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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

22
Fev24

Gaza: Parar a "carnificina" e restaurar a força do direito internacional

Talis Andrade
2202 opiniao -  (crédito: Caio Gomez)

O governo do Brasil afirmou, em manifestação na Corte Internacional de Justiça, em Haia, na Holanda, nesta terça-feira (20), que a comunidade internacional não pode normalizar a ocupação de territórios na Palestina por Israel

 
por José Geraldo de Souza Júnior - Correio Braziliense
 
O governo do Brasil afirmou, em manifestação na Corte Internacional de Justiça, em Haia, na Holanda, nesta terça-feira (20), que a comunidade internacional não pode normalizar a ocupação de territórios na Palestina por Israel. No espaço das audiências públicas para ouvir a posição dos países-membros das Nações Unidas sobre os 56 anos de ocupação de Israel em territórios palestinos, que a CIJ realiza, a avaliação do Brasil busca interromper o curso de uma resposta unilateral de Israel que, descolada da via jurídica do direito internacional, acaba levando a uma ação não de força, mas de pura violência, "desproporcional e indiscriminada", que não expressa uma disposição de justiça e se cobre de finalidade geopolítica, neocolonial.
 

A intensidade da ação militar na região havia levado o presidente Lula a classificá-la como "genocídio", na esteira das preocupações lançadas pela CIJ, a ponto de comparar a ofensiva como equivalente àquela infringida aos judeus na Alemanha nazista. (https://www.cartacapital.com.br/mundo/mundo-nao-pode-normalizar-a-ocupacao-de-territorios-palestinos-por-israel-defende-o-brasil-em-haia/).

A manifestação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, feita durante a 37ª Cúpula da União Africana, não foi um arroubo. Só a vê assim, aqueles que, por posicionamento ou tática política de mobilização de interesses e de alianças, estão de acordo com a prepotência da intervenção de força para concretizar hegemonias de qualquer matiz, estratégica, econômica ou ideológica. No local ou no global, acaba difundido uma narrativa que esconde a intencionalidade de suas razões, deslocando a objeção que deveria se dirigir ao argumento, para desqualificar o oponente.

Note-se que a manifestação não é a de uma voz isolada. O Vaticano pela palavra do cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado, também falou de uma resposta "desproporcional" em comparação com o ataque do Hamas. É preciso "parar a carnificina". O direito à defesa, o direito de Israel de garantir a justiça para os responsáveis pelo massacre de outubro, não pode justificar essa carnificina". (https://www.ihu.unisinos.br/636611-por-tras-das-frases-do-cardeal-parolin-tem-o-consentimento-de-francisco).

A posição do presidente Lula, desde o início do conflito, mantém-se coerente e firme, na chamada à mediação pelo direito internacional, como pela possibilidade mediadora de um conjunto de países, com assento na Assembleia-Geral, mas que não têm seus interesses estratégicos envolvidos na região e no conflito, ou em sua ideologia.

Em minha participação, juntamente com Cristovam Buarque — os dois únicos sul-americanos convidados e presentes no Colóquio Internacional de Argel - Encontro de Personalidades Independentes sobre o tema "Crise du Golfe: la Derive du Droit", instalado exatamente em 28 de fevereiro de 1991, dia do cessar-fogo na chamada Primeira Guerra do Golfo, o que procuramos foi indicar, a partir da premissa de convocação do Colóquio, que a crise coloca o direito à deriva, tendo perdido o seu rumo no trânsito ideológico entre a "historicidade constitutiva dos princípios que consignam a sua força e força mesma, representada como Direito porque formalizada como norma de Direito Internacional".

Já então, uma inquietação com o emprego hegemônico de razões de fato, para que, em qualquer caso, principalmente quando há nítida disparidade entre forças, inclusive militares, que se deixem arrastar por um pretenso "direito de violência ilimitada", cuja resultante "sugere a cessação da beligerância pelo aniquilamento inexorável de toda forma de vida". Minhas razões completas estão no texto A Crise do Golfo: a Deriva do Direito, in Sousa Júnior, José Geraldo de. Sociologia Jurídica: Condições Sociais e Possibilidades Teóricas. Porto Alegre: Sergio Fabris Editor, 2002, p. 133-144).

O que urge é "restaurar a humanidade incondicional em Gaza". Essa é afirmação de um médico sem fronteiras (https://www.msf.org/unconditional-humanity-needs-be-restored-gaza). O que assistimos aqui, diz ele, em matéria que me enviou o querido amigo Alessandro Candeas, o incansável e presente diplomata brasileiro, embaixador do Brasil na Palestina: é um "bombardeamento indiscriminado [que] tem de acabar. O nível flagrante de punição coletiva que está atualmente a ser aplicado ao povo de Gaza tem de acabar". É preciso "parar a carnificina". Resgatar o humano que se perde nesse drama. E restaurar a mediação dos verdadeiramente fortes, que confiam e aplicam a força cogente (Hannah Arendt) do direito internacional e dos direitos humanos.

25
Nov23

Cessar-fogo não pode ser pausa do genocídio contínuo. É necessário cessar a ocupação israelense da Palestina

Talis Andrade
 
 

 

Cessar-fogo não pode ser o interlúdio do genocídio palestino

É necessário um cessar da ocupação israelense da Palestina. O apartheid e a ocupação são perenes há 76 anos.

Fepal — Federação Árabe Palestina do Brasil

 

O que é um “cessar-fogo temporário”?

Um intervalo no genocídio realizado por “israel” na Palestina?

Uma pausa para recarregar as baterias e seguir o extermínio de pelo menos 5,8 mil crianças – outras 3,5 mil crianças desaparecidas – e 3,2 mil mulheres?

São mais de 12,7 mil palestinos assassinados; outros 4,5 mil, desaparecidos. Mais de 30 mil feridos.

Seria talvez um break antes de fazer mais milhares de feridos e mutilados?

Ou seria, quem sabe, o interlúdio da limpeza étnica antes de tornar o restante dos 2,3 milhões de palestinos de Gaza refugiados novamente, como já são 73% deles desde 1948?

Não podemos seguir vendo e vivendo os crimes de “israel” contra a Palestina de tempo em tempo, a destruição de tempo em tempo, os cadáveres e escombros de tempo em tempo e aceitar que tudo se “resolve” com mais um cessar-fogo.

