A notícia da certificação foi recebida com grande felicidade pelas 190 famílias que vivem na ilha de Boipeba
por Poderes Pretos
A Comunidade de Boipeba, localizada no município de Cairu, no sul da Bahia, recebeu uma certificação importante ao ser reconhecida como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares. A decisão foi oficializada através de publicação no Diário Oficial da União em 20 de setembro de 2023 e será registrada no Livro de Cadastro Geral.
Boipeba é uma ilha que abriga quatro comunidades quilombolas, incluindo Boipeba, Moreré, Monte Alegre e São Sebastião (também conhecida como Cova da Onça). A ilha faz parte do município arquipélago de Cairu, que possui um total de 17.761 habitantes, de acordo com o Censo de 2022.
A notícia da certificação foi recebida com grande felicidade pelas 190 famílias que vivem na ilha de Boipeba, com alguns moradores expressando emoções profundas, como lágrimas de alegria. Para a comunidade, esse reconhecimento é uma validação de sua identidade e história.
Boipeba é conhecida por preservar suas tradições afrodescendentes, incluindo festas como as de Iemanjá e do Divino, o Zambiapunga e o Bumba Meu Boi, que refletem a importância das raízes culturais da comunidade.
O turismo desempenha um papel significativo na economia local, juntamente com a pesca e a agricultura de subsistência. O reconhecimento como remanescente de quilombo oferece a oportunidade de acesso a políticas públicas que podem contribuir para melhorar as condições de vida das comunidades locais, que ainda enfrentam desafios socioeconômicos significativos. Para muitos, esse passo é uma conquista importante que agora lhes permite afirmar e proteger seus direitos e tradições ancestrais.
Na noite do dia 17/08/23, a Yalorixá Maria Bernadete Pacífico, de 72 anos, liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho (BA), foi executada a tiros dentro do terreiro onde vivia. Mais um crime cometido em consequência de disputas fundiárias em torno de terras das comunidades tradicionais.
A pressão e as ameaças feitas por grupos ligados à especulação imobiliária não são algo novo na realidade daquela região. Em 2017, Flavio Gabriel Pacífico dos Santos, o Binho do Quilombo, filho biológico de Mãe Bernadete, foi executado com dez tiros. Ao longo desses seis anos que se passaram, a Yalorixá seguiu firma na luta por justiça pelo assassinato do filho e pelos direitos dos quilombolas, e por isso se tornou alvo de ameaças.
Ainda em 2017, ela foi incluída no Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), mas não foi suficiente. Em junho de 2023, já quase sem proteção, Mãe Bernadete denunciou sua situação para a presidenta do Superior Tribunal Federal (STF), a ministra Carmem Lúcia. A partir daí, as ameaças se intensificaram.
Agora, pouco mais de dois meses depois da denúncia, essa mulher que dava corpo a tantas lutas, como pela demarcação das terras quilombolas e contra o racismo religioso, entre outras, foi assassinada.
De acordo com o relatório Conflitos no Campo Brasil 2022, publicado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Bahia é o terceiro estado do país onde, nos últimos anos, foram registrados os maiores índices de conflitos por terra no campo, ficando atrás apenas de Maranhão e Pará. Com relação a ameaças de morte e agressões, os números mostram que, entre 2021 e 2022, houve um aumento de 175% no número de pessoas agredidas e 170% nas ameaças de morte no estado.
Há anos a comunidade do Quilombo Pitanga dos Palmares luta pela regularização fundiária de suas terras. Apesar de terem tido o direito reconhecido em 2017 pelo Relatório Técnico de Identificação e Delimitação – RTID, o processo tramita lentamente e ainda não foi concluído pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O resultado disso é que as 289 famílias que ali vivem, aproximadamente, seguem vulneráveis e expostas à pressão da especulação imobiliária, direta ou indiretamente, e correm riscos não apenas de serem expulsas do território, mas também risco de vida.
Diante de um crime tão brutal, diversas entidades e lutadores se manifestaram em repúdio ao crime. Que possamos nos unir para, de maneira coletiva, fortalecer a luta pelos direitos humanos, pelos direitos das comunidades e povos tradicionais e contra o machismo, racismo e intolerância religiosa.
Matriarca do samba de raíz em Boipeba, Jenice Santos pede muita cautela antes que moradores e autoridades públicas dêem sinal verde definitivo ao empreendimento. “Fica esperto, abre o olho e pare para analisar, que é para depois não chorar”, avisa.
