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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

15
Mai21

Uma CPI em defesa dos que se foram

Talis Andrade

Charge - Subnotificação coronavirus brasil - Blog do Gilmar - UOL

 

País segue no caminho da barbárie
Investigação honra vítimas da covid
Legislativo retoma espaço que é seu
CPI deve embasar o impeachment

Todos somos iguais na capacidade para o erro e para o sofrimento. Só não passa quem não sente; e os mais altos, os mais nobres, os mais previdentes, são os que vem a passar e a sofrer mais do que previam e do que desdenhavam. É a isto que se chama Vida!
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego.

O Brasil é um país onde não se pode sofrer em paz. Quando nos entregamos a dor das quase 430 mil mortes pela pandemia, na vã ilusão de que nada mais pode nos tirar do sério, ainda nos deparamos com uma chacina que vitimou 28 pessoas na favela do Jacarezinho, no Rio de Janeiro. Não é possível organizar minimamente nossa cabeça para enfrentar a realidade brasileira. A realidade supera sempre qualquer hipótese de fantasiar a vida.Polícia Mata 13 no Alemão e Realiza Operações em Várias Favelas do Rio, em  Meio à Pandemia - RioOnWatch

aqui e acolá, gritos de socorros são emitidos em uma linguagem sensorial que interessa a quem quer entender. E vinho. E mais poesias.

No meio das diversas tentativas de encontrar caminhos que nos mantenham na estrada, decidimos que acompanhar a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Pandemia é uma porta que tem que ser mantida aberta para que possamos tentar contribuir para sair do abismo, que parece ser, neste momento, o leito natural do Brasil. E aí, é necessário reconhecer: o país se supera. Recorro-me ao eterno Mia Couto, no poema Estrada de Terra na Minha Terra:

“Na minha terra
Há uma estrada tão larga
Que vai de uma berma a outra.
Feita tão de terra
Que parece que não foi construída
Simplesmente descoberta.

Estrada tão comprida
Que um homem
Pode caminhar sozinho nela.

É uma estrada
Por onde não se vai nem se volta
Uma estrada
Feita apenas para desaparecermos.”

Alguns senadores, ainda na ânsia indômita de agradar ao poder, continuam defendendo a cloroquina, com exemplos bizarros e infantis. Seria até cômico, mas é criminoso. Uma deputada estranha invade o Senado e pronuncia impropérios desconexos, provavelmente para alguma gravação de propaganda e o mais dramático é o nível dos depoimentos dos agentes públicos. Felizmente, não os depoimentos técnicos, mas os políticos são de fazer corar os santos de igreja.

A impressão que resta é que, como vivem em um mundo irreal onde os 430 mil mortos são números e não pessoas, onde a falta de vacina é uma criação da esquerda, onde a necessidade de isolamento social e do uso de máscara são uma criação comunista, eles podem mentir, podem omitir. O papel ridículo que fazem não lhes atinge, pois desconhecem a força do sentir-se ridículo.Charge - Brasil atinge marca de 100 mil mortos por Covid-19

E fora do âmbito da CPI, o país segue sua sina rumo ao precipício e à barbárie. A discussão sobre a chacina leva, cada vez mais, à hipótese de execução sumária com mortes planejadas. O espectro da milícia ronda de maneira macabra. E a operação, dita como exceção, é agora alvo de investigação de uma força-tarefa criada pelo MP (Ministério Público) para apurar os abusos. Vale lembrar de Manuel Bandeira, no poema Noturno do Morro do Encanto:

Este fundo de hotel é um fim do mundo!
Aqui é o silêncio que tem voz.

Ouço o tempo, segundo por segundo,
Urdir a lenta eternidade.

Falta a morte chegar….
Ela me espia,
Neste instante talvez,
Mal suspeitando
Que já morri quando o que eu fui morria.”

O governo Bolsonaro continua como se estivesse num parque de diversões: presidente passeia de moto aglomerando sem máscara, realiza live imitando uma pessoa com falta de ar em cena constrangedora que demonstra absoluta falta de empatia ou solidariedade, faz críticas ao seu ex-ministro da Saúde, chamando-o de canalha em clara jogada de marketing eleitoral.