Não há o que comemorar se a matança de palestinos é quase tão sazonal quanto as estações do ano. Se o apartheid e ocupação são perenes há 76 anos.

Vamos celebrar a pausa de um genocídio continuado?

Seja em 4 dias ou daqui a um ano, vamos precisar clamar novamente por um “cessar-fogo temporário”, aguardando a próxima rodada do extermínio, que necessariamente virá, em seguida novo cessar-fogo, e assim renovar-se um ciclo vicioso que normaliza o genocídio continuado na Palestina e a metódica limpeza étnica?

Não. É necessário um cessar da ocupação israelense da Palestina e o fim de todos os crimes de guerra e de lesa-humanidade daí decorrentes.

Sem isso, a vida palestina seguirá a rotina interminável da destruição, que, depois de consumada, será interrompida por novo cessar-fogo.

“israel” obtém o sangue palestino que busca, inclusive para resolver seus problemas políticos domésticos, e um cessar-fogo, que garante sua impunidade, é louvado e aplaudido. Os crimes de “israel” é que precisam cessar, não meramente sua fúria genocida momentânea, até que venha a próxima.

Assim, é preciso dar fim a este ciclo vicioso. Novas agressões e novos e inúteis cessar-fogo só terão fim na cena Palestina quando “israel” sofrer as consequências de seus atos.

A Comunidade Internacional deve assumir suas responsabilidades e impor a “israel” total obediência às resoluções da ONU, ao Direito Internacional, bem como garantir proteção internacional ao povo palestino.

Que esse “cessar-fogo temporário” seja de alívio às necessidades urgentes do povo palestino em mais esse capítulo do genocídio e da limpeza étnica programada por “israel”.

Mas que seja também o primeiro passo para que a Comunidade Internacional comece de fato a olhar para povo palestino. Que se comece a enxergar o que é o sionismo e o que faz o sionismo.

Não há espaço para uma ideologia racista, supremacista, colonial e violenta em pleno século XXI.

Não há espaço para um genocídio em 2023. Não é mais possível conviver com o apartheid e a ocupação em nosso tempo.

08
Nov23

O contexto da ocupação israelense

Talis Andrade
 
 
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A des-historicização do que está acontecendo ajuda Israel

a seguir políticas genocidas em Gaza.

 

por Ilan Pappe 

Tradução Pedro Paulo Zahluth Bastos

- - -

Em 24 de outubro, uma declaração do Secretário-Geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, causou uma forte reação de Israel. Ao se dirigir ao Conselho de Segurança da ONU, o chefe da ONU disse que, embora condenasse com veemência o massacre cometido pelo Hamas em 7 de outubro, queria lembrar ao mundo que ele não ocorreu em um vácuo. Ele explicou que não se pode dissociar nossa preocupação com a tragédia que ocorreu naquele dia e os 56 anos de ocupação israelense de territórios.

O governo israelense não demorou a condenar a declaração. Autoridades israelenses exigiram a renúncia de Antonio Guterres, alegando que ele apoiou o Hamas e justificou o massacre. A mídia israelense se juntou ao movimento, afirmando, entre outras coisas, que o chefe da ONU “demonstrou um grau impressionante de falência moral”.

Essa reação sugere que um novo tipo de alegação de antissemitismo pode estar surgindo. Até 7 de outubro, Israel pressionava para que a definição de antissemitismo fosse ampliada para incluir críticas ao Estado israelense e questionamentos sobre a base moral do sionismo. Agora, contextualizar e historicizar o que está acontecendo também pode provocar acusação de antissemitismo.

A des-historicização desses eventos ajuda Israel e os governos do Ocidente a adotar políticas que eles evitavam no passado devido a considerações éticas, táticas ou estratégicas.

Assim, o ataque de 7 de outubro é usado por Israel como pretexto para praticar políticas genocidas na Faixa de Gaza. É também um pretexto para os Estados Unidos tentarem reafirmar sua presença no Oriente Médio. E é um pretexto para alguns países europeus violarem e limitarem as liberdades democráticas em nome de uma nova “guerra contra o terror”.

Contudo, há vários contextos históricos para a situação atual em Israel-Palestina que não podem ser ignorados. O contexto histórico mais amplo remonta a meados do século XIX, quando o cristianismo evangélico no Ocidente transformou a ideia do “retorno dos judeus” em um imperativo religioso milenar e defendeu o estabelecimento de um Estado judeu na Palestina como parte do caminho que levaria à ressurreição dos mortos, ao retorno do Messias e ao fim dos tempos.

A teologia tornou-se política no final do século XIX e nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial por dois motivos. Em primeiro lugar, ela serviu aos interesses daqueles que, na Grã-Bretanha, desejavam desmantelar o Império otomano e incorporar parte dele ao Império britânico. Em segundo lugar, repercutiu entre os membros da aristocracia britânica, tanto judeus quanto cristãos, que se encantaram com a ideia do sionismo como uma panaceia para o problema do antissemitismo na Europa Central e Oriental, que havia produzido uma onda indesejada de imigração judaica para a Grã-Bretanha.

Quando esses dois interesses se fundiram, eles levaram o governo britânico a emitir a famosa – ou infame – Declaração de Balfour em 1917.

Os pensadores e ativistas judeus que redefiniram o judaísmo como nacionalismo esperavam que essa definição protegesse as comunidades judaicas do perigo existencial na Europa, focando na Palestina como o espaço almejado para o “renascimento da nação judaica”.

No processo, o projeto cultural e intelectual sionista transformou-se em um projeto de colonização por povoamento, cujo objetivo era judaizar a Palestina histórica, desconsiderando o fato de que ela era habitada por uma população nativa.

Por sua vez, a sociedade palestina, bastante pastoril naquela época e em seu estágio inicial de modernização e construção de uma identidade nacional, produziu seu próprio movimento anticolonial. Sua primeira ação significativa contra o projeto de colonização sionista ocorreu com a Revolta de al-Buraq, em 1929, e não cessou desde então.

Outro contexto histórico relevante para a crise atual é a limpeza étnica da Palestina em 1948, que incluiu a expulsão forçada de palestinos para a Faixa de Gaza a partir de vilarejos em cujas ruínas foram construídos alguns dos assentamentos israelenses atacados em 7 de outubro. Esses palestinos desenraizados faziam parte dos 750.000 palestinos que perderam suas casas e se converteram em refugiados.