“Eu sou nativa de Boipeba, vivi muitos anos pescando, tirando polvo, metendo o braço no buraco do caranguejo, pescando naquele rio do Catu. Então como é que hoje eu vou aceitar que as pessoas vêm de fora querer poluir um lugar tão bonito”, reclama.
Cata de caranguejo e pesca de polvo (abaixo), duas atividades tradicionais da ilha de Boipeba. Fotos: Fellipe Abreu / Mongabay Brasil/ O Eco
Patrimônio federal
A licença do governo baiano ao projeto Ponta dos Castelhanos foi abalada no início de abril, quando a Secretaria de Patrimônio da União (SPU) suspendeu a transferência de titularidade das terras federais à Mangaba Cultivo de Coco. O repasse ocorreu no governo de Jair Bolsonaro, em abril de 2022.
O bloqueio vale por 90 dias. Até lá, a empresa não pode realizar “qualquer obra ou benfeitoria” no “resort”,determinao governo federal, e a SPU emitirá um parecer definitivo sobre o imóvel. Se for confirmado como patrimônio da União, a licença do Inema pode ser derrubada.
“A licença perde completamente a validade. A partir de estudos, o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União jáfizeramessa indicação. Infelizmente o Inema não seguiu essa orientação”, lamenta o deputado estadual Hilton Coelho (PSOL-BA).
Ao mesmo tempo, uma ação do MPF questiona os prejuízos do empreendimento às comunidades locais, que têm preferência no uso das terras da União. “A área não é propriedade particular, ela é pública. Ela é muito pública”, diz o procurador federal Ramiro Rockenbach.
“Não podemos permitir neste país nenhum tipo de fraude, nenhum tipo de grilagem de terra pública. É proibido que se faça um regime de ocupaçãoquandouma área tem interesse ambiental, quando uma área é ocupada por comunidades tradicionais”, salienta.
Professor de Direito na Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e membro do Conselho Gestor daAPA Tinharé-Boipeba, Leonardo Fiusa denuncia que grandes empresas, latifundiários, especuladores de terras e até agentes de governos tomam terras públicas no litoral baiano.
“É uma avalanche de empreendimentos, de cercamentos e de desmatamentos afetando o modo de vida das famílias tradicionais e o meio ambiente”, destaca o pesquisador, também membro do Observatório Socioterritorial do Baixo Sul da Bahia (OBSUL).
Vidas em jogo
Ao mesmo tempo em que ameaça distribuir prejuízos socioambientais, o Ponta dos Castelhanos é visto como uma possibilidade de mudança de vida por moradores de Boipeba, negligenciados por políticas públicas para geração de empregos e renda, de saúde e de educação.
A esperança é mais forte no povoado de São Sebastião, ou Cova da Onça, rodeado pela fazenda onde pode ser implantado o projeto. “Muitos alunos desistem de estudar porque não tem perspectiva de futuro”, lamenta a pedagoga Taiane Magalhães.
“As dificuldades que a gente vem enfrentando fizeram a gente acordar e correr atrás do empreendimento, mas ao mesmo tempo em que queremos o desenvolvimento para nossas comunidades, queremos que [o projeto] ocorra de forma sustentável e com nossos direitos respeitados”, diz.
O avanço de empreendimentos privados no litoral sul baiano ocorre também num cenário de criminalidade crescente. Narcotraficantes já monitoram a circulação de pessoas e veículos nas vias de terra e areia nas ilhas de Tinharé e de Boipeba.
Uma fonte que não será identificada para sua segurança confirmou a ((o))eco pressões crescentes de marginais sobre as populações tradicionais. “Isso já está acontecendo, já está muito forte, até impondo uma ‘lei do silêncio’ nas comunidades”, revela. A situação é assumida pelo poder público.
“Temos três polos empregatícios em Cairu. Primeiro é o turismo, graças ao Morro de São Paulo, segundo é a Prefeitura e o terceiro é o crime organizado”,reconheceuo vereador Vereador Diego Meireles (DEM), presidente da Câmara Municipal de Cairu, onde estão as ilhas.
