O mergulho de Alexsandro Souto Maior


Rafael Rocha escreve:
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por Talis Andrade
Para escapar
das correias no lombo
Zambi construiu
longe de Olinda
o Quilombo da Liberdade
O reino livre de Zambi
guerreou contra os espanhóis
os holandeses os portugueses
e Zambi voltou a Olinda
Zambi voltou a Olinda
a cabeça espetada
na ponta de uma lança
A cabeça salgada
uma orelha cortada
a pedido da rainha
uma incestuosa
louca rainha
A cabeça salgada
com sal grosso
o grosso sal
que espanta as almas
e enfiada na boca
a rola cortada
por satânico prazer
covarde humilhação
de um capitão-do-mato
Bernardo Vieira de Melo
cavalgou Olinda
com a empáfia vitoriosa
de caçador de negros
Bernardo Vieira de Melo
cavalgou Olinda
ostentando em uma lança
uma lança ornada de fitas
a cabeça de um rei
um rei coroado
numa guerra sem fim
- - -
Talis Andrade, Vinho Encantado p. 131, Livro Rápido, Olinda, 2004
Ilustração busto que inspirou estátua de Zambi
Lailson de Holanda: Um tributo ao Pink Floyd feito por mim e Zé da Flauta. A trilha foi gravada em 2014 e o vídeo em 2020. Zé da Flauta tocou todos os instrumentos digitais e a flauta transversa. Eu fiz o vocal e a edição do vídeo.
Os dois residem na mesma rua de Olinda Olanda Holanda de todos os sonhos e sons e cores.
Bonecos de Jair e Michelle Bolsonaro abrem alas para os outros gigantes durante desfile em Olinda — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press/ O Globo
.
Na segunda-feira do Carnaval de Olinda chegaram a desfilar os bonecos gigantes de Jair e Michelle Bolsonaro.
O Jair não conseguiu subir uma ladeira sob uma chuva de pedras de gelo, latas vazias de bebidas e ovos podres.
E olha que não faltou proteção policial.
.
A imprensa do Sul orquestrou: "Alegorias de Bolsonaro e da primeira-dama comandam apoteose dos bonecos gigantes". Exagero mentiroso do jornal O Globo e televisões.
A imprensa de Pernambuco, praticamente falida, escondeu a derrubada popular dos bonecos. Pareceu dia de malhação de Judas, que acontece no Sábado de Aleluia
.
Solange Simonetti fotografou a queda dos bonecos. Descreveu: "Bonecos gigantes de Jair Bolsonaro e da Micheque são vaiados durante desfile em Olinda...
Além das vaias, o boneco gigante de Bolsonaro tomou uma "chuva" de latas dos foliões.
Um Bolsominion pagou até segurança pra essa miséria de boneco sair.
Conclusão, os bonecos tiveram que ser retirados e cobertos porque o povão estava jogando de tudo neles!
Dá-lhe Olinda"
O encosto dos bonecos protegidos por seguranças e policiais à paisana
A foto dos bonecos encobertos de Michelle e Jair Bossonaro lembra esta famosa tela surrealista de René Magritte
.
Informou Ricardo Noblat: Com a discrição que o caso requer, o governo federal fez chegar à organização do desfile dos bonecos gigantes do carnaval de Olinda a informação de que se dispõe a garantir a segurança do boneco que representará o presidente Jair Bolsonaro.
Tudo passaria, naturalmente, pela escalação de uma pequena equipe de agentes policiais a paisano. Como se fossem foliões comuns, eles pulariam em torno do homem que carregaria o boneco – Natan Oliveira, 22 anos, por sinal eleitor de Bolsonaro.
A Embaixada dos Bonecos, entidade privada responsável pelo desfile, não confirma a oferta de segurança. Limita-se a dizer por meio de um dos seus porta-vozes informais que o boneco está pronto desde o ano passado e que deverá ir às ruas da cidade,
Aí é que mora o perigo. A população de Olinda votou por larga maioria em Fernando Haddad (PT) para presidente da República no segundo turno. Na véspera do dia da eleição, dezenas de blocos desfilaram num carnaval fora de hora pedindo votos para Haddad.