Essa limpeza étnica foi percebida pelo mundo, mas não foi condenada. Como resultado, Israel continuou a recorrer à limpeza étnica como parte de seu esforço para garantir o controle total da Palestina histórica com o menor número possível de palestinos nativos. Isso incluiu a expulsão de 300.000 palestinos durante e após a guerra de 1967 e a expulsão de mais de 600.000 da Cisjordânia, de Jerusalém e da Faixa de Gaza desde então.

Há também o contexto da ocupação israelense da Cisjordânia e de Gaza. Nos últimos 50 anos, as forças de ocupação impuseram uma punição coletiva contínua aos palestinos nesses territórios, expondo-os à perseguição constante dos colonos e das forças de segurança israelenses, e prendendo centenas de milhares deles.

Desde a eleição do atual governo fundamentalista messiânico israelense em novembro de 2022, todas essas políticas severas atingiram níveis sem precedentes. O número de palestinos mortos, feridos e presos na Cisjordânia ocupada disparou. Ainda por cima, as políticas do governo israelense em relação aos locais sagrados cristãos e muçulmanos em Jerusalém se tornaram ainda mais agressivas.

Por fim, há também o contexto histórico do cerco de 16 anos a Gaza, onde quase metade da população é composta por crianças. Em 2018, a ONU já estava alertando que a Faixa de Gaza se tornaria um lugar impróprio para humanos até 2020.

É importante lembrar que o cerco foi imposto em resposta às eleições democráticas vencidas pelo Hamas após a retirada israelense unilateral de Gaza. Ainda mais importante é retroceder à década de 1990, quando a Faixa de Gaza foi cercada por arame farpado e desconectada da Cisjordânia ocupada e de Jerusalém Oriental após os Acordos de Oslo.

O isolamento de Gaza, a cerca ao seu redor e o aumento da judaização da Cisjordânia foram uma indicação clara de que, aos olhos dos israelenses, Oslo significava uma ocupação por outros meios, não um caminho para a paz genuína.

Israel controlava os pontos de entrada e saída do gueto de Gaza, monitorando até mesmo o tipo de alimento que entrava, às vezes limitando-o a um determinado número de calorias. O Hamas reagiu a esse cerco debilitante lançando foguetes em áreas civis de Israel.

O governo israelense alegava que esses ataques eram motivados pelo desejo ideológico do movimento de matar judeus – uma nova forma de nazismo – desconsiderando tanto o contexto da Nakba quanto o cerco desumano e bárbaro imposto a dois milhões de pessoas e a opressão de seus compatriotas em outras partes da Palestina histórica.

O Hamas, em muitos aspectos, foi o único grupo palestino que se comprometeu a retaliar ou responder a essas políticas. No entanto, a maneira como ele decidiu reagir pode levar à sua própria ruína, pelo menos na Faixa de Gaza, e também pode fornecer um pretexto para uma maior opressão do povo palestino.

A selvageria de seu ataque não pode ser justificada de forma alguma, mas isso não significa que não possa ser explicada e contextualizada. Por mais terrível que tenha sido, a má notícia é que não se trata de um evento que mude o jogo, apesar do enorme custo humano de ambos os lados. O que isso significa para o futuro?

Israel permanecerá um Estado estabelecido por um movimento de ocupação colonial, que continuará a influenciar seu DNA político e a determinar sua natureza ideológica. Isso significa que, apesar de seu autorretrato como a única democracia do Oriente Médio, ele continuará sendo uma democracia apenas para seus cidadãos judeus.

A luta interna em Israel entre o que se pode chamar de Estado da Judeia – o Estado colonizador que deseja que Israel seja mais teocrático e racista – e o Estado de Israel – que deseja manter o status quo – que movimentou Israel até 7 de outubro, entrará em erupção novamente. De fato, já há sinais de seu retorno.

Israel continuará a ser um Estado de apartheid – conforme declarado por várias organizações de direitos humanos – independentemente do desenrolar da situação em Gaza. Os palestinos não desaparecerão e continuarão sua luta pela libertação, com muitas sociedades civis a seu lado, ao mesmo tempo em que seus governos apoiam Israel e lhe concedem uma imunidade excepcional.

A saída continua a mesma: uma mudança de regime em Israel que traga direitos iguais para todos, do rio ao mar, e permita o retorno dos refugiados palestinos. Caso contrário, o ciclo de derramamento de sangue não terá fim.

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07
Nov23

O Brasil vai romper acordos com Israel?

Talis Andrade

Por Altamiro Borges

Na semana passada, mais de 40 movimentos sociais e entidades da sociedade civil encaminharam ao governo Lula um manifesto propondo que o Brasil rompa com acordos firmados recentemente com o Estado terrorista de Israel. Entre eles, estão dois projetos assinados durante as trevas de Jair Bolsonaro, que versam sobre a cooperação entre os dois países para as áreas de segurança e serviços aéreos, e um terceiro, firmado durante a gestão do golpista Michel Temer, que trata do acesso ao sistema previdenciário de residentes de ambos países. 

Os três projetos foram aprovados pela Câmara dos Deputados no início de outubro, antes do início da ofensiva israelense de genocídio do povo palestino e ainda dependem da apreciação do Senado. O manifesto contra os acordos é assinado pela articulação internacional BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Movimento Negro Unificado (MNU), entre outros. 

 

A cumplicidade com os crimes contra a humanidade

“Esses acordos aprofundam a cumplicidade do Brasil com os crimes contra a humanidade perpetrados por Israel e dão aval para que o apartheid e o genocídio continuem... Urgimos ao presidente Lula que denuncie os acordos firmados por Bolsonaro com o apartheid israelense. Dado que os crimes contra a humanidade cometidos por Israel se nutrem da cumplicidade internacional, revogar estes instrumentos é fundamental para contribuirmos de fato com a paz, os direitos humanos e o direito internacional”, enfatiza o manifesto. 

O documento defende um cessar-fogo imediato na guerra, a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza e que o Brasil e países de todo o mundo pleiteiem um embargo militar contra o Estado sionista. “Há 75 anos, Israel implementa uma política de limpeza étnica contínua, impondo um regime de apartheid a todo o povo palestino e ocupando e colonizando seu território. Não podemos aceitar que táticas e tecnologias desenvolvidas pelo apartheid israelense sigam sendo exportadas normalmente”. 



