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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

08
Jun22

De onde vem a fúria bolsonarista com as mulheres?

Talis Andrade

 

Assassinatos covardes de 22 moças, estudantes com idades entre 21 e 35 anos, pela repressão, nos porões da ditadura militar, inspira a misoginia de uma fina-flor de impotentes

 

 

por Homero Gottardello /Jornalistas 

Covardia é o traço mais imundo, a característica mais sórdida dos regimes de exceção. A forma com que o alienado planaltino tratou uma repórter na tarde desta segunda-feira, em Guaratinguetá, na frente de meio mundo, dá o tom da deformidade que tomou o país. Filhote da ditadura militar, o criado de Donald Trump – por falar nele, que fim será que teve? – é o atual defensor de seu aspecto misógino, uma anormalidade expressa no número de moças com idades entre 21 e 35 anos que foram mortas nos porões da repressão, sob a alegação de serem agentes da luta armada. Mulheres “perigosíssimas” capazes de colocar as Forças Armadas em alerta permanente.

Com seus cadernos, estojos e livros, representavam uma ameaça à segurança nacional e, em razão disso, 22 delas foram torturadas e estupradas, trucidadas por gente sádica, indigna, que hoje inspira a fina-flor do bolsonarismo em seu androcentrismo – um comportamento que Freud explica pelo viés da impotência. As estudantes Catarina Helena Abi-Eçab (morta com um tiro na cabeça aos 21 anos), Aurora Maria Nascimento Furtado, de 26 anos (morta sob tortura com queimaduras, cortes e hematomas generalizados, além de um afundamento no crânio de 2 cm por ter sido subjugada à “coroa de cristo”), e Helenira Resende, morta aos 28 anos (metralhada nas pernas, presa e torturada até a morte), cujo corpo nunca foi localizado – são apenas três exemplos. Mas a perseguição se estendeu a outras categorias.

 

O que se nota hoje, passados quase 50 anos do período, é que os DOI-CODIs da vida não deram conta de combater o crime organizando nascente, durante a década de 70, mas usaram de mão-de-ferro contra costureiras e até mesmo donas de casa, como Dona Labibe Elias Abduch, de 65 anos, morta com um tiro no peito, na Cinelândia, Centro do Rio de Janeiro, sem que nunca ter pisado em um sindicato, sem ter filiação partidária ou qualquer ciência sobre organizações de esquerda. Para evitar a implementação de uma “ditadura do proletariado”, a repressão assassinou – oficialmente – 434 pessoas, 56% delas jovens com menos de 30 anos de idade.

A comerciária Maria Ângela Ribeiro é outra vítima deste ódio pelas mulheres, que foi reavivado e, agora, pode ser percebido nos mais simples gestos do bolsonarismo. Também foi morta a tiros, também no Centro do Rio de Janeiro, apenas por estar lá, no dia 21 e junho de 1968, quando policiais cercaram os transeuntes e avisaram que atirariam para matar. Cumpriram sua palavra e lá tombou Maria Ângela: sem culpa, sem motivo, sem saber porquê.

A perseguição a estudantes e camponeses foi implacável, mas os maiores criminosos do país flanaram livremente, durante o período da repressão política. De modo que na lista de mortos pela ditadura militar não constam os nomes de Francisco da Costa Rocha, o “Chico Picadinho”; Luiz Baú, o “Monstro de Erechim”; João Acácio Pereira da Costa, o “Bandido da Luz Vermelha”, ou José Paz Bezerra, o “Monstro do Morumbi”. Os investigadores do DOPS também não foram páreo para Pedro Rodrigues Filho, o “Pedrinho Matador”, cuja pena pelos crimes cometidos durante o período da “redenção” já somava quase 130 anos, em 1973.

Caçada impiedosa

Daí, a incompetência para capturar assassinos em série foi compensada pela caçada impiedosa a jovens inofensivas, como a empregada doméstica Íris Amaral, de 26 anos, morta a tiros durante uma operação contra a Ação Libertadora Nacional (ALN). Íris nunca fez parte da organização política, mas, por azar, estava passando pela estrada Vicente de Carvalho, no Irajá, justamente na hora em que agentes do DOI-CODI abriram fogo em via pública, sabe-se lá contra quem. No caso da camponesa Margarida Maria Alves, cuja luta contra os latifundiários paraibanos à frente do sindicato local, na “metrópole” de Alagoa Grande, sabe-se que o tiro no rosto que ela levou na porta de casa, de um jagunço armado com uma calibre 12, teve como motivação sua luta pelos direitos trabalhistas – é que os trabalhadores rurais eram vistos como uma ameaça comunista pelo regime, da mesma forma que os índios, hoje, o são.

Mirando sua brutalidade contra pessoas notadamente indefesas, a repressão dos anos de chumbo brasileiros é o ponto máximo da patifaria estatal. Da mais alta patente aos praças, dos delegados aos legistas, dos agentes de inteligência aos alcaguetes, reinou um medo absoluto da bandidagem verdadeira, um temor da marginália “de raiz”, um pavor da pistolagem que pode ser constatado pela omissão do estado policial em relação ao narcotráfico e a consolidação do crime organizado no Brasil, durante os anos 70. O fracasso na inibição destes grupos foi tão flagrante quanto o das Primeira e Segunda Repúblicas em relação ao cangaço. E, se herdou do Estado Novo os instrumentos de perseguição política que puseram fim ao banditismo no sertão, a ditadura falhou no combate a grupos como a Falange Vermelha, focando no elo mais fraco e fácil de se romper da cadeia: a militância estudantil e suas jovens ativistas – covardia pura.

A imagem do corpo da professora Maria Regina Lobo Leite de Figueiredo, executada sem que oferecesse resistência à prisão, é uma das mais chocantes fotografias do período de trevas em que o país esteve mergulhado. Para além da tortura, moças vulneráveis, desvalidas, não foram apenas apagadas, mas massacradas, fulminadas com uma ira que diz muito sobre seus algozes. Gente desumana investida do poder público, homens de uma crueldade doentia, de uma morbidez vil, de uma atrocidade aberrante que, neste instante, serve de exemplo para milícias digitais e grupos paramilitares armados, a massa depravada do bolsonarismo. O aumento dos ataques dessa malta às mulheres, bem como sua extensão a negros, índios e homossexuais, é um indicador alarmante de normalização da selvageria e da barbárie. Um país onde os homens não respeitam as mulheres não pode ser reconhecido como nação e um sujeito que agride uma mulher, se aproveitando da condição de ter mais força do que ela, não pode ser admitido como homem.

