escudo.
A associação solicitou inicialmente uma liminar que impedisse as emissoras de utilizarem os termos "chacina", "extermínio" ou "tortura" em suas reportagens sobre a operação, além de requerer uma multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento dessa medida.
Entretanto, o juiz do caso, Fábio de Souza Pimenta, negou a concessão de uma tutela de urgência em primeira instância. O magistrado alegou que, de imediato, não era possível determinar a ilegalidade na conduta das emissoras, visto que o direito constitucional à livre manifestação de pensamento deve ser respeitado. A decisão final ficará pendente até que as emissoras apresentem suas defesas no processo.
A Defensoria Pública de São Paulo e a organização Conectas Direitos Humanos equipararam a Operação Escudo ao Esquadrão da Morte. As organizações entraram com uma ação civil pública na segunda-feira (4) exigindo que a Justiça obrigue o governo de São Paulo a equipar policiais com câmeras corporais durante a Operação Escudo, em andamento no Guarujá e em outras localidades da Baixada Santista. Caso não seja possível cumprir essa determinação, a Defensoria solicita a suspensão da operação, destaca ojornalFolha de S. Paulo.
A Operação Escudo já resultou em 28 mortes, tornando-se uma das ações policiais mais letais desde o Massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, quando 102 presos foram mortos por policiais militares.
Temporais no RS: com 4 mortos, ruas submersas e energia cortada
A forte chuva que atinge o Rio Grande do Sul, com granizo e ventos fortes, causou estragou e deixou vítimas pelo estado. Conforme levantamento divulgado pelas autoridades na tarde desta segunda-feira (4), são 353 desalojados (pessoas que saem de suas residências e vão para as casas de familiares, amigos ou vizinhos). Há registro de quatro mortesnesta segunda-feira (4). Todos os óbitos ocorreram na Norte do estado, uma das regiões mais afetadas pelo temporal.
A ação da Polícia Militar (PM) noGuarujá, litoral de São Paulo, já é considerada a mais letal depois do Massacre do Carandiru, chacina em que102 presos foram assassinados por PMs em 1992.
Por conta disso, a Defensoria Pública de São Pauloe a organização da sociedade civilConectas Direitos Humanosingressaram na madrugada desta terça (5) com uma ação civil pública. O objetivo é que a Justiça obrigue o governo de São Paulo ainstalar câmeras corporais nos policiaisque atuam naOperação Escudo, deflagrada no Guarujá e em outras localidades da baixada santista.
Sanha assassina teve início após a morte do policial Patrick Bastos Reis, das Rondas Ostensivas da Polícia Militar de São Paulo em 27 de julho
Agência Brasil- O total de mortos durante da chacina no Guarujá chegou a 27, nesta segunda-feira (4). A operação foi anunciada oficialmente como uma estratégia de desmantelamento de redes do narcotráfico, mas tem recebido críticas, por gerar suspeitas de que se trata de retaliação a comunidades periféricas da Baixada Santista.
A chacina, que a PM passou a chamar de Operação Escudo, teve início após a morte do policial Patrick Bastos Reis, das Rondas Ostensivas Tobias Aguiar (Rota), da Polícia Militar, em 27 de julho. A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP) tem reiterado que as mortes ocorreram como resultado de confrontos entre as vítimas e agentes das forças policiais.
O clima de desconfiança quanto à conduta dos policiais militares chegou ao Ministério Público de São Paulo, que instaurou um inquérito civil na tutela dos direitos humanos, para verificar se há ilegalidade ou não na operação.
As dúvidas extrapolaram o estado e motivaram o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) a elaborar um relatório, a partir de denúncias que recebeu de violações de direitos que teriam sido cometidas. O teor do documento foi antecipado pela Agência Brasil e divulgado na última sexta-feira (1º), em evento na sede paulista da Defensoria Pública da União (DPU).
A reportagem soube de um grupo de jovens que, logo após deixar o evento na DPU, foi abordado por policiais militares, e recebeu ameaças por participar da audiência e, por conseguinte, questionar a atuação da corporação na Operação Escudo. A Agência Brasil questionou a Secretaria da Segurança Pública sobre o ocorrido e aguarda retorno.
Moradores, familiares de mortos e associações dizem que operação policial, em Guarujá (SP), foi 'chacina' — Foto: Diego Bertozzi/TV Tribuna
Quando vi a foto de crianças chorando no velório de Thiago, 13, morto pela polícia, pensei em como pais de escolas particulares construtivistas da zona sul pegariam seus filhos na aula sorridentes e não se sentiriam mal
por Nina Lemos
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Na foto, crianças choram muito, sentidas, com dor. Elas estão fazendo o que nenhuma criança deveria ter que fazer: enterrando um amigo, o adolescente Thiago Menezes Flausino, de 13 anos, morto durante operação policial na Cidade de Deus. Thiago foi morto enquanto andava na garupa da moto de um amigo. Segundo testemunhas, os tiros teriam sido disparados pela polícia.
