O governo do Brasil afirmou, em manifestação na Corte Internacional de Justiça, em Haia, na Holanda, nesta terça-feira (20), que a comunidade internacional não pode normalizar a ocupação de territórios na Palestina por Israel
por José Geraldo de Souza Júnior - Correio Braziliense
O governo do Brasil afirmou, em manifestação na Corte Internacional de Justiça, em Haia, na Holanda, nesta terça-feira (20), que a comunidade internacional não pode normalizar a ocupação de territórios na Palestina por Israel. No espaço das audiências públicas para ouvir a posição dos países-membros das Nações Unidas sobre os 56 anos de ocupação de Israel em territórios palestinos, que a CIJ realiza, a avaliação do Brasil busca interromper o curso de uma resposta unilateral de Israel que, descolada da via jurídica do direito internacional, acaba levando a uma ação não de força, mas de pura violência, "desproporcional e indiscriminada", que não expressa uma disposição de justiça e se cobre de finalidade geopolítica, neocolonial.
A intensidade da ação militar na região havia levado o presidente Lula a classificá-la como "genocídio", na esteira das preocupações lançadas pela CIJ, a ponto de comparar a ofensiva como equivalente àquela infringida aos judeus na Alemanha nazista. (https://www.cartacapital.com.br/mundo/mundo-nao-pode-normalizar-a-ocupacao-de-territorios-palestinos-por-israel-defende-o-brasil-em-haia/).
A manifestação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, feita durante a 37ª Cúpula da União Africana, não foi um arroubo. Só a vê assim, aqueles que, por posicionamento ou tática política de mobilização de interesses e de alianças, estão de acordo com a prepotência da intervenção de força para concretizar hegemonias de qualquer matiz, estratégica, econômica ou ideológica. No local ou no global, acaba difundido uma narrativa que esconde a intencionalidade de suas razões, deslocando a objeção que deveria se dirigir ao argumento, para desqualificar o oponente.
Note-se que a manifestação não é a de uma voz isolada. O Vaticano pela palavra do cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado, também falou de uma resposta "desproporcional" em comparação com o ataque do Hamas. É preciso "parar a carnificina". O direito à defesa, o direito de Israel de garantir a justiça para os responsáveis pelo massacre de outubro, não pode justificar essa carnificina". (https://www.ihu.unisinos.br/636611-por-tras-das-frases-do-cardeal-parolin-tem-o-consentimento-de-francisco).
A posição do presidente Lula, desde o início do conflito, mantém-se coerente e firme, na chamada à mediação pelo direito internacional, como pela possibilidade mediadora de um conjunto de países, com assento na Assembleia-Geral, mas que não têm seus interesses estratégicos envolvidos na região e no conflito, ou em sua ideologia.
Em minha participação, juntamente com Cristovam Buarque — os dois únicos sul-americanos convidados e presentes no Colóquio Internacional de Argel - Encontro de Personalidades Independentes sobre o tema "Crise du Golfe: la Derive du Droit", instalado exatamente em 28 de fevereiro de 1991, dia do cessar-fogo na chamada Primeira Guerra do Golfo, o que procuramos foi indicar, a partir da premissa de convocação do Colóquio, que a crise coloca o direito à deriva, tendo perdido o seu rumo no trânsito ideológico entre a "historicidade constitutiva dos princípios que consignam a sua força e força mesma, representada como Direito porque formalizada como norma de Direito Internacional".
Já então, uma inquietação com o emprego hegemônico de razões de fato, para que, em qualquer caso, principalmente quando há nítida disparidade entre forças, inclusive militares, que se deixem arrastar por um pretenso "direito de violência ilimitada", cuja resultante "sugere a cessação da beligerância pelo aniquilamento inexorável de toda forma de vida". Minhas razões completas estão no texto A Crise do Golfo: a Deriva do Direito, in Sousa Júnior, José Geraldo de. Sociologia Jurídica: Condições Sociais e Possibilidades Teóricas. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2002, p. 133-144).
O que urge é "restaurar a humanidade incondicional em Gaza". Essa é afirmação de um médico sem fronteiras (https://www.msf.org/unconditional-humanity-needs-be-restored-gaza). O que assistimos aqui, diz ele, em matéria que me enviou o querido amigo Alessandro Candeas, o incansável e presente diplomata brasileiro, embaixador do Brasil na Palestina: é um "bombardeamento indiscriminado [que] tem de acabar. O nível flagrante de punição coletiva que está atualmente a ser aplicado ao povo de Gaza tem de acabar". É preciso "parar a carnificina". Resgatar o humano que se perde nesse drama. E restaurar a mediação dos verdadeiramente fortes, que confiam e aplicam a força cogente (Hannah Arendt) do direito internacional e dos direitos humanos.
Um intervalo no genocídio realizado por “israel” na Palestina?
Uma pausa para recarregar as baterias e seguir o extermínio de pelo menos5,8 mil crianças– outras3,5mil crianças desaparecidas– e3,2 mil mulheres?
São mais de12,7 mil palestinos assassinados; outros4,5 mil, desaparecidos. Mais de30 mil feridos.
Seria talvez um break antes de fazer mais milhares de feridos e mutilados?
Ou seria, quem sabe, o interlúdio da limpeza étnica antes de tornar o restante dos2,3 milhõesdepalestinosde Gaza refugiados novamente, como já são73% deles desde 1948?
Não podemos seguir vendo e vivendo os crimes de “israel” contra a Palestina de tempo em tempo, a destruição de tempo em tempo, os cadáveres e escombros de tempo em tempo e aceitar que tudo se “resolve” com mais um cessar-fogo.
Não há o que comemorar se a matança de palestinos é quase tão sazonal quanto as estações do ano. Se oapartheid e ocupação são perenes há 76 anos.
Vamos celebrar a pausa de um genocídio continuado?
Seja em 4 dias ou daqui a um ano, vamos precisar clamar novamente por um “cessar-fogo temporário”, aguardando a próxima rodada do extermínio, que necessariamente virá, em seguida novo cessar-fogo, e assim renovar-se um ciclo vicioso que normaliza o genocídio continuado na Palestina e a metódica limpeza étnica?
Não. Énecessário um cessar da ocupação israelense da Palestinae o fim de todos os crimes de guerra e de lesa-humanidade daí decorrentes.
Sem isso, a vida palestina seguirá a rotina interminável da destruição, que, depois de consumada, será interrompida por novo cessar-fogo.