Boipeba: a luta do povos contra os “barões do litoral” Projeto turístico-imobiliário José Marinho(globo) e Armínio Fraga(Gávea inv), q devastará paraíso baiano, pode ser apenas o começo. População denuncia q uma “corrida pela terra” começou na região — e ameaça ainda mais bioma e
As fontes desta reportagem foram ouvidas por ((o))eco, em parceria com Mongabay Brasil, em Boipeba e numa audiência pública na Assembleia Legislativa da Bahia, em18 de abril. José Roberto Marinho e Armínio Fraga não se pronunciaram. A posição da Mangaba Cultivo de Coco foi recebida por email e pode ser conferida abaixo.
O projeto atende a todos os requisitos legais e regulamentares, e o Inema definiu 59 condicionantes que buscam evitar qualquer inadequação ou prejuízo ambiental. Dentre elas, está previsto que, entre os 69 lotes do projeto, dois deles serão destinados à comunidade para a construção de um Centro de Cultura e Capacitação (CECC), campo de futebol, equipamento esportivo e estação de tratamento de resíduos. Tais condicionantes garantem ainda o livre acesso para atividades extrativistas, respeitando o limite do manguezal. Além disso, a comunidade terá ganhos imediatos, como um projeto integrado de saneamento básico e infraestrutura pública comunitária, preservação de fauna e flora, programas de educação ambiental, implementação de um programa de gerenciamento dos resíduos da comunidade de Cova da Onça, que contará com coleta seletiva e uma usina de tratamento de lixo. Isso sem falar em um programa de capacitação e na geração de empregos diretos para uma parte da população que, ao longo dos anos, permanece em situação vulnerável.
O projeto não prevê a construção de nenhum campo de golfe. As construções serão eventualmente realizadas em menos de 2% da área total, com supressão vegetal em apenas 0,17% (e sua devida compensação determinada pela Lei 11.428 de 2006) de 1.651 hectares adquiridos pelo grupo em 2008, o que garante a preservação naturalmente da APA das Ilhas de Tinharé-Boipeba. Para além do cumprimento das condicionantes e medidas compensatórias, o projeto ocupará uma área menor do que determinam as regras de zoneamento da APA Tinharé Boipeba, oferecendo poucos lotes, entre 20 e 80 mil metros quadrados cada, para evitar um alto adensamento. Ressalte-se que esses terrenos previstos para a construção são compostos essencialmente por coqueirais. Ao contrário do que tem sido também divulgado, será garantido o acesso das comunidades a todos os caminhos relacionados com a pesca e coleta de mangaba e mariscos. Esses caminhos serão inclusive melhorados, para que fique ainda mais fácil, por exemplo, alcançar o Rio Catu, os portos do Almendeiro Grande, da Ribanceira, do Coqueiro e do Campo do Jogador. Não haverá muros nem cercas.
Pelas nossas estimativas, considerando os ajustes realizados no projeto inicial, serão gerados aproximadamente 1500 empregos, na alta estação, e cerca de 700, na baixa estação.
A área está localizada em terreno de Marinha, que são considerados bens da União (Art. 20, VII, CRFB/88). Foi pleiteado, em 2007, pelo antigo proprietário, o aforamento gratuito, conforme Artigo 64 do Decreto-lei número 9760/1946, que trata as questões de transferência de domínio útil. Há, inclusive, documentação que considera essa área privada. Existe farto registro de sua cadeia sucessória. Compramos o terreno em 2008 e, como legítimos proprietários, ocupamos legalmente essa área e continuamos pagando a taxa de ocupação (Artigo 127 do Decreto-lei 9760/1946), que já vinha sendo paga regularmente há muitos anos. Diversos documentos asseguram a posse do imóvel Fazenda Ponta dos Castelhanos pelos sócios da Mangaba Cultivo de Coco LTDA. Inicialmente, adquiriu-se direito de ocupação do antigo titular ainda em 2008, conforme escritura pública de compra e venda devidamente registrada em Cartório de Registro de Imóveis de Taperoá (BA). Além disso, há, ainda, a adequada Certidão de Autorização para Transferência (CAT), documento expedido pela própria SPU. Acrescente-se que o pedido de transferência teve todos os seus trâmites administrativos encerrados em 2022, quando passou a constar como titular um dos sócios.