Assim que ele foi baleado, a PM carioca postou nas redes sociais que um "jovem armado teria sido ferido em confronto". Imagens de câmeras de segurança e testemunhas mostraram que não foi nada disso. A informação foi apagada das redes.
Thiago era um garoto inocente, que gostava de jogar futebol. E, claro, mesmo se ele fosse envolvido com crime (o que repito, não era o caso) ele não poderia ser morto. Não existe pena de morte no Brasil. E muito menos a execução sumária, sem julgamentos, é prevista pela constituição.
Foi triste saber que Thiago foi morto dessa maneira, ver a dor dos seus pais e dos seus amigos. Mas nem deu tempo de secar as lágrimas.
Eloá, 5, morta com tiro no peito
No último sábado, Eloá da Silva dos Santos, de cinco anos, brincava de pular na cama na casa em que morava com os pais, na Ilha do Governador, Zona Oeste do Rio, quando foi atingida por uma bala no peito. Segundo moradores, os tiros teriam sido disparados por policiais. Ela chegou a ser socorrida, mas morreu no hospital. Na mesma operação, o adolescente Wendell Eduardo, que estava na garupa de uma moto, também foi morto após levar um tiro. É triste, revoltante e desolador.
Segundo um levantamento do Instituto Fogo Cruzado, a cada quatro dias, uma criança ou adolescente é baleado no Rio de Janeiro. Uma estatística de guerra. A nível de comparação, segundo números da organização Save the Children, três crianças/adolescentes ficam feridos ou são mortos por dia durante a guerra da Ucrânia. É terrível.
A diferença é que a Ucrânia é um país em guerra oficial, com milhões de refugiados pelo mundo. Já no caso do Rio de Janeiro, a guerra não é oficial e é muitas vezes ignorada. Nas favelas, moradores fazem manifestações contra a morte de suas crianças e a violência policial, mas a vida segue normal do outro lado do túnel, na Zona Sul do Rio de Janeiro, onde ficam aqueles cenários bonitos das novelas de Manoel Carlos.
Escrevo de Berlim, mas como sou carioca, não preciso estar lá para saber que a vida segue normal na minha cidade natal. Quando vi a foto das crianças chorando no velório de Thiago, pensei como pais de escolas particulares construtivistas da zona sul carioca (aquelas que têm mensalidade mais de R$ 4 mil) pegariam seus filhos na escola sorridentes e não se sentiriam mal. Como passar um fim de semana feliz com sua criança pequena sabendo que Eloá foi morta dentro de casa?
Capacidade de "abstração" doentia
Não estou falando, claro, que nenhum branco de classe média sofra com esse horror. Mas sou carioca e conheço bem a capacidade de "abstração" doentia de meus compatriotas.
Ano passado, eu estava sentada do lado de fora em um café Humaitá (bairro de classe média da Zona Sul do Rio de Janeiro) quando ouvi barulho de tiros (sim, nós, cariocas, sabemos distinguir o que é barulho de bala). Levantei assustada e travei um diálogo bem carioca com as garçonetes: "isso é tiro, né? ". "É sim e parece ser perto". Eu e a garçonete entramos dentro do café e nos escondemos no fundo. Enquanto isso, para meu choque, todos os outros clientes continuaram do lado de fora, tranquilos, sentados tomando seus cafés caros, como se nada tivesse acontecendo. Juro.
Há dois anos, estava sentada na rua em uma mesa do mesmo café quando um menino tocou meu ombro e falou outra frase triste muito comum no Rio de Janeiro: "tia, me ajuda". Ele nem conseguiu completar a frase. Em poucos segundos, vi um segurança forte o afastando de mim pelos braços. Logo, ele passou a desferir tapas à luz do dia no menino (sim, era uma criança). Comecei a gritar para que ele parasse. Mais uma vez ninguém fez nada. Gritei sozinha. A rua onde fica esse café, preciso enfatizar, é frequentada principalmente por muitos brancos de classe média alta e progressistas. Não estou falando de um ambiente bolsonarista onde as pessoas bradam alto que "bandido bom é bandido morto".
Claro que ignorar a tragédia é também uma maneira de sobrevivência. Quando passo uma longa temporada no Rio, logo estou "ignorando" a miséria e ficando menos chocada com as crianças dormindo na rua. Com o tempo, todo mundo naturaliza um pouco o horror, inclusive para continuar vivendo. Mas tudo tem limite. Só neste ano, segundo o Instituto Fogo Cruzado, até o mês de julho, pelo menos 14 crianças e 26 adolescentes teriam sido baleados no Rio de Janeiro. Desses, cinco crianças e 11 adolescentes morreram. Thiago e Eloá se juntam a essas horríveis estatísticas. Ano passado, no mesmo período, quatro crianças foram baleadas. Ou seja, o horror cresce exponencialmente.