“israel” obtém o sangue palestino que busca, inclusive para resolver seus problemas políticos domésticos, e um cessar-fogo, que garante sua impunidade, é louvado e aplaudido. Os crimes de “israel” é que precisam cessar, não meramente sua fúria genocida momentânea, até que venha a próxima.
Assim, é preciso dar fim a este ciclo vicioso. Novas agressões e novos e inúteis cessar-fogo só terão fim na cena Palestina quando “israel” sofrer as consequências de seus atos.
AComunidade Internacional deve assumir suas responsabilidades e impor a “israel” total obediência às resoluções da ONU, ao Direito Internacional, bem como garantir proteção internacional ao povo palestino.
Que esse “cessar-fogo temporário” seja de alívio às necessidades urgentes do povo palestino em mais esse capítulo do genocídio e da limpeza étnica programada por “israel”.
Mas que seja também o primeiro passo para que a Comunidade Internacional comece de fato a olhar para povo palestino. Que se comece a enxergar o que é o sionismo e o que faz o sionismo.
Não há espaço para uma ideologiaracista, supremacista, colonial e violenta em pleno século XXI.
Não há espaço para umgenocídio em 2023. Não é mais possível conviver com oapartheide aocupaçãoem nosso tempo.
Ao final, Gaza, como o Gueto de Varsóvia, será inabitável. Mas “exterminar todos os bárbaros” vai além de Hitler e de Netanyahu. Sua origem está nas guerras coloniais que o Ocidente faz há cinco séculos, em nome de sua “civilização”
Eu era repórter doNew York Times, durante o cerco a Sarajevo. Nunca enfrentamos o nível de bombardeamento de saturação e o bloqueio quase total de alimentos, água, combustível e medicamentos que Israel impôs a Gaza. Nunca tivemos de suportar centenas de mortos e feridos por dia. Nunca enfrentamos a cumplicidade da comunidade internacional com a campanha sérvia de genocídio. Nunca suportamos a intervenção de Washington para bloquear resoluções de cessar-fogo. Nunca enfrentamos carregamentos maciços de armas dos EUA e de outros países ocidentais para sustentar o cerco. Nunca enfrentamos que notícias provenientes de Sarajevo fossem sistematicamente desacreditadas e rejeitadas pela comunidade internacional, embora 25 jornalistas tenham sidomortosna guerra pelas forças sérvias sitiantes. Nunca toleramos que os governos ocidentais justificassem o cerco como o direito dos sérvios de se defenderem, embora as forças de manutenção da paz da ONU enviadas para a Bósnia tenham sido em grande parte um gesto de relações públicas, ineficazes para travar a matança até serem forçadas a responder aosmassacresque tiraram a vida de 8 mil homens e meninos bósnios em Srebrenica.
Não pretendo minimizar o horror do cerco de Sarajevo, que me dá pesadelos quase três décadas depois. Mas o que sofremos – trezentos a quatrocentos bombardeamentos por dia, quatro a cinco mortos por dia e duas dúzias de feridos por dia – é uma pequena fração da morte e destruição em massa em Gaza. O cerco israelense a Gaza assemelha-se mais ao ataque da Wehrmacht [as forças armadas alemães durante o cerco nazista] a Stalingrado, em que mais de 90% dos edifícios da cidade foram destruídos, do que a Sarajevo.
Na sexta-feira, a Faixa de Gaza teve toda a sua comunicação cortada. Ficaram sem internet. Sem serviço telefônico. Sem eletricidade. O objetivo de Israel é perpetrar o assassinato de dezenas, provavelmente centenas de milhares de palestinos e fazer alimpeza étnicadaqueles que sobreviverem em campos de refugiados no Egito. Trata-se de umatentativade Israel deapagarnão apenas o povo, mas a ideia da Palestina. É umcópiadas campanhas maciças de massacre racializado levadas a cabo por outros projetos de colonização que acreditavam que a violência indiscriminada e generalizada poderia fazer desaparecer as aspirações de um povo oprimido, cujas terras roubaram. E tal como outros autores de genocídio, Israel pretende mantê-lo escondido.
A campanha de bombardeamento de Israel matou mais de 7.300 palestinos, quase metade dos quais crianças, juntamente com 26 jornalistas, profissionais de saúde, professores e funcionários das Nações Unidas. Cerca de 1,4 milhão de palestinos em Gaza foramdeslocados, e cerca de 600 mil estãodesabrigados. Mesquitas, 120 instalações de saúde, ambulâncias, escolas, blocos de apartamentos, supermercados, estações de tratamento de água e esgoto e centrais elétricas foram reduzidos a escombros. Hospitais e clínicas, sem combustível, medicamentos e eletricidade, foram bombardeadas ou estão fechadas. A água limpa está acabando. Gaza, no final da campanha de terra arrasada de Israel, será inabitável, uma tática que os nazistas empregavam regularmente quando enfrentavam a resistência armada, incluindo no Gueto de Varsóvia e, mais tarde, na própria Varsóvia. Quando Israel terminar, Gaza, ou pelo menos Gaza como a conhecíamos, não existirá.
Não só as táticas são as mesmas, também aretóricaé igual. Os palestinos sãochamadosde animais, bestas e nazistas. Eles não têm o direito de existir. Seus filhos não têm o direito de existir. Eles devem ser extirpados da terra.
O extermínio daqueles cujas terras roubamos, cujos recursos saqueamos e cujo trabalho exploramos está codificado no nosso DNA. Pergunte aos nativos americanos. Pergunte aos indígenas. Pergunte aos congoleses. Pergunte aos Kikuyu no Quênia. Pergunte aos Herero na Namíbia que, tal como os Palestinos em Gaza, forambaleadose levados para campos de concentração no deserto, onde morreram de fome e doenças. Oitenta mil deles. Pergunte aos iraquianos. Pergunte aos afegãos. Pergunte aos sírios. Pergunte aos curdos. Pergunte aos líbios. Pergunte aos povos indígenas em todo o mundo. Eles sabem quem somos.
A face distorcida da invasão colonial de Israel pertence a nós. Nós fingimos ser outra coisa. Atribuímos a nós próprios virtudes e qualidades civilizatórias que são, como em Israel, justificativas frágeis para privar um povo ocupado e sitiado dos seus direitos, confiscando as suas terras e recorrendo à prisão prolongada, à tortura, à humilhação, à pobreza forçada e ao assassinato para mantê-los subjugados.
