No dia 5 de junho deste ano, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal,manteve a ordem de uso de câmeras corporaispor policiais do Rio de Janeiro. Na ocasião, o magistrado lembrou que o prazo de 180 dias concedido pelo Plenário do STF ao governo fluminense, em fevereiro do ano passado, já havia se esgotado e questionou quanto tempo mais seria necessário para que fosse cumprida a determinação do Supremo, garantindo-se, assim, que todas as unidades de operações especiais estivessem usando as câmeras.
A ordem do ministro se deu na apreciação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635 — conhecida como ADPF das favelas —, que tramita no STF desde 2019. A ação foi ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e questiona decretos estaduais relacionados à segurança pública frente às recorrentes violações de direitos humanos pelas forças policiais nas favelas do Rio.
Uma das decisões provocadas pela ADPF ocorreu em 2020. Na ocasião, o Supremo impôs novas restrições à atuação dos agentes de segurança pública fluminenses, como veto ao uso de helicópteros blindados como plataforma de tiros e às operações em perímetros escolares e hospitalares.
Essa decisãotambém foi desrespeitada pelo governo do Rio. Em maio de 2021, uma operação policial deixou 28 mortos na Favela do Jacarezinho, zona norte do Rio de Janeiro.
Na esteira das decisões que visavam a combater a letalidade policial no estado, Fachin determinou o uso de câmeras corporais (asbodycams) pelas forças de segurança fluminenses. Países como Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha, Chile e China utilizam o equipamento. No Brasil, o estado de São Paulo adotou a ferramenta e o resultado foi uma redução de 85% nas mortes em confrontos com policiais nas 18 unidades em que a novidade foi implantada, na comparação com o mesmo período de 2020.
Resistência Por meio de ofícios, representantes das Polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro se opuseram de forma clara ao uso de câmeras corporais. E, de 2019 para cá, a administração estadual do Rio têm adotado um comportamento, no mínimo, errático frente ao que foi determinado pelo ministro.
Em abril deste ano, o governador Cláudio Castro afirmou que não pretende obrigar forças especiais de segurança a utilizar o equipamento. Ele alegou que o uso do equipamento pode colocar em risco a segurança dos policiais.
"Sou contra nas questões específicas, de estratégia policial. Você mostra por onde anda, por onde entra. Enquanto eu não garantir essa segurança, e hoje não há como garantir, continuo sendo contra."
Desde dezembro do ano passado — quando Fachin determinou pela primeira vez o uso das câmeras pelas forças policiais fluminenses —, houve muitos recursos do governo do estado contra a decisão e poucos atos administrativos para cumpri-la. Assim, a revista eletrônicaConsultor Jurídicoprocurou juristas e advogados para entender as possíveis consequências jurídicas da "rebeldia" do Rio.
O juristaLenio Streckexplica que, ao se negar a cumprir ordem do STF, o gestor público pode responder pelo crime de desobediência, descrito no artigo 330 do Código Penal.
"Em caso de reiteração de condutas, pode-se aplicar as regras de concurso de crimes, notadamente o concurso material (artigo 69, CP), quando há uma somatória das penas aplicadas; ou crime continuado (artigo 71, CP), que ocorre quando se aplica a pena e dela se aumenta até 2/3. Há de se pensar ainda acerca da possibilidade de responsabilizar o gestor público por omissão imprópria."
O advogadoGeraldo Barchi, do escritório MFBD Advogados, diz que, no caso em questão, o governador pode responder por improbidade administrativa, conforme indica a atual redação do artigo 11 da Lei 8.429/1992, que foi inserida no ordenamento jurídico por meio da Lei 14.230/2021.
Na mesma toada,Mozar Carvalho, sócio fundador do escritório Machado de Carvalho Advocacia, afirma que, além de responder por ato de improbidade, o governador pode cometer crime de responsabilidade ao descumprir determinação judicial.
"Em algumas situações, é possível que a recusa em cumprir uma ordem judicial seja caracterizada como crime de responsabilidade, previsto na Constituição Federal. Nesse caso, o governador poderia ser alvo de um processo de impeachment e até mesmo sofrer as consequências políticas e jurídicas decorrentes."
O advogadoCaio Almeida, do escritório Lopes & Almeida Sociedade de Advogados, também entende que a conduta do governador pode configurar crime de responsabilidade e que o caso deve ser apurado segundo o regramento legal estadual que estabelece o procedimento do impeachment.
Imagens apagadas No último dia 26 de agosto, o jornalista Guilherme Amado, do portalMetrópoles, informou que um levantamento da Defensoria Pública do Rio de Janeiro apontou que a PM fluminense apagou e manipulou imagens das câmeras corporais.
Segundo a Defensoria, entre abril e julho deste ano, o órgão fez 90 pedidos de acesso a imagens de câmeras corporais e de viaturas. Desses, apenas oito foram atendidos. Mesmo assim, desses oito, três deram acesso a links sem imagens e quatro eram gravações manipuladas.
A revelação adicionou uma nova camada ao imbróglio, já que, além de não cumprir o determinado pelo STF em sua totalidade, as forças de segurança do Rio de Janeiro podem estar trabalhando contra a transparência nas ações policiais, objetivo da adoção das câmeras corporais.
ParaFernando Gardinalli, sócio do Kehdi Vieira Advogados, a prática — se comprovada — poderia ser enquadrada no crime de fraude processual, previsto no artigo 347 do Código Penal ("Inovar artificiosamente (...) o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito").
"Já se a manipulação da gravação tiver sido realizada com o objetivo de dificultar a investigação sobre um fato (isto é, não tiver havido alteração da cena do crime; a câmera, por exemplo, ficou dentro da viatura policial, sem filmar uma abordagem violenta ou mesmo ilegal), a hipótese seria de prevaricação, prevista no artigo 319 do Código Penal: 'Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal'", sustenta o advogado.
Lenio Streck entende que o caso pode ser enquadrado no crime de "supressão de documento" (artigo 305, CP), que, se público, pode chegar a uma pena de até seis anos de reclusão. "Porém, penso que somente poderia se falar na existência de tal delito em caso de destruição ou ocultação das imagens das câmeras. Isso por questão de taxatividade do tipo penal. Também entendo que, se a intenção do agente é apagar imagens de uma execução ou algo do gênero, também poderá se falar no crime de fraude processual (artigo 347, CP, com o aumento de pena previsto em seu parágrafo único)", explica ele.
No último dia 15 de agosto, o jornalO Globoinformou que, enquanto as ordens para redução da letalidade policial são discutidas no bojo da ADPF 635, ao menos dez crianças morreram no Rio de Janeiro vítimas da violência armada — três em operações policiais.
Em janeiro, já havia sido divulgado estudo do Instituto de Segurança Pública (ISP) que informou que as forças de segurança do Rio mataram 1.327 pessoas no ano passado. O número representa 29,7% de todas as mortes violentas no estado. Ainda assim, as imagens das ações da polícia fluminense continuam escassas.
Quando vi a foto de crianças chorando no velório de Thiago, 13, morto pela polícia, pensei em como pais de escolas particulares construtivistas da zona sul pegariam seus filhos na aula sorridentes e não se sentiriam mal
por Nina Lemos
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Na foto, crianças choram muito, sentidas, com dor. Elas estão fazendo o que nenhuma criança deveria ter que fazer: enterrando um amigo, o adolescente Thiago Menezes Flausino, de 13 anos, morto durante operação policial na Cidade de Deus. Thiago foi morto enquanto andava na garupa da moto de um amigo. Segundo testemunhas, os tiros teriam sido disparados pela polícia.
Assim que ele foi baleado, a PM carioca postou nas redes sociais que um "jovem armado teria sido ferido em confronto". Imagens de câmeras de segurança e testemunhas mostraram que não foi nada disso. A informação foi apagada das redes.
Thiago era um garoto inocente, que gostava de jogar futebol. E, claro, mesmo se ele fosse envolvido com crime (o que repito, não era o caso) ele não poderia ser morto. Não existe pena de morte no Brasil. E muito menos a execução sumária, sem julgamentos, é prevista pela constituição.