Não é possível que essas balas não furem a bolha. Como disse o Emicida na ocasião da morte do Thiago: "isso não é um país. Nunca foi um país. É uma máquina de moer pobre".
Danielle descreve como chegou à comunidade. "Eu tinha acabado de chegar lá e eu tava com o meu celular, eu tinha deixado a câmera no carro, porque eu fui mesmo para apurar, para checar as informações. E chega ao local uma viatura do COI, da Polícia Militar", conta.
A repórter se apresenta.“Eu sou jornalista, posso perguntar que trabalho vocês vieram fazer aqui hoje?”
O policial não responde.A jornalista pega o celular e começar a registrar a entrada dos policiais na comunidade.
Danielle fala mais uma vez: “Tô mostrando o trabalho de vocês, tá bom?".O policial começa a apontar o fuzil em direção a ela – a ação dura 17 segundos.
Quando ele começou a apontar o fuzil pra mim, e manteve a arma apontada, eu estranhei. Achei que estivesse acontecendo alguma coisa. Olho pra trás e não tem ninguém. Só eu, numa viela estreita. Aí que eu vi que era comigo. Ele ficou 17 segundos apontando o fuzil pra mim, sem parar.”
A repórter conta que decidiu se proteger após a ação do policial.
Quando eu percebi que o policial tava apontando o fuzil pra mim mesmo, eu decidi me proteger. Tinha uma casa em frente, me apresentei pro morador e pedi pra ficar na porta dele, para sair da mira do policial. E esse mesmo policial que estava apontando o fuzil pra mim, ele decidiu me filmar. Pegou o celular dele e resolveu fazer um vídeo”, relata.
O vídeo que o policial fez viralizou nas redes sociais, com a acusação de que a repórter estava ali para flagrar alguma irregularidade da polícia. “Eu tava ali para sair da mira do fuzil do policial”, destaca Danielle.
O policial não usava nenhuma identificação na farda, o que é obrigatório.
Caco Barcelos questionou o comandante-geral da PMESP, Cássio Araújo de Freitas, sobre a situação vivenciada pela repórter.
O policial, quando ele entra em um local de alto risco, ele tem que entrar com todas as cautelas. Ele não sabia que a sua jornalista estava lá”, relata o comandante
Caco reforça com o comandante que o policial sabia, pois Danielle se identificou.
Inclusive, ele fez uma filmagem dela e colocou nas redes sociais, como se ela estivesse ali indevidamente trabalhando, por ser uma favela”, pondera Caco.
O comandante então dá outra resposta: “Eu vi a foto, mas esses detalhes nós não tínhamos esse conhecimento que você está me trazendo agora", diz.
Em nota divulgada nesta quarta-feira (16), a Polícia Militar esclarece que os agentes de segurança se cercam de toda a cautela possível em incursões com alto risco de periculosidade e cumprem rígidos procedimentos operacionais para proteção da própria vida. A PM é uma instituição legalista e está apurando as alegações da reportagem para eventuais providências.
Policial aponta fuzil para jornalista durante reportagem em comunidade de Guarujá (SP) — Foto: Reprodução/Profissão Repórter
247- A repórter Danielle Zampollo, da TV Globo, foi para a comunidade Prainha, localizada na cidade costeira do Guarujá, para ter acesso às informações sobre as mortes da Operação Escudo, que deixou 16 mortos, sendo 12 em Guarujá e 4 em Santos. No entanto, a profissional se deparou com uma situação de pânico, após um policial apontar um fuzil para ela, durante a reportagem. As informações sãodo G1.
A repórter relata que decidiu se apresentar ao chegar no local. “Eu sou jornalista, posso perguntar que trabalho vocês vieram fazer aqui hoje?”
O policial não respondeu. A jornalista então pegou o celular e começou a registrar a entrada dos policiais na comunidade.
Danielle falou mais uma vez: “Tô mostrando o trabalho de vocês, tá bom?". O policial começou a apontar o fuzil em direção a ela – ação que durou 17 segundos.
“Quando ele começou a apontar o fuzil pra mim, e manteve a arma apontada, eu estranhei. Achei que estivesse acontecendo alguma coisa. Olho pra trás e não tem ninguém. Só eu, numa viela estreita. Aí que eu vi que era comigo. Ele ficou 17 segundos apontando o fuzil pra mim, sem parar.”
A repórter conta que decidiu se proteger após a ação do policial.
O relato da jornalista veio à tona nesta terça, durante a exibição do Profissão Repórter. Antes disso, o policial em questão já havia gravado as cenas e criado a versão de que ele estaria sendo perseguido pela repórter. As imagens viralizaram nas redes.