Porém, o mais grave é a notícia de que acabou o IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo) chinês no Brasil, o que significa que as vacinas deixarão de ser fabricadas. A imputação, gravíssima, é que as críticas do governo brasileiro à China fizeram com que o país revidasse. O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), expressamente imputou a falta dos insumos ao mal-estar diplomático causado pelas agressões do governo ao país fornecedor.

Na prática, o país não precisaria de uma CPI para investigar a responsabilidade criminal e os inúmeros crimes de responsabilidade por parte do presidente da República e sua equipe. É cruel e sádico que os crimes continuem sendo cometidos mesmo durante as investigações, em claro acinte ao Senado, ao Congresso e, principalmente, ao povo brasileiro. Mas a CPI é instrumento necessário para que a investigação se dê cercada de todos os direitos e garantias constitucionais. É assim que se opera em um Estado Democrático de Direito.

Essa poderosa força de investigação e de fiscalização dos atos do Executivo tem poderes inerentes ao Judiciário e ampla liberdade para apurar e propor mudanças legislativas. É chegada a hora do Legislativo voltar a ocupar o espaço que é dele em um regime democrático. A excessiva criminalização do poder político, fenômeno que está na base da ascensão do proselitismo fascista de extrema direita, debilitou as bases de um Congresso altivo e independente.

Com o debacle e o desnudamento do grupo fascista que assumiu o vácuo de poder, é chegada a hora do resgate da independência do Legislativo. Uma CPI bem trabalhada, levada a efeito com seriedade e dignidade, que seja técnica e minuciosa no enfrentamento dos crimes cometidos pelos agentes públicos, inclusive, pelo presidente da República, deverá resgatar a autoestima do congressista que se orgulha da política e que sabe o espaço que ela ocupa na manutenção do equilíbrio democrático.

Para tanto, é necessário que todos nós acompanhemos e participemos. E é hora de encontrarmos mecanismos de cobrar das autoridades constituídas. Um relatório bem fundamentado por todas as provas que estão até agora evidenciadas, e as que surgirão inexoravelmente, tem que cumprir o duplo papel: dar o pontapé para o impeachment e servir de sustentáculo para a formalização de uma acusação criminal.

Cabe a nós criar mecanismos jurídicos e legislativos para que o presidente da Câmara apresente ao plenário da Casa o pedido de impeachment e para o procurador-geral da República cumpra seu papel constitucional ao apresentar ao Supremo Tribunal Federal uma fundamentada denúncia.

Não é pouca coisa, mas é o que merecem os milhões de amigos, pais, filhos, primos, enfim, todos os que sofreram e choraram as dores infinitas das perdas de quase 430 mil brasileiros. E é uma doce homenagem aos que se foram, vencidos pelo vírus, mas também pela incompetência, pela irresponsabilidade, pela falta de seriedade e pelo uso político do vírus. Banditismo mesmo. Devemos isso a nós, mas, principalmente, devemos a eles. No ensinamento do velho Li Po, na tradução de Cecília Meirelles:

No momento em que se afastava da praia
O barco que me conduzia,
eu ouvi-eu, Li Po- uma canção de dilacerante doçura.

O mar já tinha mil pés de profundidade,
Mas o afeto que te fez cantar por mim,
Wang- Luen,
era ainda mais profundo.”

15
Mai21

Ação da polícia na comunidade do Jacarezinho

Talis Andrade

Campanha 'Vacina Pra Favela, Já!' Lançada no Dia de Enfrentamento da  Covid-19 nas Favelas - RioOnWatch

 

Raquel Rolnik entende que existe uma ambiguidade nos territórios populares em relação à cidade. Esses locais são legais ou ilegais? Não existe uma resposta, justamente por causa dessa ambiguidade, que possibilita ações de força por parte do Estado

Por Sandra Capomaccio

No último dia 6 de maio, a comunidade do Jacarezinho, no Rio de Janeiro,  foi invadida por forças policiais civis, que executaram 27 pessoas sob a justificativa de “guerra às drogas”. No local, de controle do Comando Vermelho (CV), crianças estariam sendo recrutadas, o que justificaria uma exceção à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) das favelas, que tramita no STF (Superior Tribunal Federal) e tem medida cautelar que suspende ações policiais no Rio de Janeiro durante a pandemia.

Nas cidades latino-americanas, desde os anos 1990, políticas urbanísticas e de segurança pública constituem verdadeiros perímetros de intervenção excepcionalizada nas cidades.