Foi triste saber que Thiago foi morto dessa maneira, ver a dor dos seus pais e dos seus amigos. Mas nem deu tempo de secar as lágrimas.
Eloá, 5, morta com tiro no peito
No último sábado, Eloá da Silva dos Santos, de cinco anos, brincava de pular na cama na casa em que morava com os pais, na Ilha do Governador, Zona Oeste do Rio, quando foi atingida por uma bala no peito. Segundo moradores, os tiros teriam sido disparados por policiais. Ela chegou a ser socorrida, mas morreu no hospital. Na mesma operação, o adolescente Wendell Eduardo, que estava na garupa de uma moto, também foi morto após levar um tiro. É triste, revoltante e desolador.
Segundo um levantamento do Instituto Fogo Cruzado, a cada quatro dias, uma criança ou adolescente é baleado no Rio de Janeiro. Uma estatística de guerra. A nível de comparação, segundo números da organização Save the Children, três crianças/adolescentes ficam feridos ou são mortos por dia durante a guerra da Ucrânia. É terrível.
A diferença é que a Ucrânia é um país em guerra oficial, com milhões de refugiados pelo mundo. Já no caso do Rio de Janeiro, a guerra não é oficial e é muitas vezes ignorada. Nas favelas, moradores fazem manifestações contra a morte de suas crianças e a violência policial, mas a vida segue normal do outro lado do túnel, na Zona Sul do Rio de Janeiro, onde ficam aqueles cenários bonitos das novelas de Manoel Carlos.
Escrevo de Berlim, mas como sou carioca, não preciso estar lá para saber que a vida segue normal na minha cidade natal. Quando vi a foto das crianças chorando no velório de Thiago, pensei como pais de escolas particulares construtivistas da zona sul carioca (aquelas que têm mensalidade mais de R$ 4 mil) pegariam seus filhos na escola sorridentes e não se sentiriam mal. Como passar um fim de semana feliz com sua criança pequena sabendo que Eloá foi morta dentro de casa?
Capacidade de "abstração" doentia
Não estou falando, claro, que nenhum branco de classe média sofra com esse horror. Mas sou carioca e conheço bem a capacidade de "abstração" doentia de meus compatriotas.
Ano passado, eu estava sentada do lado de fora em um café Humaitá (bairro de classe média da Zona Sul do Rio de Janeiro) quando ouvi barulho de tiros (sim, nós, cariocas, sabemos distinguir o que é barulho de bala). Levantei assustada e travei um diálogo bem carioca com as garçonetes: "isso é tiro, né? ". "É sim e parece ser perto". Eu e a garçonete entramos dentro do café e nos escondemos no fundo. Enquanto isso, para meu choque, todos os outros clientes continuaram do lado de fora, tranquilos, sentados tomando seus cafés caros, como se nada tivesse acontecendo. Juro.
Há dois anos, estava sentada na rua em uma mesa do mesmo café quando um menino tocou meu ombro e falou outra frase triste muito comum no Rio de Janeiro: "tia, me ajuda". Ele nem conseguiu completar a frase. Em poucos segundos, vi um segurança forte o afastando de mim pelos braços. Logo, ele passou a desferir tapas à luz do dia no menino (sim, era uma criança). Comecei a gritar para que ele parasse. Mais uma vez ninguém fez nada. Gritei sozinha. A rua onde fica esse café, preciso enfatizar, é frequentada principalmente por muitos brancos de classe média alta e progressistas. Não estou falando de um ambiente bolsonarista onde as pessoas bradam alto que "bandido bom é bandido morto".
Claro que ignorar a tragédia é também uma maneira de sobrevivência. Quando passo uma longa temporada no Rio, logo estou "ignorando" a miséria e ficando menos chocada com as crianças dormindo na rua. Com o tempo, todo mundo naturaliza um pouco o horror, inclusive para continuar vivendo. Mas tudo tem limite. Só neste ano, segundo o Instituto Fogo Cruzado, até o mês de julho, pelo menos 14 crianças e 26 adolescentes teriam sido baleados no Rio de Janeiro. Desses, cinco crianças e 11 adolescentes morreram. Thiago e Eloá se juntam a essas horríveis estatísticas. Ano passado, no mesmo período, quatro crianças foram baleadas. Ou seja, o horror cresce exponencialmente.
Não é possível que essas balas não furem a bolha. Como disse o Emicida na ocasião da morte do Thiago: "isso não é um país. Nunca foi um país. É uma máquina de moer pobre".
Bombardeio ucraniano de vilarejo na região russa de Belgorod deixa 1 morto e 4 feridos
Talis Andrade
Sputnik Brasil-Uma pessoa morreu e quatro ficaram feridas no bombardeio por forças ucranianas do vilarejo de Gorkovsky na região russa de Belgorod, informou o governador da região, Vyacheslav Gladkov.
"O vilarejo de Gorkovsky, no distrito municipal de Graivoron, foi alvo de bombardeio pelas Forças Armadas ucranianas, cinco projéteis explodiram no centro, perto da escola. O pior aconteceu: uma pessoa foi morta - um homem sofreu ferimentos de estilhaços incompatíveis com a vida. Mais quatro pessoas ficaram feridas: três homens sofreram ferimentos de estilhaços nos membros inferiores e uma mulher sofreu concussão", escreveu Gladkov em seu canal no Telegram.
Ele acrescentou que os feridos foram transportados ao hospital em ambulâncias.
O chefe do distrito municipal, Gennady Bondarev, os serviços de segurança e de emergência estão no local. Atualmente, estão sendo feitas patrulhas casa a casa. O vilarejo de Gorkovsky fica a cerca de um quilômetro da fronteira com a Ucrânia.
Em junho, as Forças Armadas da Rússia frustraram outra tentativa de Kiev de realizar um ataque terrorista contra a população civil da cidade de Shebekino, na região russa fronteiriça de Belgorod, e violar a fronteira nacional do país.
Polícia de Cláudio Castro assassina favelados
O governo policial de Cláudio Castro registrou três das quatro operações mais letais de toda a história do Rio de Janeiro. Foram 72 mortos em apenas três operações organizadas em favelas da cidade, segundo dados do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI-UFF), compilados pelo portal G1.
A mais letal entre todas as ações envolvendo agentes públicos aconteceu no Jacarezinho, na zona Norte, em maio de 2021, quando 28 pessoas morreram. Um ano depois, em maio de 2022, 25 pessoas foram mortas durante uma operação policial na Vila Cruzeiro, também na zona Norte.
Em juçho de 2022, a ação no Alemão deixou 19 mortos, se igualando a outra registrada na mesma comunidade em 2007.
Entre os assassinados estão duas mulheres, um policial e 16 homens classificado como "suspeitos" pela Polícia Militar. Após cerca de cinco horas de duração da operação, moradores recolheram corpos e colocaram em kombis para serem levados até a UPA do Alemão, conforme mostra o vídeo divulgado pelo jornal A Voz das Comunidades.
Dessa forma, ao todo, sob governo de Castro, em apenas um ano e dois meses de gestão, o Rio de Janeiro viveu uma sequência de 40 chacinas com 197 mortes promovidas em operações policiais.
Veja o histórico das operações mais letais da cidade do Rio de Janeiro, segundo compilado do portalG1:
- Jacarezinho (maio de 2021) - 28 mortos;
- Vila Cruzeiro (maio de 2022) - 25 mortos;
- Complexo do Alemão (junho de 2007) - 19 mortos;
- Complexo do Alemão (julho de 2022) - 19 mortos;
- Senador Camará (janeiro de 2003) - 15 mortos;
- Fallet/Fogueteiro (fevereiro de 2019) - 15 mortos;
- Complexo do Alemão (julho de 1994) - 14 mortos;
- Complexo do Alemão (maio de 1995) - 13 mortos;
- Morro do Vidigal (julho de 2006) - 13 mortos;
- Catumbi (abril de 2007) - 13 mortos;
Complexo do Alemão (agosto de 2004) - 12 mortos.