Profissão Repórter
@profreporter
REPÓRTER NA MIRA | O #ProfissãoRepórter desta terça (15) fala de letalidade policial. A repórter Danielle Zampollo foi à comunidade Prainha, no Guarujá, apurar informações sobre as 16 mortes da Operação Escudo. Um policial apontou um fuzil para a jornalista durante a reportagem.
No filmeOppenheimer(2023), o diretor Christopher Nolan mostra uma tragédia em dois atos. No primeiro ato, ele mostra como o grande físico J. Robert Oppenheimer (1904-1967) coordena a construção da bomba atômica pelos EUA em circunstâncias desfavoráveis – os nazistas estavam dezoito meses à frente nas pesquisas, diz ele quando se inicia o Projeto Manhattan –, com o objetivo de impedir que o nazismo alcançasse tamanho poderio antes dos Aliados. O físico acreditava que, uma vez obtida a bomba pelos Aliados, os nazistas não usariam a bomba mesmo se conseguissem produzi-la, e teriam assim o seu poderio contido.
No segundo ato, Christopher Nolan mostra a grande angústia gerada no físico diante do uso da bomba no Japão, que gerou cerca de 110 mil mortes, somando Hiroshima e Nagasaki – civis, em sua grande maioria. O filme retrata como os conselheiros do Presidente Henry Truman (1884-1972) escolheram as cidades tendo conhecimento do alcance absurdo da bomba. O risco de se causar a morte em massa de civis é ponderado com considerações práticas sobre o custo de se manter a guerra. Uma invasão ao Japão provavelmente seria muito custosa em número de baixas estadunidenses, as quais poderiam ser evitadas com o uso da bomba. Oppenheimer estava nesse conselho, e deu aval ao seu lançamento.
O filme se encerra com a constatação de Oppenheimer de que teria contribuído para um possível fim do mundo via guerra nuclear – afinal, começava a Guerra Fria. Em certo momento, Truman recebe Oppenheimer na Casa Branca, e tenta o aliviar da culpa pela catástrofe atômica; ou melhor, Truman confessa a sua culpa: “ninguém se lembrará de quem fez a bomba; eu lancei a bomba [sobre os civis japoneses]”.
A confissão de Truman não apaga a culpa de Oppenheimer, que marca o filme até o seu belo diálogo com Einstein na cena final sobre o poder destrutivo que colaborou para construir por meio da física; mas faz justiça a Elizabeth Anscombe (ou G.E.M. Anscombe) (1919-2001), filósofa de Oxford e professora de filosofia em Cambridge (1970-1986) que marcou o cenário da filosofia analítica de língua inglesa na década de 1950. A sua fascinante biografia – pessoal e intelectual, dado que Anscombe era também uma das herdeiras intelectuais de Ludwig Wittgenstein (1889-1951), talvez o maior filósofo do século XX, tendo colaborado para publicar o seu testamento literário – foi retomada em livro recente do historiador da filosofia Benjamin J.B. Lipscomb.[vii]
No livro, o autor narra o protesto de Anscombe contra a concessão do título deDoutor Honoris Causaa Truman pela Universidade de Oxford em 1956. O título foi concedido contra pouquíssima oposição – apenas Anscombe e as filósofas Iris Murdoch (1919-1999) e Philippa Foot (1920-2010) (junto do seu marido), co-protagonistas do livro, votaram contra. Anscombe ficou furiosa: seus colegas estariam admitindo que a morte intencional e deliberada de civis pelo Estado se justifica de acordo com a finalidade que se almejar com tal ação.[viii]
Anscombe foi uma grande crítica do que chamou de “consequencialismo”: a teoria segundo a qual toda ação é boa desde que suas consequências sejam boas. Segundo Anscombe, tal posição era perniciosa por justificar literalmente qualquer coisa. Não faria sentido, assim, sequer afirmar que “matar inocentes é um ato injusto” em si mesmo.[ix]Se matar inocentes implicasse no fim de uma guerra justa e cara, então a ação de lançar uma bomba atômica sob centenas de milhares de civis se justificaria.
Anscombe era uma católica ferrenha, mas não era uma pacifista. O seu texto teórico de reação à nomeação de Truman foi “War and murder”, de 1957. Nele, Anscombe afirmava considerar óbvio que a sociedade moderna ocidental é menos selvagem com o uso da força pelo Estado do que seria sem tal uso. A sociedade sempre conta com agentes recalcitrantes que não respeitam o direito de modo algum e demandam a intervenção do direito penal. E nem sempre é possível parar os recalcitrantes antes de se chegar ao ponto do uso da violência. Há casos em que a guerra e o estado de necessidade justificam a morte do outro. A grande questão é saber quem e quando se está justificado o uso da força nesse nível. Na guerra, o poder de matar é justificado ao extremo, e o risco de se matar inocentes também se maximiza.[x]
Outra doutrina que Anscombe atacou no campo da filosofia da prática era a “doutrina do duplo efeito”, que era uma implicação da teoria moral do consequencialismo. Ela dita que apenas as consequências previstas pelo agente poderiam lhe ser imputadas para fins de responsabilidade e descrição de uma ação. Para Anscombe, essa doutrina seria absurda: ninguém pode empurrar alguém de um penhasco sem a intenção de matar a pessoa apenas porque “o pensamento não lhe ocorreu.” No ato de homicídio, Anscombe defendia que se incluísse na esfera de aplicação do conceito todo caso de morte causada a inocentes sob circunstâncias que poderiam ser previstas por um agente racional naquelas condições[xi], o que lembra o nosso instituto de direito penal do dolo eventual.