São demarcações territoriais e aparatos cultural-midiáticos, construiu-se um entrelaçamento entre drogas, raça e território, delimitando – em áreas populares, em regiões centrais, favelas e comunidades e/ou nas quebradas e periferias – as fronteiras que separam o legal do ilegal, do ponto de vista urbanístico, mas também do ponto de vista moral. A territorialização do comércio e do consumo de drogas  no local opera no sentido de conferir sentido a projetos urbanos de “revitalização”, ou seja, de não reconhecimento da existência de vidas ali. “É absolutamente viável superar esse muro e integrar esses espaços em uma cidade diversa e heterogênea, que abrigue as diversas formas de morar”, avalia a professora Raquel Rolnik.

Parem o genocídio do povo preto e pobre! Punição aos responsáveis pela  chacina de Jacarezinho/RJ - Fenasps

14
Mai21

Governador do RJ pode responder por crimes na operação policial que matou 28 pessoas

Talis Andrade

Investigação da PGR avança sobre linha sucessória de Witzel no RJ | VEJA

por Sérgio Rodas

O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC), pode responder por crime de desobediência à liminar do Supremo Tribunal Federal que restringiu operações policiais durante a epidemia de Covid-19 a casos "absolutamente excepcionais". Porém, apenas se ficar provado que ele soube previamente da ação na favela do Jacarezinho, que deixou 28 mortos, e nada fez para impedir sua deflagração. Castro pode até responder por homicídio, mas se com a demonstração de que ele sabia que os agentes de segurança visavam matar moradores da comunidade.

O Movimento Nacional de Direitos Humanos pediu, nesta segunda-feira (10/5), que o Superior Tribunal de Justiça instaure ação penal contra Cláudio Castro por ter desobedecido a decisão do STF.

Em 5 de junho de 2020, o ministro Edson Fachin concedeu liminar para limitar, enquanto durar a epidemia de Covid-19, as operações policiais em favelas do Rio a casos "absolutamente excepcionais", devendo ser informadas e acompanhadas pelo Ministério Público. A decisão foi confirmada pelo Plenário do STF em agosto.

De acordo com criminalistas ouvidos pela ConJur, o governador só responde pelo crime de desobediência ("desobedecer a ordem legal de funcionário público", previsto no artigo 330 do Código Penal) se houver comprovação de que teve conhecimento da operação antes de ela acontecer, sabia que ela desrespeitava a decisão do Supremo e não agiu para barrar a investida.

O professor da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap) Alberto Zacharias Toron lembra que Luiz Antônio Fleury Filho, governador de São Paulo em 1992, à época do massacre do Carandiru, não foi responsabilizado pelas mortes dos 111 presos.

"Se o governador soube a posteriori da operação, se ele não se envolveu na preparação, se isso ficou no âmbito do secretário de Polícia Civil, dos chefes da Polícia Civil, essas serão as pessoas responsabilizadas. Obviamente que Cláudio Castro pode ser investigado para saber o que aconteceu. Mas ele não pode ser diretamente responsabilizado sem ter se envolvido na operação", disse Toron.

De forma semelhante, o governador do Rio também pode responder pelos 27 homicídios de moradores do Jacarezinho (um dos mortos era policial), avalia o professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Breno Melaragno Costa. Mas só ficar constatado que ele tinha ciência de que os agentes de segurança tinham a intenção de assassinar as pessoas da favela.

"Se ficar comprovado que a Polícia Civil, antes da operação, já havia decidido entrar para matar, sem ser em legítima defesa, e, além disso, se o governador sabia disso e nada fez, aí sim, pela teoria do domínio do fato, ele teria responsabilidade pelos homicídios."

Crime de responsabilidade
Além disso, Castro pode responder a processo de impeachment se houver prova de que ele soube previamente da operação policial e não agiu para evita-la, aponta o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Davi Tangerino.

