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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

22
Fev24

Gaza: Parar a "carnificina" e restaurar a força do direito internacional

Talis Andrade
2202 opiniao -  (crédito: Caio Gomez)

O governo do Brasil afirmou, em manifestação na Corte Internacional de Justiça, em Haia, na Holanda, nesta terça-feira (20), que a comunidade internacional não pode normalizar a ocupação de territórios na Palestina por Israel

 
por José Geraldo de Souza Júnior - Correio Braziliense
 
O governo do Brasil afirmou, em manifestação na Corte Internacional de Justiça, em Haia, na Holanda, nesta terça-feira (20), que a comunidade internacional não pode normalizar a ocupação de territórios na Palestina por Israel. No espaço das audiências públicas para ouvir a posição dos países-membros das Nações Unidas sobre os 56 anos de ocupação de Israel em territórios palestinos, que a CIJ realiza, a avaliação do Brasil busca interromper o curso de uma resposta unilateral de Israel que, descolada da via jurídica do direito internacional, acaba levando a uma ação não de força, mas de pura violência, "desproporcional e indiscriminada", que não expressa uma disposição de justiça e se cobre de finalidade geopolítica, neocolonial.
 

A intensidade da ação militar na região havia levado o presidente Lula a classificá-la como "genocídio", na esteira das preocupações lançadas pela CIJ, a ponto de comparar a ofensiva como equivalente àquela infringida aos judeus na Alemanha nazista. (https://www.cartacapital.com.br/mundo/mundo-nao-pode-normalizar-a-ocupacao-de-territorios-palestinos-por-israel-defende-o-brasil-em-haia/).

A manifestação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, feita durante a 37ª Cúpula da União Africana, não foi um arroubo. Só a vê assim, aqueles que, por posicionamento ou tática política de mobilização de interesses e de alianças, estão de acordo com a prepotência da intervenção de força para concretizar hegemonias de qualquer matiz, estratégica, econômica ou ideológica. No local ou no global, acaba difundido uma narrativa que esconde a intencionalidade de suas razões, deslocando a objeção que deveria se dirigir ao argumento, para desqualificar o oponente.

Note-se que a manifestação não é a de uma voz isolada. O Vaticano pela palavra do cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado, também falou de uma resposta "desproporcional" em comparação com o ataque do Hamas. É preciso "parar a carnificina". O direito à defesa, o direito de Israel de garantir a justiça para os responsáveis pelo massacre de outubro, não pode justificar essa carnificina". (https://www.ihu.unisinos.br/636611-por-tras-das-frases-do-cardeal-parolin-tem-o-consentimento-de-francisco).

A posição do presidente Lula, desde o início do conflito, mantém-se coerente e firme, na chamada à mediação pelo direito internacional, como pela possibilidade mediadora de um conjunto de países, com assento na Assembleia-Geral, mas que não têm seus interesses estratégicos envolvidos na região e no conflito, ou em sua ideologia.

Em minha participação, juntamente com Cristovam Buarque — os dois únicos sul-americanos convidados e presentes no Colóquio Internacional de Argel - Encontro de Personalidades Independentes sobre o tema "Crise du Golfe: la Derive du Droit", instalado exatamente em 28 de fevereiro de 1991, dia do cessar-fogo na chamada Primeira Guerra do Golfo, o que procuramos foi indicar, a partir da premissa de convocação do Colóquio, que a crise coloca o direito à deriva, tendo perdido o seu rumo no trânsito ideológico entre a "historicidade constitutiva dos princípios que consignam a sua força e força mesma, representada como Direito porque formalizada como norma de Direito Internacional".

Já então, uma inquietação com o emprego hegemônico de razões de fato, para que, em qualquer caso, principalmente quando há nítida disparidade entre forças, inclusive militares, que se deixem arrastar por um pretenso "direito de violência ilimitada", cuja resultante "sugere a cessação da beligerância pelo aniquilamento inexorável de toda forma de vida". Minhas razões completas estão no texto A Crise do Golfo: a Deriva do Direito, in Sousa Júnior, José Geraldo de. Sociologia Jurídica: Condições Sociais e Possibilidades Teóricas. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2002, p. 133-144).

O que urge é "restaurar a humanidade incondicional em Gaza". Essa é afirmação de um médico sem fronteiras (https://www.msf.org/unconditional-humanity-needs-be-restored-gaza). O que assistimos aqui, diz ele, em matéria que me enviou o querido amigo Alessandro Candeas, o incansável e presente diplomata brasileiro, embaixador do Brasil na Palestina: é um "bombardeamento indiscriminado [que] tem de acabar. O nível flagrante de punição coletiva que está atualmente a ser aplicado ao povo de Gaza tem de acabar". É preciso "parar a carnificina". Resgatar o humano que se perde nesse drama. E restaurar a mediação dos verdadeiramente fortes, que confiam e aplicam a força cogente (Hannah Arendt) do direito internacional e dos direitos humanos.

25
Nov23

Cessar-fogo não pode ser pausa do genocídio contínuo. É necessário cessar a ocupação israelense da Palestina

Talis Andrade
 
 

 

Cessar-fogo não pode ser o interlúdio do genocídio palestino

É necessário um cessar da ocupação israelense da Palestina. O apartheid e a ocupação são perenes há 76 anos.

Fepal — Federação Árabe Palestina do Brasil

 

O que é um “cessar-fogo temporário”?

Um intervalo no genocídio realizado por “israel” na Palestina?