Tarcísio de Freitas primeira ação no governo matar pobres
Neste início do governo de Tarcísio de Freitas, no fim de semana, em São Paulo, uma operação policial no Guarujá, na Baixada Santista, deixou ao menos 16 civis mortos. A ação é uma resposta à morte do soldado da Rota da PM Patrick Bastos Reis, de 30 anos, baleado na quinta-feira (27), durante uma operação na Vila Zilda. Moradores da região afirmam que policiais militares ameaçam assassinar 60 pessoas em comunidades na cidade. Também há relatos de tortura de civis.
O elevado número de vítimas essa semana em operações policiais pelo país evidenciam a face mais letal das polícias, segundo Carlos Nhanga, coordenador do Instituto Fogo Cruzado.
“Há anos que a eficácia de uma operação policial é medida pelo elevado número de mortes, mas ao invés de termos uma melhora na segurança pública, o que vemos é o aumento do medo e do risco de vida que a população enfrenta. Os dados do Fogo Cruzado mostram como essas operações se repetem sem que haja mudança alguma. Não dá para pensar a segurança pública sem planejamento e só focando no acúmulo de mortes, é preciso investir em uma política eficaz para conter a violência e proteger a população de fato”, alegou.
Um estudo que será lançado nesta terça-feira (13) afirma que as milícias alcançaram a influência do tráfico de drogas e passaram a ocupar metade das áreas dominadas por grupos armados na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Enquanto isso,mais de 2 milhões de pessoas estão sob controle da facção do tráfico de drogas Comando Vermelho.
O levantamento do Instituto Fogo Cruzado e do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF), mostra que o crescimento territorial dos milicianos foi de387%em 16 anos. Com 256,28 km², ou 10% do estado,o domínio corresponde a quase duas vezes o tamanho da cidade de Niterói.
[O estudo esconde a influência da intervenção militar no governo Michel Temer (interventor general Braga Nego), e do governo Jair Bolsonaro na expansão das milícias, jamais atacadas]
Avanço da milícia
Grupo ocupa 10% do território total do estado
O estudo apresenta também o Comando Vermelho ainda à frente do maior domínio populacional: 2,042 milhões de moradores. Mais de 60% da expansão da facção criminosa ao longo dos anos foi na Baixada Fluminense, em que quase metade das áreas controladas por grupos armados estão nas mãos da milícia.
De 2006 a 2008, o espaço total ocupado por grupos armados era de 8,7%. Desde então, as facções Comando Vermelho, Terceiro Comando Puro e ADA diminuíram a sua área de influência. A série histórica sinaliza então um“potencial de crescimento”das milícias“mais acelerado que os demais grupos”.
Mais de 90% da expansão de milicianos ocorreu emlocais que não eram controlados por facções criminosas. [Este correspondente considera duvidosa essa afirmativa. As milícias sempre avançaram nos territórios que foram ocupados por forças policiais e militares com exemplares chacinas, aterrorisando, torturando e assassinando a população civil, isto é, os favelados, pobre e negros. Só este ano foram três masacres nos morros. O que torna o governo de Cláudio Castro o mais sangrento da história do Rio de Janeiro, notadamente na Capital, ex-Cidade Maravilha, transformada em zona de guerra comandada por milicianos, que o governador acaba de armar, concedendo uma arma a cada policial aposentado. Que no Rio é assim: de dia polícia, de noite milícia.
“Os dados do Mapa dos Grupos Armados não deixam dúvidas: as milícias são as principais responsáveis por esse aumento de áreas sob domínio de grupos armados, razão pela qual se tornaram a principal ameaça à segurança pública no Grande Rio”, diz a pesquisa.
Enquanto isso, o Comando Vermelho corresponde a 40,3% dos territórios ocupados por grupos armados. Terceiro Comando Puro alcança quase 9%, e ADA, 1,1%.
Na capital, os números são ainda maiores:74,2%da área dominada pelas milícias. Quase 30% da cidade é controlada por algum grupo armado,em que três em cada quatro são de milicianos.
O estudo mostra que a milícia se concentra “quase que exclusivamente” na Zona Oeste do Rio, seguida pela Zona Norte. Números são inexpressivos e tendem a zero na Zona Sul e no Centro.
O levantamento analisou mais de 689.933 mil denúncias do portal do Disque Denúncia que mencionavam milícias ou tráfico de drogas entre 2006 e 2021. (Vide gráficos aqui)
[Há que considerar a política nazista da Polícia Militar e da Polícia, quando é morto um soldado ou policial, dez civis são assassinados como represália; um cabo, 20 civis... o Rio é uma cidade ocupada pelo crime, vítima das milícias formadas, em boa parte, por agentes do Estado, a exemplo de policiais militares e civis, bombeiros, integrantes das Forças Armadas e agentes penitenciários, como revelou o relatório final da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das Milícias da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, divulgado em 14 de novembro de 2008. Porém também agregam criminosos comuns e, até mesmo, traficantes. Vide reportagem de Flávio Costa, no UOL:
Quais as características de uma milícia?
O sociólogo Ignacio Cano, um dos maiores especialistas do país no assunto, elencou cinco características básicas de um grupo miliciano:
Controle de um território e da população que nele habita por parte de um grupo armado irregular;
Caráter coativo desse controle;
O ânimo de lucro individual como motivação central;
A participação ativa e reconhecida dos agentes do Estado;
Um discurso de legitimação referido à proteção dos moradores e à instauração de uma ordem.
O morador perseguido por um miliciano não pode pedir socorro a ninguém. Quem garante que uma autoridade do Estado não seja miliciana?
Afirma Cano: "Por outro lado, nós temos recebido notícias de que traficantes começaram a aplicar taxas aos moradores das comunidades, do mesmo modo que fazem as milícias. Houve um certo processo de convergência entre os dois grupos."
Carlos Jordy bolsonarista aprova sangreira de negro pobre
Deputado bolsonarista Carlos Jordy, que é ligado ao Bope do Rio, não exatamente se fez de rogado para esfregar na cara do Ministério Público, STF, TSE e favelas cariocas (“serve de aviso”) o que foi que aconteceu no Alemão.
Antes do massacre no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro, neste ano de 2022, a chacina mais recente que tinha sido promovida pelo Bope no Alemão também aconteceu em ano eleitoral, em 2020.
Na época, o site Ponte chamou atenção para que o Bope produzira 13 mortos para apreender oito fuzis. Nesta quinta, no mesmo Alemão, foram uma metralhadora, duas pistolas e quatro fuzis apreendidos e 19 cadáveres no chão – ainda contando, incluindo um policial e igualando o número de mortos da tragicamente emblemática chacina policial no Alemão durante os jogos Pan-Americanos de 2007.
Quando aconteceu a chacina de 2020, Wilson “mirar na cabecinha” Witzel ainda era governador. Hoje, Marcelo Freixo é pré-candidato, e forte, ao governo do estado do Rio, e seu principal adversário é Claudio Castro, o ex-vice de Witzel que agora tenta a reeleição.
Com tantos crimes a serem apurados na comarca fluminense, os Bolsonaro não gostariam nada de ver Marcelo Freixo eleito governador.
Nesta quinta, enquanto corpos ainda esfriavam em caçambas, o deputado federal
Nesta quinta, enquanto corpos ainda esfriavam em caçambas, o deputado federal bolsonarista Carlos Jordy, que é ligado aos Bolsonaro e ao Bope do Rio, não exatamente se fez de rogado para esfregar na cara do Ministério Público, STF, TSE e favelas cariocas (“serve de aviso”) o que foi que aconteceu no Alemão, além de chacina: um ato de campanha, estadual e nacional.
Jordy jamais condenou o genocídio da pandemia, a estratégia de propagação, para obter a imunidade de rebanho, vide o atraso na vacinação e o morticínio de Manaus, e o kit cloroquina me engana.
Jordy jamais condenou o genocídio de jovens negros. O racismo policial contra pobres, negros, favelados. Sempre condenou as câmaras de filmagem acopladas aos uniforme dos militares em serviço.
Jordy jamais condenou o genocídio dos povos indígenas, as terras invadidas pelos grileiros, madeireiros, garimpeiros, caçadores, pescadores, a Amazônia sem lei dos traficantes nacionais e internacionais.