O artigo 12 da Lei 1.079/1950 estabelece que são crimes de responsabilidade contra o cumprimento das decisões judiciárias impedir, por qualquer meio, o efeito dos atos, mandados ou decisões do Poder Judiciário; recusar o cumprimento das decisões do Poder Judiciário no que depender do exercício das funções do Poder Executivo; deixar de atender a requisição de intervenção federal do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal Superior Eleitoral; e impedir ou frustrar pagamento determinado por sentença judiciária.Parem de nos matar! Tomar as ruas contra a política assassina de Witzel –  CST-PSOL

Cláudio Castro, sucessor e herdeiro da política higienista de Witzel

 

O antecessor de Cláudio Castro, Wilson Witzel (PSC), foi destituído do cargo ao ser condenado, em 30 de abril, pela prática de crimes de responsabilidade. Além disso, o Tribunal Especial Misto (TEM), composto por deputados estaduais e desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio, condenou o ex-juiz federal à inabilitação para exercer funções públicas por cinco anos.  

Todos os dez integrantes do TEM votaram pela condenação de Witzel por crimes de responsabilidade em fraudes na compra de equipamentos e celebração de contratos durante a epidemia de coronavírus.

Os deputados e desembargadores concluíram que Witzel cometeu atos ilícitos ao promover, em março de 2020, a requalificação da organização social (OS) Unir Saúde para firmar contratos com o estado e ao contratar a OS Iabas para construir e administrar sete hospitais de campanha anunciados pelo governo no início da epidemia de Covid-19.

Para os julgadores, o ex-governador cometeu os crimes de responsabilidade de atentar contra a Constituição Federal, especialmente contra a probidade na administração (artigo 4º, V, da Lei 1.079/1950), e de proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo (artigo 9º, 7, da Lei 1.079/1950).

11
Mai21

Operação Exceptis é padrão, não exceção

Talis Andrade

 

consciencia de classe vaccari.jpg

 

Polícia do Rio não sabe e não quer atuar dentro da legalidade

 

Por Carolina Ricardo, Felippe Angeli e Theo Dias do Instituto Sou da Paz /Folha de S.Paulo

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​O país, traumatizado pelo luto que enfrenta pela morte de mais de 400 mil brasileiros para uma doença para a qual já existe vacina, foi violentado em mais um episódio intolerável.

Foram 25 mortos numa operação desastrosa realizada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro. Não há ação policial com este resultado que possa ser considerada razoável. A polícia é instituição fundamental numa democracia. Seus poderes, incluindo o de uso da força letal, devem estar orientados à proteção de direitos. O policial fora da lei não conta com o respeito e a confiança dos cidadãos. Polícia violenta e corrupta é polícia ineficiente e fator de insegurança social.

Um policial foi morto. Outros 24 cidadãos foram mortos. Civis foram feridos por disparos de armas cuja utilização só seria legítima em situação de guerra, o que mostra um cenário de conflito bélico entre Estado e sociedade. Ainda que, por hipótese, entre os mortos houvesse suspeitos de crimes, a polícia não tem poder legal para julgar e decretar a pena de morte.

A polícia fluminense batizou a operação letal de “Exceptis”. Trata-se de clara provocação à decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, que proibiu operações de confronto bélico em comunidades cariocas durante a pandemia (ADPF das favelas).

No Rio de Janeiro são porosas as fronteiras que deveriam separar o crime do combate ao crime, o que torna o papel do STF ainda mais relevante. No entanto, não há instituições comprometidas com o cumprimento dessa decisão. O Ministério Público se omite e não fiscaliza efetivamente a realização das operações. Não há Secretaria de Segurança capaz de coordenar as ações policiais. A Polícia Civil age como polícia ostensiva militarizada, fazendo operações desastrosas como essa.

E não há um governador disposto a controlar o uso da força policial, investindo numa política de segurança baseada em planejamento, inteligência e prevenção. A existência de armas de alto poder de fogo nas mãos do tráfico é reflexo de uma política que não privilegia o planejamento e a inteligência para lidar com o tráfico de armas.

Mortes em operações policiais, infelizmente, são rotina nas cidades brasileiras. No Rio de Janeiro, em cinco anos, foram cem crianças, quase todas negras, mortas a bala em favelas, muitas delas enquanto brincavam ou estavam na escola.

A letalidade policial tem sido a tônica da segurança pública do Rio de Janeiro. Só em 2020, 1.239 pessoas foram mortas pela polícia no Rio, uma média de três por dia. Um dado surreal, num ano de pandemia e com período de efetiva suspensão das operações pela medida do STF, momento em que houve também a drástica queda nesse número, que voltou a subir com a retomada das operações.