Uma pausa para recarregar as baterias e seguir o extermínio de pelo menos 5,8 mil crianças – outras 3,5 mil crianças desaparecidas – e 3,2 mil mulheres?

São mais de 12,7 mil palestinos assassinados; outros 4,5 mil, desaparecidos. Mais de 30 mil feridos.

Seria talvez um break antes de fazer mais milhares de feridos e mutilados?

Ou seria, quem sabe, o interlúdio da limpeza étnica antes de tornar o restante dos 2,3 milhões de palestinos de Gaza refugiados novamente, como já são 73% deles desde 1948?

Não podemos seguir vendo e vivendo os crimes de “israel” contra a Palestina de tempo em tempo, a destruição de tempo em tempo, os cadáveres e escombros de tempo em tempo e aceitar que tudo se “resolve” com mais um cessar-fogo.

Não há o que comemorar se a matança de palestinos é quase tão sazonal quanto as estações do ano. Se o apartheid e ocupação são perenes há 76 anos.

Vamos celebrar a pausa de um genocídio continuado?

Seja em 4 dias ou daqui a um ano, vamos precisar clamar novamente por um “cessar-fogo temporário”, aguardando a próxima rodada do extermínio, que necessariamente virá, em seguida novo cessar-fogo, e assim renovar-se um ciclo vicioso que normaliza o genocídio continuado na Palestina e a metódica limpeza étnica?

Não. É necessário um cessar da ocupação israelense da Palestina e o fim de todos os crimes de guerra e de lesa-humanidade daí decorrentes.

Sem isso, a vida palestina seguirá a rotina interminável da destruição, que, depois de consumada, será interrompida por novo cessar-fogo.

“israel” obtém o sangue palestino que busca, inclusive para resolver seus problemas políticos domésticos, e um cessar-fogo, que garante sua impunidade, é louvado e aplaudido. Os crimes de “israel” é que precisam cessar, não meramente sua fúria genocida momentânea, até que venha a próxima.

Assim, é preciso dar fim a este ciclo vicioso. Novas agressões e novos e inúteis cessar-fogo só terão fim na cena Palestina quando “israel” sofrer as consequências de seus atos.

A Comunidade Internacional deve assumir suas responsabilidades e impor a “israel” total obediência às resoluções da ONU, ao Direito Internacional, bem como garantir proteção internacional ao povo palestino.

Que esse “cessar-fogo temporário” seja de alívio às necessidades urgentes do povo palestino em mais esse capítulo do genocídio e da limpeza étnica programada por “israel”.

Mas que seja também o primeiro passo para que a Comunidade Internacional comece de fato a olhar para povo palestino. Que se comece a enxergar o que é o sionismo e o que faz o sionismo.

Não há espaço para uma ideologia racista, supremacista, colonial e violenta em pleno século XXI.

Não há espaço para um genocídio em 2023. Não é mais possível conviver com o apartheid e a ocupação em nosso tempo.

17
Nov23

Apagar a Palestina

Talis Andrade
Ao final, Gaza, como o Gueto de Varsóvia, será inabitável. Mas “exterminar todos os bárbaros” vai além de Hitler e de Netanyahu. Sua origem está nas guerras coloniais que o Ocidente faz há cinco séculos, em nome de sua “civilização”

 

Por Chris Hedges para Mint Press News | Tradução: Maurício Ayer | Imagem: Hannibal Hanschke/EPA

Eu era repórter do New York Times, durante o cerco a Sarajevo. Nunca enfrentamos o nível de bombardeamento de saturação e o bloqueio quase total de alimentos, água, combustível e medicamentos que Israel impôs a Gaza. Nunca tivemos de suportar centenas de mortos e feridos por dia. Nunca enfrentamos a cumplicidade da comunidade internacional com a campanha sérvia de genocídio. Nunca suportamos a intervenção de Washington para bloquear resoluções de cessar-fogo. Nunca enfrentamos carregamentos maciços de armas dos EUA e de outros países ocidentais para sustentar o cerco. Nunca enfrentamos que notícias provenientes de Sarajevo fossem sistematicamente desacreditadas e rejeitadas pela comunidade internacional, embora 25 jornalistas tenham sido mortos na guerra pelas forças sérvias sitiantes. Nunca toleramos que os governos ocidentais justificassem o cerco como o direito dos sérvios de se defenderem, embora as forças de manutenção da paz da ONU enviadas para a Bósnia tenham sido em grande parte um gesto de relações públicas, ineficazes para travar a matança até serem forçadas a responder aos massacres que tiraram a vida de 8 mil homens e meninos bósnios em Srebrenica.

Não pretendo minimizar o horror do cerco de Sarajevo, que me dá pesadelos quase três décadas depois. Mas o que sofremos – trezentos a quatrocentos bombardeamentos por dia, quatro a cinco mortos por dia e duas dúzias de feridos por dia – é uma pequena fração da morte e destruição em massa em Gaza. O cerco israelense a Gaza assemelha-se mais ao ataque da Wehrmacht [as forças armadas alemães durante o cerco nazista] a Stalingrado, em que mais de 90% dos edifícios da cidade foram destruídos, do que a Sarajevo.