Ou damos um basta nisso ou vamos todos levar a pecha da ginofobia, do desprezo e da aversão às mulheres. Se os brasileiros elegeram um poltrão, cabe ao próprio povo sua destituição. (Publicado em 21 junho de 2021)

Feminicídio no Brasil - Blog do Ari Cunha

27
Mar22

Morre um torturador: encoberto pela mídia, isento pela Justiça, condenado pela História

Talis Andrade

BESTAS=FERAS. A santíssima trindade da tortura na ditadura de 1964 – Morreu Pedro Seelig:  como o coronel Brilhante Ustra e o delegado Fleury, todos impunes
 

 

Durante os anos mais turbulentos da ditadura militar de 1964, Seelig resumia na sua figura de delegado mais temido do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) o estágio supremo de violência e bestialidade

15
Fev22

Uma lista macraba de extermínios nas ditaduras

Talis Andrade

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O nazi-fascismo é responsável pelo assassinato de milhões, nos campos de batalha da Europa devastada, nas câmaras de gás dos campos de concentração, nas prisões da Gestapo. Homens, mulheres, crianças, judeus, ciganos, homossexuais, comunistas, uma lista macabra de extermínios nas ditaduras da extrema direita

 

por Wadih Damous

Essa semana, o Brasil foi marcado por mais episódios de preconceito e intolerância.
Dessa vez, o apresentador do Flow Podcast, Monark, foi demitido após defender a formalização de um partido nazista no País - o que é proibido.MP investigará Monark e pede que YouTube derrube vídeo sobre nazismo
 
 
Ao lado dele, o deputado Kim Kataguiri disse que a Alemanha havia errado ao criminalizar o nazismo.
 
Em consequência disso, o PT acionou o Conselho de Ética da Câmara. É inaceitável que um representante defenda um regime prega a supremacia racial e o extermínio de minorias e, por isso, ele deve ser cassado.
 
Mas não para por aí, o até então comentarista da Jovem Pan Adrilles Jorge também foi demitido após fazer gesto similar à saudação nazista enquanto comentava sobre o caso.
Pode ser uma imagem de 1 pessoa e texto que diz "Comentarista da Jovem Pan, Andrilles Jorge foi demitido após fazer gesto nazista."
 
 

 
 
Não há duvidas de que o Bolsonarismo está intimamente ligado a essa onda incontrolável de crimes de ódio no Brasil. A verdade é que Bolsonaro é uma má influência para a população. Através de seu exemplo, parte do nosso país banalizou ataques à minorias e apologia à tortura.
 
Não adianta que haja punição de uns, enquanto as mesmas falas sao relevadas ao saírem de outras bocas com mais poder. É necessário que hajam consequências para TODOS os envolvidos, inclusive Kataguiri - e Bolsonaro.
 
Seguimos na luta por um Brasil livre do nazismo.
 
 
O Mal Banalizado
 
O Brasil, ao lado de tanta beleza, tanta generosidade, tanta bravura de seu povo que resiste e insiste em ter uma vida melhor pelos séculos afora, também é o país que abriga o que de pior a (des) humanidade já produziu.
 
Vamos direto ao assunto: o nazismo, chaga do mundo civilizado, que ceifou milhões e milhões de vidas tragadas pela máquina de guerra hitlerista, encontrou aqui entre nós milhares de adeptos.
 
Segundo estudos não contestados, nos últimos 3 anos o crescimento de grupos organizados em torno dos ideais nazi-fascistas foi de cerca de 270%, abrigando cerca de 10 mil adeptos a disseminar o seu discurso de ódio ideologicamente amparado pelos ensinamentos de Hitler, Goebbels, Rudolph Hess e Himmler.
 
Entre 2019 e 2020, o número de inquéritos abertos pela Polícia Federal sobre apologia ao nazismo cresceu 59% .
 
Na cartilha dos canalhas, o antissemitismo se complementa com o ódio a negros, a LGBTQIAP+, aos nordestinos, aos imigrantes, além da velha e abjeta negação do holocausto. O espantoso é que eles não se escondem. Estão aí, nas redes sociais, por vezes falando a milhões de seguidores, como nos casos recentes do youtuber Monark, em um programa de podcast ao lado do deputado federal Kim Kataguiri, que defendeu abertamente a existência de um partido nazista, e também daquele outro desses midiáticos, chamado Adrilles, que divulgou um vídeo em que faz a saudação nazista do heil Hitler.

 
O deputado Kataguiri, convém registrar, também deu a sua contribuição ao afirmar que a Alemanha teria errado ao criminalizar o nazismo. Fosse deputado do parlamento alemão e estaria preso. Na agenda desses patifes, que em seus canais de rede alcançam milhões - notem bem, milhões - de inscritos, pululam mensagens racistas, homofóbicas, misóginas e por aí vai.
 
Pois bem. Dos episódios recentes, e pelo histórico do país de convivência amistosa com o fascismo - lembremos que pra cá fugiram notórios nazistas, inclusive Josef Mengele, o "Anjo da morte de Auschwitz", famoso por seus experimentos "científicos", tendo seres humanos como cobaias -, não é de se espantar que nenhuma punição rigorosa a esses propagadores da morte tenha sido aplicada até hoje.
 
Para além da reprimenda moral, o certo é que não há registro de ações penais e consequentes condenações contra essa corja. A despeito de termos uma lei (Lei Nº 7.716/89), que, textualmente, até prevê a pena de reclusão de dois a cinco anos para quem "Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo", a discussão que emerge quando fatos aberrantes como esses vêm à tona é de uma desfaçatez inacreditável. Força-se sempre a vinculação de tais atitudes criminosas com a liberdade de expressão e opinião.
 
E, assim, de grão em grão, apenas com notas de repúdio e indignações várias, inegavelmente importantes, mas sem qualquer providência séria que responsabilize criminalmente os criminosos à, vai-se naturalizando o fascismo entre nós, ampliando seus espaços de repercussão.
 
Nesse passo, é bom frisar que, sob Bolsonaro, essas patologias foram exacerbadas e incentivadas. Foram transpostas da deep web para a superfície do nosso cotidiano: operou-se a banalização do mal. O linchamento de Moise; o assassinato de um cidadão negro no próprio condomínio onde morava; apologia ao nazismo; incursões assassinas da polícia nas favelas cariocas não são episódios isolados. Conformam o racismo estrutural das nossas classes dominantes.www.brasil247.com - { imgCaption }}
 
 
O nazi-fascismo é responsável pelo assassinato de milhões, nos campos de batalha da Europa devastada, nas câmaras de gás dos campos de concentração, nas prisões da Gestapo. Homens, mulheres, crianças, judeus, ciganos, homossexuais, comunistas, uma lista macabra de extermínios.
 