Resultado: O desfile dos bonecos, previsto para a Terça-Feira de Carnaval no Recife, no Marco Zero, foi cancelado.
por Leonardo Antônio Dantas Silva
"O frevo como música tem sua origem no repertório das bandas militares em atividade na segunda metade do século XIX no Recife.
O maxixe, o tango brasileiro, a quadrilha, o galope e, mais particularmente, o dobrado e a polca, combinaram-se, fundiram-se, dando como resultado o frevo, criação do Carnaval do Recife ainda hoje em franca evolução musical e coreográfica.
Da pronúncia popular do verbo ferver originou-se o vocábulo frevo, no que são concordes todos os estudiosos do assunto.
Lembro, porém, a observação de José Antônio Gonsalves de Mello, em depoimento pessoal, quando assinala a presença daquele verbo, em sua forma de pronúncia usada pelas camadas menos letradas da população, frever, em autos populares.
Exemplo dessas manifestações, ainda no século XVIII, nos é dado por Francisco Pacífico do Amaral, em Escavações (Recife 1884), ao relatar as festas em homenagem ao governador José César de Menezes, ocorridas em 19 de março de 1775, quando dois “eremitas”, Antão e Bernabé, cantam dentre tantas essas quadrinhas:
Dizei bem, vá de função,
Ferva o meu Padre a folia
Bebamos, que a tudo chegam
As esmolas da caixinha.
O mesmo pesquisador chama a atenção para o conto de Luís de Guimarães Júnior (1845-1898), publicado no Diario de Pernambuco de 8 de fevereiro de 1871, sob o título “A alma do outro mundo. Conto do Norte”.
O conto tem o subúrbio recifense do Ibura como cenário, tecendo o seu autor, então estudante da Faculdade de Direito do Recife, comentários sobre o que ele denomina de “samba do Norte”:
"O samba de roda do Norte é uma coisa digna de ver. As toadas das cantigas em desafio prendem d’alma e provocam os sentidos. Há certa poesia selvagem naquelas danças características, entrecortadas de moda e trovas, que revela exuberantemente o mundo de sentimento da alma rude e ingênua do povo!"
No seu texto, o autor transcreve várias estrofes dos cânticos, fazendo referências a Tertuliano, a quem chama pelo apelido, Teto, descrevendo-o como “um rapaz magro, amorenado, como por lá diziam, de olhos vivos e cintura delgada.
Morava em Olinda; nas redondezas de 40 léguas não se começava um samba sem ele chegar.
— ‘Ferva o samba minha gente! Entra na roda, Teto!’ — Dançava como um corisco e pulava como um macaco! Corta jaca, Teto! O passo da tesoura! O passo do tesouro! O caranguejo!”.
— Corta jaca, Teto!
— O passo da tesoura! O passo da tesoura!
— O caranguejo!
Teto entrou e lançou ao chão com uma agilidade graciosa e chapelinho de palha. Estava em mangas de camisa e trazia uma gravata de seda vermelha, que ondulava-lhe ao pescoço, como a bandeira inglesa no mastro grande de uma fragata! As guitarras gemeram; as facas atacaram as botijas, os violões e as violas uniram-se ao ruidoso concerto com as suas longas e plangentes notas:
Batam bem nessa viola,
Deixem as cordas quebrar
Que eu quero espalhar saudades
Quero penas espalhar!
Derivado de fervorescente, efervescente, ferver — palavras então conhecidas popularmente como frevorescente, efrevescente e frever —, o frevo lembra ainda, segundo Luís da Câmara Cascudo, in Locuções tradicionais no Brasil (1977), “confusão, movimentação desusada, rebuliço, agitação popular”, ou ainda, para Pereira da Costa, in Vocabulário Pernambucano, “apertões de grande massa popular no vaivém em direções opostas, como pelo Carnaval , e nos acompanhamentos de procissões, passeatas e desfilar de clubes Carnavalescos”.