O nosso passado, incluindo o nosso passado recente no Oriente Médio, baseia-se na ideia de subjugar ou exterminar as raças “inferiores” da terra. Damos a essas raças “inferiores” nomes que personificam o mal. Estado Islâmico. Al Qaeda. Hezbolá. Hamas. Usamos insultos racistas para desumanizá-los. “Haji” “Sand Nigger” “Camel Jockey”, “Ali Baba”, “Dung Shoveler”. E então, porque eles personificam o mal, porque eles são menos que humanos, sentimos ter uma licença para – comodisseNissim Vaturi, membro do parlamento israelense pelo Likud, partido do governo – apagar “a Faixa de Gaza da face da terra”.
Naftali Bennett, ex-primeiro-ministro de Israel, em entrevista àSky Newsem 12 de outubro,disse, “Estamos lutando contra os nazistas” – em outras palavras, contra o mal absoluto.
Para não ficar atrás, primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, numa coletiva de imprensa com o chanceler alemão Olaf Scholz,descreveuo Hamas como “os novos nazistas”.
Pense sobre isso. Um povo, preso no maior campo de concentração do mundo durante 16 anos, a quem foi negada comida, água, combustível e medicamentos. Sem exército, força aérea, marinha, unidades mecanizadas, artilharia, comando e controle e baterias de mísseis, que está sendomassacradoesubmetido à fomepor uma das forças militares mais avançadas do planeta – e eles são osnazistas?
Há uma analogia histórica aqui. Mas não é algo que Bennett, Netanyahu ou qualquer outro líder israelita queira reconhecer.
Quando aqueles que estão ocupados se recusam a se submeter, quando continuam a resistir, abandonamos toda a pretensão da nossa missão “civilizadora” e desencadeamos, como em Gaza, uma orgia de massacre e destruição. Ficamos bêbados de violência. Essa violência nos deixa loucos. Matamos com ferocidade sem limites. Tornamo-nos as feras que acusamos os oprimidos de serem. Expomos a mentira da nossa alardeada superioridade moral. Expomos a verdade fundamental sobre a civilização ocidental: somos os assassinos mais implacáveis e eficientes do planeta. Só por isso dominamos os “miseráveis da terra”. Não tem nada a ver com democracia ou liberdade. Estes são direitos que nunca pretendemos conceder aos oprimidos.
“Honra, justiça, compaixão e liberdade são ideias que não têm adeptos”, lembra-nos Joseph Conrad, autor deNo coração das trevas. “Só existem pessoas, sem conhecimento, compreensão ou sentimentos, que se intoxicam com palavras, repetem palavras, gritam-nas, imaginando que acreditam nelas sem acreditar em mais nada senão no lucro, na vantagem pessoal e na própria satisfação.”
O genocídio está no cerne do imperialismo ocidental. Não é exclusivo de Israel. Não é exclusivo dos nazistas. É o alicerce da dominação ocidental. Os partidários do “intervencionismo humanitário” que insistem que devemos bombardear e ocupar outras nações porque somos a encarnação da bondade – embora promovam a intervenção militar apenas quando esta é percebida como sendo do nosso interesse nacional – são idiotas úteis da máquina de guerra e do imperialismo global. Eles vivem em um conto de fadas de Alice no País das Maravilhas, onde os rios de sangue que geramos tornam o mundo um lugar melhor e mais feliz. Eles são os rostos sorridentes do genocídio. Você pode assisti-los em suas telas. Você pode ouvi-los proclamar sua pseudomoralidade na Casa Branca e no Congresso. Eles estão sempre errados. E eles nunca vão embora.
Talvez sejamos enganados pelas nossas próprias mentiras, mas a maior parte do mundo nos vê – a nós e a Israel – com clareza. Eles entendem nossas tendências genocidas, classificam a hipocrisia e a justiça própria. Eles veem que os palestinos – em grande parte sem amigos, sem poder, forçados a viver em campos de refugiados miseráveis ou na diáspora, privados da sua pátria e eternamente perseguidos – sofrem o tipo de destino outrora reservado aos judeus. Esta, talvez, seja a ironia trágica final. Aqueles que anteriormente necessitaram de proteção contra o genocídio, agora, cometem-no.
A esta altura, passados mais de 30 dias do início de um massacre sem paralelos na história, os mais de 2.300.000 palestinos habitantes da Faixa de Gaza estão submetidos a um cerco total, estando privados do acesso a água, alimentos e eletricidade. E, como bonificação especial, quase todos os seus edifícios residenciais, seus hospitais e suas escolas vêm sendo implacavelmente arrasadas por intensos bombardeios das forças militares de Israel.
No entanto, apesar das monstruosas cenas de horror que conseguem furar o bloqueio comunicacional das autoridades israelenses e chegam ao conhecimento público, boa parte da população israelense não demonstra estar muito sensibilizada diante deste imenso quadro de dor e sofrimento.
O que poderia explicar tamanha indiferença, tamanha falta de empatia com o drama sofrido por toda essa gente desamparada? A resposta, em boa medida, é dada pelo resultado de uma pesquisa conduzida por Nurit Peled-Elhanan, uma pesquisadora israelense da Universidade Hebraica de Jerusalém.
É interessante observar que a motivação inicial de seu trabalho se deu em função de um terrível golpe por ela sofrido quando perdeu a própria filha, vítima de um atentado suicida cometido por um palestino. Uma síntese de sua pesquisa está no vídeo deste link:https://youtu.be/GCcV7AtYgwo
Neste documentário, Nurit Peled-Elhanan fala de sua pesquisa relacionada com o conteúdo dos livros didáticos de Israel. Ela expõe em detalhes como estes livros são elaborados com o objetivo de desumanizar o povo palestino e fomentar nos jovens estudantes israelenses a base de preconceitos que lhes permitirá atuar de forma cruel e insensível com o mesmo durante o serviço militar.
Conforme explica Nurit Peled-Elhanan, as construções de mundo feitas a partir dos livros didáticos, por serem as primeiras a se sedimentarem na mente das crianças, são muito difíceis de serem erradicadas. Daí a importância que o establishment israelense dedica à ideologia a ser transmitida nos livros didáticos. Neles, os palestinos nunca são apresentados como seres humanos comuns. Nunca aparecem em condições que possam ser consideradas normais.
Segundo Nurit Peled-Elhanan, não há nesses livros nem sequer uma fotografia de um palestino que mostre seu rosto. Eles são sempre apresentados como constituindo uma ameaça para os judeus.
Foi por entender o grande valor desta mensagem que, já em 2012, me dispus a traduzir ao português o vídeo-documentário e produzir as respectivas legendas. Nosso objetivo era e é possibilitar que um maior número de pessoas venham a entender as técnicas de desumanização utilizadas para viabilizar a aprovação, a aceitação ou a indiferença em relação àqueles grupos humanos que são escolhidos como alvos para extermínio.