Na sexta-feira, a Faixa de Gaza teve toda a sua comunicação cortada. Ficaram sem internet. Sem serviço telefônico. Sem eletricidade. O objetivo de Israel é perpetrar o assassinato de dezenas, provavelmente centenas de milhares de palestinos e fazer a limpeza étnica daqueles que sobreviverem em campos de refugiados no Egito. Trata-se de uma tentativa de Israel de apagar não apenas o povo, mas a ideia da Palestina. É um cópia das campanhas maciças de massacre racializado levadas a cabo por outros projetos de colonização que acreditavam que a violência indiscriminada e generalizada poderia fazer desaparecer as aspirações de um povo oprimido, cujas terras roubaram. E tal como outros autores de genocídio, Israel pretende mantê-lo escondido.

A campanha de bombardeamento de Israel matou mais de 7.300 palestinos, quase metade dos quais crianças, juntamente com 26 jornalistas, profissionais de saúde, professores e funcionários das Nações Unidas. Cerca de 1,4 milhão de palestinos em Gaza foram deslocados, e cerca de 600 mil estão desabrigados. Mesquitas, 120 instalações de saúde, ambulâncias, escolas, blocos de apartamentos, supermercados, estações de tratamento de água e esgoto e centrais elétricas foram reduzidos a escombros. Hospitais e clínicas, sem combustível, medicamentos e eletricidade, foram bombardeadas ou estão fechadas. A água limpa está acabando. Gaza, no final da campanha de terra arrasada de Israel, será inabitável, uma tática que os nazistas empregavam regularmente quando enfrentavam a resistência armada, incluindo no Gueto de Varsóvia e, mais tarde, na própria Varsóvia. Quando Israel terminar, Gaza, ou pelo menos Gaza como a conhecíamos, não existirá.

Não só as táticas são as mesmas, também a retórica é igual. Os palestinos são chamados de animais, bestas e nazistas. Eles não têm o direito de existir. Seus filhos não têm o direito de existir. Eles devem ser extirpados da terra.

O extermínio daqueles cujas terras roubamos, cujos recursos saqueamos e cujo trabalho exploramos está codificado no nosso DNA. Pergunte aos nativos americanos. Pergunte aos indígenas. Pergunte aos congoleses. Pergunte aos Kikuyu no Quênia. Pergunte aos Herero na Namíbia que, tal como os Palestinos em Gaza, foram baleados e levados para campos de concentração no deserto, onde morreram de fome e doenças. Oitenta mil deles. Pergunte aos iraquianos. Pergunte aos afegãos. Pergunte aos sírios. Pergunte aos curdos. Pergunte aos líbios. Pergunte aos povos indígenas em todo o mundo. Eles sabem quem somos.

A face distorcida da invasão colonial de Israel pertence a nós. Nós fingimos ser outra coisa. Atribuímos a nós próprios virtudes e qualidades civilizatórias que são, como em Israel, justificativas frágeis para privar um povo ocupado e sitiado dos seus direitos, confiscando as suas terras e recorrendo à prisão prolongada, à tortura, à humilhação, à pobreza forçada e ao assassinato para mantê-los subjugados.

O nosso passado, incluindo o nosso passado recente no Oriente Médio, baseia-se na ideia de subjugar ou exterminar as raças “inferiores” da terra. Damos a essas raças “inferiores” nomes que personificam o mal. Estado Islâmico. Al Qaeda. Hezbolá. Hamas. Usamos insultos racistas para desumanizá-los. “Haji” “Sand Nigger” “Camel Jockey”, “Ali Baba”, “Dung Shoveler”. E então, porque eles personificam o mal, porque eles são menos que humanos, sentimos ter uma licença para – como disse Nissim Vaturi, membro do parlamento israelense pelo Likud, partido do governo – apagar “a Faixa de Gaza da face da terra”.

Naftali Bennett, ex-primeiro-ministro de Israel, em entrevista à Sky Newsem 12 de outubro, disse, “Estamos lutando contra os nazistas” – em outras palavras, contra o mal absoluto.

Para não ficar atrás, primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, numa coletiva de imprensa com o chanceler alemão Olaf Scholz, descreveu o Hamas como “os novos nazistas”.

Pense sobre isso. Um povo, preso no maior campo de concentração do mundo durante 16 anos, a quem foi negada comida, água, combustível e medicamentos. Sem exército, força aérea, marinha, unidades mecanizadas, artilharia, comando e controle e baterias de mísseis, que está sendo massacrado e submetido à fome por uma das forças militares mais avançadas do planeta – e eles são os nazistas?

Há uma analogia histórica aqui. Mas não é algo que Bennett, Netanyahu ou qualquer outro líder israelita queira reconhecer.

Quando aqueles que estão ocupados se recusam a se submeter, quando continuam a resistir, abandonamos toda a pretensão da nossa missão “civilizadora” e desencadeamos, como em Gaza, uma orgia de massacre e destruição. Ficamos bêbados de violência. Essa violência nos deixa loucos. Matamos com ferocidade sem limites. Tornamo-nos as feras que acusamos os oprimidos de serem. Expomos a mentira da nossa alardeada superioridade moral. Expomos a verdade fundamental sobre a civilização ocidental: somos os assassinos mais implacáveis ​​e eficientes do planeta. Só por isso dominamos os “miseráveis ​​da terra”. Não tem nada a ver com democracia ou liberdade. Estes são direitos que nunca pretendemos conceder aos oprimidos.

“Honra, justiça, compaixão e liberdade são ideias que não têm adeptos”, lembra-nos Joseph Conrad, autor de No coração das trevas. “Só existem pessoas, sem conhecimento, compreensão ou sentimentos, que se intoxicam com palavras, repetem palavras, gritam-nas, imaginando que acreditam nelas sem acreditar em mais nada senão no lucro, na vantagem pessoal e na própria satisfação.”