No Brasil ganhou contornos próprios, acrescendo aspectos regionais e de cor à discriminação, no que encontra eco em nossa elite excludente. A denúncia e a execração pública devem ser sempre barulhentas diante dessas monstruosidades.
A superação dessas perversões desafia um longo processo pedagógico e cultural. Afinal de contas, como ensinava Nelson Mandela, ninguém nasce racista e com ódio. Eles são ensinados. Desde já cabe-nos iniciar a pedagogia inversa: de tolerância, igualdade e fraternidade. O primeiro passo será derrotar, de forma acachapante o fascismo nas urnas esse ano.
 
Mas, enquanto esse processo não se completa, aplique-se a lei, a que existe ou uma mais rigorosa, ainda por ser criada, deve ser o caminho natural da punição. O meu mandato, tenham certeza, será um instrumento para que isto ocorra.
 
Avante.
 

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25
Nov21

Aos amigos do rei, as emendas

Talis Andrade

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por Cristina Serra

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Recente decisão liminar da ministra Rosa Weber botou freio temporário no escândalo da compra de votos por meio das emendas de relator, na Câmara dos Deputados. Trata-se de patifaria que também atende pelo nome de orçamento secreto para favorecer os amigos do rei.

Já se vão trinta anos do caso que levou à criação da CPI dos Anões do Orçamento, referência à baixa estatura dos deputados implicados. Um deles, João Alves, ficou famoso por atribuir seu patrimônio à sorte na loteria e à benevolência divina. “Deus me ajudou e eu ganhei muito dinheiro”, disse à CPI, com a cara de pau, isso sim, que Deus lhe deu.

Uma linha do tempo une João Alves, anões do orçamento, orçamento secreto e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O PPR de Alves viria a ser um dos partidos que, várias fusões depois, daria origem ao PP de Lira. As trocas de pele nunca mudaram a essência fisiológica da facção, que teve em suas fileiras o então deputado Bolsonaro e o notório Paulo Maluf.

Recuo ainda maior mostra que a Arena, partido de sustentação da ditadura, foi a matriz da “turma que flutua pelo centro” e que merece o “respeito” do banqueiro André Esteves, conforme ele afirmou recentemente. “Não tenho dúvida [de que], durante cem anos de história, esse centro que nos manteve republicanos”, pontificou. A aliança é antiga e nos faz andar sem sair do lugar.

As emendas parlamentares são um instrumento bastante discutível de aplicação do dinheiro do contribuinte. Prestam-se a interesses eleitoreiros e ao toma lá dá cá em todos os governos. Ninguém no Congresso parece, de fato, interessado em discuti-las a fundo, muito menos extingui-las.

O orçamento secreto, contudo, é mecanismo de operação de máfia, que rebaixa e degrada a atuação parlamentar e institucionaliza o balcão de negócios. Não seria o caso de uma CPI? Ao decidir sobre o assunto, espera-se que com celeridade, o plenário do STF terá a chance de travar engrenagem perniciosa de corrupção que fere de morte a democracia.Image

 

02
Set21

O golpismo no Brasil: de como cumprir a CF é atitude revolucionária

Talis Andrade

 

1. Da epistemologia do golpismo ao manifesto da FIEMG a favor da monetização das fakes news
Na semana passada, falei sobre como os grandes filósofos explicam os golpistas brasileiros. Retomo aqui as frases, todas verídicas. Absolutamente verídicas. Já que, si non è vero...

Assusta, agora, o manifesto da Federação da Industria de Minas Gerais, que atira contra o STF, criticando-o porque estaria julgando contra a liberdade de expressão.

O manifesto mineiro também critica o fato de o Tribunal estar impedindo que dinheiro público seja usado para financiar sites bolsonaristas. Sim, é isso mesmo que você está lendo. A FIEMG concorda com o financiamento de sites que espalham fake news. Vejam por vocês mesmos: “Falamos de investigações e da possibilidade de desmonetização de sites e portais de notícias que estão sendo acusados em inquéritos contra as fake News”.

Interessante é que era de se esperar que uma Federação emitisse uma nota pela democracia e não contra a democracia.

Resumidamente, a Federação faz um manifesto a favor de uma espécie de direito fundamental à ofensa, ao Contempt of Court. Enfim, o manifesto sustenta um direito fundamental a pregação contra a própria democracia que sustenta o direito de a própria Federação se manifestar. Auto-contradição performativa. Esse é o nome. Ou, em outras palavras, ode ao golpismo. É disso que se trata.

Essa é clássica. A liberdade de expressão, a democracia, a Constituição sendo usadas contra elas mesmas, contra seus próprios fundamentos. O STF diz que não pode se pode patifar com dinheiro público, porque a Constituição tem princípios que dizem que não pode patifar com dinheiro público, e bingo, “ativista”! O engraçado é que essas pessoas que não sabem nada de Direito não sabem explicar o que é ativismo.

Bem disse o ministro Lewandowski em artigo na Folha de S. Paulo na data de 29/8/2021: intervenção armada é crime inafiançável e imprescritível. Simples assim. Isso está na Constituição. Além disso, há a jurisprudência do STF, o Código Penal Militar, a Lei de Segurança Nacional e o Código Penal.

Os democratas devemos estar atentos. Não podemos ficar olhando a algo como “A Crônica de Uma Morte Anunciada”, como no livro de Gabriel Garcia Márquez. Bom, não é por falta de aviso. Os golpistas estão nos avisando. Já há tempo. No Brasil, o golpe é anunciado até em outdoor. E cá estamos.

2. Da reunião de filósofos para falar sobre golpe e o golpismo
Muito bem. Fazendo esse repositório, e agora vacinado, pensei que seria uma boa ocasião para reunir um novo encontro de juristas e filósofos do direito na Dacha (como aqui e aqui) para investigar mais a fundo a epistemologia do golpismo. Chamei muita gente e compartilho com os leitores da ConJur os resultados desse encontro epistêmico.

2.1. Austin, positivista, já chegou dizendo: o direito é uma coisa, seus méritos ou deméritos são outra. Seguiu Austin: “Mas os golpistas, que não têm méritos, destroem o direito. E esse é um juízo puramente descritivo!”

2.2. Bentham, que ouvia de canto, disse: “E vou além. Um código ideal deve envolver uma proibição expressa do golpismo!”

2.3. Hart, concordando com os mestres, acrescentou: “ora, como falar em regra de reconhecimento se golpista não sabe seguir uma regra?!”