Postura pouco ousada do governo Lula

Até agora, o governo Lula tem adotado uma política externa de não confronto com os terroristas de Israel. Nos fóruns internacionais, especialmente na Organização das Nações Unidas (ONU), defendeu o cessar-fogo e a criação de corredores humanitários para a retirada de civis e envio de alimentos e medicamentos. O presidente Lula até endureceu seu discurso, afirmando que o que ocorre em Gaza “não é uma guerra, mas um genocídio”. O governo também foi exemplar nos esforços para a repatriação de brasileiros das áreas de conflito. 

Essa conduta, porém, está bem aquém de outras adotadas na própria América do Sul. Na semana passada, por exemplo, o governo boliviano, liderado por Luís Arce, foi bem mais ousado. “A Bolívia decidiu romper relações diplomáticas com o Estado de Israel em repúdio e condenação à agressiva e desproporcional ofensiva militar israelense, que está sendo levada a cabo na Faixa de Gaza”, anunciou o vice-ministro das Relações Exteriores. Já o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, retirou o embaixador em Tel Aviv. “Se Israel não parar o massacre do povo palestino, não poderemos estar lá”, disse. E até o mandatário do Chile, Gabriel Boric, tomou a mesma atitude contra “as violações inaceitáveis do Direito Internacional Humanitário que Israel cometeu em Gaza”.

A esquerda tem medo de Israel?

 
 
29
Out23

QUO VADIS, PALESTINA? Israel diz que moradores do norte de Gaza devem deixar região imediatamente

Talis Andrade

Gaza atacada por terra, mar e ar... e mídia!

 

Desde ontem (27) Israel mantém forte bombardeio sobre a Faixa de Gaza. As tropas israelenses seguem dentro do território palestino neste sábado. Desde o início da guerra em 7 de outubro, é a mais longa incursão terrestre. O número de mortos no conflito ultrapassa os 7.700 em Gaza, incluindo mais de 3.200 crianças, de acordo com o ministério da saúde palestino. Em Israel são 1.400 vítimas fatais.

Até as primeiras horas deste sábado, pelo menos 150 alvos foram bombardeados. A área norte da Faixa de Gaza está sendo bombardeada maciçamente por mísseis de Israel. Repórteres informam que foi uma das noites mais sangrenta das últimas semanas. Nenhum jornalista conseguiu adentrar à Faixa de Gaza desde ontem.

Israel vem comunicando os moradores de Gaza que abandonem imediatamente o norte da região, principalmente da Cidade de Gaza. É esperado o aumento da incursão terrestre no local. “O chão tremeu em Gaza”, afirmou Yoav Gallant, ministro da Defesa de Israel. Gallant disse que a guerra entrou em uma nova fase.

Os jornalistas que estão na fronteira de Gaza também informam através das agências internacionais de notícias que há enorme dificuldade para se obter informações e imagens desta etapa da guerra. O sinal de internet praticamente inexiste, o que também dificulta o ocorro às vítimas, pois não há como solicitar serviços de ambulância e médico. As equipes da Organização Mundial da Saúde (OMS) que atuam na Faixa de Gaza não têm mais contato com a coordenação da organização, de acordo com o chefe da OMS Tedros Adhanom.

Já o exército de Israel afirma que conseguiu matar o chefe da divisão aérea do Hamas, Asem Abu Rakaba. O Hamas informou hoje, segundo notícia da BBC, que veículos das forças israelenses que estavam na zona noroeste de Gaza foram bombardeados.

 

Trégua humanitária

A ONU aprovou ontem uma resolução que pede uma trégua humanitária imediata entre Israel e Hamas. Também exige livre acesso de ajuda a Gaza e proteção de civis.

Mais de 2 milhões de pessoas que vivem na zona de guerra tiveram o fornecimento de energia elétrica e alimentos cortados. A região toda está cercada por tropas de Israel.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou ontem a reação desproporcional de Israel aos ataques do Hamas no início do mês. Lula afirmou que o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, quer “acabar” com a Faixa de Gaza. Disse que a posição do Brasil em relação à guerra é “a mais clara possível”.

Ele classificou como “loucura” o direito de veto dos cinco países – Estados Unidos, Rússia, China, França e Inglaterra – que ocupam assento permanente no Conselho de Segurança do ONU.

“Dissemos que o ato do Hamas foi terrorista. Dissemos em alto e bom som que não é possível fazer um ataque, matar inocentes, sequestrar gente da forma que fizeram, sem medir as consequências”, disse. “Agora temos a insanidade também do primeiro-ministro de Israel, querendo acabar com a Faixa de Gaza, se esquecendo de que lá não tem só soldado do Hamas. Tem mulheres, crianças, que são as grandes vítimas dessa guerra”, disse Lula.

Leia também:

Israel corta comunicações de Gaza, enquanto intensifica ações militares

Exército de Israel provoca apagão de comunicações na Faixa de Gaza, enquanto ONU aprova resolução de paz. Antes disso, Lula conseguiu falar com brasileiros

28
Out23

Nações Unidas aprovam resolução por cessar-fogo em Gaza

Talis Andrade
Membros da Assembleia Geral das Nações Unidas votam uma resolução na 10ª Sessão Especial de Emergência sobre a situação no Território Palestino Ocupado. Foto: United Nations

 

Encabeçada pela Jordânia foi aprovada por 120 votos a favor e 14 contra

A Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou nesta sexta-feira (27/10) uma resolução liderada pela Jordânia apelando por uma “trégua humanitária imediata, duradoura e sustentada” entre o exército de Israel e os militares do grupo extremista Hamas na região de Gaza.

O texto foi aprovado por 120 votos a favor, 14 contra (entre eles Estados Unidos e Israel) e 45 abstenções, naquela que é a primeira resposta formal às hostilidades em curso na Palestina desde os ataques de 07 de outubro, após quatro reuniões sem consenso por parte do Conselho de Segurança.

A proposta exige ainda o fornecimento “contínuo, suficiente e sem entraves” de fornecimentos e serviços vitais para os civis presos dentro do enclave, uma vez que as notícias sugerem que Israel expandiu as operações terrestres e intensificou a sua campanha de bombardeamentos.

Apela também à “libertação imediata e incondicional” de todos os civis mantidos em cativeiro, bem como exige a sua segurança, bem-estar e tratamento humano, em conformidade com o direito internacional.