O genocídio está no cerne do imperialismo ocidental. Não é exclusivo de Israel. Não é exclusivo dos nazistas. É o alicerce da dominação ocidental. Os partidários do “intervencionismo humanitário” que insistem que devemos bombardear e ocupar outras nações porque somos a encarnação da bondade – embora promovam a intervenção militar apenas quando esta é percebida como sendo do nosso interesse nacional – são idiotas úteis da máquina de guerra e do imperialismo global. Eles vivem em um conto de fadas de Alice no País das Maravilhas, onde os rios de sangue que geramos tornam o mundo um lugar melhor e mais feliz. Eles são os rostos sorridentes do genocídio. Você pode assisti-los em suas telas. Você pode ouvi-los proclamar sua pseudomoralidade na Casa Branca e no Congresso. Eles estão sempre errados. E eles nunca vão embora.

Talvez sejamos enganados pelas nossas próprias mentiras, mas a maior parte do mundo nos vê – a nós e a Israel – com clareza. Eles entendem nossas tendências genocidas, classificam a hipocrisia e a justiça própria. Eles veem que os palestinos – em grande parte sem amigos, sem poder, forçados a viver em campos de refugiados miseráveis ​​ou na diáspora, privados da sua pátria e eternamente perseguidos – sofrem o tipo de destino outrora reservado aos judeus. Esta, talvez, seja a ironia trágica final. Aqueles que anteriormente necessitaram de proteção contra o genocídio, agora, cometem-no.

12
Nov23

Os palestinos nos livros didáticos de Israel

Talis Andrade
Ilustração: Doaa Eladl
 
 
Por Jair de Souza

A esta altura, passados mais de 30 dias do início de um massacre sem paralelos na história, os mais de 2.300.000 palestinos habitantes da Faixa de Gaza estão submetidos a um cerco total, estando privados do acesso a água, alimentos e eletricidade. E, como bonificação especial, quase todos os seus edifícios residenciais, seus hospitais e suas escolas vêm sendo implacavelmente arrasadas por intensos bombardeios das forças militares de Israel.

No entanto, apesar das monstruosas cenas de horror que conseguem furar o bloqueio comunicacional das autoridades israelenses e chegam ao conhecimento público, boa parte da população israelense não demonstra estar muito sensibilizada diante deste imenso quadro de dor e sofrimento.

O que poderia explicar tamanha indiferença, tamanha falta de empatia com o drama sofrido por toda essa gente desamparada? A resposta, em boa medida, é dada pelo resultado de uma pesquisa conduzida por Nurit Peled-Elhanan, uma pesquisadora israelense da Universidade Hebraica de Jerusalém.

É interessante observar que a motivação inicial de seu trabalho se deu em função de um terrível golpe por ela sofrido quando perdeu a própria filha, vítima de um atentado suicida cometido por um palestino. Uma síntese de sua pesquisa está no vídeo deste link:https://youtu.be/GCcV7AtYgwo

Neste documentário, Nurit Peled-Elhanan fala de sua pesquisa relacionada com o conteúdo dos livros didáticos de Israel. Ela expõe em detalhes como estes livros são elaborados com o objetivo de desumanizar o povo palestino e fomentar nos jovens estudantes israelenses a base de preconceitos que lhes permitirá atuar de forma cruel e insensível com o mesmo durante o serviço militar.

Conforme explica Nurit Peled-Elhanan, as construções de mundo feitas a partir dos livros didáticos, por serem as primeiras a se sedimentarem na mente das crianças, são muito difíceis de serem erradicadas. Daí a importância que o establishment israelense dedica à ideologia a ser transmitida nos livros didáticos. Neles, os palestinos nunca são apresentados como seres humanos comuns. Nunca aparecem em condições que possam ser consideradas normais.

Segundo Nurit Peled-Elhanan, não há nesses livros nem sequer uma fotografia de um palestino que mostre seu rosto. Eles são sempre apresentados como constituindo uma ameaça para os judeus.

Foi por entender o grande valor desta mensagem que, já em 2012, me dispus a traduzir ao português o vídeo-documentário e produzir as respectivas legendas. Nosso objetivo era e é possibilitar que um maior número de pessoas venham a entender as técnicas de desumanização utilizadas para viabilizar a aprovação, a aceitação ou a indiferença em relação àqueles grupos humanos que são escolhidos como alvos para extermínio.

Considero um dever moral de todos os que se sentem vinculados à humanidade dedicar os esforços possíveis para impedir que este genocídio venha a se consumar. Neste momento, as palavras do saudoso reverendo evangélico Desmond Tutu se tornam mais válidas do que nunca: “Aquele que se mostra indiferente em uma situação em que a opressão é evidente está tomando o lado do opressor”.

Não pode restar nenhuma dúvida para ninguém sobre quem são os opressores e quem são as vítimas no atual conflito entre o Estado de Israel e o Povo Palestino.

Israel quer arrastar o Brasil para a guerra

 
 

Embaixador de Israel afronta Lula

 
 
11
Nov23

O silêncio dos indecentes

Talis Andrade
Imagem: IA

 

por Hildegard Angel, no Instagram e jornal GGM

Expressiva essa foto, não? Comovente, triste. Pois se trata de Inteligência Artificial. Até a IA se manifesta, mostra serviço nessa hora em que Gaza clama ao mundo por socorro. Já a Inteligência Natural brasileira está impávida, muda.