Esperamos que Ministério Público, Judiciário e o governo do estado do Rio de Janeiro tomem as medidas cabíveis para apurar os fatos, responsabilizar os autores e, sobretudo, para evitar que massacres como esse ocorram novamente.

A “Operação Exceptis” reflete um padrão de atuação da polícia carioca. A decisão do STF na ADPF das favelas nunca se mostrou tão necessária. A polícia carioca não sabe e não quer atuar dentro da legalidade.

jacarezinho rio de sangue.jpg

 

11
Mai21

Chacina em Jacarezinho: um rio de sangue corta o Rio de Janeiro

Talis Andrade

jacarezinho por thiago.jpgA chacina de Jacarezinho aconteceu no dia seguinte à agenda que reuniu o governador, o comandante do Gabinete de Segurança InstitucionalMarcelo Bertolucci e o presidente Jair Bolsonaro.

"O Rio de Janeiro vive uma crise civilizatória que, há muito, decretou o fracasso do nosso modelo de sociedade", escrevem Bernardo Cotrim, jornalista, e Noemi Andrade, diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRJ e da CUT-RJ, em artigo publicado por Rede Brasil Atual:

A favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro, amanheceu ao som de helicópteros e tiros. A restrição explícita que vigora desde junho de 2020, quando o STF suspendeu operações policiais em favelas (salvo hipóteses absolutamente excepcionais, e com obrigação de comunicar o Ministério Público), foi aparentemente driblada pela Polícia Civil, já que a comunicação ao Ministério Público do Rio de Janeiro aconteceu horas depois do início da ação. A Operação Exceptis, que investiga o aliciamento de crianças e adolescentes para ações criminosas, mobilizou enorme contingente policial para a favela. O saldo da barbárie é, até agora, de 25 mortes na chacina do Jacarezinho, configurando a mais sangrenta operação policial já realizada no estado. Entre as vítimas fatais, um policial e “vinte e quatro suspeitos”. A polícia, no entanto, não informou as identidades nem as circunstâncias em que foram mortos.

Os relatos dos moradores e as cenas que circulam pela rede falam por si: dois passageiros foram atingidos no metrô, na altura da estação de Triagem; uma gestante, com parto marcado, foi impedida de sair de casa; uma noiva perdeu o próprio casamento. Em frente a unidade básica de saúde de Manguinhos, uma fila de pessoas que aguardava a vacinação contra covid-19 correu a procura de abrigo depois que a unidade de saúde teve a abertura inviabilizada pela operação.

Famílias inteiras trancadas em casa, intoxicadas pelo gás das bombas atiradas pela polícia, enquanto um rio de sangue corria pela favela. Mortos com marcas de tiros nas costas, um salão de beleza destruído pela polícia na perseguição e execução de um suspeito. Uma pessoa já baleada deitada no chão, sem oferecer risco, foi assassinada com mais quatro tiros. No registro mais impactante, o corpo de uma vítima foi colocado sentado em uma cadeira com o dedo na boca. Barbárie.

Na entrevista coletiva, realizada ao final da operação, faltou explicação nas declarações do delegado Oliveira, que é subsecretário operacional da Polícia Civil, mas sobraram autoelogios e verborragia ideológica reacionária, com a complacência grotesca dos presentes. “Não estamos comemorando, mas tiramos vários criminosos de circulação”; “a polícia sempre se fará presente para defender a sociedade de bem”; “o ativismo judicial prejudica a ação policial e fortalece o tráfico”; “a Polícia Civil não irá se furtar a garantir o direito de ir e vir da sociedade de bem” foram algumas das pérolas proferidas pelo comandante da Polícia Civil, entremeadas com críticas aos “pseudoespecialistas em segurança pública” e bravatas diversas contra “ativistas e ONGs”, chegando ao cúmulo de responsabilizar estes setores pela morte do policial civil na operação.

A entrevista foi encerrada abruptamente com um seco “o combinado não sai caro” proferido pelo delegado no momento em que acabaram as perguntas dos repórteres de programas sensacionalistas e jornalistas de outros veículos se preparavam para apresentar suas questões.