Considero um dever moral de todos os que se sentem vinculados à humanidade dedicar os esforços possíveis para impedir que este genocídio venha a se consumar. Neste momento, as palavras do saudoso reverendo evangélico Desmond Tutu se tornam mais válidas do que nunca: “Aquele que se mostra indiferente em uma situação em que a opressão é evidente está tomando o lado do opressor”.
Não pode restar nenhuma dúvida para ninguém sobre quem são os opressores e quem são as vítimas no atual conflito entre o Estado de Israel e o Povo Palestino.
Expressiva essa foto, não? Comovente, triste. Pois se trata de Inteligência Artificial. Até a IA se manifesta, mostra serviço nessa hora em que Gaza clama ao mundo por socorro. Já a Inteligência Natural brasileira está impávida, muda.
Onde estão as organizações médicas brasileiras, nossas entidades e associações humanitárias, que não protestam, que não se manifestam em cartas abertas nos jornais, que não dão entrevistas se posicionando contra esse genocidio, esse holocausto em tempo real nas redes sociais?
Onde estão as organizações e lideranças católicas? A Pastoral, a Cúria, a CNBB? O único padre que vimos se manifestar foi o caridoso Júlio Lancelotti. Será que dom Helder Câmara e dom Paulo Evaristo Arns vão precisar ressuscitar para a comunidade católica brasileira ouvir uma voz que pregue a mensagem do palestino Jesus Cristo?
As seitas neopentecostais milionárias badaladas na mídia parece que apoiam o massacre de crianças, mulheres grávidas e pessoas inocentes. São extremistas de direita, neofascistas, neonazistas. Os demais sacerdotes evangélicos nada falam, a não ser alguns poucos, como o pastor Henrique Vieira, que eu tenha visto.
Os budistas, os kardecistas, as religiões afro-brasileiras não vão falar nada? Esse caos afrontoso, essa catástrofe humanitária não incomodam os homens e mulheres de fé?
E as academias? Todas fazendo vista grossa?
Ser a favor da paz e da vida agora é proibido? Quem proibiu? Que entidade poderosa paralisa todas as gargantas, vozes e sentimentos solidários? Que lobby autoritário é este que domina sentimentos, caráter, humanismo, moral, empatia, compaixão, princípios?
Ora, façam-me o favor! O mundo silencioso e silenciado ainda há de se arrepender muito.
A Polícia de Montreal, no Canadá, divulgou nesta quinta-feira (9) que tiros foram disparados contra duas escolas judaicas em Montreal na noite de quarta-feira (8). Buracos de bala foram encontrados nas portas das duas escolas, os tiros foram disparados no meio da noite, quando os prédios estavam vazios, e ninguém ficou ferido, disseram as autoridades.
Por RFI
"Quero ser muito claro, condenamos essa violência antissemita nos termos mais fortes", reagiu o primeiro-ministro Justin Trudeau, depois de falar sobre um aumento "aterrorizante" do antissemitismo e da islamofobia, tendo como pano de fundo o conflito entre Israel e o Hamas.
O primeiro-ministro do Quebec, François Legault, emitiu "um apelo de calma a todos" os habitantes da província, condenando o ato, bem como um confronto violento que ocorreu na quarta-feira em uma universidade de Montreal.
Dois grupos de estudantes que se dizem pró-israelenses e pró-palestinos entraram em conflito na Universidade Concordia, ferindo três pessoas, de acordo com a universidade e a polícia, que tiveram que intervir. Um indivíduo foi preso por agressão.
Suásticas e incitação ao ódio publicadas on-line também foram relatadas pela universidade, que disse ter havido "um aumento preocupante nos atos de intimidação" nos últimos dias.
François Legault também "convocou a polícia" para tentar acalmar o clima social e não descartou a possibilidade de proibir reuniões realizadas em conexão com a guerra no Oriente Médio.
Essas ações fazem parte de um ressurgimento de atos antissemitas registrados, principalmente na Europa, desde o início da guerra entre Israel e o Hamas, em 7 de outubro.
247 -Um mês após o início do conflito entre Israel e a Palestinoa, a Faixa de Gaza, onde se concentram mais de 2,1 milhões de palestinos, enfrenta um cenário desolador, com prédios destruídos e a infraestrutura reduzida a escombros. Além disso, os moradores relatam que os corpos estão sendo enterrados em valas comuns e os hospitais estão realizando cirurgias em condições precárias, faltando até mesmo anestesia para atender os feridos.
“Havia apenas o cheiro de cadáveres e pólvora”, disse Ameen Abed, que morava em Jabaliya, local que foi severamente afetado por ataques aéreos israelenses, destacaO Globocitando o jornal estadunidense The New York Times.
Ainda conforme a reportagem, o representante da instituição de caridade de saúde MedGlobal, Rajaa Musleh, definiu a situação nos hospitais de Gaza como "miserável". Com recursos escassos, os hospitais enfrentam a falta de insumos e equipamentos, impactando especialmente o atendimento a crianças, que representam metade da população de Gaza. "A situação nos hospitais é miserável… De fazer você chorar. Não há equipamentos, as pessoas ficam amontoadas umas em cima das outras", disse ela à CNN.
Segundo a agência da ONU para refugiados palestinos (UNRWA, na sigla em inglês), dos mais de 10 mil mortos na Faixa de Gaza, cerca de 4,1 mil mortos são menores de idade.
Profissionais de saúde, como Alaa Shitali do Hospital al-Shifa, relatam trabalhar sem parar, enfrentando uma carga insuportável. A organização Médicos do Mundo denunciou condições precárias nos hospitais, onde cirurgiões são obrigados a operar no chão e realizar procedimentos sem anestesia devido à falta de material. A médica Tanya Haj-Hassan, dos Médicos Sem Fronteiras, ressaltou a escassez de medicamentos essenciais.
“Ao menos 10.584 prédios da Faixa de Gaza foram atingidos desde o início da contraofensiva israelense, após os ataques do grupo terrorista Hamas contra civis no dia 7 de outubro. O levantamento foi feito pelo Centro de Satélites das Nações Unidas (UNOSAT), que analisou as imagens do território palestino. Os dados anteriores davam conta de mais de 8 mil edificações danificadas, mas a divulgação, nesta quarta-feira, de um novo mapa com os danos causados em todo o território de Gaza fizeram os números cresceram novamente”, destaca a reportagem.