Onde estão as organizações médicas brasileiras, nossas entidades e associações humanitárias, que não protestam, que não se manifestam em cartas abertas nos jornais, que não dão entrevistas se posicionando contra esse genocidio, esse holocausto em tempo real nas redes sociais?

Onde estão as organizações e lideranças católicas? A Pastoral, a Cúria, a CNBB? O único padre que vimos se manifestar foi o caridoso Júlio Lancelotti. Será que dom Helder Câmara e dom Paulo Evaristo Arns vão precisar ressuscitar para a comunidade católica brasileira ouvir uma voz que pregue a mensagem do palestino Jesus Cristo?

As seitas neopentecostais milionárias badaladas na mídia parece que apoiam o massacre de crianças, mulheres grávidas e pessoas inocentes. São extremistas de direita, neofascistas, neonazistas. Os demais sacerdotes evangélicos nada falam, a não ser alguns poucos, como o pastor Henrique Vieira, que eu tenha visto.

10
Nov23

Ataque antissemita contra duas escolas judaicas no Canadá deixa marcas de tiros em portas

Talis Andrade

A Polícia de Montreal, no Canadá, divulgou nesta quinta-feira (9) que tiros foram disparados contra duas escolas judaicas em Montreal na noite de quarta-feira (8). Buracos de bala foram encontrados nas portas das duas escolas, os tiros foram disparados no meio da noite, quando os prédios estavam vazios, e ninguém ficou ferido, disseram as autoridades.

Policiais investigam os tiros disparados contra duas escolas judaicas em Montreal, no Canadá. Na imagem, a escola Yeshiva Gedolah, em 9 de novembro de 2023.
Policiais investigam os tiros disparados contra duas escolas judaicas em Montreal, no Canadá. Na imagem, a escola Yeshiva Gedolah, em 9 de novembro de 2023. AP - Ryan Remiorz
 
 

"Quero ser muito claro, condenamos essa violência antissemita nos termos mais fortes", reagiu o primeiro-ministro Justin Trudeau, depois de falar sobre um aumento "aterrorizante" do antissemitismo e da islamofobia, tendo como pano de fundo o conflito entre Israel e o Hamas.

O primeiro-ministro do Quebec, François Legault, emitiu "um apelo de calma a todos" os habitantes da província, condenando o ato, bem como um confronto violento que ocorreu na quarta-feira em uma universidade de Montreal.

Dois grupos de estudantes que se dizem pró-israelenses e pró-palestinos entraram em conflito na Universidade Concordia, ferindo três pessoas, de acordo com a universidade e a polícia, que tiveram que intervir. Um indivíduo foi preso por agressão.

Suásticas e incitação ao ódio publicadas on-line também foram relatadas pela universidade, que disse ter havido "um aumento preocupante nos atos de intimidação" nos últimos dias.

François Legault também "convocou a polícia" para tentar acalmar o clima social e não descartou a possibilidade de proibir reuniões realizadas em conexão com a guerra no Oriente Médio.

No início desta semana, a polícia de Montreal disse que havia iniciado uma investigação depois que coquetéis molotov foram lançados em uma sinagoga da cidade.

Essas ações fazem parte de um ressurgimento de atos antissemitas registrados, principalmente na Europa, desde o início da guerra entre Israel e o Hamas, em 7 de outubro.

(Com informações da AFP)

08
Nov23

Palestinos relatam cheiro de morte, cirurgias sem anestesia e valas comuns após um mês de bombardeios de Israel contra Gaza

Talis Andrade
 
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07
Nov23

Gaza está se tornando "cemitério para crianças", diz secretário-geral da ONU

Talis Andrade
Um padre realiza uma cerimônia na véspera de Natal enquanto as pessoas rezam em frente a uma parede decorada com cores vivas que retrata cenas cristãs dentro da Igreja Católica da Sagrada Família, na cidade de Gaza, em 24 de dezembro de 2018

ANADOLU AGENCY / GETTY IMAGES.  Fiéis participam de missa de Natal na Igreja Católica da Sagrada Família, na cidade de Gaza, em 24 de dezembro de 2018

 

O brutal impacto do conflito entre Israel e Hamas nas crianças de Gaza

Netanyahu vai parar o massacre dos inocentes antes do Natal, dia que os cristãos festejam o nascimento do Messias? De Jesus?

Com imagens pertubadoras, BBC News publica reportagem que informa:

Crianças da Faixa de Gaza têm sido as principais vítimas do conflito entre Israel e o grupo palestino Hamas.

As crianças são cerca de 40% do total de mortos no território. Leia aqui 

Reportagem de Dalia Haidar, no BBC Newz, apresenta "Quem são os cristãos de Gaza, agora abrigados em duas igrejas, uma delas já bombardeada. Leia aqui 

 

 

Netanyahu o rei Herodes e a matança

dos pequenos inocentes

Antes do Natal 

 

Por Oussama El Ghaouri - Rádio Nacional - Brasília

O secretário-geral das Nações Unidas, Antônio Guterres, disse nesta segunda-feira (6) que a Faixa de Gaza está se tornando um cemitério para crianças.

A madrugada foi de fortes bombardeios em Gaza. O território passou a noite sem internet. Mas os poucos relatos que chegaram são de que foi o ataque mais intenso desde o início da guerra.

Na manhã desta segunda-feira, sobreviventes procuravam por mortos e feridos nos escombros no campo de refugiados de Maghazi. O hospital Al-Shifa, o maior da Faixa de Gaza também foi atingido. Segundo um funcionário das Nações Unidas, 200 pessoas morreram na noite de domingo no ataque ao hospital.