Constatamos, por meio de diálogos e escutas junto às comunidades locais, que uma ampla maioria da população da Ilha de Boipeba é favorável ao desenvolvimento sustentável da região. Essa posição foi inclusive referendada por uma abaixo assinado realizado pela comunidade de Cova da Onça em 2019, com mais de 300 assinaturas. O projeto vai promover uma importante transformação social, com melhoria da qualidade de vida em comunidades com as quais foi estabelecido um diálogo intenso. Desde o início das tratativas com o Inema, em 2010, a Mangaba participou de diversas audiências públicas com essas comunidades, visando esclarecer as informações do projeto e os impactos socioambientais positivos para a região, bem como assegurar a mitigação e a devida ação compensatória relativa a quaisquer intervenções no território, para implementação do projeto. Antes de ser aprovado pelo Inema, o projeto foi submetido à manifestação de diversos órgãos, como o IPHAN, Fundação Palmares, Superintendência do Patrimônio da União (SPU), Prefeitura de Cairu e Ministério Público estadual. Além de todas as audiências públicas realizadas ao longo dos anos, ocorreram em 2014, por exemplo, sete reuniões com as comunidades: Barra dos Carvalhos (9/9); Fazenda Cova da Onça (10/9); Sede do município de Cairu (10/9, uma reunião; e em 16/9 outras duas reuniões); Cova da Onça (17/9); Barra dos Carvalhos (23/9).
A empresa Mangaba Cultivo de Coco sempre primou pelo cumprimento irrestrito da legislação e do devido processo legal em relação ao projeto Fazenda Ponta dos Castelhanos. Com base nessas diretrizes a empresa buscará fazer os esclarecimentos necessários e demonstrar a regularidade da ocupação da área pela Mangaba, esperando que tudo seja resolvido o mais rápido possível, em observância ao direito de todos. Vamos aguardar o trâmite legal, fazendo todos os esclarecimentos necessários em audiências públicas, bem como aos órgãos fiscalizadores, às comunidades e aos poderes institucionais do governo federal, estadual e do município de Cairu.
O corpo indígena chama mais atenção segurando um celular do que sequestrado, estuprado e morto – Woia Xokleng
Eu li essa frase há algum tempo noTwitter, no contexto dodesaparecimentodos Yanomami, e nunca mais a esqueci. Ela é a definição exemplar de uma sociedade que continua a cobrar comunidades como as indígenas e quilombolas a manter suas tradições quando vivem o mesmo desemprego, acesso precário ao sistema de saúde, violência, insegurança alimentar, uso necessário de tecnologias, etc. que o resto de nós. Isso é racista e se refere especialmente a indígenas e comunidades tradicionais de todo o país, como as quilombolas. Para muita gente, elas só são “autênticas” se aparecem com arco e flecha ou vivendo em palhoças, comendo farinha para sobreviver.
Essa percepção discriminatória atravessa todo o pedido de reintegração de posse número 1003280-80.2022.4.01.3700, no qual a Força Aérea Brasileira, a FAB, via Advocacia-Geral da União, a AGU, solicita que uma área de aproximadamente 12,5 mil metros quadrados em Alcântara, no Maranhão, seja “devolvida” aos militares. A cidade é um dos maiores territórios quilombolas do Brasil, com cerca de 200 comunidades.
As aspas acima têm uma razão: a área em questão já foi reconhecida como território quilombola. Falta apenas a titulação. Voltarei ao assunto.
O pedido feito pelos militares do Centro de Lançamento de Alcântara, a CLA, foi motivado pela presença deum restauranteconstruído na casa de Moisés Costa Santos, de 36 anos, morador da área quilombola de Vista Alegre, onde vivem cinquenta famílias, em uma terra em disputa judicial. Ele começou a organizar o negócio no começo de 2020, prevendo o período difícil da pandemia, e passou a expandi-lo conforme as medidas de distanciamento foram diminuindo. Deu certo: Vista Alegre está localizada em uma das praias mais bonitas de Alcântara, e o fluxo de visitantes ajudou Moisés e outros moradores que trabalhavam no restaurante Vista del Mar a sobreviver.
Moisés levantou um galpão e alguns quiosques e passou a divulgar o negócio nas redes sociais. Hoje, suas postagens no Instagram e no Facebook são usadas contra ele e constam no pedido de despejo feito pelos militares. Eles já foram devidamente atendidos: em 29 de março, as Forças Armadas e o Batalhão de Choque da Polícia Militar chegaram ao local combombas de efeito moral e balas de borracha, concentrando um helicóptero e cerca de 50 viaturas, segundo moradores. Uma das balas atingiu o rosto de uma criança, sobrinha de Moisés. De acordo com os quilombolas, duas casas, o restaurante e dois quiosques foram derrubados.