2.4. Dworkin, esperto, louco para dar uma alfinetada em Hart, disse: “ora, vocês positivistas estariam ocupados demais descrevendo o golpismo. Esse é o problema do positivismo. São a coerência e a integridade do direito que exigem que não haja espaço para golpes, golpistas, golpismos e quejandos!”

2.5. Kelsen, que não gostou da provocação, mas gostou da ideia, já veio dizendo que não tem essa de descrição do golpismo. Como fazer ciência com quem é anticiência?!

2.6. Waldron, que gostava dos dois lados nessa briga que não era briga, já veio colocando panos quentes: “Amigos, vocês sabem que gosto de disagreements. Quem não gosta de desacordos são os golpistas. Que bom que temos o direito para segurar essa bagunça toda. Que se aplique a lei!”

2.7. Shapiro já emendou dizendo que, nessa, Waldron tinha razão: se o direito é a institucionalização de nossos planos sociais, o golpismo patifa com todos os planos.

2.8. Raz, coçando a barba, sacramentou: “o direito reivindica autoridade legítima. E se o golpista G tem as razões 1, 2 e 3 para dar um golpe g*, basta que o direito diga 4 que, 1, 2 e 3 estão cancelados. E o golpista é sempre ilegítimo e nunca é autoridade!”

2.9. Judith Shklar, defensora do legalismo, veio e disse: “Waldron tem razão quando diz que temos desacordos. Mas acho que todos podemos concordar numa coisa: golpismo só é bom para o golpista. E sempre pode surgir outro golpista. Logo, o golpismo é burro. Fiquemos com o direito!”

2.10. E então apareceu Warat. E disse: bebamos vinho, porque discutir golpismo é perda de tempo. Positivistas e dworkinianos, inteligentes que são, concordam que golpismo é estupidez. “Es uma tonteria. Boludez”, concluiu, com seu tradicional portunhol. E arrematou: “Chega de papo. Os inteligentes não precisam, com os burros não adianta. Como fazer uma epistemologia de um vácuo epistêmico?”!

Pois é. Fomos todos para o vinho. Tinha bastante: já estou estocando comida de há muito.

3. # Cumprir a Constituição é atitude revolucionária
Por fim, fica o meu meme ou #: Hoje em dia, cumprir a Constituição é um gesto revolucionário!

Ao final, uma obviedade do óbvio: Cumprir a Constituição jamais pode ser algo que destrua a democracia. Quem usa a CF para falar contra a democracia e fazer ode ao golpismo é inimigo da democracia. Simples assim. Como bem disse o ministro Lewandowski. E todos os filósofos que participaram do convescote na minha Dacha nas montanhas da Serra Gaúcha.

Artigo publicado originalmente no Consultor Jurídico.

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14
Ago21

Por que o Supremo acerta ao prender Roberto Jefferson

Talis Andrade

por Lenio Luiz Streck /ConJur

1. O recorrente tema de que o STF está usurpando poderes
A cada vez que o Supremo Tribunal Federal responde ao Contempt of Court (ataques-desprezos à corte), surge ou se reacende a polêmica acerca da legalidade-constitucionalidade dos atos do Tribunal.

Agora, com a prisão de Roberto Jefferson, tenho feito debates nas mídias e contestado, como sempre, de forma lhana, as posições em contrário de setores que acenam com o garantismo para sustentar suas críticas à Suprema Corte.

Tenho argumentado que garantismo não é textualismo. Aliás, textualismo é positivismo "paleolítico" (a expressão é de Ferrajoli). Logo, é para além do textualismo que vamos.

O que é cumprir a CF ou a lei? Se uma lei diz que é proibido levar cães na plataforma do trem, um textualista dirá que é facultado levar ursos e jacarés. E proibir o cão-guia do cego. Esse é um problema de um certo tipo de positivismo, eivado de criterialismos, como diria Dworkin. Aliás, a dogmática sustentadora desse olhar é criterialista, porque ignora o direito e constrói discursos convencionalistas. Respondendo ao caso dos cães: a interpretação correta é: onde está escrito cães, leia-se animais perigosos. O textualismo pode ser terrível, pois não?

A discussão do papel do STF é uma questão que envolve o conceito de Estado Democrático de Direito. Que sustenta a Constituição. Que depende do Tribunal Constitucional.

Considero, ademais, incorreto dizer que a atitude do STF é "atípica". Atípicos são os ataques do Presidente ao STF e ao TSE. Atípico é Jefferson.

Repito. O princípio do Estado Democrático de Direito é o que assegura a Constituição.  Não existe Constituição sem o que vem antes: a democracia. E quem assegura a Constituição é o Supremo Tribunal Federal.

A solução encontrada pelo STF é legítima. Ele pode, sim, usar o Regimento Interno. Na verdade, tudo começou com a defesa do STF contra os ataques feitos à Corte; e agora a defesa é do próprio regime democrático.  

O 'legalismo' por si mesmo e em abstrato funciona como bandeira. Bonito. Mas, porque em abstrato, se levado às últimas consequências em circunstâncias concretas, pode acabar por se voltar contra os princípios que o justificam em primeiro lugar. Princípios sem os quais a própria ideia de legalidade não faz sentido.

2. Não é curioso que golpistas reivindiquem a legalidade?
Sim, reivindicam quando interessa. Pois é. O Direito deve dar conta de se proteger daqueles que fragilizam suas condições de possibilidade — não pode ser arma na mão de quem faz arma com a mão para criar, com o perdão da expressão, uma patifaria institucional.

Instituições são como limpadores de para-brisa. Funcionam bem se forem colocados do lado de fora do carro e em dia de chuva. Bom, chuva já temos todos os dias. As decisões do STF são passos importantes para colocar o limpador para funcionar.

3. O "perigo do precedente"? Como assim?
Diz-se também que a prisão de Jefferson poderá no futuro ser usada contra democratas e quejandos. E que isso geraria precedentes. Ora, vamos lá. Precedentes (jurisprudência) bem lidos devem sempre levar em conta o distinguishing, isto é, o ponto que diferencia uma coisa de outra coisa. A menos que os juristas brasileiros não tenham aprendido o conceito de precedente.

O precedente desse caso do Inquérito das Fake News serve para casos de Contempt of Court e o que a isso está vinculado. Como não há ninguém acima do STF, ficaria a pergunta: quem defende o STF quando atacado?

Curiosamente, essa é a pergunta que segue sem resposta por parte de determinados setores da crítica jurídica que correm o risco de defender uma espécie de direito fundamental de liquidar com a própria democracia. (Spoiler: não, não há um direito fundamental a pregar golpes e extinção da Suprema Corte, sobretudo quando se trata de patifaria com aquilo que garante... direitos fundamentais). Não, Jefferson nem ninguém têm o direito fundamental de pregar a extinção dos próprios direitos fundamentais. A democracia proíbe discursos suicidas.