O Al-Shifa abriga no momento cerca de 50 mil civis que foram desalojados. Israel ordenou a evacuação do local. Mas a população diz que não tem pra onde ir.

O exército de Israel anunciou que concluiu o cerco à cidade de Gaza, no norte. E que dividiu a Faixa de Gaza em duas. Há agora apenas um corredor que separa o norte do sul do território. Por ele, civis podem ir em direção ao sul. O lado norte é onde os ataques estão mais intensos. Mas o sul também não é seguro. A cidade de Khan Younis, onde estão muitos dos que aguardam para sair de Gaza, também foi atingida hoje.

Segundo o Ministério da Saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, mais de 10 mil civis foram mortos desde o início do conflito. Israel e os Estados Unidos contestam os números. Mas a Organização Mundial de Saúde diz que é provável que ele seja real. Hoje o secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, voltou a pedir cessar- fogo. Ele afirmou que as operações terrestres das Forças de Defesa de Israel atingem civis, hospitais, campos de refugiados, igrejas e instalações da ONU - incluindo abrigos. E que Gaza se tornou um cemitério para crianças.

Guterres também criticou o Hamas e disse que o grupo usa civis como escudo e segue lançando foguetes contra Israel.

Herodes, o Grande, e a matança dos pequenos inocentes: quem é grande e quem é pequeno?

 

Aleteia Brasil

“Mas ele não consegue matar Jesus”

Na juventude, ele matou Malic, o homem que tinha envenenado o seu pai. Ele prendeu o próprio irmão, Fasael, que, levado pelo desespero, acabou se suicidando. Ele matou a própria esposa, Mariamne I, e, alguns anos mais tarde, matou também os dois filhos que tinha tido com ela, Alexandre e Aristóbulo. Cinco dias antes de morrer, ele ainda mandou executar mais um filho, Antípatro, nascido de Dóris, que tinha sido outra das suas esposas.

Ele mandou construir obras à altura do que considerava a sua “grandeza”. Dedicou dez anos à reconstrução do Templo de Jerusalém, aquele mesmo templo a respeito do qual, certa vez, disseram fascinados os discípulos de Cristo: “Olha, Mestre, que pedras e que construções!” (Mc 13,1). Mas nenhuma pedra restou sobre pedra quando o templo, feito por mãos humanas, foi destruído na guerra judaica de 67-70 d.C.

E não foi só o templo ao Deus dos judeus que ele mandou construir. Ele também ordenou a edificação de templos pagãos, inclusive em honra do “divino Augusto”, o imperador romano. Ele fez em Jerusalém um teatro e um anfiteatro. Depois de reformar a fortaleza dos macabeus, ele mudou seu nome para Fortaleza Antônia, em bajulação ao seu protetor romano, Marco Antônio. Ele mandou edificar um magnífico palácio real ao noroeste da cidade. Ele revitalizou a cidade de Samaria, que rebatizou como Sebaste em bajulação a Augusto – porque Sebastos é o termo original grego para o latinizado Augustus. Ele mandou construir o palácio-fortaleza Haerodium, ao sul de Belém. Ele fez levantar Cesareia Marítima, a nova capital, na costa do Mar Mediterrâneo.

Ele se sentava ao trono de uma corte pagã que em muito sobrepujava todas as outras do Oriente em podridão e obscenidade.

Ele queria ser um dos “grandes” da história.

E a história, sempre disposta a bajular de alguma forma os humanamente poderosos, lhe concedeu o título tão obsessivamente desejado.

 

Ele é Herodes, o Grande.

Mas Herodes, o Grande, ficou, certo dia, profundamente perturbado (cf. Mt 2,3).

É que alguns magos lhe tinham anunciado que havia nascido o “Rei dos judeus”. E a suposta “grandeza” de Herodes, daquele momento em diante, se apequenou ainda mais até ficar do tamanho de uma única e determinante preocupação: “Quem era esse que poderia derrubá-lo do trono?”.

O grito de alarme latejava em sua mente doentia e fez a sua desumanidade conceber mais um monstro: se o “Rei dos judeus” tinha nascido havia pouco tempo, não poderia ter mais de um ano de idade. Talvez um ano e meio. Como identificá-lo? Não precisava identificá-lo. Bastava destruí-lo, quem quer que fosse. Bastava exterminar todas as crianças de até dois anos de idade.

E Herodes, o Grande, o fez.

***

Passou-se o tempo.

Depois de seis meses de uma enfermidade cruel e devastadora, imune às “grandezas” dos homens e acompanhada por um cortejo de vermes que já em vida lhe corroíam o corpo, morre em Jericó o rei Herodes, o Grande.

Flávio Josefo, o célebre historiador daqueles tempos, relata que o funeral do “grande” rei foi do máximo esplendor: seu cadáver, apodrecido em todos os sentidos, jazia sobre uma liteira de ouro, cravejada de pérolas e pedras preciosas de várias cores, recoberta de um manto púrpura; também o morto vestia púrpura e uma tiara à qual se sobrepunha uma coroa de ouro; à sua direita jazia o cetro.

Mas os seis meses de agonia dolorosa não tinham acendido na alma cruel daquele rei nenhuma centelha de consciência. Longe disso: Herodes, o Grande, ainda maquinou sua barbaridade derradeira e deu ordens à irmã, Salomé, para prender todos os nobres do reino em Jericó para serem executados no mesmo instante em que ele morresse.