Uma proposta enviada pelo Canadá, que adicionava a condenação inequívoca aos ataques terroristas do Hamas em Israel a partir de 7 de outubro e o sequestro de reféns, não obteve apoio suficiente e foi rejeitada.

Na Assembleia Geral, os 193 Estados-Membros têm direito a um voto cada, e, ao contrário do Conselho de Segurança, não existem vetos.

 

Posição brasileira

Sérgio França Danese, embaixador e representante permanente do Brasil na ONU, expressou “condenação inequívoca” aos ataques terroristas hediondos do Hamas, incluindo o sequestro de reféns.

Ele também “condenou claramente” os ataques que indiscriminadamente matam e ferem civis e destroem casas na Faixa de Gaza, privando-os de ferramentas básicas para sobrevivência.

Danese saudou a sessão de emergência depois o Conselho de Segurança não aprovar nenhuma das quatro propostas de resolução sobre a crise, incluindo a proposta brasileira, que recebeu 12 votos a favor.

O país votou a favor dos dois textos apresentados na Assembleia Geral nesta sexta-feira.

O apoio dado pelos membros do Conselho à resolução “indica que se tratava de um texto equilibrado”, descreveu a resolução como “firmemente fundamentada” no direito humanitário internacional e nos direitos humanos e “fundamentalmente comprometida com o imperativo humanitário”.

28
Out23

Exército de Israel invade Gaza campo de concentração em ruínas

Talis Andrade
Ataque de Israel à Faixa de Gaza
Genocídio. Ataque de Israel à Faixa de Gaza campo de concentração a céu aberto (Foto: Reprodução/Reuters)

 

Bombardeados mais de 2 milhões de crianças, mulheres e velhos sem água, sem alimentos, sem medicamentos e sem fuga por terra, mar e ar

 

De acordo com estatísticas divulgadas nesta sexta-feira (27) pelo Ministério da Saúde da Faixa de Gaza, os bombardeios fizeram 7.326 vítimas, incluindo 3.038 menores de idade, desde 7 de outubro. Outras 18.967 pessoas ficaram feridas. Entre os israelenses, a contagem chega a 1,4 mil mortos. Nesta sexta, Assembleia da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou resolução que pede trégua humanitária em Gaza.

Vídeo: Israel corta comunicações de Gaza com o mundo e intensifica bombardeios. Enquanto isso, Assembleia geral da ONU aprova resolução de cessar-fogo, mas com votos contrários de EUA e Israel.

Vídeo: Com o voto do Brasil, sob aplausos e sem mencionar o Hamas, a Assembleia Geral da ONU aprovou por ampla maioria uma resolução que pede uma "trégua humanitária" na Faixa de Gaza.

25
Out23

Amazônia: os indígenas reagem ao mercúrio

Talis Andrade
Foto: Laycer Tomaz/Observatório Tucum

 

Os rios envenenados e o intocável tráfico de mercúrio. Metal usado pelo garimpo contamina os rios e provoca onda de enfermidades, más formações e mortes. Indígenas aliam-se a cientistas para denunciar ameaça e atuar em convenção da ONU. Eles apontam: há o espectro de uma imensa Minamata. O Banco Central compra toneladas de ouro de desconhecidos donos e origem criminosa

 

por Inês Castilho, Outras Palavras

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Alessandra Korap, 39 anos, é uma liderança Mundukuru, povo conhecido pela tradição guerreira. Em 2019 e 2021, ela teve sua casa invadida e é alvo de ameaças constantes de garimpeiros e grileiros. Ela já recebeu o Prêmio Robert F. Kennedy de Direitos Humanos e o Goldman Environmental, o “Nobel” do ambientalismo, por sua luta para impedir a mineradora inglesa Anglo American de extrair cobre na Amazônia – prêmio que Marina Silva recebeu em 1996 pelo combate ao desmatamento, ao lado de Chico Mendes.

Meu povo resiste para continuar vivo, ela costuma dizer. Em 2017, ao notar que havia algo errado com a saúde de seu povo, Alessandra e outras lideranças pediram à Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) para investigar se estavam contaminados por mercúrio, substância considerada a terceira mais tóxica à saúde humana – atrás apenas do chumbo e de radionuclídeos, como urânio e plutônio – e utilizada pelo garimpo ilegal que invade as terras ancestrais. O problema era visível: diversas crianças, adultos e idosos apresentavam distúrbios neurológicos.

Embora pouco debatido no Brasil, o problema é tão grave na Amazônia que é comparado a uma catástrofe ambiental e humana ocorrida no Japão no século passado. Entre 1932 e 1968, a indústria química Chisso, que produzia PVC, despejou volumosas quantidades de mercúrio na baía de Minamata, província de Kumamoto. Após diversas denúncias e estudos científicos, ficou enfim comprovado que o mercúrio causa deformidades, danos na visão e audição, intensa fraqueza e, em casos extremos, demência, paralisia e morte. A síndrome neurológica causada por esse envenenamento ficou conhecida como o “Mal de Minamata”, mas até ser descoberta, em 1956, a tragédia afetou cinco mil pessoas e matou 900 no país.

Pouco se sabe sobre a quantidade de mortes por envenenamento de mercúrio no Brasil. Mas um novo documentário dá algumas pistas. Amazônia, a nova Minamata?, do cineasta Jorge Bodansky, acompanha o neurologista Erik Jennings de volta às aldeias do Alto Tapajós, após as denúncias de Alessandra Korap, para apresentar o resultado dos exames em amostras de cabelo – que revelaram altos índices de mercúrio – e mostra a truculência dos garimpeiros para tentar impedi-lo de entrar no território indígena. Os resultados são chocantes: das 178 crianças indígenas com problemas neurológicos que demandavam cadeiras de rodas em 2016, quando iniciaram o filme, 50 morreram – conta Nuno Godolphim, antropólogo, roteirista e produtor do documentário. Os dados não foram atualizados, pois o Ministério da Saúde do desgoverno Bolsonaro proibiu a equipe de continuar as pesquisas, que só agora puderam ser retomadas. Além disso, no início deste ano, a Polícia Federal coletou amostras de cabelo em 14 regiões da Terra Indígena Yanomami e constatou que 77% delas apresentavam alto nível de contaminação por mercúrio. Os povos Yanomami, ao lado dos Mundukuru e dos Kaiapó, são os mais afetados pelo envenenamento.