Foto: Quilombolas de Vista Alegre
“Era um um pequeno restaurante de um morador, nascido e criado aqui. Sua utilização e gestão eram feitas por toda a comunidade. Não tem nada que nos impeça de ser empresários.Achar que quilombola não pode ser empreendedor é tão racista quanto nos negar a terra“, afirmou o cientista políticoDanilo Serejo, também de Alcântara. Serejo chama atenção para o que chama de aparato de guerra movimentado para o despejo. “A comunidade fica em área estratégica, em uma das melhores praias. Aí, o estado mobiliza toda essa força, a Polícia Federal, a Polícia Militar e até a polícia da Aeronáutica. Foi um poder de ação que extrapolou os limites do restaurante. A reação se deu não só em proteção ao dono do empreendimento, mas de um negócio que beneficiava toda a comunidade”.
Desde que começou a expandir o restaurante, Moisés conta que passou a sofrer pressão do CLA, que primeiro pediu um alvará de funcionamento da empresa, e, posteriormente, a desocupação do imóvel. “Achamos que a gente deveria expandir e vender comida para ganhar um dinheiro, porque a vida aqui não é fácil só com a pesca e a lavoura”, disse ele a Fernanda Rosário, doAlma Preta. Com a pressão dos militares, que fotografaram constantemente o Vista del Mar, ele decidiu fechar o empreendimento ano passado. Ou seja, o próprio objeto da ação judicial já não existia e, mesmo assim, o pedido dos militares foi atendido pela AGU e executado pela força repressiva.
“O atual conceito de comunidade quilombola não pode se referir a um passado colonial, quando nosso povo esteve à margem da sociedade, de direitos e de políticas públicas.O que nos caracteriza como quilombo é nossa relação ancestral com a terra e território, nosso modo de fazer, de criar e nossa cultura, que também muda. Além disso, temos direito a conforto e a bens de consumo. Pobreza e miséria não fazem parte da nossa vida, nem trajetória”, defendeu Serejo.
Derrubada após pedido de reintegração de posse das Forças Armadas. Foto: Mabe Alcântara
Braço inimigo
A ação espetaculosa é o caso mais recente de uma disputa que se prolonga há décadas. A Fundação Palmares reconheceu a área em 2004, e um relatório técnico de identificação e delimitação, nunca contestado pelo governo, foi publicado no Diário Oficial da União em 4 de novembro de 2008. No entanto, a titulação, processo último desse reconhecimento, nunca chegou.É um dos muitos fatos que comprovam atensa relaçãoentre os governos petistas e as Forças Armadas.
A última tem especial interesse na expansão da base implantada em 1980 e que, com perdão pelo trocadilho, nunca decolou: uma das saídas para tornar a própria base viável economicamente é realizar acordos bilaterais com outros países, como já aconteceu com os EUA, país que pode “alugar” a estrutura para realizar o lançamento de satélites. Oprojeto do uso bipartido, que não foi discutido com a população local, foi aprovadono primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro, em 2019.
Pois é: as Forças Armadas podem “diversificar o negócio” e procurar mais dinheiro para manter o funcionamento do seu projeto em Alcântara. Mas quem sempre viveu lá e também deseja outros meios de sobrevivência, não.
A obtenção de lucro por parte da comunidade quilombola, em especial por Moisés, é criticada no documento enviado pelos militares para a AGU,no qual pedem ressarcimento referente ao período em que o restaurante funcionou e falam em “enriquecimento sem causa às custas da União“. [Com o dinheiro faturado pelo restaurante vão lançar o primeiro foguete brasileiro...]
“A reparação integral do dano na presente situação ainda deve incluir o pagamento de contraprestação pelo uso do bem público, pois acaso o imóvel houvesse sido disponibilizado regularmente à exploração por particulares, necessariamente teria que estar sujeito a uma contraprestação, em especial porque se trataria da concessão para fins de exploração comercial por agente privado”, afirmou um trecho do documento.