O brutal impacto do conflito entre Israel e Hamas nas crianças de Gaza
Netanyahu vai parar o massacre dos inocentes antes do Natal, dia que os cristãos festejam o nascimento do Messias? De Jesus?
Com imagens pertubadoras, BBC News publica reportagem que informa:
Crianças da Faixa de Gaza têm sido as principais vítimas do conflito entre Israel e o grupo palestino Hamas.
As crianças são cerca de 40% do total de mortos no território. Leia aqui
Reportagem de Dalia Haidar, no BBC Newz, apresenta "Quem são os cristãos de Gaza, agora abrigados em duas igrejas, uma delas já bombardeada. Leia aqui
Netanyahu o rei Herodes e a matança
dos pequenos inocentes
Antes do Natal
Por Oussama El Ghaouri - Rádio Nacional - Brasília
O secretário-geral das Nações Unidas, Antônio Guterres, disse nesta segunda-feira (6) que a Faixa de Gaza está se tornando um cemitério para crianças.
A madrugada foi de fortes bombardeios em Gaza. O território passou a noite sem internet. Mas os poucos relatos que chegaram são de que foi o ataque mais intenso desde o início da guerra.
Na manhã desta segunda-feira, sobreviventes procuravam por mortos e feridos nos escombros no campo de refugiados de Maghazi. O hospital Al-Shifa, o maior da Faixa de Gaza também foi atingido. Segundo um funcionário das Nações Unidas, 200 pessoas morreram na noite de domingo no ataque ao hospital.
O Al-Shifa abriga no momento cerca de 50 mil civis que foram desalojados. Israel ordenou a evacuação do local. Mas a população diz que não tem pra onde ir.
O exército de Israel anunciou que concluiu o cerco à cidade de Gaza, no norte. E que dividiu a Faixa de Gaza em duas. Há agora apenas um corredor que separa o norte do sul do território. Por ele, civis podem ir em direção ao sul. O lado norte é onde os ataques estão mais intensos. Mas o sul também não é seguro. A cidade de Khan Younis, onde estão muitos dos que aguardam para sair de Gaza, também foi atingida hoje.
Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, mais de 10 mil civis foram mortos desde o início do conflito. Israel e os Estados Unidos contestam os números. Mas a Organização Mundial de Saúde diz que é provável que ele seja real. Hoje o secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, voltou a pedir cessar- fogo. Ele afirmou que as operações terrestres das Forças de Defesa de Israel atingem civis, hospitais, campos de refugiados, igrejas e instalações da ONU - incluindo abrigos. E que Gaza se tornou um cemitério para crianças.
Guterres também criticou o Hamas e disse que o grupo usa civis como escudo e segue lançando foguetes contra Israel.
Herodes, o Grande, e a matança dos pequenos inocentes: quem é grande e quem é pequeno?
Na juventude, ele matou Malic, o homem que tinha envenenado o seu pai. Ele prendeu o próprio irmão, Fasael, que, levado pelo desespero, acabou se suicidando. Ele matou a própria esposa, Mariamne I, e, alguns anos mais tarde, matou também os dois filhos que tinha tido com ela, Alexandre e Aristóbulo. Cinco dias antes de morrer, ele ainda mandou executar mais um filho, Antípatro, nascido de Dóris, que tinha sido outra das suas esposas.
Ele mandou construir obras à altura do que considerava a sua “grandeza”. Dedicou dez anos à reconstrução do Templo de Jerusalém, aquele mesmo templo a respeito do qual, certa vez, disseram fascinados os discípulos de Cristo: “Olha, Mestre, que pedras e que construções!” (Mc 13,1). Mas nenhuma pedra restou sobre pedra quando o templo, feito por mãos humanas, foi destruído na guerra judaica de 67-70 d.C.
E não foi só o templo ao Deus dos judeus que ele mandou construir. Ele também ordenou a edificação de templos pagãos, inclusive em honra do “divino Augusto”, o imperador romano. Ele fez em Jerusalém um teatro e um anfiteatro. Depois de reformar a fortaleza dos macabeus, ele mudou seu nome para Fortaleza Antônia, em bajulação ao seu protetor romano, Marco Antônio. Ele mandou edificar um magnífico palácio real ao noroeste da cidade. Ele revitalizou a cidade de Samaria, que rebatizou como Sebaste em bajulação a Augusto – porque Sebastos é o termo original grego para o latinizado Augustus. Ele mandou construir o palácio-fortaleza Haerodium, ao sul de Belém. Ele fez levantar Cesareia Marítima, a nova capital, na costa do Mar Mediterrâneo.
Ele se sentava ao trono de uma corte pagã que em muito sobrepujava todas as outras do Oriente em podridão e obscenidade.
Ele queria ser um dos “grandes” da história.
E a história, sempre disposta a bajular de alguma forma os humanamente poderosos, lhe concedeu o título tão obsessivamente desejado.
Ele é Herodes, o Grande.
Mas Herodes, o Grande, ficou, certo dia, profundamente perturbado (cf. Mt 2,3).
É que alguns magos lhe tinham anunciado que havia nascido o “Rei dos judeus”. E a suposta “grandeza” de Herodes, daquele momento em diante, se apequenou ainda mais até ficar do tamanho de uma única e determinante preocupação: “Quem era esse que poderia derrubá-lo do trono?”.
O grito de alarme latejava em sua mente doentia e fez a sua desumanidade conceber mais um monstro: se o “Rei dos judeus” tinha nascido havia pouco tempo, não poderia ter mais de um ano de idade. Talvez um ano e meio. Como identificá-lo? Não precisava identificá-lo. Bastava destruí-lo, quem quer que fosse. Bastava exterminar todas as crianças de até dois anos de idade.
E Herodes, o Grande, o fez.
***
Passou-se o tempo.
Depois de seis meses de uma enfermidade cruel e devastadora, imune às “grandezas” dos homens e acompanhada por um cortejo de vermes que já em vida lhe corroíam o corpo, morre em Jericó o rei Herodes, o Grande.
Flávio Josefo, o célebre historiador daqueles tempos, relata que o funeral do “grande” rei foi do máximo esplendor: seu cadáver, apodrecido em todos os sentidos, jazia sobre uma liteira de ouro, cravejada de pérolas e pedras preciosas de várias cores, recoberta de um manto púrpura; também o morto vestia púrpura e uma tiara à qual se sobrepunha uma coroa de ouro; à sua direita jazia o cetro.