O documentário de Bodansky deve ser lançado nos cinemas no ano que vem, em 5 de setembro de 2024, o Dia da Amazônia, e a O2 Play planeja para a ocasião um encontro entre cientistas brasileiros e japoneses em que estes relatem a catástrofe no Japão e como foi o processo de despoluição da baía de Minamata, visando troca de informações que poderão ajudar o Brasil a enfrentar o problema.

Lideranças indígenas alertam: o Brasil está produzindo uma tragédia similar à japonesa; porém, aqui ela é de dimensões amazônicas. E afiançam: é hora de dar voz aos corpos mais afetados pelo envenenamento provocado pelo garimpo: os dos indígenas.

 

Amazônia, a nova Minamata?

Há duas semanas, representantes de 30 povos indígenas brasileiros e latino-americanos, que têm seus territórios sendo contaminados por mercúrio, estiveram no Palácio Itamaraty, em Brasília, para uma reunião sobre a Convenção de Minamata. O acordo foi criado com o objetivo de limitar o uso de mercúrio, cujos danos ao meio ambiente e à saúde coletiva são mais que comprovados. O encontro, com cerca de 100 pessoas, foi preparatório para a COP-5 da Convenção, que acontecerá entre 30 de outubro e 3 de novembro em Genebra, Suíça.

Foi a primeira vez que o Secretariado da Convenção consultou os povos indígenas dos países amazônicos — Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana Francesa, Guiana, Peru e Suriname — sobre o derrame de mercúrio em seus territórios. Estiveram presentes o secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Eloy Terena, o secretário de Saúde Indígena do Ministério da Saúde (Sesai/MS), Weibe Tapeba e Alessandra Korap, a liderança dos Munduruku, protagonista do documentário de Bodansky, que foi no encontro de Brasília, visando apontar o tamanho da calamidade.

“Cada povo relatou sua experiência, seus sofrimentos, afetados pela invasão de mineradoras e garimpo”, conta Dário Kopenawa Yanomami, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, presente ao encontro. “Relatei a destruição da nossa terra, dos rios contaminados, animais e seres humanos morrendo.”

Maria Leusa Kabaiwun Munduruku também esteve em Brasília. Sua história é de resistência: em 2021, sua casa foi incendiada em um ataque de garimpeiros, em reação a uma operação da Polícia Federal contra a mineração ilegal. Ela reivindica que o próximo encontro da Convenção de Minamata seja na Amazônia, para que se possa ver a verdadeira dimensão da tragédia.

“Há uma nova Minamata aparecendo diante dos olhos do mundo”, adverte o antropólogo Nuno Godolphim, que integrou a equipe do documentário de Bodansky.

 

Convenção de Minamata sobre Mercúrio

O Acordo de Minamata foi firmado em 2013 na cidade japonesa de Kunamoto, entre 140 países, no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Em 2017, foi ratificado pelo Congresso Nacional brasileiro e passou a vigorar em 2018, ao ser promulgado pelo presidente da República. O objetivo do acordo internacional é controlar o mercado de mercúrio, reduzindo seu uso, emissão e descarga.

O Acordo é voltado principalmente ao uso industrial do metal e proibiu, a partir de 2019, a venda de termômetros e aparelhos de pressão com mercúrio; e, em 2020, a fabricação, importação e exportação de lâmpadas fluorescentes e de vapor que contenham a substância envenenadora.

Além disso, desaprova a instalação de fábricas que usem mercúrio na produção de cloro e soda cáustica, utilizados em vários produtos e no saneamento – no entanto, quatro delas ainda estão em funcionamento, continuam importando e devem ter em estoque 200 toneladas do metal. Pelos prazos estipulados pela Convenção, elas devem ser desativadas até 2025. Outro aspecto é o uso de mercúrio em amálgamas dentários, banido pela Anvisa desde janeiro de 2019 – embora a Convenção preveja a redução gradativa, sem prazos.

O maior desafio para o Brasil, no entanto, é a erradicação do uso da substância na mineração do ouro – tema também tratado no Acordo. O Projeto de Lei 5490/20 institui o Plano Nacional de Erradicação da Contaminação por Mercúrio no Brasil, prevê a adoção de um controle mais rigoroso sobre a extração, produção, importação, distribuição, comercialização, utilização e disposição final do mercúrio em território nacional, além de medidas de proteção e defesa de populações atingidas. O texto tramita na Câmara dos Deputados.

 

Peixes contaminados

Davi Kopenawa Yanomami é um xamã e importante líder político Yanomami. Preside a Hutukara Associação Yanomami, uma entidade indígena de ajuda mútua e etnodesenvolvimento. Atendendo à demanda da liderança indígena, o médico sanitarista Paulo Basta, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vem investigando a contaminação do mercúrio desde 2014.

Seu estudo, “Análise regional dos níveis de mercúrio em peixes consumidos pela população da Amazônia brasileira: um alerta em saúde pública e uma ameaça à segurança alimentar”, revela que populações de todas as classes sociais, de seis entre os nove estados da Amazônia Legal, correm risco de contaminação por mercúrio.

Entre março de 2021 e setembro de 2022, os pesquisadores do grupo “Ambiente, Diversidade e Saúde” da Fiocruz coletaram 1.010 amostras de pescados em mercados, feiras livres e direto de pescadores, em 17 cidades de seis estados amazônicos, capitais incluídas.

“Pegamos esses peixes, pesamos, medimos, fizemos uma identificação por nome popular e científico, avaliamos que posição ocupa na cadeia trófica. Extraímos amostras de tecido muscular desses pescados e as enviamos para análise dos níveis de concentração do mercúrio”, relata o sanitarista Paulo Basta em entrevista ao Observatório História e Saúde.

Os resultados revelaram que Roraima é o estado brasileiro mais afetado pela atividade do garimpo: 40% dos pescados coletados estavam com níveis de mercúrio acima do recomendado. Lá, crianças de dois a quatro anos consumiam por dia 32 vezes mais mercúrio do que é considerado seguro pela Anvisa; e mulheres em idade fértil, nove vezes mais. Acre e Rondônia vêm em segundo e terceiro lugar, seguidos de Amazonas, Pará e Amapá, respectivamente. O estudo foi realizado em parceria com a WWF Brasil, o Greenpeace, o Instituto Socioambiental, o Instituto de Pesquisas e Formação Indígena do Amapá e a Universidade Federal de Lavras (MG).