Para isso, pedem na justiça que a Receita Federal do Brasil informe o lucro declarado pela empresa desde maio de 2020 e o pagamento de uma multa de R$ 20 mil. Sim, a mesma entidade que gastou verba federal destinada ao combate da covid-19 compicanha e salgadinho, segundo auditoria do Tribunal de Contas da União, quer ser ressarcida pelo uso de uma área sob judice. Também expressa que a tentativa de Moisés de melhorar as condições de sua vida e a da sua família são “sem causa”.
No documento enviado para a AGU, consta que o imóvel pertence à Aeronáutica, tendo sido desapropriado para a base de lançamentos. De fato, como vemos abaixo, uma decisão judicial desapropriou em 2005 uma área que pertencia ao espólio dos antigos moradores Raimundo Neto, Francisco da Silva e Raimundo Teixeira, passando-a para a União. O dia não poderia ser mais simbólico: 20 de novembro, que marca a memória de Zumbi dos Palmares.
Essa desapropriação, no entanto, é anterior à divulgação do relatório técnico publicado no Diário Oficial e aconteceu um ano após o reconhecimento da terra quilombola pela Fundação Palmares. “O CLA, por meio da AGU, aproveitou essa brecha de haver um empreendimento privado para entrar com a ação e agredir a comunidade”, criticou Danilo Serejo, que representa na justiça o Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara. Foi o juiz federal Clodomir Sebastião Reis, da Terceira Vara de Justiça de São Luiz, quem autorizou a reintegração de posse.
Casos na Corte Internacional
Nos dias 26 e 27 de abril, uma audiência na Corte Interamericana de Direitos Humanos vai se debruçar sobre a falta de emissão de títulos de propriedades de terras pelo estado brasileiro. O julgamento doCaso Comunidades Quilombolas de Alcântara vs. Brasilreúne questões sobre violações em 152 propriedades desde a instalação da base aeroespacial: a expropriação de terras e territórios e a falta de recursos judiciais para remediar os conflitos integram a pauta.
A falta de titulação, por exemplo, expõe continuamente comunidades há muito retiradas de seus territórios à insegurança: para a construção da base, 52 mil hectares do território habitado por 32 comunidades quilombolas foram declarados de “utilidade pública”. As famílias foram reassentadas nas chamadas agrovilas. Sete delas foram criadas longe do mar, dificultando uma das atividades básicas de sustento e da economia local: a pesca.
“A Força Aérea Brasileira, especialmente o CLA, nunca respeitou nossa posse ancestral e atuam o tempo todo para aviltar nossos direitos territoriais. Tentam a todo custo, com a anuência dolosa de diversos órgãos do estado e do sistema de justiça, roubar nossas terras” argumentou um trecho de umanotaassinada por diversas instituições representativas das comunidades quilombolas de Alcântara.
Destruição cerca os quilombolas após ação da polícia. Foto: Mabe Alcântara
Os militares continuam acampados na região. Apesar do forte bolsonarismo que demarca a CLA (é impossível esquecer que o ex-presidentese referia a quilombolas como animais), as entidades miram o fim das disputas judiciais no contexto do governo Lula. Mas a coisa não é simples.
“Nosso processo de regularização e titulação está pronto desde 2008. Não houve contestações, nem da União. Na época, Lula não titulou, porque se acovardou diante dos militares da Aeronáutica. O que explica isso também é o racismo, já que não titular nos deixa em permanente estado de insegurança jurídica. Espero que agora Lula não se acovarde novamente e titule nossas terras.”
Há outros casos de quilombolas, inclusive evangélicos,denunciandoos assédios sofridos.
Procurados, os ministérios dos Direitos Humanos e da Igualdade Racial afirmaram que “repudiam o uso excessivo da força e as violações de direitos ocorridas em Alcântara” e que determinaram que se tomem “as medidas necessárias para acolhimento, identificação do número de pessoas afetadas e futuras reparações”, além de estarem em contato com órgãos como o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Defensoria Pública do Maranhão e o Ministério Público Federal.
Já a O CLA afirmou que a reintegração de posse foi feita “pelo oficial de justiça acompanhado de força policial, tendo em vista a resistência de cumprimento da decisão por parte do proprietário” e que não houve nessa ocasião, nem em seus 40 anos de existência qualquer confronto com a comunidade. “O relacionamento do CLA com as comunidades ao entorno é pacífico, sendo este o maior gerador de renda do município”, completou.