A falência da política de guerra às drogas não é novidade. Em vigor no estado há décadas, sem interrupção, não há sinal de enfraquecimento do poder do tráfico. Assusta, no entanto, a banalidade da violência: uma operação contra a cooptação de crianças e adolescentes pelo tráfico, organizada para cumprir 21 mandados de prisão, invadiu a favela com blindados e helicópteros e deixou um rastro de 25 mortos. Mandados cumpridos? Apenas seis. Mas, na opinião da Polícia Civil, a operação foi “um sucesso”, e lamenta-se apenas a morte do policial. O restante, “24 vagabundos”, são vidas descartáveis, em um conceito elástico que incorpora cada vez parcelas maiores da juventude negra e favelada nos seus limites.

O relatório final da CPI realizada no Senado, em 2016, atesta o massacre de jovens negros em curso no Brasil. Segundo o texto, “a quantidade de jovens mortos no Brasil é um problema social que demanda a adoção de providências urgentes, profundas e multidimensionais. Além disso, também se concluiu que o Estado brasileiro precisa se debruçar mais atentamente sobre o racismo existente de maneira estrutural nas políticas públicas de modo geral. Se nada for feito, nossos jovens, sobretudo a nossa juventude negra, continuarão sendo mortos precocemente, deixando famílias desprovidas de seus filhos e o Brasil privado de toda uma geração de crianças e adolescentes”.

De lá pra cá, o problema se agravou. A ascensão da extrema direita, com a vitória de Bolsonaro para a presidência, e de Wilson Witzel para governador do Rio de Janeiro, endossou a barbárie e promoveu, na prática, uma licença para matar: Em 2019, foram 1.814 mortos pela polícia fluminense; destes, 86% são negros.

alta de mortes continuou durante a pandemia, motivando a proibição de operações policiais pelo STF. Mesmo assim, em outubro de 2020, houve um aumento de 415% de mortes, obrigando o Supremo a cobrar explicações do governador em exercício (com o afastamento de Witzel), Claudio Castro.

Agora governador em definitivo, com a conclusão do impeachment de WitzelClaudio Castro mostra seu cartão de visitas. A operação no Jacarezinho aconteceu no dia seguinte à agenda que reuniu o governador, o comandante do Gabinete de Segurança InstitucionalMarcelo Bertolucci e o presidente Jair Bolsonaro. O alinhamento absoluto entre governador e presidente promete novos atos de delinquência. E a ação de hoje, que registra o maior número de mortos em uma única operação no RJ, poderá durar pouco tempo no topo do ranking da morte.

Rio de Janeiro vive uma crise civilizatória que, há muito, decretou o fracasso do nosso modelo de sociedade. Escolher entre a vida e a morte tornou-se um imperativo, ou o ciclo de violência continuará alimentando o tráfico, as milícias e aqueles que lucram com os corpos empilhados, ao passo em que uma parcela expressiva da população, não obstante a convivência forçada com a negação de direitos, engrossa a macabra estatística da negação da vida.

 

10
Mai21

Chacina: a "excepcional" operação exceptis... uma ironia com o STF?

Talis Andrade

Humor Político – Rir pra não chorar | Página: 32

 

por Lenio Luiz Streck

O subtítulo deste artigo poderia ser "No Brasil, alimentam o crocodilo com a firme convicção de que serão comidos por último".

Um pequeno resumo: Em 2020 o Supremo Tribunal emitiu ordem que limita, enquanto durar a epidemia de Covid-19, as operações policiais em favelas do Rio a casos "absolutamente excepcionais", sob pena de responsabilização civil e criminal em caso de descumprimento da ordem. Repito: sob pena de...!

Na decisão também consta que as ações devem ser justificadas pela autoridade competente e imediatamente comunicadas ao Ministério Público, responsável pelo controle externo da atividade policial. Repito: responsável pelo controle...!

O STF também impôs restrições adicionais para operações policiais em comunidades do Rio. Os ministros limitaram o uso de helicópteros, determinaram a preservação das cenas dos crimes e proibiram o uso de escolas e unidades de saúde como bases operacionais das polícias militar e civil. Repito: STF impôs restrições...!

E o que aconteceu? Uma chacina. Um desrespeito calculado. Chapado. Planejado. Segundo o governador do Rio, uma "operação de inteligência" (sic). Bom, se isso é inteligência, há que se rever o conceito de "inteligência". Urgentemente.