Agora, Paulo Basta e sua equipe voltam a campo para investigar se as gestantes do povo Munduruku estão contaminadas, e quais as consequências disso para seus bebês. O estudo pretende alcançar cerca de 250 gestantes e crianças, que serão acompanhadas até os dois anos, e conta com o apoio da Secretaria de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde e da Funai.

 

Hora de ações concretas

Lideranças Munduruku querem respostas – e rápidas – a essa tragédia que assola os povos indígenas. Em setembro, elas se reuniram com representantes do Ministério Público Federal (MPF) para discutir novos encaminhamentos sobre a questão do mercúrio. Um documento com as medidas foi entregue por Alessandra Korap ao Secretariado da Convenção.

Ao Ministério da Saúde (MS), o MPF pede que se manifeste sobre a declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, solicitada em abril, e que ainda não foi atendida. Também sugere ao MS que monitore a qualidade da água no território dos Munduruku e informe sobre os resultados e as providências. Questiona o Ibama e a Agência Nacional de Mineração (ANM) sobre um plano de substituição do mercúrio na mineração artesanal de ouro, conforme recomenda a Convenção de Minamata, e solicita monitoramento da contaminação por garimpo e informações sobre fiscalização ambiental para coibir a entrada ilegal de mercúrio na microrregião de Itaituba (PA).

Solicita também à Polícia Federal e à Polícia Rodoviária Federal em Santarém (PA) que informem se há combate à entrada ilegal do metal na mesma microrregião, bem como em áreas estratégicas do comércio ilegal. À Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), pede informações sobre ação que monitore a contaminação pelo garimpo, especialmente na bacia do rio e no território indígena.

O MPF pede ainda à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), à Secretaria de Estado da Saúde do Pará (Sespa), à Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), ao Hospital Regional do Baixo Amazonas (HRBA), à Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) e ao Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Guamá – Tocantins e Dsei Rio Tapajós que se manifestem sobre a possível retomada das negociações para criar um Centro de Referência para as patologias decorrentes do mercúrio. Ao Dsei Rio Tapajós, questiona também a periodicidade do controle de qualidade da água das aldeias e os encaminhamentos realizados após as análises.

Uma resposta veio do Ministério do Meio Ambiente, informando que elabora um projeto no âmbito do Pnuma/Panamá sobre o gerenciamento do mercúrio apreendido no Brasil; que foi criada a Comissão Nacional de Segurança Química, composta por 29 instituições de meio ambiente, saúde, indústria, trabalho, minas e energia, sociedade civil, associações industriais e trabalhistas, ONGs e outros; que acompanha a elaboração do Plano Nacional de Mineração pelo Ministério das Minas e Energia; e que, junto ao Centro de Tecnologia Mineral do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (CETEM/MCTI), realiza termo para monitoramento de mercúrio na Terra Indígena (TI) Yanomami e em rios da bacia Amazônica, propondo ações corretivas ou preventivas.

Os próximos passos e lutas indígenas serão decisivos.

12
Out23

O ocidente e o terrorismo na Palestina

Talis Andrade
Banksy
 

 

Sentimos horror pela violência terrorista do Hamas contra judeus. Mas o que sentimos pelo terror a que os palestinos vêm sendo submetidos?

20
Set23

Trabalhadores, Haiti, reforma da ONU: 3 sinais de que Lula e Biden tentam levar relação a novo patamar

Talis Andrade
Lula e Joe Biden

CRÉDITO, REUTERS Biden e Lula se encontraram bilateralmente durante Assembleia Geral da ONU


  • por Mariana Sanches
  • BBC News

 

Aplausos, punhos cerrados, sorrisos fartos. Estas foram as reações do presidente americano Joe Biden quando seu colega brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que os dois países vivem um momento "excepcional" e o encontro entre os dois políticos representa "o renascer de um novo tempo entre o Brasil e os Estados Unidos".

A reunião entre os dois presidentes começou às 13h27, no horário de NY, e durou cerca de uma hora.

Do lado brasileiro, além de Lula, participaram os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Marina Silva (Meio Ambiente), o assessor especial Celso Amorim, o senador Jaques Wagner (PT-BA), a embaixadora do Brasil nos EUA, Maria Luiza Viotti, e o assessor-adjunto internacional do Planalto, Audo Faleiro.

Do lado americano, estavam a secretária do Tesouro, Janet Yellen, o secretário-adjunto de Estado para o Hemisfério Ocidental, Brian Nichols, o Enviado Climático John Kerry, e a embaixadora dos EUA no Brasil, Elizabeth Bagley, entre outros.

"Essa reunião não é apenas uma reunião bilateral, há uma perspectiva conjunta de trabalho excepcional com os EUA", disse Lula.

Biden foi na mesma linha. "Nós temos a obrigação de liderar a próxima geração para um mundo melhor. A intenção de Brasil e EUA é de fazer isso juntos."

A reunião Lula e Biden, às margens da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, e o evento com sindicalistas de Brasil e Estados Unidos dos quais os dois líderes também participaram na tarde desta quarta, 20 de setembro, devem elevar a parceria entre os dois países a um "novo patamar".

Esta tem sido a interpretação de diplomatas brasileiros e americanos e de integrantes do Planalto e da Casa Branca sobre a agenda de Lula e Biden que conversaram reservadamente com a BBC News Brasil nos últimos dias em NY.

E o comportamento dos dois presidentes no início da conversa entre ambos, presenciado pela imprensa, não deixou dúvidas sobre isso.

Biden quebrou o protocolo ao estender a presença da imprensa na sala em que ambos se reuniram, acompanhados de seus ministros e secretários, por mais de 11 minutos. “Eu sei que minha equipe já está enlouquecendo, mas quero dizer mais algumas palavras”, disse um entusiasmado Biden.

O presidente americano fez questão de dizer que seu pai não tinha um diploma universitário e que costumava dizer: “Joe, um emprego é muito mais do que um contracheque. É (a condição de ter) dignidade, auto-respeito, e olhar nos olhos de seus filhos e dizer ‘querido, vai ficar tudo bem, de verdade””.

Lula não deixou passar a coincidência: lembrou que também não possui um diploma universitário, apenas técnico, e que passou 27 anos numa fábrica.