Com base na rejeição dessas teses consideradas por Anscombe como “corruptoras”[xii], ela rechaçou completamente a ação dos Aliados de “obliterar cidades” inteiras para vencer a 2ª Guerra.[xiii]As pessoas cuja mera existência e atividade se dá no interior de um Estado considerado “não-inocente” em uma guerra não justifica a sua morte indiscriminada, mesmo se a guerra for justa. Essas pessoas são inocentes e seria assassinato matá-las, e não um exercício justo da guerra.
Mães e mulheres negras da Baixada Santista assumem a posição de porta-vozes das denúncias em ato realizado nesta quarta (3/8) no Guarujá | Foto: Ailton Martins
À frente da manifestação ou subindo o morro junto de filhos e maridos, elas garantem a vida diante do massacre promovido pela PM. Ouvidoria escuta famílias das 16 vítimas fatais, que denunciam invasão de casas, tortura e tiros à queima-roupa
Evandro Belém tinha 34 anos, era ajudante de obras, mas, nas palavras de um familiar, era o parente mais bondoso entre os seus, o cara que vivia convicto de que não precisava desejar mal para ninguém. “E sabe, eu acho que é por isso que ele morreu: afinal ele não correu e ficou no lugar quando a polícia apareceu, porque, na cabeça dele, não tinha motivo para ter medo, já que ele não tinha machucado policial nenhum e, se soubesse da morte de algum, ele ia era rezar por ele”, conta o familiar, que preferiu não se identificar, mas compareceu ao ato “Ser Pobre Não É Crime”, organizado por movimentos sociais da região da Baixada Santista, litoral do estado de São Paulo, na tarde desta quarta-feira (2/8) na praça 14 Bis, em Vicente de Carvalho, distrito do Guarujá.
Os movimentos da região promoveram um encontro entre moradores da Baixada com uma comitiva formada pela equipe da Ouvidoria das Polícias, Defensoria Pública e parlamentares da Câmara Municipal de São Paulo e da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), além de pesquisadores e organizações diversas da capital, preocupados com a situação vivida pelos caiçaras.
Orientados por movimentos sociais da região, o ouvidor das Polícias, Claudio Aparecido da Silva, também percorreu as comunidades para começar a escutar as famílias das 16 vítimas fatais da Operação Escudo, ação policial deflagrada após a morte do PM Patrick Bastos de Oliveira, das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), na quinta-feira passada (27/7). A operação,que deve durar 30dias segundo o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), foiconsiderada “vingança”por especialistas ouvidos pela Ponte.
“Ser pobre não é crime”, o tema da manifestação, combate o que a advogada Dina Alves aponta como o alvo da Operação Escudo: o extermínio de negros e periféricos | Foto: Ailton Martins
Claudinho conta que deve publicar um relatório completo nas próximas semanas, para apontar irregularidades cometidas pela polícia durante as mortes – que, frisa o ouvidor, certamente ocorreram – e indicar até que ponto as versões oficiais de confronto entre vítimas e agentes do Estado foram reais ou estão muito distantes das versões dos sobreviventes – invasões à residências, relatos de tortura e tiros à queima roupa.
“As pessoas que estamos escutando não estão pedindo nada demais, elas querem paz. Nós vamos produzir um relatório com conteúdos probatórios de irregularidades que estão sendo feitas, e o Estado não tem o direito de cometê-las contra pessoas comuns que ele deveria estar acolhendo”, comenta o ouvidor.
Encruzilhada pela memória dos mortos
O ajudante de obras morreu na tarde da última sexta-feira, 28 de julho, enquanto recolhia entulhos para ajudar na reforma da casa de uma moradora da comunidade da Aldeia, no município do Guarujá. Ele foi abordado por policiais que, segundo testemunhas, já chegaram atirando. Evandro morreu no local.