É piada de mau gosto Freixo querer ser Governador do RJ sendo do partido q acionou o STF p/ impedir operações policiais contra o tráfico. O confronto no Complexo do Alemão serve de aviso: quanto menos operações, mais os criminosos se estruturam. Freixo e Lula têm o mesmo projeto!
, que é ligado aos Bolsonaro e ao Bope do Rio, não exatamente se fez de rogado para esfregar na cara do Ministério Público, STF, TSE e favelas cariocas (“serve de aviso”) o que foi que aconteceu no Alemão, além de chacina: um ato de campanha, estadual e nacional.
É piada de mau gosto Freixo querer ser Governador do RJ sendo do partido q acionou o STF p/ impedir operações policiais contra o tráfico. O confronto no Complexo do Alemão serve de aviso: quanto menos operações, mais os criminosos se estruturam. Freixo e Lula têm o mesmo projeto!
Jordy é uma piada. Jamais condenou o tráfico de armas, de ouro, de pedras preciosas, de dinheiro (os doleiros), de madeira nobre, de produtos florestais, de minérios estratégicos, principalente o nióbio. Jamais condenou o desmatamento da Amazônia, pela grilagem de terra. Jamais condenou o tráfico internacional de coca, que passa pelo Vale do Javari, terra indígena, supostamente protegida pela Funai, tríplice fronteira abandonada pela Polícia Federal e pelas forças armadas.
Um povo que aprova chacina, em um país que não existe pena de morte, é um povo cruel, que aplaude assassinatos quando praticados por ricos, pelos militares, pelos policiais como acontecia no Coliseu dos imperadores romanos. Um povo que se alegra com a morte no circo eleitoral (panem et circum)
Por Tácio Lorran, Metrópoles -A Polícia Rodoviária Federal (PRF) negou acesso a procedimentos administrativos dos agentes envolvidos na morte de Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, em Umbaúba, Sergipe. A corporação alegou se tratar de “informação pessoal”, o que, na prática, impõe sigilo de 100 anos sobre as informações [As transgressões da Polícia Rodoviária de Bolsonaro ficam escondidas do povo e do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. Inclusive crimes de tortura e morte. Idem participação em chacinas nas favelas do Rio de Janeiro. E, possivelmente, crimes de desvios de dinheiro público. A quem a PRF presta contas dos seus gastos com sedes, veículos, armas de guerra contra o povo civil, pobre e negro, soldos, gratificações, diárias, viagens etc?]
Genivaldo foi morto em 25 de maio deste ano em uma espécie de “câmara de gás” improvisada por policiais [assassinos] no porta-malas de uma viatura, após ser abordado [espancado e torturado] por estar sem capacete [Bolsonaro e seguidores, na maioria, não usam capacetes nas motociatas]
Via Lei de Acesso à Informação (LAI), o Metrópoles solicitou a quantidade, os números dos processos administrativos e acesso à íntegra dos autos já conclusos envolvendo os cinco agentes que assinaram o boletim de ocorrência policial sobre a abordagem. São eles: Clenilson José dos Santos, Paulo Rodolpho Lima Nascimento, Adeilton dos Santos Nunes, William de Barros Noia e Kleber Nascimento Freitas [Até hoje a Imprensa conseguiu as fotos de apenas dois torturadores homicidas]
São curiosos os cenários traçados pelo mercado. Em geral, pegam séries históricas e projetam levando em conta fatores macroeconômicos que surgem no horizonte: aumento da inflação global, queda no PIB mundial, inflação brasileira etc.
Em qualquer cenário que se trace, o fato mais relevante são as análises de probabilidade de um golpe de Estado bolsonarista ser bem sucedido.
Não falei em análise de probabilidade de haver um golpe. A probabilidade é de 100 por cento. As análises são em relação à probabilidade do golpe ser bem sucedido ou não. E, em caso de não ser bem sucedido, quais as consequências de sedições e atentados insuflados pelos Bolsonaro.
Nunca houve golpe mais anunciado. Apenas nos últimos dias, o país testemunhou nos seguintes eventos:
Manifestações de PMs de Minas Gerais em favor de um cantor embaçado pela Justiça.
Antes disso, manifestações armadas da PM mineira em defesa de aumentos.
A decisão do governador do Rio de Janeiro de armar todos os policiais aposentados.
A adesão da Polícia Rodoviária Federal às milícias bolsonaristas, depois da nomeação, como diretor geral, de um integrante do Club 38, um clube de tiro de Florianópolis conhecido pela militância bolsonarista.
Os desdobramentos das medidas de Bolsonaro, desmontando a fiscalização no porto de Itaguaí, porta de entrada do contrabando de armas no país.
As informações sobre o arsenal mantido em casa pelo ex-policial Ronnie Lessa, vizinho de Bolsonaro e principal acusado pela morte de Marielle Franco.
A anomia das Forças Armadas, de assistirem a perda do monopólio da força para os clubes de caça e tiro, sem esboçar uma reação sequer.
Os ataques cada vez mais virulentos de Bolsonaro contra o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral.
O cenário já está armado.
Primeiro, acusa-se o TSE de manipulação da urna eletrônica. Há empresas que trabalham na segurança do TSE e, ao mesmo tempo, servem ao Exército.
Por outro lado, a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) e o serviço de inteligência do Exército já dispõem de sistemas capazes de controlar ⅔ da população brasileira usuária da Internet.
Os sistemas permitem montar listas de pessoas a serem acompanhadas, delimitar territórios de espionagem, saber quando essas pessoas penetram nessas áreas, poder invadir seus celulares, mesmo estando desligados. Parte desses sistemas foi adquirida nos Emirados Árabes por uma comitiva da qual faziam parte os próprios filhos de Bolsonaro.
A grande questão é o que ocorrerá com as Forças Armadas e a cúpula das Polícias Militares estaduais quando eclodirem os atentados e tentativas de golpe.
Literalmente falando, é a questão de um milhão de dólares, muito mais relevante do que adivinhar o nível da Selic no final de ano.
Após ser alvo dedeboche do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro (PL), por ter sido presa e torturada pelo governo militar durante a ditadura, a jornalista Miriam Leitão trouxe em sua coluna no Jornal O Globo, deste domingo (17/4), áudios do Superior Tribunal Militar que provam a tortura no período.
A reportagem traz10 mil horas de gravaçõesfeitas durante os 10 anos em que as sessões do STM foram gravadas, inclusive as secretas. As sessões ocorreram entre 1975 e 1985.
O historiador Carlos Fico teve acesso a elas e Miriam Leitão publicou os documentos em áudio. Os trechos inéditos mostram os ministros do tribunal falando sobre torturas.
Aborto após tortura
Um das partes transcritas é do dia 24 de junho de 1977. Na ocasião, o general Rodrigo Octávio Jordão Ramos diz: “Fato mais grave suscita exame, quando alguns réus trazem aos autos acusações referentes a tortura e sevícias das mais requintadas, inclusive provocando que uma das acusadas, Nádia Lúcia do Nascimento, abortasse após sofrer castigos físicos no Codi-DOI.”
Ele conta que o aborto foi provocado por “choques elétricos no aparelho genital”. Em seguida lê o que disse Nádia. “Deseja ainda esclarecer que estava grávida de três meses, ao ser presa, tinha receio de perder o filho, o que veio a acontecer no dia 7 de abril de 1974”.
Além desse relato, a jornalista trouxe à tona o que chamou de “as vozes desse tempo sombrio”, que foram resgatadas pelo historiador Carlos Fico, titular de História do Brasil da UFRJ.
Alex Vitale lança livro no Brasil. O autor estadunidense provoca: além de abusos e corrupção, controle sobre a vida pública gerou, paradoxalmente, um subpoliciamento. Saídas efetivas contra o crime exigem mais políticas públicas e menos armas
Professor do Brooklyn College lança no Brasil o livro O Fim do Policiamento: “para criar uma nova sociedade, precisamos desfazer nossa dependência do policiamento”
Alex Vitale, professor de Sociologia e Coordenador do Projeto de Polícia e Justiça Social no Brooklyn College, começa seu livro O Fim do Policiamento (Autonomia Literária, 2021) listando uma série de mortes de inocentes na mão da polícia – casos não muito diferentes dos cobertos diuturnamente aqui na Ponte, mas com um diferencial importante: acontecem no país mais rico do mundo, o autointitulado “farol da liberdade” do Primeiro Mundo chamado Estados Unidos.