Segundo Flávio Josefo, Herodes teria dito a Salomé: “Sei que os judeus festejarão a minha morte. No entanto, ainda posso ser chorado por outras razões e ter um funeral esplêndido se vós seguirdes minhas orientações. Esses homens que estão presos, quando eu expirar, matai-os todos, depois de rodeá-los de soldados, para que todos na Judeia e todas as famílias, mesmo não querendo, derramem lágrimas por mim”.

Salomé, felizmente, desobedeceu e libertou os prisioneiros após a morte do “Grande” irmão.

A tragédia arquitetada pelos “Grandes” da história, porém, nunca terminou. De “Grande” em “Grande”, a chacina dos inocentes continua até o nosso tempo, muito embora também prossigam as grandiosas construções voltadas a aumentar a aparência de grandeza da nossa civilização e do seu poderio material. Entre as faraônicas e mirabolantes obras que a grandeza humana não cessa de incrementar, permanece vivo Herodes, o Grande, na violência, na corrupção, na promiscuidade, no assassinato, na guerra, na exploração, na fome e, muito significativamente, no extermínio voluntário e implacável dos pequenos inocentes. Herodes vive.

 

Mas ele não consegue matar Jesus.

Não consegue porque, hoje como ontem, mesmo no meio da mais densa das noites, Deus sempre manda anjos a milhares de Josés que ainda ouvem seus conselhos e se dispõem, com prontidão, a renunciar a tudo a fim de salvar a vida dos pequenos e inocentes.

Josés sonhadores, talvez, aos olhos dos homens. Mas muito despertos aos olhos de Deus.

06
Nov23

O genocídio palestino e as palavras que matam

Talis Andrade
Foto: ANAS BABA (AFP)

 

Os bárbaros decapitam bebês e estupram mulheres, diz o Ocidente. A verdade não importa: “se não fizeram, um dia farão”, afinal, não se assassina apenas corpos. Leviandade é arma de guerra para que a voz do colonizado seja grunhidos ininteligíveis

06
Nov23

Bifo Berardi: A psicopatia de Israel

Talis Andrade
Ataque israelense em Jabalia, maior campo de refugiados palestinos em Gaza, terça-feira (31/10) Foto: Majdi Fathi

 

Barbárie sofrida pelos judeus nas mãos dos nazistas exigiu compensação psíquica, diz pensador. Tornaram-se, então, carcereiros e genocidas do povo palestino. Agora, pagam o preço: espiral de ódio, cisão em seu próprio país e guerra sem fim

 

Por Franco “Bifo” Berardi, no CTXT | Tradução: Rôney Rodrigues

“Os excessos cometidos em nome do dever de recordar são de tal magnitude que apelaríamos de bom grado, tanto por razões de bom senso como de civilidade, ao dever de esquecer. Pensemos um pouco no infeliz herói de Borges, Funes, o memorioso, que justamente não conseguia esquecer nada e que, portanto, vivia um inferno, incapaz de organizar o caos que ecoava em sua pobre cabeça. O mesmo acontece com um grupo humano: ao não querer esquecer, correm o risco de confundir o presente que vivem com um presente falso, alucinatório, que parasita o primeiro em nome das ofensas não reparadas do passado.
Daniel Lichtenberg: Figuras de Israel , 1997

O documentário Born in Gaza de Hernán Zin pode ser encontrado na Netflix e na Filmin. Se me permitem, recomendo a todos que assistam: conta a história de dez crianças entre seis e quatorze anos, durante a guerra de 2014, uma das muitas guerras que Israel desencadeou contra os palestinos e os palestinos desencadearam contra Israel.

Estas crianças falam dos bombardeios, das feridas que receberam, do terror que experimentam todos os dias, da fome que sofrem; dizem que a vida que vivem não é vida, que morrer seria melhor. É provável que estas pessoas, que eram crianças em 2014, sejam agora militantes do Hamas e tenham participado na orgia de terror de 7 de outubro.

Se eu estivesse no seu lugar em vez de ser eu, um velho intelectual que vive confortavelmente na sua casa numa cidade italiana onde neste momento não há bombardeios, se eu fosse um daqueles que foram crianças sob as bombas de 2014, hoje eu seria um terrorista que só quer matar um israelense. Eu ficaria horrorizado?

É claro que ficaria horrorizado, mas o meu pacifismo silencioso é simplesmente um privilégio de que desfruto porque não passei a minha infância em Gaza, ou em lugares como Gaza.

Portanto, acredito que Israel só tem uma forma de erradicar o Hamas: matar todos os palestinos que vivem em Gaza, nos territórios ocupados e também em outros lugares: todos, todos, todos, especialmente as crianças.

Afinal, é isso que eles estão fazendo, certo? Chama-se genocídio, mas é completamente racional.

Os governos europeus, muito racionais, apoiam o genocídio; Macron disse que gostaria de participar no genocídio com uma coligação.

Scholz disse que desde que a Alemanha cometeu genocídio no passado, agora tem o dever de apoiar aqueles que cometem genocídio hoje.

Será esta a única forma de erradicar o terrorismo?

Talvez houvesse outra forma de erradicá-lo: paz incondicional, renúncia à vitória, amizade, deserção, aliança entre as vítimas: as vítimas de Hitler e as vítimas de Herodes-Netanyahu.

Mas as vítimas, ao que parece, apenas aspiram a tornar-se algozes, e muitas vezes conseguem. Portanto, a espiral não irá parar e não sabemos qual vórtice ela pretende alimentar.