A família de Evandro compareceu no ato da praça 14 Bis após ter enterrado o caiçara horas antes. Até o momento da despedida, familiares contam que enfrentaram uma longa jornada a partir do instante em que receberam o primeiro aviso da sua morte: precisaram contar com a ajuda de amigos para comprar a passagem até a delegacia, só para ouvir que não teriam acesso a informações corretas; depois precisaram de ajuda para viajar por mais de duas horas de balsa e de ônibus até o Instituto Médico Legal, na cidade de Praia Grande, para ouvirem, lá, que precisariam pagar caso quisessem o acesso completo ao laudo que indica como Evandro morreu:
“A mulher para quem ele estava catando entulho foi nos avisar que ele não tinha voltado, aí a gente foi procurando e começamos achar que ele era a pessoa que a polícia tinha matado ali naquela tarde. A gente teve que escutar no IML da Praia Grande que, para saber como ele morreu, teríamos que pagar R$ 75 e só mostraram uma foto dele no computador”, denuncia um dos familiares. A pessoa também conta que a comunidade local teria visto o momento em que uma segunda vítima foi colocada no camburão da polícia e levado para a comunidade da Conceiçãozinha, onde teria sido morto.
Mulheres à frente
Por não serem o principal alvo, são as mulheres que também aceitaram falar com a imprensa presente no local. Única moradora da região que escolheu sair do anonimato, Edna Santos compartilhou o que soube da morte de Cleyton, um dos assassinatos que mais revoltou os moradores do Guarujá.
“A mídia fica passando que teve troca de tiros com a polícia, que ele estava com droga, mas era tudo mentira. Tem inocente morrendo também, até quem não tem passagem pela polícia”, contou.
A sensação de que as mulheres precisam ser a principal fonte de denúncia das mortes faz parte de uma estratégia de sobrevivência. Nas comunidades em que a polícia aparece invadindo casas, são as chefes de família que lembram que é proibido entrar em residência sem mandado judicial. Para subir o morro, os homens estão pedindo para que suas mães, companheiras e filhas estejam do seu lado.
“Eu preciso falar isso sempre, porque é impressionante que meu filho adolescente não pode sair para ir na esquina que já leva enquadro. Na minha casa ninguém entrou não, mas é difícil segurar e acabei vindo aqui falar porque sou mãe de seis e também não quero que outras mães continuem aceitando isso que estamos passando”, falou uma moradora da favela da Prainha, que pediu para não ser identificada. Ela conta que mora há 37 anos na comunidade e que nunca viu ações parecidas como as que estão sendo realizadas pela Rota nos últimos dias.
Movimentos de mães de vítimas de outros massacres, como as Mães de Paraisópolis, vieram de São Paulo apoiar as famílias do Guarujá | Foto: Ailton Martins
As mulheres também lideram as ações de solidariedade entre mães e esposas enlutadas. Mãe de Luis Fernando, assassinado em fevereiro de 2023, Sandra veio para o Guarujá com as Mães de Maio porque queria, segundo ela, demonstrar o apoio de uma dor que ainda está construindo a partir do seu luto recente:
“Todas nós que estamos aqui não dormimos direito, não comemos, porque a gente sabe o que essas famílias estão passando e isso precisa mesmo acabar”, conta.
Para Luana de Oliveira, integrante da Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, é importante que os movimentos sociais que compuseram o ato reforcem o compromisso de permanecer lado a lado com os movimentos da Baixada Santista. Ela assegura que as manifestações só começaram e que devem haver mais atos.
“Temos que fazer outros atos, já que o governador disse que está satisfeito e que as operações não vão parar”, pontua.
Na manifestação, ela também trouxe a necessidade de enxergar as mortes a partir da disputa pela narrativa: não deixar que as histórias das vítimas sejam esquecidas e trocadas por versões convenientes pela polícia:
“As mães que já são vítimas do genocídio também lutam para que não sejam vítimas do genocídio da memória, em que querem que a gente aceite a versão que eles [autoridades] querem contar sobre as mortes, mas não podemos esquecer do que aconteceu de verdade”, alerta.
Nas redes sociais, as mães não estão sozinhas. Segundo o relatório da consultoria de pesquisa Quaelst, a repercussão dos internautas sobre a Operação Escudo tem sido muito negativa: as declarações do governador Tarcisio de Freitas geraram mais de 227 mil menções nas diversas plataformas digitais (Youtube, Twitter, Facebook, Google, Instagram) até a última terça-feira (01/08), a maioria críticas à atuação da polícia na Baixada Santista.
Um método para matar
Os relatos sobre a morte da vítima que estava com Evandro Belém seguem um padrão identificado em versões dadas sobre moradores em relação a outras pessoas: policiais estariam sequestrando e levando vítimas para serem mortas fora do seu território, buscando atrapalhar investigações e o reconhecimento das pessoas mortas. Moradores de situação de rua também estariam entre os alvos, já que muitas vezes as pessoas não conhecem suas histórias, tampouco seus nomes.