Mas os seis meses de agonia dolorosa não tinham acendido na alma cruel daquele rei nenhuma centelha de consciência. Longe disso: Herodes, o Grande, ainda maquinou sua barbaridade derradeira e deu ordens à irmã, Salomé, para prender todos os nobres do reino em Jericó para serem executados no mesmo instante em que ele morresse.
Segundo Flávio Josefo, Herodes teria dito a Salomé: “Sei que os judeus festejarão a minha morte. No entanto, ainda posso ser chorado por outras razões e ter um funeral esplêndido se vós seguirdes minhas orientações. Esses homens que estão presos, quando eu expirar, matai-os todos, depois de rodeá-los de soldados, para que todos na Judeia e todas as famílias, mesmo não querendo, derramem lágrimas por mim”.
Salomé, felizmente, desobedeceu e libertou os prisioneiros após a morte do “Grande” irmão.
A tragédia arquitetada pelos “Grandes” da história, porém, nunca terminou. De “Grande” em “Grande”, a chacina dos inocentes continua até o nosso tempo, muito embora também prossigam as grandiosas construções voltadas a aumentar a aparência de grandeza da nossa civilização e do seu poderio material. Entre as faraônicas e mirabolantes obras que a grandeza humana não cessa de incrementar, permanece vivo Herodes, o Grande, na violência, na corrupção, na promiscuidade, no assassinato, na guerra, na exploração, na fome e, muito significativamente, no extermínio voluntário e implacável dos pequenos inocentes. Herodes vive.
Mas ele não consegue matar Jesus.
Não consegue porque, hoje como ontem, mesmo no meio da mais densa das noites, Deus sempre manda anjos a milhares de Josés que ainda ouvem seus conselhos e se dispõem, com prontidão, a renunciar a tudo a fim de salvar a vida dos pequenos e inocentes.
Josés sonhadores, talvez, aos olhos dos homens. Mas muito despertos aos olhos de Deus.
Os bárbaros decapitam bebês e estupram mulheres, diz o Ocidente. A verdade não importa: “se não fizeram, um dia farão”, afinal, não se assassina apenas corpos. Leviandade é arma de guerra para que a voz do colonizado seja grunhidos ininteligíveis
“40 bebês são decapitados pelo Hamas.” Impossível não sentir uma corrente elétrica percorrer a espinha depois de ler essa notícia. Tentei encontrar mais informações. Nada. Poucas horas depois, escutei o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, repetindo a mesma informação. Produziu-se uma comoção global. Mas onde estão os pais dessas crianças? Onde estão os corpos? O mundo ocidental, como um rastilho de pólvora, entrou em luto imediatamente. Uma punição exemplar foi exigida. Aos poucos, a história começou a girar. Diante da impossibilidade de seguir adiante com a narrativa, a jornalista que espalhou a notícia pediu desculpas e reconheceu que não viu nenhum corpo. Confiou em uma fonte israelense e não fez o necessário trabalho de investigação. Mesmo depois de toda a história ter sido negada, de Joe Biden afirmar que, de fato, não tinha visto nenhuma foto, o luto por crianças que não existiram continuou (Veja a notíciaJornalista da CNN pede desculpas por espalhar fake news sobre “bebês decapitados” pelo Hamas). Seguiu-se justificando o massacre de Gaza pelas almas de 40 crianças que não existiram. E aqui está a eficácia simbólica máxima de uma notícia que, embora mentirosa, torna-se verdade: produzir o luto sem corpos.
Estranhamente, estamos diante de um tipo de ordem discursiva que não tem como função descrever a realidade ou contar uma história, mas criá-la, próxima àquilo que John Auster aponta como a potência de algumas palavras para criar realidades. Politicamente, tais crianças existiram e foram mortas por todos aqueles que conferiram veracidade à mentira. Foi o luto sem corpos de 40 crianças israelenses que segue justificando a morte de 2.300 crianças palestinas em Gaza, de um total de 8.100 vítimas (dados da OCHA, de 29 de outubro). Depois de ter consumido à exaustão a informação, o trabalho de negação não terá o mesmo alcance. Uma realidade foi criada. E as crianças de Gaza? Matar 2.400 crianças palestinas e matar simbolicamente 40 crianças israelenses parece estar subsumido na expressão “Israel tem direito de se defender”. Estamos diante de um poder soberano de um Estado sem registro na história da humanidade.
Cena 2: O estupro visual
Uma importante feminista gravou um vídeo e publicou-o em suas redes para lembrar de nossas lutas pela tipificação do estupro como crime de guerra. Para ilustrar sua fala, mostra a foto de uma jovem israelense, sentada numa moto, sendo capturada pelos militantes do Hamas em 7 de outubro. O tema do vídeo é o estupro como crime de guerra. Como a pesquisadora concluiu que aquela mulher tinha sido estuprada? Qual o indicador objetivo que ela cita para chegar a essa conclusão? Não há perguntas, mas um vínculo entre a imagem da mulher e o estupro. Não há dúvidas de que os estupros como arma de guerra devem ser apurados e punidos. As mulheres palestinas de 1948 seguem esperando a justiça. Infelizmente, até o momento, Israel não teve nenhuma de suas autoridades processadas em tribunais internacionais pelos estupros cometidos contra mulheres e adolescentes palestinas em 1948. As narrativas de mulheres sobreviventes de estupros coletivos cometidos pelos soldados de Israel, pesquisadas por Fatma Kassem emPalestinian Women. Narratives histories and gendered memory(2011), como a história da pequena Faik Abu Maneh que foi estuprada por seis soldados israelenses, seguem esquecidas.
A exemplo dos bebês que não foram assassinados, mas simbolicamente o foram e provocaram luto, eu me pergunto o porquê de a pesquisadora precisar estuprar simbolicamente a jovem da foto. A acusação leviana, por si só, configura-se também como uma arma de guerra, neste caso explicitamente a favor do Estado de Israel. É um tipo de instrumentalização das lutas feministas que nós, feministas antirracistas e anticoloniais, já conhecemos.
A força da fotografia para mobilizar afetos humanizadores em contextos bélicos ou em massacres foi tema da polêmica entre Judith Butler ─ verMarcos de guerra: las vidas lloradas(2010) ─ e Susan Sontag ─ verSobre la fotografia(2006). Ao contrário de Sontag, Butler aponta que a fotografia tem uma força singular como texto, sendo desnecessário textos escritos ou mesmo legendas para afetar o outro. Cita especificamente as fotos das cenas de tortura protagonizadas pelos soldados dos Estados Unidos em Abu Ghraib. Para Sontag, ao contrário, a fotografia não tem a força de mobilizar sozinha a indignação ou a humanização de quem vive sob uma situação de opressão, sendo fundamental o texto escrito.