Daí que só uma leitura enviesada — e bem enviesada — desse precedente (prisão de Jefferson ou do deputado ou o Inquérito das fake news) é que poderá, no futuro, causar problemas. Porque o precedente serve quando as circunstâncias fáticas são as mesmas. Se não for esse o caso, será um aproveitamento oportunista do que se diz ser um precedente. E aí a culpa é do Supremo, que precisa se defender no entremeio de um tiroteio antidemocrático?

4. E desde quando aqueles que querem acabar com a democracia precisam de "precedentes"?
E há ainda um outro aspecto aqui que deve ser encarado de frente: desde quando aqueles que estão dispostos a avacalhar com a democracia precisam de precedente(s) para alguma ou qualquer coisa? "Ah, cuidado, isso gera um precedente". É mesmo? Quem tem má-fé não precisa de "precedente". Simples assim.

Imagine um governo despótico que quer instrumentalizar o Judiciário para um fim iníquo. Seria um tanto cínico culpar o "precedente" do ministro Alexandre, como se isso fosse causador de eventuais maus-usos do Supremo em sua função de Suprema Corte.

De todo modo, o Parlamento poderia também dar uma resposta aos ataques do Presidente à democracia e ao processo eleitoral. Mas não o faz. O STF age como razão última.

5. A comunidade jurídica e o quadro de Van Gogh
Sendo mais claro: o jurista não pode se comportar como o sujeito que, diante da irrupção do Vesúvio, fica arrumando um quadro valioso na parede. Insisto na pergunta, que direciono aos críticos da decisão do Supremo Tribunal (esta da prisão de Jefferson, a do dep. Daniel, por exemplo): o que esperamos que aconteça quando ninguém faz nada? No "diálogo institucional" que alguns parecem esperar, só há o silêncio.

Outra crítica se relaciona à lava jato e que o STF estaria agindo de forma arbitrária como a citada operação. O STF estaria agindo "tipo Moro". E que eu, na defesa da atuação do STF, estaria incorrendo em contradição.

Essa pergunta já foi indiretamente respondida nas linhas acima. O que está em jogo, aqui, e não há exagero nisso, é a democracia e o Estado de Direito. É a Constituição, o Supremo, o sistema eleitoral e a própria república sob ataque. Ou não é isto que estamos vendo todos os dias?

Não há nisso um paralelo equivalente com um juiz incompetente e parcial grampeando advogados, palpitando em operações policiais, indicando testemunhas à acusação, despachando o que não se havia pedido que se despachasse.

De um lado, você tinha a tese de que "os fins justificam os meios". O que está em jogo agora é a garantia de que haja meios. Esse é o ponto. De mais a mais, o Inquérito nada mais é do que uma decorrência natural da supervisão judicial nos processos de competência originária do Supremo, ainda mais quando as vítimas são todos os seus ministros.

Em uma democracia, aquilo que se pode achar juridicamente errado tem de ser resolvido no âmbito da juridicidade. O Direito resolve o que é do Direito. Se há dispositivos do Regimento Interno e do CPP incompatíveis com a Constituição, devem ser assim declarados no âmbito próprio. Lembremos: vigência e validade. Aula 1 de introdução ao Direito. Aula 2, porém: isso tem de ser declarado pelo órgão competente. De ofício ou por provocação. No caso, há dispositivos vigentes (ainda) válidos que sustentam os atos do STF, utilizados em nítido estado de contempt of court. Positivistas brasileiros até a página 2, convenientemente, por vezes se esquecem disso.

6. As lições da história
Numa palavra final e sempre com o respeito e delicadeza com que escrevo sobre esses temas, sempre é bom lembrar das lições da história. Dois livros podem ajudar: Os juristas do Horror, de Ingo Müller, em que mostra, por exemplo, como a leniência do judiciário para com Hitler no julgamento do golpe de 1923 (Putsch da Cervejaria) acabou gerando frutos amargos, amarguíssimos, trágicos. Weimar precisa se proteger.

O segundo livro é de Bernd Rüthers, que mostra que, tivesse a doutrina realizado os devidos constrangimentos (limitações), talvez o autoritarismo dos anos 30 na Alemanha não tivesse tido o sucesso que teve, cujo efeitos todos conhecemos. Por isso o seu livro, em tradução livre, tem o nome de Uma Interpretação Não Limitada (ou, como prefiro, Não Constrangida).

Eis a questão. Se acharmos que ameaçar, ofender, incitar etc. etc. (há um código penal quase por inteiro, um verdadeiro cardápio de ilícitos) as instituições como STF e TSE, além da honra de seus ministros, é coisa "da democracia", então talvez tenhamos que reler alguns capítulos da história.

Por vezes o garantismo (ou algo que se faça em seu nome) vira um fetiche e trata as instituições como guardas-noturnos. Com isso, fragiliza os próprios fundamentos de um Rule of Law no sentido estrito do tema.

Por isso, a pergunta final: Quem garante as garantias quando as instituições que as garantem não são garantidas?

01
Jul21

Carlos Wizard - covarde, canalha e cúmplice do genocídio

Talis Andrade

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por  Carlos Hortmann

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A tragédia brasileira de 515.985 vítimas da Covid-19, sem contar a subnotificação, está cada dia mais caracterizada e comprovada como um GENOCÍDIO. Todos/as nós perdemos um parente ou um amigo próximo. Isso é não uma obra exclusivamente do genocida-mor, mas de um projeto político da classe dominante brasileira. O ocupante da cadeira presidencial só é o representante bonapartista que a burguesia encontrou para tocar a espoliação, exploração e expropriação da classe trabalhadora brasileira. Os militares (o Partido Fardado) cumprem papel fundamental e decisivo nesse processo. 

Dito isso, caro leitor/a, recuperamos a frase do senador Otto Alencar na CPI da Covid na inquirição do charlatão Carlos Martins (Wizard é uma invenção dele para parecer “gringo”): “No Brasil nenhuma riqueza ou fortuna é inocente”. Peço licença ao senador para retificar a frase: No Brasil e no mundo TODA, repito, TODA riqueza, fortuna e grandes propriedades é fruto de séculos de exploração, sangue, suor e mortes de muitos homens e mulheres trabalhadores/as. Por isso que nenhuma fortuna (acumulação) é inocente, pois ela traz consigo o sofrimento e assassinatos (sociais) de milhares e milhares de vidas. Por outras palavras, o capitalismo é um sistema (modo de produção) que produz assassinatos sociais em alta escala.

