A pandemia dissecou a tirania de Bolsonaro
por Guilherme Antonio Fernandes e Sara Toledo
A briga de Bolsonaro com a ciência não é por mera ignorância, mas sim por vaidade. Bolsonaro é o líder que quer conduzir e mudar a história. É aquele que, por prepotência, não pode errar e nem estar do lado errado da história. O líder que mistura o poder com sua casa, mas dá à sua personalidade os tons de eternidade. Quer mudar a história do país não para melhorar a vida das pessoas, mas para demonstrar que na sua cruzada pessoal ele sempre teve razão nos valores que tomou como corretos. Parafraseando Antonio Scurati, Bolsonaro é o filho da suposta “revolução brasileira”. Assim funciona sua cabeça. Portanto, não é unicamente porque briga com a ciência, mas porque somente escuta aqueles que falam o que ele quer ouvir. Como todo tirano, Bolsonaro só se circunda de aduladores ideológicos. Dessa forma, alimenta em si mesmo a certeza de que está no caminho certo da sua cruzada.
Mas, além de hedonista, Bolsonaro tem delírios de eternidade na linha do que ensina Timothy Snyder. Sua mitificação personalizada nos brados de seus seguidores lhe dá a certeza de que entrará para a história e de que ela lhe garantirá a vitória. Bolsonaro é a mistura do devaneio narcisístico psicológico somado ao histórico.
Se não fosse presidente suas frases isentas de empatia para com as vítimas da Covid-19 fariam com que fosse ignorado ou relegado a alguma zona de penumbra, onde seria esquecido. Mas, como pode ser não empático e mesmo assim estar circundado de aduladores profissionais e ser chamado, ainda, de mito, o presidente sente no espírito a sensação do poder irresistível. Ou seja, a sensação de que sua onipotência é real e que mesmo diante de qualquer bobagem que venha a falar, ou qualquer tragédia que possa vir a acontecer, ainda assim alguém lhe dirá: mito!
Na realidade, o que parece estar acontecendo é um processo de destruição interna do presidente. O poder está destruindo Bolsonaro internamente. Ele parece estar repetindo os erros de tiranos do passado, que quando caminhavam velozmente para a destruição de sua tirania, pareciam pisar no acelerador dos erros e dos confrontos, de modo a intensificar a aparência de indestrutibilidade, mas que já tomava corpo de fantasia e desmoronava-se em público, deixando atônitos seus espectadores.
O mais grave é que a esse processo de destruição pessoal alia-se um processo de erosão do Brasil. O país, além de se tornar o epicentro da pandemia global, apresenta índice alarmante de devastação ambiental, grilagens de terras indígenas, negligência para com os próprios povos indígenas, incompetência na distribuição de recursos emergenciais para a população mais necessitada, dentre tantos outros problemas e equívocos que evidenciam a desorganização e falta de plano de governo. Acrescenta-se a tudo isso um quadro econômico extremamente preocupante com a saída de capitais superior à crise do real de 1995. Com efeito, a pandemia tem demonstrado a face mais cruel do modus operandis de Bolsonaro, que não governa a nação, mas ao seleto grupo particular de interesse, que envolve, também, um grupo empresarial que o financiou e o financia, como por exemplo, Luciano Hang, dono da rede Havan.
Assim, é no contexto gravíssimo de uma pandemia, cujo epicentro se torna o Brasil, que Bolsonaro sofre esse processo interno de destruição pelo poder, mas que vem erodindo também as instituições democráticas do país. Sem ministro da Saúde, após a saída de dois ministros que não concordaram com o alinhamento integral às suas ideias, e, portanto, não foram aduladores e coniventes com sua missão delirante, em sua jornada no poder, Bolsonaro definitivamente se desconectou da sociedade brasileira e se perdeu em sua personalidade.
A situação cada vez mais caótica do país, com mais de meio milhão de casos confirmados de Covid-19 e 40 mil mortes, aponta para uma linha progressivamente crescente da doença. Nessa tragédia delirante de poder de um homem, o mais grave, contudo, é a tragédia da inexistência de um plano consistente, conectado com a realidade, que possa reduzir o número de vítimas desse grave vírus. Enquanto Bolsonaro se perde dentro de si, nós, brasileiros, perdemos a chance de um futuro. A destruição de uma personalidade tirânica tem custado muito caro para o Brasil.