Não havia excepcionalidade, mataram a rodo, nem se sabe o nome da maioria dos mortos e não preservaram o local do crime. Dos 21 mandados de prisão, cumpriram 3. E, por efeitos colaterais (sic), mataram dezenas. Fora o resto que ainda não se sabe. Há vídeos que mostram execuções. Repito: execuções...!

Qual é o busílis? Simples. Qual é o grau de responsabilidade do Ministério Público? Como ele foi comunicado? Quando? E o que fez? O MP sabia?

O governador sabia da operação. Ele mesmo confessa que ficou acompanhando a operação. Desde a manhã do fatídico dia.

O Ministério Público alega que recebeu a informação sobre a operação as 9h, depois que a operação já estava em andamento. A ver. Porém, e a "questão do controle externo" e decisão do STF acerca da excepcionalidade e das restrições? Isso não devia estar no âmbito do "controle externo"?

Se levarmos o direito e a democracia a sério, as autoridades envolvidas poderão ser responsabilizadas — civil e criminalmente — consoante consta na decisão do STF. Responsabilidade chapada, para usar a palavra eternizada pelo ministro Sepúlveda Pertence.

Detalhe importante que mostra um elevado grau de conspiração na ação. Explico: o alto comando da polícia deixou claro que era contra a decisão do STF, chamando-a de ativista.

Esses elementos todos dão uma tempestade perfeita. O Procurador-Geral da República deve agir imediatamente.

Uma chapada desobediência de uma decisão do Supremo Tribunal é causa, além de crime comum e de responsabilidade, de intervenção federal.

O Ministério Publico corre o risco de sair chamuscado desse episódio. Para dizer o mínimo. Ele faz algum controle da atividade policial? Eis a questão. 

Afinal, se a polícia não obedece nem ordem do STF, por qual razão cumpriria alguma determinação que trate de controle externo? Aliás, nem o Governador obedece ao STF.

Chegamos a um ponto delicado. Vejamos:

  1. Polícia desafia a autoridade do STF.

  2. Governador acompanhou de seu gabinete a operação. Portanto, sabia.

  3. Ação policial provoca 27 mortos.

  4. 24 corpos foram retirados sem realização de pericia, o que viola uma série de dispositivos legais e a decisão do STF.

  5. Polícia justifica a operação e critica ordem da Suprema Corte.

  6. Governador elogia uma operação que descumpriu ordem do STF.

  7. Vice-Presidente da República coloca, excluído o policial, todas os mortos no "mesmo saco", sem antes procurar saber de quem se trata. E usa linguagem militar, para falar em "narco-guerrilhas". Por que não falou das milícias, que dominam, segundo pesquisas críveis, 60% das comunidades cariocas?

  8. Além de tudo, a operação foi batizada de "exceptis", como uma extrema ironia à decisão do STF, como se brincassem de "nominalistas". Faltava só terem batizado a operação de "O Nome da Rosa", se entendem minha meta-ironia.

A quebra da legalidade da constitucionalidade é coisa muito grave. Parece que há um conjunto de autoridades, incentivados por autoridades do poder executivo federal, incentivando o caos. Há mais coisas escondidas nesse episódio. Como em um palimpsesto, basta descascar o fenômeno.

Perigoso isso para a democracia. Fomentar o caos para depois surfar na onda pode ser tentador para setores saudosos de golpes e autoritarismo.

Só que essas pessoas têm de ser avisadas do contexto. O Brasil de hoje não é o de 1964 e nem de 1968 ou 1969 ou de 1977, ano em que Geisel fechou o Congresso. E há que se perguntar ao General Braga Neto qual é a cobra que voltará a fumar.

Eis um bom momento de o Procurador-geral da República jogar pesado. Delimitar território. Traçar uma linha e cuspir no chão. E o STF, por óbvio, também. É de pequeno que se torce o pepino. Só espero que esse pepino já não esteja crescidinho demais.