Muitos leitores/as podem ficar espantados/as com a minha afirmação. Entretanto, assim como o colonialismo negava a humanidade dos povos colonizados, ou seja, considerava-os “sub-humanos”, “bárbaros” ou “não-civilizados” e afins; o capitalismo, em nome de uma “liberdade” abstrata (sem conteúdo determinado) nega o direito a uma moradia digna (basta ver quem vive nas periferias) e a soberania alimentar (pelo menos 3 refeições por dia); priva as pessoas de terem uma saúde preventiva, universal e de qualidade; poderia continuar a enumerar uma quantidade de coisas que esse sistema nega para a maioria esmagadora da humanidade, só para que 1% da população mundial possa ter quase 60% de toda a riqueza existente no planeta terra. O capitalismo é um sistema destrutivo, visto que em última instância ele priva do direito à vida de todos/as aqueles/as que não pertencem a sua classe ou não são produtivos aos capitalistas ou legitimadores dos seus interesses. 

Esse é um dos motivos que o genocida-mor adora dizer: “há algo mais importante do que a nossa vida, a nossa liberdade”. Mas ele não fala que é a liberdade dos capitalistas (não é você que tem uma loja ou pequeno comércio, mas os grandes bilionários monopolistas e banqueiros). Todo burguês/capitalista/banqueiro (bilionário ou multimilionário) tem sangue e mortes nas mãos. Repito. O capitalismo e os capitalistas são assassinos sociais. 

Você poderá estar a perguntar: “por que eles não são punidos ou não tipificados como criminosos?”. Porque o Estado de configuração liberal-capitalista (nas suas estruturas) serve aos capitalistas e não a nós da classe trabalhadora. O Direito e as formas jurídicas e políticas vigentes servem essencialmente para garantir a propriedade privada dos meios de produção (que é diferente de propriedade pessoal), a circulação das mercadorias (garantir contrato e dinheiro) e punir todos/as aqueles e aquelas que coloquem em causa esses valores que só beneficiam as pessoas como Carlos Wizard. 

O patife cagão que ficou em silêncio hoje diante dos inúmeros crimes contribuiu de forma efetiva para o genocídio no Brasil. Ele consegue encarar (no sentido ser) sem cinismo a essência (história) do que é a classe dominante. Ele tem a desfaçatez de rir das mortes de vítimas da Covid-19. Essa é a face fascista/racista da burguesia liberal-capitalista, a outra ri-se no privado e continua a ganhar rios de dinheiro com a morte de milhares de pessoas todos os dias em todo o mundo. 

Todas as pessoas que morreram porque não tiveram o que comer ou um tratamento de saúde mínimo são vítimas desse sistema. Ele tem nome e sobrenome: capitalismo! O nosso sofrimento é só mais uma forma de acumulação dos capitalistas. O bolsonarismo fascista só é a face mais autoritária e visível desse sistema. Carlos Wizard é a síntese e a essência do capitalismo. Eles nos odeiam, é um ódio de classe, eles levam a sério a luta de classes. Escrevi recentemente sobre “ódio de classe”!

Por isso companheiros e companheiras convoco a todos/as: que a injustiça não nos entristeça, mas nos radicalize. Derrubemos esse sistema de assassinato social de pobres, negros, mulheres e indígena trabalhadores/as – entre outros inúmeros tipos de opressão. Somente esmagando a cabeça do liberal-capitalismo-e-fascismo nas suas entranhas é que conseguiremos fazer nascer uma nova sociedade livre desses parasitas. 

Carlos Hortmann 
@CarlosHortmann
A burguesia é genocida, canalha, covarde, assassina social, exploradora, opressora e muitos outros adjetivos. só expressa sem cinismo a essência (histórica) da burguesia em geral. Patife cagão!

 

12
Fev21

Perigoso exército de incapazes

Talis Andrade

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A atual Esplanada dos Ministérios tem sido ocupada por um número exorbitante de fardados no primeiro escalão do governo

William Nozaki /Brasil de Fato
 
 

Parece que está chegando a hora de a sociedade brasileira se desfazer desses ´mitos salvadores` e devolver seus militares a seus quartéis e suas funções constitucionais. Assumir de uma vez por todas, com coragem e com suas próprias mãos, a responsabilidade de construir um novo país que tenha a sua cara, e que seja feito à imagem e semelhança, com seus grandes defeitos, mas também com suas grandes virtudes

 

(Sob os escombros, as digitais de um responsável, de José Luís Fiori)

 

 

No último dia de 2020, o professor de Economia Política Internacional da UFRJ, José Luís Fiori, publicou um artigo de grande repercussão nacional em que diagnostica o avançado processo de destruição física e moral do país nestes últimos dois anos, defendendo a tese de que o gigantesco fracasso do governo do Sr. Bolsonaro é indissociável das Forças Armadas brasileiras, que é hoje o último grande sustentáculo de um governo que é de fato, em última instância, um governo militar.

Um governo que nasceu de uma operação tutelada pelo ex-chefe das Forças Armadas à época e que depois foi literalmente ocupado por um batalhão de cerca de 8 mil militares da ativa e da reserva que vem se se demostrando absolutamente ineptos para o exercício do governo, durante este dois anos em que sustentaram no poder um “psicopata agressivo, tosco e desprezível, cercado por um bando de patifes sem nenhum principio moral, e de verdadeiros bufões ideológicos que em conjunto fazem de conta que governam o Brasil, há dois anos”, define Fiori.

Uma semana depois da publicação do artigo do professor Fiori, o próprio Sr. Bolsonaro confirmou o diagnóstico do professor, ao declarar publicamente que “o Brasil quebrou e ele não pode fazer nada”, uma das confissões mais sinceras de que se tem conhecimento da parte de um governante que reconhece seu próprio fracasso e ao mesmo tempo se declara incapaz de enfrentar a destruição provocada pelo seu governo, durante o tempo em que — em vez de governar — ele se dedicava pessoalmente a atacar pessoas e instituições e debochar do sofrimento e da morte dos seus próprios concidadãos. Uma declaração que foi feita no mesmo dia, aliás, dia em que o general da ativa e ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, anunciava apalermado ao país que não tem data nem um plano da vacinação, mesmo que fosse só para tranquilizar psicologicamente a sociedade brasileira.

Por tudo isto, finalmente o professor Fiori conclama a sociedade brasileira a assumir em suas próprias mãos o destino do seu país, desistindo dos “grandes salvadores” e enviando de volta aos quartéis os militares, pelo seu rotundo fracasso atual e, sobretudo, porque eles não têm o menor preparo técnico e intelectual para dirigir um estado e governar uma sociedade da extensão e complexidade brasileiras. Ou seja, para o professor Fiori este governo e seu fracasso deve ser debitado na conta dos militares, e não há nenhuma possibilidade de reconstruir a democracia brasileira sem que todos os seus atores políticos abram mão em definitivo e para sempre de apelar aos militares para que façam o que não sabem e fazem muito mal..