“Fazem isso pra gente não saber quem está morrendo, já que a gente só pode falar de quem morreu aqui. O Cleyton a gente sabe como morreu porque ele era da nossa comunidade, todo mundo aqui convivia com ele e sabe que [a versão policial] foi tudo encenação. Tiraram o filho dele do colo, ele foi colocado num canto e atiraram sem que ele estivesse armado”, contou uma moradora de Conceiçãozinha, que preferiu não se identificar. A morte de Clayton repercutiu entre os moradores do Guarujá pela presença dos filhos dele no momento de seu assassinato.
Moradores presentes na manifestação, de diferentes bairros do município, comentam que boa parte das mortes teriam acontecido a partir do mesmo procedimento da PM: invasão de domicílio, homens tatuados e com antecedentes criminais como alvo – mesmo quando estão seguindo suas vidas fora do crime – e encenação de um local da morte, com arma e drogas que teriam sido “plantadas” pelos policiais.
Essemodus operandijá teria chegado a Santos, maior cidade da região. Matheus Café, líder do Centro dos Estudantes de Santos e Região, falou ao microfone durante o protesto, denunciando que, na favela do Alemôa, a arbitrariedade da polícia começou bem antes dos ataques no Guarujá: no início da semana passada, ele conta que os moradores receberam os primeiros avisos de que haveria o fechamento do comércio da região por causa de uma operação da polícia contra o tráfico na Baixada. Apesar das ações não terem mortes, Matheus relata ameaças e agressões a moradores do local.
“A gente não aguenta mais projeto de genocídio da juventude. Eu não aguento mais sair da minha casa e sentir medo de ir para a universidade”, desabafou.
Advogada e doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP, Dina Alves morou durante dezessete anos no bairro do Morrinhos, no Guarujá, um dos locais em que há relatos de mortes. Para ela, o ato, mais do que um momento de visibilidade sobre a violência na Baixada Santista, também é uma oportunidade para reforçar a importância de lembrar o racismo presente nas mortes – tipo de genocídio que, para ela, é um projeto de governo.
“Essa Operação Escudo diz ser um combate à criminalidade, morreu um policial e o discurso é que é preciso combater a criminalidade, mas ela esconde um projeto de exterminio da população negra, já que o perfil do suspeito padrão e da morte no Brasil é o jovem negro periférico. Não é sobre o combate às drogas, não é porque morreu um policial no Guarujá, é porque é preciso que esse projeto de extermínio esteja em curso”, ressalta a pesquisadora, lembrando que na Bahia ações policiais também estão deixando um rastro de mortes: foram 19 vítimas apenas nesta semana.
A paz que morre na praia
O sentimento de apoio generalizado flertou, muitas vezes, com a esperança de que estivéssemos diante do início do fim da matança. Mas entre caiçaras periféricos, aquele velho medo que existe no ditado de “tentar não morrer na praia” voltou nos minutos finais da manifestação, em que todos estavam dispostos a gritar juntos por esperança e registrar uma foto coletiva: chegou aos grupos de moradores e movimentos sociais da região a informação de uma nova morte no Morro do Engenho, também no Guarujá.
A vítima teria levado nove tiros à tarde. A equipe da ouvidoria encaminhou-se imediatamente ao local, enquanto Dina Alves pegava o microfone para relatar a angústia compartilhada no momento pelos presentes:
“A gente pede, pelo amor de Deus, que retirem essa operação! Essa operação que ninguém sabe quais os objetivos e quais as finalidades”, criticou. Ela também contou que a trégua continua muito longe de terminar, graças ao aval do governo estadual e da ausência do governo federal que ainda não desceu a Serra do Mar.
“Profissionais da segurança pública não podem usar o discurso da vingança para fazer segurança policial”, ressaltou.
Mais tarde, soube-se que não houve morte no local, mas que os tiros foram disparados no Morro pela Romu(Rota Ostensiva Municipal) da Guarda Municipal do Guarujá. Dois jovens foram abordados, mas imediatamente soltos, em movimento lido como uma forma de intimidar os moradores e lembrar que está longe de acabar o fim da contagem dos atos de violência cometidos pelo Estado na Baixada.
“Qual a razão da ROMU estar estimulando o pânico num contexto já tão difícil”, questionou Dimitri Sales, advogado e presidente do Conselho Estadual de Defesa os Direitos da Pessoa Humana do Estado de São Paulo (Condepe), no Twitter:
Defensoria Pública oferece ajuda gratuita
Os defensores públicos do Guarujá, presentes no local, compartilharam um sentimento de alívio por encontrarem um momento para conhecer alguns dos familiares das vítimas. Eles contam que, apesar de a Defensoria Pública ser muito procurada pela população para diversos casos, as pessoas ainda têm dificuldade para procurar os profissionais em busca de assistência para histórias de violência policial.