O projeto que levou ao livro O Fim do Policiamento começou antes das revoltas de 2014 em Ferguson, Missouri, nos EUA, após a morte do jovem negro Michael Brown, baleado pelo policial Darren Wilson. Essa série de revoltas, que criou o movimento Black Lives Matter (BLM, Vidas Negras Importam, em inglês), ajudou na popularização de um conceito até então visto como “muito radical”, restrito a círculos anarquistas e da extrema-esquerda: o fim da polícia – ou pelo menos, a redução das atribuições das forças policiais através de uma série de reformas que enfraquecesse o aparato policial.
O tema voltou à arena pública, especialmente nos EUA, no verão de 2020, após uma nova série de revoltas, em plena pandemia, provocadas por mais um homem negro morto pela polícia estadunidense. As imagens de George Floyd sendo asfixiado até a morte pelo policial Derek Chauvin correram o mundo e inspiraram uma nova onda de combate ao racismo e de questionamento do papel da polícia, que contaminou inclusive o Brasil.
O Fim do Policiamento passou a ser amplamente lido, e agora sua versão em português brasileiro será finalmente lançada neste mês pela Autonomia Literária (e já pode ser encomendada aqui), com prefácio de Aline Passos, uma das autoras da coluna Abolição aqui na Ponte, e orelha assinada pelo diretor de redação da Ponte, Fausto Salvadori.
No livro, Vitale analisa a criação da polícia moderna estadunidense, com raízes no controle de escravos negros no sul do país, no colonialismo das Filipinas e no combate à organização dos trabalhadores industriais do norte dos EUA. O professor também elenca uma série de áreas da vida cotidiana dos EUA que são policiadas – escolas, comunidades pobres, questões como consumo de drogas e trabalho sexual, pessoas com problemas mentais – e mostra como a polícia e mais policiamento têm sido uma resposta ineficaz para esses problemas.
Entrevistei Vitale para a sexta edição do Salão do Livro Político, realizado virtualmente no último fim de semana, para entender melhor os conceitos que traz em seu livro, tecer algumas comparações entre a polícia dos EUA e a do Brasil (spoiler: são mais semelhantes do que imaginamos) e saber: é mais fácil imaginar o fim do mundo ou o fim da polícia? Leia abaixo a entrevista na íntegra ou assista ao vídeo acima, com legendas.
Amauri Gonzon entrevista Alex Vitale
Ponte – Por que escrever um livro sobre policiamento? Uma das coisas mais interessantes do livro, é que podemos ver que há muitas pesquisas, não tantas quanto necessitamos, sobre policiamento nos EUA. O que lhe impulsionou a produzir um livro que condensasse todas essas pesquisas?
Alex Vitale – Estive trabalhando com temas de policiamento por 30 anos, e com uma variedade de competências há mais de 20 anos, específicamente, como um estudioso sobre polícias, e publiquei em diversos periódicos proeminentes sobre policiamento, participei de todos os congressos, e passei algum tempo com as polícias ao redor do mundo, acompanhando patrulhas, escrevendo relatórios sobre as atividades, e etc. Senti que a literatura policial não estava levando a sério o crescente discurso acerca da abolição, principalmente com relação ao encarceramento Então, havia esta crescente literatura, que nos últimos dez anos, começou a intensificar-se, abordando o encarceramento em massa. Muito dessa literatura é explicitamente abolicionista, mas senti que ninguém estava articulando este argumento quando se trata das polícias. Não havia muito interesse em policiamento quando iniciei este projeto. Eu havia me comprometido originalmente a escrever este livro antes dos ocorridos em Ferguson. Achei que realmente estaria dialogando apenas com uma limitada comunidade de acadêmicos e ativistas. Obviamente se tornou algo maior do que isto, conforme os movimentos sociais maiores também avançavam para além de apenas da crítica às prisões, e verdadeiramente engajaram-se de forma mais direta com essas questões sobre a utilidade do policiamento, e o que poderíamos estar fazendo de maneira diferente.
Ponte – O livro foi bastante significativo para contribuir nas reflexões das pessoas, e o movimento pela abolição da polícia cresceu desde o lançamento do livro, desde que foi escrito.
Alex Vitale – Bem, o livro foi bastante bem recebido quando foi lançado em 2018, mas no fim de 2017 eu já estava recebendo diversos convites para encontros com colegas que estavam fazendo trabalho de organização, e também para debater estes conceitos com outros acadêmicos e policiais. Então eu sabia que existia esse movimento crescente por todo país, sempre existiram algumas pessoas fazendo esse trabalho, mas estava se ampliando. Quando George Floyd foi assassinado em Minneapolis, observamos uma eclosão de protestos, e foi algo realmente surpreendente para mim que a principal demanda deste movimento não era mais câmeras na farda dos policiais, ou jogar alguns policiais na cadeia. Pelo contrário, era tirar o financiamento da polícia, e utilizar essas funções de formas diferentes. Então, o movimento teve um grande impulsionamento no verão do ano passado, mas continuou na construção, e continuou se organizando de forma local acerca das prioridades orçamentárias.
Ponte – A polícia foi criada para combater o crime? Qual a real função da polícia atualmente?
Alex Vitale – Bem, o que definimos como crime pode ser um ponto de partida. Meu argumento é o de que a polícia não foi criada com tanta intenção de combater o crime, embora possa ser um subproduto do que fazem. O papel essencial deles é estabelecer certa ordem social, pacificação ou estabelecimento da ordem. E fazem isso através do controle à resistência a sistemas de opressão. O que chamamos de crime são comportamentos que ameaçam relações sociais existentes e essas relações são profundamente desiguais.O que observamos é, que cerca de duzentos anos atrás, o policiamento moderno é desenvolvido com base no relacionamento aos três mecanismos primários de exploração e desigualdade que naquele período era: o colonialismo, escravidão e industrialização em massa. A formação da Polícia Metropolitana de Londres em 1829 foi baseada em um modelo que havia sido desenvolvido durante a ocupação da Irlanda, e a criação da primeira força policial estatal na Pensilvânia, instituída para administrar revoltas nas minas de carvão e ferro moldada com base na ocupação dos EUA nas Filipinas. Houve também a evolução de forças policiais no sul, que faziam patrulha de captura de escravos, gestando depois o conjunto de leis racistas conhecido como Jim Crow. Observamos que a polícia tinha com incumbência primária lidar com a resistência e rotulá-la como criminosa. Seja por furto de propriedades, ou apenas por comportamento desordenado e conflituoso, ou violência interpessoal. Se compreendermos estes comportamentos, que estavam emergindo desses sistemas de exploração, então o policiamento aparece para enfrentar tais problemas através da criminalização de formas que desafiam esses sistemas de exploração.
Ponte – Você fala no livro sobre o conceito de excesso de policiamento. O que isto significa? O que você quer dizer quando diz que estamos sendo excessivamente policiados?
Alex Vitale – Esta é uma boa pergunta, e também um pouco difícil de responder, pois suscita o questionamento de qual é a quantidade certa de policiamento. E o momento presente, realmente busca formas de tentar reduzir nossa dependência do policiamento, de várias formas possíveis. Uma das contra-argumentações que surgiu desta ideia é que muitas comunidades enfrentam o excesso de policiamento e a ausência dele simultaneamente. Isso se refere à ideia de que a polícia tem perdido muito tempo envolvendo-se com intimidações, e no reforço de leis fúteis, quando deveria estar se concentrando em crimes reais, na resolução de questões reais de violência. Acontece é que essa equação não faz muito sentido, quando observamos com mais cautela. E o que acontece é que isto reforça esta ideia de que se o policiamento fosse feito adequadamente, nossos problemas seriam resolvidos. Mas o que observamos é que, mesmo quando ordenamos que a polícia foque apenas em crimes importantes, cartéis de drogas, tiroteios entre civis, a forma que enfrentam estes problemas, é através de altos níveis de hostilização, baixa aplicação da lei, e intervenção nas vidas das pessoas. Fazem diversas abordagens nas ruas em busca de armas, fazem apreensões com poucas provas com intuito de pressionarem as pessoas por informações Então, não é realmente possível, encontrar este equilíbrio perfeito entre “subpoliciamento” e excesso de policiamento.