Atualização: 11 de abril, 10h24 Este texto foi atualizado com as respostas do CLA e dos ministérios dos Direitos Humanos e da Igualdade Racial.
Transcrevo a reportagem de Fabiana Moraes para denunciar que a CPI do MST na Câmara dos Deputados não vai investigar as invasões nas terras dos quilombolas, povos indígenas, populações ribeirinhas, camponeses e trabalhadores rurais. É uma CPI para proteger a grilagem de terras promovida por empresas nacionais e estrangeiras, e bilionários e milionários brasileiros e dos cinco continentes do agronegócio, dos pecuaristas, das mineradoras, das madereiras, do contrabando internacional de produtos florestais, da riqueza das reservas indígenas, do ouro, das pedras preciosas, dos minérios estratégicos, e da grilagem de terras na Amazônia, grilagem que promove fogo nas florestas e envenena os rios com mercúrio. É a CPI dos ricos - das Bancadas do Boi, da Bala - contra os pobres. No mais, "enriquecimento às custas da União" aconteceu com a militarização do Ministério da Saúde, general Eduardo Pazuello ministro, com os "coronéis da saúde", com os "coronéis da vacina", com o general Braga Neto coordenador do combate à covid.
Vetos do Bolsonaro, no PL 1142/20, impedem que povos vulneráveis tenham direito a requisitos básicos para a sobrevivência
por Alana Manchiner/ Jornalistas Livres
O projeto de lei, PL 1142/20, percorreu um longo caminho para chegar às mãos do presidente da república, Jair Bolsonaro, após câmara e senado aprovarem o Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 para as comunidades indígenas, comunidades quilombolas, povos e comunidades tradicionais para o enfrentamento à Covid-19. Na quarta-feira, 8, o presidente sancionou a lei, todavia com vetos a pontos importantes no tocante a execução das ações.
Em resumo o que foi vetado no PL deveria compor minimamente o plano, como acesso a água potável, materiais de higiene e desinfecção, leitos de UTI, aquisição de ventiladores pulmonares, material de informação sobre a doença, ponto de internet nas comunidades para solicitação do auxilio emergencial. Além de orçamento adicional e previsão de repasse de recursos a Estados e municípios para implementação do plano, o que impactaria diretamente nas populações mais afetadas pelo novo coronavírus.
Na política de segurança alimentar e nutricional, o presidente veta a distribuição de alimentos, o que impacta diretamente as comunidades, segundo a liderança indígena, Zezinho Kaxarari, “ Nós recebemos cestas básica da FUNAI está com 3 meses, pra família grande não dá pra comer uma semana, a comunidade está precisando, estão sem trabalhar porque estão isolados”.
Os maiores prejudicados nos vetos são as comunidades quilombolas, pescadores artesanais e demais povos e comunidades tradicionais, Bolsonaro veta integralmente o artigo que trata da implementação de plano emergencial, bem como recursos para essas comunidades.
Esse retrato revela parte de um processo de omissão do governo federal mediante as desigualdades enfrentadas por essas populações, além do genocídio enfrentado desde a invasão colonizadora, hoje, enfrentam a displicência em relação ao impacto de uma pandemia com números alarmantes de óbitos, sobretudo em relação as comunidades mais vulneráveis. Essas comunidades estão na mira de Bolsonaro desde 2018, quando em reunião com representantes do agronegócio garantiu que, “Se eu assumir como presidente da República, não haverá um centímetro a mais para demarcação”.
Nessa segunda-feira, 13, o Brasil alcança a marca de 72.100 mortes por coronavírus de acordo com o Ministério da Saúde, na região Norte do país, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) informa que 102 povos indígenas da Amazônia foram atingidos, até o dia 10, chegaram ao número de 9.936 indígenas contaminados e 411 óbitos registrados em 71 povos indígenas da região. De acordo com Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), no domingo (12), registraram 13.801 casos confirmados de covid-19 e 491 óbitos em todo o território brasileiro. O painel geral de dados do Ministério da Saúde não possui detalhamento por cor ou raça, o que pode ser fator de subnotificações entre populações indígenas, como art.19 do PL iria prever não fosse o veto.
Os vetos demonstram a falta de ação humanitária de um Estado que nega os direitos mínimos a suas populações originarias, podemos perder saberes milenares pela inercia de um projeto que não prevê politicas de zelo pelas comunidades tradicionais, esse é o retrato do racismo de Bolsonaro.