A forma como a pesquisadora acusa os militantes do Hamas de estupro pela interpretação de uma fotografia enseja novas questões que mereceriam outras problematizações que não estão totalmente contempladas nas reflexões de Butler e Sontag. Se não há nenhum indicador na foto de estupro, me pergunto por que a pesquisadora chegou a essa conclusão e o que a levou a fazer tal acusação. Ela aciona uma foto como prova testemunhal contra um crime de guerra que só existiu no olhar dela. Ao tornar público seu olhar, com o poder de verdade que seu lugar de pesquisadora confere a ela no mundo, termina por praticar um estupro simbólico.
Fiquei curiosa para saber a solidariedade da pesquisadora às mulheres palestinas que são presas e torturadas ou a outras que são obrigadas a dar à luz dentro de carros e no chão, porque soldados/as israelenses que controlam os checkpoints não permitem que elas acessem os hospitais. Tentei encontrar uma palavra de indignação que a conectasse com o sofrimento das crianças palestinas presas e também torturadas sob a acusação de atirarem pedras nos soldados. Atualmente, dos 5.200 presos palestinos, 1.264 estão presos sem nenhuma acusação (sendo 33 crianças que, quando julgadas, devem se submeter aotribunal militarisraelense). O Hamas propõe trocar (Veja a notíciaHamas propõe trocar reféns por palestinos presos em Israel) os 210 reféns israelenses pelos 1.264 que Israel detém acima e contra aLei Internacional de Proteção aos Direitos Humanos. Eu procurei, mas não vi uma única palavra de solidariedade da pesquisadora às mulheres palestinas que vivem sob o domínio colonial israelense há 75 anos.
Talvez se possa perguntar por que estou evocando duas cenas muito particulares em um momento em que os mais de dois milhões de palestinos de Gaza estão submetidos a um genocídio. Eu não estou focando em pontos excessivamente específicos e secundarizando o fundamental? As duas cenas, no entanto, nos ajudam a entender a autorização que o ocidental confere a Israel para seguir matando. O que elas têm em comum?
A aparente desconexão entre os dois casos encontra no orientalismo seu ponto de unidade. Como define o pensador palestino Edward Said emO Orientalismo: o oriente como invenção do Ocidente(2007), o orientalismo é como uma instituição presente no imaginário ocidental de várias maneiras, a começar pela associação de árabes aos bárbaros, aos selvagens, aos animais, ao estuprador (camada nova oferecida pela pesquisadora) e ao terrorista. São seres desconectados de qualquer ponto de unidade com os valores universais da civilização e, do outro lado, identifica-se Israel como a única expressão civilizada no Oriente Médio. É esta economia ontológica que está em jogo nas duas cenas. As duas inverdades produzidas pela jornalista e pela pesquisadora só foram possíveis pela identificação de ambas com um imaginário orientalista ─ que tem no sionismo um herdeiro legítimo.
Vejamos o que aconteceu no caso do hospital Al-Ahli, quando mais de 500 palestinos/nas foram mortos em Gaza, em 17 de outubro desse ano. Israel negou a autoria do ato terrorista. Se Israel negou, não foi ele. Ponto. Não importa se, mais uma vez, foi comprovado que o atentado terrorista foi cometido por Israel (veja a reportagem daTV Al Jazeera, que mostra a manipulação de informações no caso da explosão de hospital). É interessante observar que aqueles/as identificados com o orientalismo, que se disseram horrorizados com o ataque, depois da comprovação da autoria de Israel, não se pronunciaram mais. A identificação com o colonizador transforma a fala dos colonizados, dos oprimidos, em ruídos, em grunhidos ininteligíveis. E quem disse que o subalterno pode falar?
O genocídio contra o povo palestino está em curso e seguirá, porque, independentemente do poder bélico de Israel e dos Estados Unidos, foram construídas as condições ideológicas que retiram do povo nativo qualquer possibilidade de resistência. Mas pode um estuprador e decapitador de crianças afirmar-se oprimido e resistir? Mas não houve estupro nem decapitação de crianças. Não importa. E se eles não decapitaram ou não estupraram, poderão fazê-lo, afinal, não são israelenses. São terroristas.
Barbárie sofrida pelos judeus nas mãos dos nazistas exigiu compensação psíquica, diz pensador. Tornaram-se, então, carcereiros e genocidas do povo palestino. Agora, pagam o preço: espiral de ódio, cisão em seu próprio país e guerra sem fim
“Os excessos cometidos em nome do dever de recordar são de tal magnitude que apelaríamos de bom grado, tanto por razões de bom senso como de civilidade, ao dever de esquecer. Pensemos um pouco no infeliz herói de Borges, Funes, o memorioso, que justamente não conseguia esquecer nada e que, portanto, vivia um inferno, incapaz de organizar o caos que ecoava em sua pobre cabeça. O mesmo acontece com um grupo humano: ao não querer esquecer, correm o risco de confundir o presente que vivem com um presente falso, alucinatório, que parasita o primeiro em nome das ofensas não reparadas do passado. Daniel Lichtenberg: Figuras de Israel , 1997
O documentárioBorn in Gazade Hernán Zinpode ser encontrado na Netflix e na Filmin. Se me permitem, recomendo a todos que assistam: conta a história de dez crianças entre seis e quatorze anos, durante a guerra de 2014, uma das muitas guerras que Israel desencadeou contra os palestinos e os palestinos desencadearam contra Israel.
Estas crianças falam dos bombardeios, das feridas que receberam, do terror que experimentam todos os dias, da fome que sofrem; dizem que a vida que vivem não é vida, que morrer seria melhor. É provável que estas pessoas, que eram crianças em 2014, sejam agora militantes do Hamas e tenham participado na orgia de terror de 7 de outubro.
Se eu estivesse no seu lugar em vez de ser eu, um velho intelectual que vive confortavelmente na sua casa numa cidade italiana onde neste momento não há bombardeios, se eu fosse um daqueles que foram crianças sob as bombas de 2014, hoje eu seria um terrorista que só quer matar um israelense. Eu ficaria horrorizado?
É claro que ficaria horrorizado, mas o meu pacifismo silencioso é simplesmente um privilégio de que desfruto porque não passei a minha infância em Gaza, ou em lugares como Gaza.