Lula tampouco poupou elogios ao colega. "Nunca vi um presidente americano falar tão bem dos trabalhadores”, disse Lula, rememorando os discursos que assistiu do democrata.

O presidente brasileiro fez questão de dizer que partiu de Biden a ideia de lançar um documento em defesa do trabalho digno em conjunto com seu colega brasileiro.

Presidente do G20 no ano que vem, o Brasil, por meio de Lula, prometeu levar o texto preparado pelos dois governos, ao bloco, para tentar angariar mais signatários.

"Obrigado, Lula, por ter vindo e por trabalharmos por um mundo melhor", disse Biden.

Segundo os dois governos, o momento atual deve servir para superar tensões acumuladas nos últimos meses com o que americanos viram como um posicionamento ambíguo - ou eventualmente até mesmo pró-China e Rússia - de Lula no tema da guerra na Ucrânia e do que brasileiros viram como baixa ambição e pouca condição do envio de fundos da Amazônia pela gestão Biden.

Lula discursa na ONU

CRÉDITO, JUSTIN LANE/EPA-EFE/REX/SHUTTERSTOCK Lula abriu sessão de debates da Assembleia Geral com discurso na terça-feira

O trabalho

Agora, os dois países pretendem manter o foco nos princípios compartilhados - como a defesa dos direitos trabalhistas e da democracia - e trabalhar juntos em temas no qual concordam e podem se apoiar mutuamente nos ambientes multilaterais.

"E essa é uma combinação perfeita, porque eu venho do mundo do trabalho e eu acho que o trabalho está muito precarizado, o salário está muito aviltado, cada vez mais os trabalhadores trabalham mais e ganham menos e essa sua ideia de a gente apresentar uma proposta que começa a ser discutida e poderá ir até o G20 é muito importante para o Brasil, é importante para os Estados Unidos e eu acho que é importante para o mundo", disse Lula, mencionando a iniciativa em favor de direitos trabalhistas e liberdade sindical que ambos lançavam.

"A sacada não está em algo escrito no documento, está no fato de que Brasil e EUA estão liderando isso juntos, que Lula e Biden construíram algo novo em conjunto", disse à BBC News Brasil um dos auxiliares de Lula com envolvimento direto no assunto.

Não está claro ainda como esta carta de princípios relativamente genéricos - como a defesa da dignidade, da diversidade e dos direitos no trabalho - será concretamente implementado em cada país.

O texto da declaração conjunta fala em "colocar os trabalhadores no centro das nossas soluções políticas".

Como antecipou a BBC News Brasil na segunda-feira, o documento fez menção explícita aos empregos da nova economia verde, um dos temas que mais preocupam os líderes sindicais, já que a transição econômica dos combustíveis fósseis para a redução de emissão de carbono tende a eliminar mais postos de trabalho do que gera.

O material lista "promover abordagens centradas nos trabalhadores para as transições digitais e de energia limpa" como um dos "cinco dos desafios mais urgentes enfrentados pelos trabalhadores em todo o mundo".

 

Situação no Haiti

Polícia Nacional do Haiti tenta retomar bairro ocupado por gangues na capital Porto Príncipe

CRÉDITO, REUTERS Polícia do Haiti tenta retomar bairro ocupado por gangues em Porto Príncipe

 

Distante dos olhos da imprensa, por exemplo, a previsão da Casa Branca era de que Biden pedisse a Lula que aproveitasse sua relação próxima com Pequim para tentar fazer com que a China deixe de vetar, no Conselho de Segurança da ONU, o envio de uma força policial internacional ao Haiti, que vive um colapso do Estado e está dominado por gangues.

O Quênia já se dispôs a liderar a missão, da qual o Brasil participaria com treinamento de policiais, e o governo haitiano já expressou publicamente interesse no envio da ajuda externa.

Ainda assim, a posição chinesa não se alterou e tem impedido o envio da força ao Haiti.

Um diplomata brasileiro que conversou com a BBC News Brasil notou que a posição dos chineses, antagonistas globais dos americanos, é bloquear o interesse americano, até porque interessa ao país manter uma situação de instabilidade no que seria "o quintal dos EUA", dada a instabilidade que os chineses acusam os americanos de criar em Taiwan.

Um diplomata brasileiro com conhecimento do tema disse à BBC News Brasil que Lula estaria sim disposto a abrir conversa com Pequim para tentar fazer com que eles se movessem em outra direção.

 

Reforma do Conselho de Segurança da ONU

Outro exemplo de concordância entre os dois presidentes está na necessidade de reforma das instituições multilaterais. O assunto, inclusive, foi mencionado nos discursos de ambos na Assembleia Geral da ONU.

Assim como Lula, cujo mote internacional é “o Brasil voltou, Biden também tem se esforçado para reocupar espaços multilaterais dos quais os EUA foram retirados durante o governo anterior, de Donald Trump, cujo slogan era “América primeiro”.

Recentemente, ao participar do G20, na Índia, Biden se comprometeu a endossar a candidatura indiana por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. O Brasil tem o mesmo pleito, mas os americanos, que têm defendido a reforma do Conselho, ainda não se comprometeram a apoiar o Brasil no objetivo.

Questionados sobre se isso gerava algum constrangimento ao país, diplomatas brasileiros contemporizaram. “Claro que para os americanos, até pelo antagonismo entre Índia e China, faz sentido fazer um gesto claro para a Índia, mas eles certamente nos apoiam”.

Outro exemplo de concordância entre os dois presidentes está na necessidade de reforma das instituições multilaterais. O assunto, inclusive, foi mencionado nos discursos de ambos na Assembleia Geral da ONU.

Assim como Lula, cujo mote internacional é “o Brasil voltou, Biden também tem se esforçado para reocupar espaços multilaterais dos quais os EUA foram retirados durante o governo anterior, de Donald Trump, cujo slogan era “América primeiro”.

Recentemente, ao participar do G20, na Índia, Biden se comprometeu a endossar a candidatura indiana por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. O Brasil tem o mesmo pleito, mas os americanos, que têm defendido a reforma do Conselho, ainda não se comprometeram a apoiar o Brasil no objetivo.

Questionados sobre se isso gerava algum constrangimento ao país, diplomatas brasileiros contemporizaram. “Claro que para os americanos, até pelo antagonismo entre Índia e China, faz sentido fazer um gesto claro para a Índia, mas eles certamente nos apoiam”.

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