Há algo de monstruoso nas mentes dos palestinos que viveram em terror. E há algo igualmente monstruoso nas mentes dos israelitas.

Mas como julgar o comportamento dos povos, como julgar as explosões de violência que se multiplicam na vida coletiva?

Podemos julgar o comportamento dos militantes do Hamas ou dos israelenses em termos éticos ou políticos?

A razão ética está fora do jogo, porque a ética está totalmente apagada do panorama coletivo do nosso tempo.

A ética é a valorização da ação do ponto de vista do bem do outro como continuação de si mesmo. Mas nas condições de guerra generalizada em que se move a sociedade contemporânea, o outro é apenas o inimigo: este é o efeito da infecção liberal-competitiva e da infecção nacionalista: a defesa do território físico e imaginário significa guerra.

A ética está morta assim como a piedade está morta. Não pode haver ética no comportamento dos jovens que cresceram na prisão de Gaza, porque as suas mentes não podem considerar o outro (o soldado israelense que espera por você com uma arma em punho em cada encruzilhada), exceto como um carcereiro, um torturador, um inimigo, mortal. Cada fragmento (pessoas, grupo étnico, máfia, organização, partido, família, indivíduo) luta desesperadamente pela sua própria sobrevivência, como lobos lutando contra lobos.

Tal como a razão ética, a razão política deixa de ser relevante numa situação em que a decisão estratégica é substituída por microdecisões de sobrevivência imediata.

Israel reage à violência brutal do Hamas de uma forma que pode ou não ser militarmente eficaz. Mas certamente não é politicamente eficaz.

O grupo governante de Israel é um grupo de mafiosos corruptos que há anos dão espetáculo com o seu cinismo e oportunismo. Agora encontram-se perante uma situação que nem sequer imaginavam e que ultrapassa os seus poderes de compreensão política.

Israel perdeu a cabeça. Tudo no comportamento dos israelenses mostra que está ocorrendo uma crise psicótica, que irá prejudicar gravemente os palestinos, mas também irá prejudicar gravemente os israelitas.

Do ponto de vista ético, Israel há muito se esqueceu, desde o início da sua existência, que o outro tem a mesma humanidade que você, tem a mesma sensibilidade que você e, naturalmente, tem os mesmos direitos que você.

Mas também do ponto de vista político, os israelenses estão tomando medidas que se revelarão terrivelmente contraproducentes para eles.

Li as declarações dos políticos e soldados que governam Israel: falam de animais humanos que devem ser exterminados, falam do corte de eletricidade, combustível, comida e água aos habitantes de Gaza (dois milhões e meio). Eles não apenas falam sobre isso, mas fazem.

Como eles podem? Não há explicação ética ou política. A única explicação para seu comportamento é a psicopatia, o sofrimento psíquico, o desejo de sangue, o horror, a morte.

Portanto, é necessário explicar esta guerra em termos de psicopatogênese, como efeito da incapacidade das vítimas de curar a sua dor.

Há já algum tempo que estou convencido de que o único método cognitivo capaz de compreender a cadeia de violência que se desenvolve no Oriente Médio, e em grande parte do mundo, é o da psicanálise, o da psicopatogenealogia.

O que está acontecendo agora no Oriente Médio nada mais é do que o último elo de uma cadeia que começa com a Primeira Guerra Mundial, a derrota dos alemães e o castigo infligido ao povo alemão pelos franceses e ingleses no Congresso de Versalhes em 1919. A opressão e a humilhação levaram o povo alemão a procurar vingança: esse desejo de vingança materializou-se em Adolf Hitler. Os judeus foram a vítima escolhida, acusados sem qualquer razão de terem causado a derrota de 1918.

A perseguição e extermínio dos judeus nos anos da Segunda Guerra Mundial causou um sofrimento imenso e duradouro que buscou alívio na violência e na vingança contra um povo que nada teve a ver com o Holocausto, mas que era fraco o suficiente para se tornar vítima da vítima.

A humilhação sofrida nas mãos dos nazistas exigiu uma compensação psíquica, e esta compensação é a perseguição e o extermínio do povo palestino.

Acredito que Israel não irá se recuperar desta terrível experiência: o povo de Israel já estava irreparavelmente dividido, Netanyahu será responsabilizado pela divisão causada e pela falta de preparação que se seguiu. Mas não será suficiente, porque a direita abertamente racista de Israel está destinada a tornar-se mais forte neste tsunami de ódio.

Poderemos pensar que mesmo no caso de uma vitória militar israelense após dezenas de milhares de mortes palestinas e israelenses, a dialética política poderá continuar no Estado de Israel?

Acredito que Israel está caminhando para a desintegração. Quantos israelenses quererão ficar naquele deserto, depois do que está acontecendo e do que irá acontecer? Acredito que só permanecerá quem tem armas, só quem sabe matar e quer matar. Foi agora desencadeado um vórtice de ódio contra o Hamas, amanhã surgirá um sentimento de culpa por terem se tornado autores de um genocídio certificado.

A política não será capaz de governar ou compreender este vórtice.

Só a visão clínica pode entender, mas não acredito que possa curar. Estamos diante de uma psicose massiva com um poder de contágio muito elevado.

A primeira coisa que devemos fazer é evitar o contágio, evitar acabar como os políticos israelenses que gritam frases de bêbados para acalmar a ansiedade.

Mas também precisamos de produzir uma vacina cultural e psíquica contra o contágio, e esta tarefa que a psicanálise não conseguiu realizar no século passado é a tarefa que temos diante de nós, se não for tarde demais.

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