Outra razão pela qual isto é real, é que quando dizemos à polícia que eles são o mecanismo de enfrentamento de problemas como a violência, cartéis de drogas, é uma receita para o agravamento, pois, este tipo de policiamento, cabalmente, não funciona muito bem e isso leva à frustração entre policiais, e intensificação das táticas e da retórica. Por isso, invariavelmente, este tipo de policiamento resulta em abusos e corrupção. E a solução a isto, não é encontrar um equilíbrio imaginário, e sim enfrentar nossos problemas de outras formas, observarmos por exemplo a legalização das drogas, que tiraria a violência de questão, percebermos a pobreza que está motivando a violência interpessoal para criar soluções comunitárias, que empoderem as pessoas, que tentem curar as pessoas, ao invés de constantemente criminalizá-las, destruí-las, violentá-las, e lamentavelmente, de matá-las.
Ponte – Você acha que uma polícia comunitária, ou policiamento comunitário, é algo alcançável?
Alex Vitale – Não, sou bastante cético sobre isso. Policiamento comunitário é prioritariamente um discurso, não é uma prática completa ou nítida. É uma ideia que aparece sempre que a polícia está enfrentando crises de legitimidade. Então sempre que há resistência à polícia, sempre que ocorrem revoltas, protestos, motins, subitamente a solução é não remover as polícias de nossas vidas para melhorar, a solução se torna esse policiamento coletivo. Mas quando olhamos cuidadosamente a implementação desse policiamento coletivo, vemos que é ou algo completamente superficial e sem sentido, ou apenas uma manobra de relações públicas, e uma extensão do policiamento às nossas vidas. É um discurso utilizado para coletar informações das pessoas, mas, mais importante, existe para estabelecer uma lógica que dita que a maneira que resolvemos problemas comunitários, é através do policiamento. Mas em essência, este é justamente o problema, pois quais ferramentas a polícia tem, efetivamente, para resolver problemas comunitários? Armas? Multas, algemas, violência? Estas não são as ferramentas que nossas comunidades precisam para resolver seus problemas. Precisam ter acesso a empregos de verdade, habitação estável, saúde adequada, cuidados, e o policiamento não pode fornecer nenhuma dessas coisas para nossas comunidades.
Ponte – Há uma gestão policial, militarizada, de escolas sendo instalada no Brasil. Há este pensamento de que precisamos, por conta de Bolsonaro, militarizar a educação. Bolsonaro e seus apoiadores dizem que precisamos disso para disciplinar os jovens.Como é a experiência dos policiais em escolas nos EUA?
Alex Vitale – Curiosamente, o policiamento escolar surgiu de formas similares nos Estados Unidos. Foi uma resposta para uma grande crise, tanto da juventude quanto do apoio à educação. O que aconteceu foi que em algumas décadas, houve a redução do financiamento para educação. Ao mesmo tempo, muitas comunidades vulneráveis estavam vivenciando altos níveis de pobreza, violência, cisões familiares e etc. Então isto contribuiu para um aumento dos pro, e até mesmo, violência, em escolas. E a solução desenvolvida para isto não foi a renovação dos programas educacionais, ou contratação de novos orientadores, ou criar suportes familiares. A solução foi rotular estes jovens como moralmente inadequados, fora do controle, predadores, que apenas respondiam à violência, coerção e ameaças. O objetivo começou a não ser auxiliar que os jovens alcançassem o sucesso acadêmico para que terminassem seus estudos, o objetivo se tornou como removê-los do ambiente educacional, para que possamos ajudar os outros jovens. Não apenas a polícia foi inserida nas escolas, mas sistemas educacionais novos inteiros foram criados para administrar os jovens que eram removidos do sistema educacional. Basicamente foram criadas escolas prisionais.
Curiosamente, no mesmo período, essas mesmas pessoas que querem reduzir o orçamento escolar e envolver a polícia, dizem que agora sim, vamos mensurar o sucesso do ensino através de uma série de regimes de testagem de alta performance utilizando medidas quantitativas, de um conjunto de conhecimentos reduzido, e vamos decidir quanto financiamento os professores e escolas receberão, baseados em suas performance nesses testes. Agora a escola tinha um incentivo para afastar estudantes com performances ruins e estes estudantes serão colocados em escolas que não são incluídas nos regimes de testagem.Estados como a Flórida e o Texas alegam ter consertado o sistema educacional cortando seus orçamentos pois as notas dos testes subiram quando começamos priorizar os testes. Mas nunca contam que removeram 20% de seus estudantes de perfomances mais fracas, e os excluíram dos regimes de testagem basicamente jogando fora estes jovens. Suas vidas foram arruinadas, acabam indo parar no sistema penal adulto, sem empregos, sem moradia, e etc. Isto foi rotulado como um sucesso. Então não é um bom caminho, certo?
Ponte – Os Estados Unidos e o Brasil, possuem laços intensos com o passado nefasto da escravidão, especialmente de pessoas negras que foram sequestradas da África. Bem como nos Estados Unidos, o Brasil também possui altas taxas de assassinato pela polícia. Você acredita que este passado complexo de escravidão e sua abolição sem nenhuma reparação tem alguma influência em o quanto a polícia é violenta em nosso continente?
Alex Vitale – Sim, acho que precisamos compreender estes três fatores que conduzem a elaboração do policiamento moderno. Não é apenas a escravidão dos EUA, ou do Brasil, é também o colonialismo. As primeiras forças policiais nos EUA e no Brasil, exerceram um papel na remoção de povos indígenas, roubo de suas terras e recursos, e de reprimir a resistência deles. E também, as polícias tanto nos EUA quanto no Brasil, surgiram para controlar a resistência dos trabalhadores a regimes de exploração industrial e também de exploração do trabalho agrícola. Vemos as polícias sendo usadas para acabarem com greves, para desaparecerem com líderes trabalhistas, encerrar reuniões, para impedir a formação de uma força trabalhista. Estas são as heranças de formação da polícia, que continuam informando a função básica e natureza da instituição. E quando o policiamento se prova ser profundamente discriminatório racialmente, e a produzir estes resultados discriminatórios nos dizem que vão dar educação sobre preconceito a polícia, de forma tácita, e de que vão contratar mais guardas negros, e que isto resolverá o problema. Esta é uma forma de apagar toda a história e natureza desta instituição, e invariavelmente, estes esforços de relações públicas, são absolutamente fracassados na mudança do policiamento de forma relevante.
Ponte – No Brasil, temos tentativas de reformas na polícia, nos anos 1990, os PMs, cujos crimes eram julgados por um tribunal militar, passaram a responder a juris civis em caso de homicídios. Porém isso não reduziu necessariamente a violência policial, e os júris, devido a uma percepção do trabalho policial, também absolvem muitos policiais que matam. Agora estamos discutindo, alguns estados estão implementando, inclusive, o uso de câmeras nas fardas de policiais. Como é a experiência dos EUA, em relação às câmeras corporais? Você acha que elas podem ser efetivas de alguma forma?
Alex Vitale – Não. Na melhor das hipóteses, câmeras na farda serão possivelmente tão exitosas quanto os mecanismos de responsabilização podem torná-las. Em outros termos, o simples fato de existirem imagens não altera a reticência dos promotores e a hesitação dos juízes, dos júris em condenar policiais. As regulamentações legais nas quais a polícia opera são incrivelmente permissivas do uso de violência policial. Se não alterarmos estes sistemas maiores de responsabilização, a introdução de evidências em vídeo, dificilmente fará alguma diferença concreta. Foi o que observamos nos EUA. Vimos um número tão pequeno de casos chocantes resultarem em alguma conclusão diferente. Mas no geral, quando fazemos estudos mais controlados, descobrimos que as câmeras não possuem qualquer efeito significativo no policiamento, pois a polícia sabe que nada irá acontecer a eles, independentemente do que mostram as imagens.