Preferindo não se identificar, eles compartilham que escutam, de defensores mais velhos, que o massacre dos últimos dias só se aproxima dos Crimes de Maio – uma sensação também já mencionada por locais em diversos pontos da Baixada Santista. Mas por ora, eles preferem se amparar na impressão de que a visibilidade nacional e internacional dos casos vai ajudá-los a ter uma atuação mais efetiva para as famílias.
“É importante que a comitiva que veio de São Paulo tenha esse momento de troca com as famílias aqui, porque é importante vivenciar de fato o que estamos vivendo na Baixada. E isso nos dá mais confiança para contar aos moradores que eles não estão sozinhos, que estamos levando isso para o governo, pessoas que não são daqui e estão nos fortalecendo”, refletiu um dos defensores.
No Guarujá, a Defensoria Pública pode contribuir para ajudar famílias a ter informações sobre violências cometidas contra moradores, encontrar orientações para buscar por reparação do Estado e por proteção diante de ameaças. A Defensoria funciona de segunda à sexta, das 10h às 17h, com atendimento imediato e garantia de sigilo das vítimas. O prédio fica na Av. Ademar de Barros, 1327 – Jardim Helena Maria, Guarujá.
Escuta sem protocolo de segurança
Diante de ummodus operandide chacina que se repete de comunidade para comunidade, como garantir um registro que possa ser uma prova incontestável deabuso policial já que, aparentemente, a Operação Escudo – e, consequentemente a matança – segue nos próximos 30 dias.
Horas antes da manifestação, durante a manhã desta quarta-feira (2), um morador do bairro Conceiçãozinha se dispôs a falar, contando em detalhes a invasão da polícia a residências da região na noite anterior. Rodeado por câmeras em uma coletiva de imprensa improvisada em um beco das primeiras entradas do Conceiçãozinha, o senhor não queria aparentar medo, mas era lembrado pelo ouvidor a todo momento que falar era necessário, mas se proteger muito mais.
Mas a convicção da coragem aparece apenas em quem acredita que não tem mais nada a perder. Porque, para boa parte dos moradores, a necessidade de falar esbarra, quase sempre, nas dúvidas sobre em quem confiar. Por outro lado, quem busca documentar as histórias e os dados também não encontra asfalto confiável por onde andar nos morros em que aconteceram as mortes que já se têm notícia.
Não existe um manual para se sentir mais seguro enquanto oferece a escuta, e evitar mais espaço para a represália da polícia. Na corrida corrida contra o tempo para trazer mais relatos que possam chocar a ponto de frear a matança, os moradores mostram áudios e prints de possíveis cenas de tortura ou de assassinatos, e na rua é difícil buscar fontes que confirmem a veracidade do que chega, já que de um lado há um boletim de ocorrência tratando todos como suspeitos, e de outro há uma desinformação muitas vezes alimentada pelo medo.
Mas nem todos estavam dispostos a receber a comitiva. Apesar da presença de órgãos importantes para a proteção das denúncias das arbitrariedades cometidas pelo Estado, a atenção da imprensa local e de veículos televisionados que, em muitos momentos, registraram fotos e vídeos dos moradores, deixaram no local um sentimento conflituoso de alívio pela escuta, e medo de uma exposição que não foi consentida. Afinal, apesar do pacto coletivo de poupar a identificação das fontes, tantos flashes inesperados espantaram alguns moradores pela perda do controle de saber o destino final de tantos registros.
“Tio, aqui não tem só polícia não, o PCC também está por aqui e é difícil falar depois pra eles que a gente não está falando com policial e sim com quem quer ajudar”, reclamou um jovem que conversou com o ouvidor.
Questionados pela reportagem no momento da caminhada, assessoras de movimentos sociais e de deputadas da região conseguiram sensibilizar a equipe da Ouvidoria e dos parlamentares da capital para que tivessem mais zelo sobre o compartilhamento da escuta com os veículos, e a imprensa acabou vetada das visitas seguintes.
Mais tarde, o ouvidor das polícias defendeu a presença midiática para escutar as famílias, diante do apagão de dados da Secretaria da Segurança Pública e das intimidações quase diárias para que as comunidades não ajudem a aumentar os registros oficiais das mortes:
“Acho que muitos moradores querem falar, e a imprensa de fato está expondo essas pessoas, mas isso é relevante expor. A opinião pública, o mundo, o planeta, precisa saber o que está acontecendo na Baixada Santista, e é expondo que conseguimos mobilizar nossos sentimentos e acredito que a comunidade está precisando que a gente entregue nosso apoio”, defende.
Ativistas que pediram para não se identificar questionam se os políticos presente nas comunidades e no ato desta quarta (2) vão continuar acompanhando as famílias sobreviventes até 2024, ano das eleições municipais. E se haverá um esforço maior, da imprensa, após as histórias visibilizadas agora, em trazer nomes das vítimas e contexto real das suas mortes, ao invés de só justificá-las como “suspeitos” ou com passagem pela polícia.
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