Portanto, acredito que Israel só tem uma forma de erradicar o Hamas: matar todos os palestinos que vivem em Gaza, nos territórios ocupados e também em outros lugares: todos, todos, todos, especialmente as crianças.
Afinal, é isso que eles estão fazendo, certo? Chama-se genocídio, mas é completamente racional.
Os governos europeus, muito racionais, apoiam o genocídio; Macron disse que gostaria de participar no genocídio com uma coligação.
Scholz disse que desde que a Alemanha cometeu genocídio no passado, agora tem o dever de apoiar aqueles que cometem genocídio hoje.
Será esta a única forma de erradicar o terrorismo?
Talvez houvesse outra forma de erradicá-lo: paz incondicional, renúncia à vitória, amizade, deserção, aliança entre as vítimas: as vítimas de Hitler e as vítimas de Herodes-Netanyahu.
Mas as vítimas, ao que parece, apenas aspiram a tornar-se algozes, e muitas vezes conseguem. Portanto, a espiral não irá parar e não sabemos qual vórtice ela pretende alimentar.
Há algo de monstruoso nas mentes dos palestinos que viveram em terror. E há algo igualmente monstruoso nas mentes dos israelitas.
Mas como julgar o comportamento dos povos, como julgar as explosões de violência que se multiplicam na vida coletiva?
Podemos julgar o comportamento dos militantes do Hamas ou dos israelenses em termos éticos ou políticos?
A razão ética está fora do jogo, porque a ética está totalmente apagada do panorama coletivo do nosso tempo.
A ética é a valorização da ação do ponto de vista do bem do outro como continuação de si mesmo. Mas nas condições de guerra generalizada em que se move a sociedade contemporânea, o outro é apenas o inimigo: este é o efeito da infecção liberal-competitiva e da infecção nacionalista: a defesa do território físico e imaginário significa guerra.
A ética está morta assim como a piedade está morta. Não pode haver ética no comportamento dos jovens que cresceram na prisão de Gaza, porque as suas mentes não podem considerar o outro (o soldado israelense que espera por você com uma arma em punho em cada encruzilhada), exceto como um carcereiro, um torturador, um inimigo, mortal. Cada fragmento (pessoas, grupo étnico, máfia, organização, partido, família, indivíduo) luta desesperadamente pela sua própria sobrevivência, como lobos lutando contra lobos.
Tal como a razão ética, a razão política deixa de ser relevante numa situação em que a decisão estratégica é substituída por microdecisões de sobrevivência imediata.
Israel reage à violência brutal do Hamas de uma forma que pode ou não ser militarmente eficaz. Mas certamente não é politicamente eficaz.
O grupo governante de Israel é um grupo de mafiosos corruptos que há anos dão espetáculo com o seu cinismo e oportunismo. Agora encontram-se perante uma situação que nem sequer imaginavam e que ultrapassa os seus poderes de compreensão política.
Israel perdeu a cabeça. Tudo no comportamento dos israelenses mostra que está ocorrendo uma crise psicótica, que irá prejudicar gravemente os palestinos, mas também irá prejudicar gravemente os israelitas.
Do ponto de vista ético, Israel há muito se esqueceu, desde o início da sua existência, que o outro tem a mesma humanidade que você, tem a mesma sensibilidade que você e, naturalmente, tem os mesmos direitos que você.
Mas também do ponto de vista político, os israelenses estão tomando medidas que se revelarão terrivelmente contraproducentes para eles.
Li as declarações dos políticos e soldados que governam Israel: falam de animais humanos que devem ser exterminados, falam do corte de eletricidade, combustível, comida e água aos habitantes de Gaza (dois milhões e meio). Eles não apenas falam sobre isso, mas fazem.
Como eles podem? Não há explicação ética ou política. A única explicação para seu comportamento é a psicopatia, o sofrimento psíquico, o desejo de sangue, o horror, a morte.
Portanto, é necessário explicar esta guerra em termos de psicopatogênese, como efeito da incapacidade das vítimas de curar a sua dor.
Há já algum tempo que estou convencido de que o único método cognitivo capaz de compreender a cadeia de violência que se desenvolve no Oriente Médio, e em grande parte do mundo, é o da psicanálise, o da psicopatogenealogia.
O que está acontecendo agora no Oriente Médio nada mais é do que o último elo de uma cadeia que começa com a Primeira Guerra Mundial, a derrota dos alemães e o castigo infligido ao povo alemão pelos franceses e ingleses no Congresso de Versalhes em 1919. A opressão e a humilhação levaram o povo alemão a procurar vingança: esse desejo de vingança materializou-se em Adolf Hitler. Os judeus foram a vítima escolhida, acusados sem qualquer razão de terem causado a derrota de 1918.
A perseguição e extermínio dos judeus nos anos da Segunda Guerra Mundial causou um sofrimento imenso e duradouro que buscou alívio na violência e na vingança contra um povo que nada teve a ver com o Holocausto, mas que era fraco o suficiente para se tornar vítima da vítima.
A humilhação sofrida nas mãos dos nazistas exigiu uma compensação psíquica, e esta compensação é a perseguição e o extermínio do povo palestino.
Acredito que Israel não irá se recuperar desta terrível experiência: o povo de Israel já estava irreparavelmente dividido, Netanyahu será responsabilizado pela divisão causada e pela falta de preparação que se seguiu. Mas não será suficiente, porque a direita abertamente racista de Israel está destinada a tornar-se mais forte neste tsunami de ódio.
Poderemos pensar que mesmo no caso de uma vitória militar israelense após dezenas de milhares de mortes palestinas e israelenses, a dialética política poderá continuar no Estado de Israel?
Acredito que Israel está caminhando para a desintegração. Quantos israelenses quererão ficar naquele deserto, depois do que está acontecendo e do que irá acontecer? Acredito que só permanecerá quem tem armas, só quem sabe matar e quer matar. Foi agora desencadeado um vórtice de ódio contra o Hamas, amanhã surgirá um sentimento de culpa por terem se tornado autores de um genocídio certificado.
A política não será capaz de governar ou compreender este vórtice.
Só a visão clínica pode entender, mas não acredito que possa curar. Estamos diante de uma psicose massiva com um poder de contágio muito elevado.
A primeira coisa que devemos fazer é evitar o contágio, evitar acabar como os políticos israelenses que gritam frases de bêbados para acalmar a ansiedade.
Mas também precisamos de produzir uma vacina cultural e psíquica contra o contágio, e esta tarefa que a psicanálise não conseguiu realizar no século passado é a tarefa que temos diante de nós, se não for tarde demais.