Ponte – Como podemos abordar a redução do policiamento neste tipo de contexto? É difícil que políticos proponham o desfinanciamento da polícia no Brasil, todos argumentarão que os bandidos estão armados, e quem vai lutar contra eles? Como isso tem funcionado para vocês?
Alex Vitale – Não é como se essa mobilização em massa da polícia militar tenha feito qualquer coisa para reduzir a disponibilidade e uso de armas, para diminuir o poder e influência do crime organizado, como se tivessem criado incríveis favelas utópicas onde todos vivem pacificamente juntos, certo? O que está sendo feito para reduzir a violência não está tendo efeito. Tem levado a massivas violações dos direitos humanos, contribuído com o empobrecimento de comunidades inteiras, e está dando apoio a uma ideologia de repressão de direita e autoritarismo. Certamente o Brasil tem sérios problemas, estes problemas estão claramente ligados a profundos problemas de desigualdade. Há um imenso número de pessoas completamente excluídas da economia formal, da segurança habitacional, privados do acesso a serviços essenciais governamentais, e é onde a maior parte dos comportamentos seriamente perigosos, se originam. E os políticos que foram colocados em exercício para manterem esse sistema funcionando, são exatamente os mesmos políticos que nos dizem que a solução é um policiamento ainda mais militarizado e intenso, pois foram colocados no cargo para afastarem esforços que reduzam a desigualdade e exploração. Esta é a razão de estarem em exercício, dizer que os problemas da sociedade brasileira são a criminalidade, imoralidade, e predadores, que cometem crimes, que podem ser respondidos apenas através da repressão, policiamento e encarceramento em massa. Quando isto não funciona, e invariavelmente não funciona, abre margem para pedidos de ainda mais polícia. E a custos extremos, como esquadrões da morte, assassinatos extrajudiciais e todo o resto, pois foi dito à polícia que depende deles reduzir a violência. Ainda assim, as ferramentas empregadas, não funcionam. Então quando fracassam, eles enrijecem.
Ponte – É bastante corriqueiro discutirmos o conceito de polícia política, quando falamos de governos ditos autoritários, sejam eles de esquerda ou direita. Mas seu livro evidencia que a polícia estadunidense também é uma polícia política. Todas as polícias são polícias políticas? Ou há alguma reconhecida como uma polícia não-política?
Alex Vitale – Sim, todo policiamento é político, se compreendemos que a polícia tem uma missão, dada por líderes políticos, para resolverem problemas essencialmente políticos, de uma forma singular através da coerção, intimidação, violência, ameaças, e etc. Mas também precisamos ter uma análise crítica do policiamento que tem como função primordial reprimir a organização de resistência, e a denominada polícia de alto escalão, tem suas próprias características históricas. O uso de vigilância e de informantes pagos podem ser similares a técnicas usadas contra cartéis de drogas e contra o crime organizado. Também é importante notar a manutenção de registros em massa, o uso de artimanhas corruptas, a deturpação da representação ao público que estes grupos estão fazendo. Estas são técnicas singulares que associamos com o policiamento político, bem como a repressão de protestos através de evidentes demonstrações de uso de força.
Ponte – Sobre a questão de corrupção e polícia, os EUA tem uma experiência diferente, que começa quando a Agência de Combate às Drogas (DEA, em inglês) passou a pegar dinheiro que era confiscado das pessoas acusadas de tráfico de drogas e a usar esse dinheiro legalmente, em benefício próprio. Como tem sido essa experiência para a polícia, especialmente na guerra contra as drogas? Tem funcionado? É algo eficaz para lidar com a corrupção na polícia?
Alex Vitale – Bem, deixe-me te dar um exemplo interessante. Uma das área primárias da corrupção policial e crime organizado nos Estados Unidos no século XX, foram os jogos ilegais, jogos tipo o jogo do bicho em particular, loterias informais, que eram administradas pelo crime organizado. Isso impulsionou o suborno sistêmico de agentes policiais, juízes e oficiais eleitos, e gerou muita violência, às partes em guerra. Eram chamadas de gangues policiais. Ao longo dos últimos 40 anos, vimos a legalização dos jogos nos Estados Unidos. Quase todos os estados dos Estados Unidos agora têm suas próprias loterias e esses estabelecimentos ilegais já desapareceram em grande maioria, e com eles, a corrupção e a violência. Ao invés de tentar erradicar a corrupção policial associada a eles, a estratégia foi obviamente legalizar os jogos e regulá-los, para que saíssem do submundo do crime. Foi um grande sucesso. Precisamos fazer o mesmo com narcóticos, e com o trabalho sexual. Não existe um mundo onde o policiamento resolverá estes problemas para nós. Eles jamais irão eliminar a procura por drogas, nunca vão erradicar a demanda por trabalho sexual. Precisamos buscar a regulamentação dessas atividades. De certa forma, o Brasil fez isso com o trabalho sexual. Descriminalizaram na maioria das cidades, e isso contribuiu à redução da corrupção policial nessas cidades.
Ponte – Na verdade, essa era minha próxima pergunta sobre o debate do trabalho sexual no Brasil que você aborda no livro. O ponto principal é que a prostituição aparentemente nunca foi proíbida no Brasil, de forma direta. Mas temos leis contra a facilitação do trabalho sexual, e estas leis que dificultam a facilitação do trabalho sexual prejudicam bastante as trabalhadoras do sexo, pois não podem nem alugar um apartamento, porque poderia ser considerado um prostíbulo, não podem ter quase nada, pois todos em seus arredores, algo como o parecido com o que acontece nos EUA, são criminalizados. Então é bastante difícil para que trabalhem e isso também gera corrupção policial, especialmente com o trabalho sexual nas ruas, e principalmente, contra trabalhadoras do sexo trans. Não são criminalizadas, mas a polícia os assedia, as pegam para interrogatórios sobre tráfico de drogas, ou qualquer outra coisa que exista nas ruas, pois não têm os mesmos direitos que todo mundo tem.
Alex Vitale – Minha compreensão, e você pode me corrigir, é que em algumas das maiores cidades existem áreas de “luz vermelha”, que foram formalmente descriminalizadas. Mas talvez isso seja fruto da corrupção.
Ponte – É algo parecido com isso. Há alguns lugares específicos onde há trabalho sexual, mas é uma decisão da polícia, para controlar melhor o território – e esse território acaba sendo dominado por facções criminosas, como acontece, por exmeplo, no Jardim Itatinga em Campinas (SP), dominado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC).
Alex Vitale – Bem, o que eu digo no livro é que temos que observar os modelos de descriminalização e legalização, e então trabalhar com as comunidades locais para encontrarmos o equilíbrio adequado. Para algumas partes da indústria, a mera descriminalização possibilitaria contratantes mais independentes, por assim dizer. Entidades independentes possibilitariam que trabalhadoras do sexo se unissem por seus benefícios, mas que ainda existiria a ameaça de criminalidade organizada, e até mesmo, de tráfico. Então existe a necessidade de fiscalização, mas deveria ser abordada quase como um assunto de direitos trabalhistas, pois não é realmente um problema criminal, é algo como pessoas sendo forçadas a trabalharem em campos de cana, isso deveria ser tratado como uma questão de direitos trabalhistas. As pessoas devem ter o direito a organização, e de poderem prestarem queixas para que haja uma mediação do público, para que a Procuradoria Geral, ou algo assim ou para que o Ministério Público, resolva estes problemas. Mas certamente, em ambos modelos, tirar a polícia da forma que conhecemos da equação é uma grande vantagem.
Ponte – Como podemos falar sobre menos policiamento quando há comunidades carentes pedindo por mais policiamento? O que é necessário e como precisamos abordar nossas próprias comunidades, nossos arredores, nossas comunidades em dificuldades, sobre a importância da redução do policiamento?