E, de fato, desde que foi eleito, Jair Bolsonaro nunca fez questão de esconder ou omitir a sua dívida com as Forças Armadas. “O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”, afirmou o presidente-capitão ao então general Eduardo Villas Boas, referindo-se à sua eleição à Presidência da República.

Crescente dependência

Nos últimos dois anos, essa dependência se intensificou. No interior do governo a ruptura do bolsonarismo com o lavajatismo jurídico, a perda de força relativa do olavismo ideológico, somado às tensões com parte da grande imprensa e o desconforto de parcela do empresariado criaram um ambiente de reacomodação de forças que resultou na ampliação dos espaços ocupados pelos militares no governo.

A cada novo embate ideológico derrotado, a cada nova suspeita de corrupção e ilícitos envolvendo o clã Bolsonaro e a cada novo erro de política pública por parte dos civis, os militares avançaram pelo menos uma casa no tabuleiro. Sendo assim, ora sob efeito da adesão irrestrita, ora sob o argumento da redução de danos, os militares se posicionaram como fiadores e tutores do governo Bolsonaro.

Esse movimento não sofreu nenhuma resistência efetiva por parte dos setores da sociedade civil e paulatinamente foi sendo normalizado e naturalizado. Enquanto parcela dos atores políticos à esquerda acreditou no mito de que os militares brasileiros seriam nacionalistas ou estatistas, parcela dos atores políticos à direita reiterou a ideia de que os militares seriam politicamente imunes à corrupção e tecnicamente superiores em matéria de gestão. Ledo engano. Essa mitologia tem sua origem no reconhecido papel exercido pelos militares na formação do Estado e no desenvolvimento da industrialização ao longo do século XX.

Os militares de hoje

Mas os militares de ontem não se equivalem aos de hoje. Desde a vitória liberal-conservadora ainda no período da ditadura, o que impera em matéria de geopolítica é a defesa do alinhamento automático ao governo norte-americano. Essa escolha desobrigou boa parte dos nossos militares de se empenhar na formulação de estratégias nacionais, liberando tempo e energia para que se concentrassem prioritariamente em interesses corporativos da caserna. Para além de “neoliberais” ou “neodesenvolvimentistas” os militares brasileiros tornaram-se corporativistas.

É com esse espírito que parte significativa dos militares têm avançado dentro do governo Bolsonaro. A atual Esplanada dos Ministérios tem sido ocupada por um número exorbitante de fardados no primeiro escalão do governo, são 11 dos 23 ministros.

Vejamos alguns dos problemas nos ministérios encabeçados por militares. Como é possível confiar na superioridade ética e moral de uma Casa Civil que conduz reuniões ministeriais tão desqualificadas quanto aquela que veio a público no último ano? Como crer na competência estratégica de um GSI que não identifica drogas em aviões da FAB e em um ministro que se deixa gravar em conversa particular pela imprensa? Como acreditar no espírito republicano de uma Secretaria de Governo que admite interferências na Polícia Federal ou em um ministro da Secretaria Geral que acolhe interesses pessoais da família presidencial? Como é possível sustentar a vocação nacional de uma pasta de Ciência e Tecnologia em desmonte acelerado e que se posiciona de maneira pouco estratégica em um tema crucial como o da tecnologia 5G? Como defender o espírito inovador de uma área de Minas e Energia impactada por desmontes e apagões? Como apostar em Transparência em um governo movido a fake news? Como admitir que a área de Infraestrutura tenha posições tão refratárias contra investimentos públicos? Como aceitar uma vice-presidência que se responsabiliza pelas relações com a China e pela Amazônia no período em que o país mais tem esgarçado o diálogo com o país asiático e tem batido recordes de desmatamento e queimadas?

Por todos esses motivos não é mais possível isentar as alas militares da responsabilidade e da cumplicidade com o desastre protagonizado por Bolsonaro. O caso do atual ministro da saúde, general Eduardo Pazuello, é dos mais emblemáticos na desmistificação da suposta aura de competência política, intelectual e administrativa dos militares.

Leia opinião de colunista sobre o tema: Os generais ressentidos

Pazuello entregou o comando da 12º Região Militar, mas se recusa a ir para a reserva, criando uma indesejável mistura entre Forças Armadas e Poder Executivo. O general não domina nem mesmo os saberes que deveriam compor seu repertório militar, não entende de geografia (ao tratar da propagação da pandemia, associou o inverno no hemisfério Norte do globo à região Nordeste do Brasil), não entende de Estado (afirmou que não conhecia o SUS), não entende de planejamento (deixou de coordenar as ações dos entes federativos), não entende de distribuição (deixou mais de 6,8 milhões de testes contra a COVID-19 vencerem em estoque) e não entende de logística (atrasou a definição sobre a compra de seringas, agulhas e insumos para a vacina).

O problema se agrava quando observamos os demais escalões do governo. Estima-se que haja mais de 8450 militares da reserva e 2930 militares da ativa atuando em diversas áreas e níveis hierárquicos do governo, com ênfase nos setores de planejamento, orçamento e logística dos ministérios. Algumas áreas sensíveis passam por intenso processo de militarização, na gestão socioambiental há mais de 90 militares alocados em áreas como Funai, Ibama, ICMBio, Sesai, Incra, Mapa, Funasa, FCP, além do Ministério do Meio-Ambiente e do Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento. No Ministério da Saúde apenas durante o período de pandemia, foram nomeados pelo menos 17 militares.

O quadro não é diferente nas empresas estatais e autarquias, há uma plêiade de militares nomeados em boa parte delas: Amazul, Caixa, Casa da Moeda, Chesf, Correios, CPRM, Dataprev, EBC, Ebserh, Eletrobras, Emgepron, EPL, Finep, Imbel, INB, Infraero, Nuclep, Petrobras, Serpro, Telebras, Valec. Em muitas dessas empresas a tônica segue na contramão da linha geral da política econômica do próprio governo, ao invés de desinvestimentos algumas foram brindadas com capitalização, ao invés de privatização se indica que algumas devem passar apenas por fusões.