Post scriptum: A teoria do crocodilo bonzinho

Uma coisa, todavia, que temo é o fato de que, em nosso país, muita gente que deveria se levantar e dizer certas coisas teima em apostar na tese de que, se alimentar o crocodilo, poderá ser comido por último.morobox Instagram posts - Gramho.com

 

09
Mai21

A chacina do Jacarezinho e o recrudescimento da conjuntura fascistizante

Talis Andrade

poe Daniel Samam

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A polícia civil, através da Delegacia de proteção à criança e ao adolescente, afirmou que lançou a operação que resultou na chacina de 28 pessoas e 1 policial civil morto após receber denúncias de que traficantes do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, estariam aliciando crianças e adolescentes para a prática de ações criminosas. Em nota, o governador Cláudio Castro, disse que a ação foi bem sucedida e se baseou em "inteligência". 

Vamos aos dados: dos 21 mandados de prisão expedidos, foram cumpridos apenas 3. A apreensão de armas foi pífia, apenas 6 fuzis. 2 pessoas foram baleadas dentro do metrô. 1 policial civil e 28 moradores mortos, sendo que muitos tratados como suspeitos e sob fortes denúncias de tortura e execução. Onde houve inteligência nisso? 

Não há como classificar esta operação como correta e muito menos como bem sucedida. Além do mais, não tem essa da tese do confronto. Vejam, em que confronto morrem 28 de um lado e 1 de outro? Nada justifica a execução de 28 pessoas pelas forças de segurança do Estado. Nem justifica a morte de um policial sequer, mesmo que fosse para prender o criminoso mais perigoso do país.

Sobre a coletiva de imprensa após a operação, impressionou o tom brutal e provocativo da fala do delegado Rodrigo Oliveira, subsecretário operacional da Polícia Civil. Ataque aos moradores, ataque ao STF, ataque as entidades de Direitos Humanos. O delegado falando em ativismo judicial e ideologia que impedem o trabalho da polícia trata-se de conteúdo bolsonarista em estado bruto. 

E vou além, a chacina do Jacarezinho tem componentes políticos dos mais violentos desde o assassinato de Marielle Franco. Recados foram dados no próprio título da operação "Exceptis", "Exceção" em latim, mas também nas declarações do delegado à imprensa. Em suma, matar e deixar morrer são elementos centrais do projeto político à frente do país. 

Bom lembrar que o recém empossado governador era vice de Wilson Witzel, além de apoiado e apoiador de Bolsonaro. Essa chacina reforça que a política de "mirar na cabecinha" segue firme. No mais, há uma coesão ideológica do discurso bolsonarista entranhado na sociedade e nas instituições. Basta ver os discursos de senadores da base governista na CPI da Covid no Senado, a argumentação da juíza que declarou nulas as medidas restritivas da Prefeitura do Rio, o delegado da Civil em coletiva sobre a chacina atacando as entidades de Direitos Humanos e o STF, além de cidadãos comuns que destilam ódio sem a menor vergonha e constrangimento. 

Tem outro dado importante em toda essa desgraça. Trata-se do avanço das milícias, fato central na estratégia bolsonarista. O Jacarezinho é dominado pela facção criminosa Comando Vermelho (CV). Derrotar o CV é decisivo para o avanço das milícias, que já atuam em aliança com o principal rival do CV, o Terceiro Comando Puro (TCP), também conhecido por "complexo de Israel". Há dois anos, a PM protagonizava a chacina nas favelas do Fallet e Fogueteiro, comandada pelo CV, com 15 mortes, que tentavam tomar o controle da venda de drogas no vizinho Morro da Coroa, de domínio do TCP, já apontava para essa ofensiva das forças de segurança do Estado contra o Comando Vermelho, abrindo caminho para o TCP e para as Milícias. Pois bem, a troco de quê? 

Recentemente, em entrevista aos camaradas do "Lado B do Rio", o deputado federal Marcelo Freixo afirmou que a disputa no Rio é contra o crime. E ele tá corretíssimo. Quando falamos em repactuar a democracia no Estado do Rio, não se trata apenas do combate ao domínio territorial por milícias e narcotráfico. Trata-se sobretudo de reformar por completo a lógica da atuação policial no Estado. 

As eleições de 2022, a presidencial e a de governo do Estado do Rio, não serão entre esquerda e direita. Sobretudo no Rio, serão entre a restauração da civilização ou a instauração definitiva da barbárie. 

É inadmissível em uma sociedade que se pretende civilizada tolerar e não responder à altura o que aconteceu no Jacarezinho. Lá, os indícios da insubordinação das polícias e o recrudescimento da conjuntura fascistizante foram mais que evidentes.

Zansky

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