Alex Vitale – Há algumas maneiras que precisamos raciocinar esta questão. Primeiro, as comunidades têm problemas reais. Há violência, violência interpessoal, roubo de propriedade, há comportamentos desordenados, conflituosos, e hostis, e as comunidades têm o direito de exigir que estes problemas sejam resolvidos. Mas o policiamento não é a única ferramenta possível imaginável, que conhecemos, que é eficiente em resolver estes problemas. Mas parte do problema, e esta é a segunda parte das maneiras de pensarmos a questão, é que por gerações as pessoas ouviram que a única ferramenta que elas têm para tratar tais problemas comunitários é a polícia. Então, neste momento, o que precisamos é de organização comunitária, mobilização, que trabalhe com essas comunidades, para liberar todas as outras ideias que as pessoas têm, para tornarem suas comunidades melhores, mais seguras e ambientes mais saudáveis para se viver. E o que acontece é que quando comunidades têm a oportunidade de inquirir o que realmente querem, elas tem uma lista bastante grande de demandas bastante claras. O policiamento acaba ficando bem mais para o final desta lista. Elas querem escolas decentes para os filhos, moradias dignas para suas famílias, rendimentos estáveis para que não vivam em miséria, e têm ideias de como abordar a violência e os crimes contra a propriedade aos quais estão submetidos. Também é importante lembrar de que este movimento para a redução do policiamento não está clamando por uma virada milagrosa, e amanhã não existirá polícia, todos estarão por conta própria, e então viria o caos. É sobre um processo a longo prazo de desenvolvimento de novas infraestruturas de segurança e saúde em comunidades que possibilitem dependermos menos no policiamento. Ninguém acha que isso acontecerá do dia para a noite, ninguém acha que temos as respostas para todos os problemas em uma comunidade.
Mas eis uma forma de se pensar nisso, quando pedimos por policiamento, normalmente cometemos três erros: primeiro, superestimamos grosseiramente a eficiência concreta da polícia em lidar com qualquer problema. A polícia não está protegendo as mulheres, não está evitando o crime patrimonial, a polícia não fez nada sobre os cartéis de drogas, não está acabando com a violência. Segundo, é que falhamos na hora de observar os custos do policiamento. Policiamento é algo imensamente custoso financeiramente, e quando aplicado, produz violência e morte e criminaliza comunidades inteiras. E também concede legitimidade a uma ideologia, uma visão de mundo, que propõe que a solução dos nossos problemas é a intervenção coercitiva sobre quem chamamos de criminosos, apagando todas estas questões sociais mais amplas, que nos causam os conflitos sociais que temos. E o terceiro erro que cometemos é falhar em considerar as alternativas. Temos maneiras mais eficientes de manter a segurança das escolas. Temos formas melhores de lidar com os problemas com as drogas de nossa sociedade. Temos maneiras melhores de lidar com questões de saúde mental, e abuso de substâncias, e formas melhores de abordar o crime organizado das drogas. É hora de estimularmos estas alternativas, e começarmos o processo de desligamento de nossa confiabilidade no policiamento e da ideologia que continua a recompensar políticos autoritários.
Ponte – Por qual motivo temos policiais atendendo ocorrências de casos de saúde mental? Que tipo de contexto faz com que nós pensemos na polícia antes de qualquer coisa?
Alex Vitale – Vejamos, o policiamento tem um problema inerente de legitimidade. Quando o histórico da polícia é um histórico de busca pela legitimidade, pois grandes porções da população são profundamente céticas sobre o papel que desempenham na sociedade, pode ser que sintam que não há outra alternativa, mas possuem um profundo ceticismo. Há sempre um sistema massivo de produção de legitimidade à polícia, um constante discurso de reformas, para tentar convencer pessoas de que algo está sendo feito sobre os óbvios problemas que vemos, e também a produção de peças midiáticas celebrando a polícia, que colocam a polícia no centro de todas as narrativas de segurança pública. Por fim, existe também uma sólida infraestrutura de propaganda policial, programas de TV, filmes e etc., que heroicizou a imagem dos policiais, que imaginam ou representam a polícia como algo que nos ajuda e nos salva. Então assistimos TV e o que vemos é a polícia resolvendo crimes incríveis, e pegando o vilão todas as vezes, proporcionando justiça, que na maior parte do tempo é apenas vingança E há muito pouco espaço para narrativas contrárias.
Escrever um programa de televisão sobre um agente comunitário, ajudando jovens a solucionarem seus problemas sem a violência, não tem o mesmo drama que policiais atirando nos vilões. Então temos que parar de nos apoiar em representações populares de policiais, para formarmos nosso entendimento básico do funcionamento da polícia. Temos que nos apoiar mais em conexões comunitárias, feitas cara a cara com pessoas, para estabelecermos novas logísticas de cuidado e solidariedade, que esperançosamente levarão a solicitações para a criação de comunidades mais saudáveis e seguras, e uma vida de melhores oportunidades para as pessoas, para que não tenhamos que usar a polícia em nossas vidas, seja como uma piada exagerada, da qual podemos rir, pois há estruturalmente a desconfiança deles, ou como heróis que vão resolver todos os problemas.
Ponte – Em seu livro você fala um pouco sobre polícias que não portam armas, como a do Reino Unido, e a do Japão. Como podemos conceber uma polícia desarmada em um país como os EUA, onde todos estão potencialmente armados por conta da Segunda Emenda?
Alex Vitale – Pois, há muitas armas nos EUA. Bem, uma das razões para o tanto de armas nos EUA, é nosso histórico com o policiamento. Estabelecemos o policiamento ao redor destes sistemas de escravidão e colonialismo, que eram profundamente alicerçados na violência armada e o policiamento era um elemento central desta violência armada. Então talvez, se começarmos a reduzir a extensão do policiamento armado, seria uma parte de como criarmos uma nova cultura, que seja menos firmada em celebrar a violência armada, da qual a cultura americana se encontra totalmente consumida, com fantasias de vingança e tiroteios, e todo o resto. Mas penso de forma mais prática: o que estou dizendo é que não necessariamente precisamos desarmar policiais uniformizados. O que me interessa é remover funções da polícia, e devolvê-las aos civis.
Não precisamos de polícia armada para escrever relatórios de acidentes de trânsito. Não precisamos de polícia armada para elaborar relatórios de furtos. Não deveríamos ter policiais armados em nossas escolas. Não deveríamos estar utilizando a polícia para administrar nossos problemas sociais com drogas. Não deveríamos estar enviando policiais armados para administrarem alguém tendo uma crise de saúde mental. É sobre substituir a polícia por pessoas apropriadamente preparadas para lidarem com esses problemas. Sem nada disso ter que ancorar-se na violência. Quando fazemos isso, reduzimos não apenas a violência comunitária, mas a violência policial. A polícia produz um número imenso de homicídios no Brasil, na sociedade brasileira. São responsáveis por algo entre 5-10% dos homicídios nos EUA. Vamos parar o massacre reduzindo nossa dependência da polícia.
Ponte – É mais fácil imaginar o fim do mundo, ou o fim das polícias? Podemos sonhar com um mundo sem policiamento, sem polícias? Podemos realmente ter essa esperança? Ou é um futuro para nossa sociedade que jamais acontecerá?
Alex Vitale – Bem, minha colega Ruth Wilson Gilmore diz que a abolição é sobre o fim de tudo. Sobre mudar tudo. Quando compreendemos que o policiamento tem raízes em sistemas centrais de exploração em nossa sociedade, existe a necessidade de começarmos a desmantelar tais sistemas de exploração e desigualdade que geram o que é interpretado como necessidade de policiamento. A armadilha aqui é que isto não significa que temos que esperar até que haja uma transformação total da sociedade para então descobrirmos o que fazer sobre a polícia No fim das contas, ao meu ver, o que precisamos fazer são as duas coisas de forma simultânea. A parte de como criamos uma nova sociedade é o trabalho de desfazer nossa dependência no policiamento, pois o policiamento sempre foi ferramenta central usada para atacar nossos movimentos, para evitar a formação de alternativas lógicas para a redução da exploração. Então, nunca teremos uma transformação social ampla se não pressionarmos simultaneamente contra o policiamento e a ideologia que o sustenta.
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Onde tem polícia tem pátria armada, há desigualdade social, desemprego, salário mínimo do mínimo, ordem unida para os pobres, os sem terra, os sem teto, os sem nada. Polícia é para proteger os bairros ricos, zelar pela propriedade privada das castas superiores, proteger os proprietários dos latifúndios, das grandes empresas, os banqueiros, os agiotas, os traficantes de moedas, o dinheiro escondido nos paraísos fiscais.