Tal presença já garantiu aos militares importantes acordos internacionais de defesa, ratificando o alinhamento automático com os EUA, além da ampliação do orçamento do Ministério da Defesa e do fortalecimento de projetos e empresas a ele vinculadas. Mais ainda, não faltam ganhos corporativos para as armas: privilégios previdenciários, como aposentadoria integral e sem idade mínima, reajustes reais do soldo de cerca de 13%, o que não ocorreu com o salário mínimo, e aumento de adicionais, bonificações e gratificações diversas, em empresas estatais, por exemplo, o pagamento de jetons para militares subiu cerca de 9,7% em 2020, para não mencionar ganhos adicionais e cumulativos com cargos de confiança e adjacências. A amplitude dos ganhos corporativos e em proventos pessoais indica que os militares não retornarão para os quartéis de maneira automática ou voluntária, qualquer que seja o próximo governo.

Leia opinião de colunista sobre o tema: Os militares estão nus

O quadro deveria causar preocupação, inclusive, dentro das próprias Forças Armadas. Pois a boa reputação e a confiança de que desfrutam os militares na opinião pública rivaliza a cada dia com as digitais impressas pelos fardados nos erros do governo. Além disso, ao aceitarem o desgoverno da atual política externa os militares se colocam em posição subalterna para a interlocução com EUA, China, União Européia e até mesmo com alguns países vizinhos.

Sendo assim, em tempos nos quais se debatem as possibilidades de construção de uma frente ampla ou popular, a defesa de um Legislativo “livre, independente e autônomo” e a reconstrução de um Estado que promova “a vida, a saúde, o trabalho e os direitos” estamos inteirasmente de acordo com a tese de Fiori de a consolidação de uma “democracia viva e forte” no Brasil passa por um pacto que assegure o retorno dos militares aos quartéis e às suas funções constitucionais. Este não é apenas um dos termos para a retomada da soberania popular e nacional do país, é, antes disso, a premissa fundamental de uma novo país que se assuma coletivamente em suas próprioas mãos dispensando a interveção salvadora de fardas, togas batinas ou pijams como diz o Fiori no final do seu artigo.

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30
Jan21

Ruy Castro: Bolsonaro rebaixou o Brasil ao nível de estrebaria de quartel

Talis Andrade

 

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247 - Em sua coluna publicada no jornal Folha de S.Paulo, o escritor Ruy Castro afirma que Jair Bolsonaro foi "quem rebaixou o Brasil ao nível de estrebaria de quartel, ao inundar os lares com um vídeo sobre golden shower, chamar um jornalista para a briga ('Minha vontade é encher a sua boca de porrada!') e ejacular mais palavrões numa reunião ministerial do que em todas as reuniões ministeriais somadas desde 1889".

No texto, Ruy Castro destaca que, "desde sua posse, Jair Bolsonaro já foi chamado de cretino, grosseiro, despreparado, irresponsável, omisso, analfabeto, homófobo, mentiroso, escatológico, cínico, arrogante, desequilibrado, demente, incendiário, torturador, golpista, racista, fascista, nazista, xenófobo, miliciano, criminoso, psicopata e genocida". 

"Nenhum outro governante brasileiro foi agraciado com tantos epítetos, a provar que a língua é rica o bastante para definir o pior presidente da história do país. Mas é inútil, porque nada ofende Bolsonaro. Ele se identifica com cada desaforo".

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18
Jan21

Carta branca para a morte

Talis Andrade

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Governo sabota, à vista de todos, tudo o que pode combater a pandemia

 

Por Janio de Freitas

O ser imoral que atende por Jair Bolsonaro forçou o jornalismo a deseducar e endurecer a linguagem em referências ao governo e, ainda mais incisiva, sobre o intitulado mas não presidente de fato.

Com os assassinatos por asfixia cometidos pela incúria e o deboche no Amazonas; mais de 200 mil mortos no país entregue à pandemia e à sabotagem, e a patifaria contra a vacinação vital, mesmo a grosseria realista é insuficiente.

Nem a liberação dos chamados palavrões, feita pela Folha e O Globo há algum tempo, soluciona o impasse. Muitos as consideramos aquém do jornalismo e os demais ficariam expostos a inconvenientes legais.

A asfixia é reconhecida como uma das mais penosas formas de morte, acréscimo ao nosso horror com as mortes em campos de concentração nazistas, nas câmaras de gás para condenações passadas nos Estados Unidos, como nas perversões criminosas. Hoje, é aqui que essa morte terrível ocorre, vitimando doentes que tiveram a infelicidade preliminar de nascer no Brasil.

Que considerações valeria tentar sobre esse fato? Seus responsáveis são conhecidos. Um presidente ilegítimo pela própria natureza e pela contribuição para a morte alheia. Um general patético e coautor, sobre os quais apenas vale dizer aqui, ainda, da lástima de que não terão o merecido: o julgamento por um sucedâneo do Tribunal de Nuremberg.

Bebês, 60 bebês, parturientes, operados, cancerosos, infartados, vítimas da pandemia, às centenas, milhares, desesperados pelo ar que os envolve e no entanto lhes falta. Todos diante da morte terrível, não pelo que os internou, mas de asfixia —por quê?

Guardião de 62 pedidos de impeachment de Bolsonaro, Rodrigo Maia enfim dá sua explicação para o não encaminhamento da questão ao exame das comissões específicas: “O processo do impeachment é o resultado da organização da sociedade. Como se organizou contra os presidentes Collor e Dilma”.

Não houve uma pressão “que transbordasse para dentro do parlamento. Não foi avaliar ou deixar de avaliar impeachment, e sim compreender que a pandemia é a prioridade para todos nós”.

O fácil e esperado. Mas os casos de Collor e Dilma nasceram no Congresso, não na sociedade. Foi a mobilização, lá, de parlamentares que gerou e fez transbordar para a sociedade a exigência do impeachment de Collor.

A “pedalada” contábil do governo Dilma nunca passou pela cabeça de ninguém, na sociedade e no Congresso. Foi o pretexto criado já a meio da conspiração lá urdida por Aécio Neves e Eduardo Cunha, símbolos da pior corrupção, a que corrói a democracia pela política. A mídia (sic) levou para a sociedade o golpismo transbordante no Congresso.

Se a prioridade fosse a pandemia, o governo não continuaria entregue aos que a negam e como governo sabotam, à vista de todo o país, tudo o que possa combatê-la. Para isso recorrendo, sem receio, a ações e omissões criminosas. Uma sucessão delas, incessante até hoje.

​Se nas mais de 200 mil mortes houvesse apenas uma induzida pelas pregações e sabotagens de Bolsonaro, já seria bastante para ser considerado criminoso homicida. Mas são muitos os interesses financeiros e políticos a protegê-lo. Na verdade, mais que isso, porque é carta branca que lhe tem sido assegurada, sobre 212 milhões de brasileiros, como sobre o presente e o futuro do país.​

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