No meio dos clubes Carnavalescos, porém, o vocábulo frevo já se encontrava presente em 1907, segundo demonstra Evandro Rabello em artigo sobre o cronista carnavalesco, Osvaldo de Almeida, publicado no Diario de Pernambuco de 11 de fevereiro de 1990. Naquele ano, 1907, o Clube Carnavalesco Empalhadores do Feitosa publica no Jornal Pequeno, edição do sábado de Carnaval, 9 de fevereiro, o repertório da agremiação onde aparece O Frevo como uma das marchas a ser executadas pela orquestra:
"Empalhadores do Feitosa, em sua sede que se acha com uma ornamentação belíssima, fez ontem esse apreciado clube o seu ensaio geral, saindo após em bonita passeata, a fim de buscar o seu estandarte que se acha em casa do sr. Alfredo Bezerra, sócio emérito do referido clube. O repertório é o seguinte:"
"Marchas - Priminha, Empalhadores, Delícias, Amorosa, O Frevo, O Sol, Dois Pensamentos e Luís Monte, José de Lyra, Imprensa e Honorários; Ária - José da Luz; Tango - Pimentão. Agradecemos o convite que nos foi enviado para o segundo dia de Carnaval."
Para o Carnaval de 1907 o Clube Empalhadores do Feitosa contratou como orquestra a primeira fração da Banda da Polícia Militar, realizando o seu ensaio geral na quinta-feira, dia 7 de fevereiro, no Hipódromo, onde se encontrava a sua sede, fazendo no primeiro dia de Carnaval uma visita à povoação da Torre, seguindo depois para o seu “passeio” pelos bairros do centro do Recife.
Em sua edição de 22 de fevereiro de 1909, o Jornal Pequeno traz ocupando a sua primeira página uma interessante xilogravura de autor desconhecido com a frase Olha o Frevo, anunciando desta maneira os festejos Carnavalescos daquele ano. Tal ilustração, encontrada pelo autor destas notas, passou a ser usada quando da criação do primeiro Baile da Saudade no Carnaval de 1973; festa que se repetiu por dezoito anos, sendo proclamada a mais animada prévia do Carnaval Pernambucano.
"Olha o Frevo", veio a ser popularizada a partir de então, figurando em todos os convites e impressos do Baile da Saudade, bem como na série de cinco LPs, sob o mesmo título, editados pela Fábrica de Discos Rozenblit no Recife.
Pereira da Costa, em seu Vocabulário Pernambucano, assim comenta: “O termo frevo, vulgaríssimo entre nós, apareceu no Carnaval de 1909: Olha o Frevo! -- era a frase de entusiasmo que se ouvia no delírio da confusão e apertões do povo unido, compacto, ou em marcha acompanhando os clubes”.
Na segunda década do século vinte o vocábulo e seus derivados aparecem com frequência no noticiário Carnavalesco da imprensa do Recife:
• “O apertão do frevo, nesse descomunal amplexo de toda uma multidão que se desliza, se cola, se encontra, se roça, se entrechoca, se agarra” (Jornal do Recife, nº 65, 1916).
• Ou nesses versinhos: “O frevo que mais consola, / O que mais nos arrebata, / É o frevo que se rebola / Ao lado de uma mulata” (Diario de Pernambuco nº66, 1916).
• “Os rapazes souberam arranjar uma orquestra tão boazinha, que vem dar uma vida extrapiramidal ao rebuliço do frevo” (O Estado de Pernambuco nº 48, 1914).
• “O clube levará um dos seus carros com uma pipa do saboroso binho berde para distribuir com o pessoal da frevança” (Jornal Pequeno nº 39, 1917).
• “Do mundo a gente se esquece / Pinta a manta, pinta o bode, / E se o frevar recrudesce / Mais a gente se sacode” (Diario de Pernambuco nº 66, 1916).
Por sua vez, Rodolfo Garcia, no seu Dicionário de Brasileirismos (Peculiaridades Pernambucanas) , transcrevendo o nº 32 de A Província, Recife: 2 de fevereiro de 1913, aponta o original registro:
O Frevo, palavra exótica
Tudo que é bom diz, exprime,
É inigualável, sublime,
Termo raro, bom que dói...
Vale por um dicionário,
Traduz delírio, festança,
Tudo salta, tudo dança,
Tudo come, tudo rói"
O frevo como música tem sua origem no repertório das bandas militares em atividade na segunda metade do século XIX no Recife.
O maxixe, o tango brasileiro, a quadrilha, o galope e, mais particularmente, o dobrado e a polca, combinaram-se, fundiram-se, dando como resultado o frevo, criação do Carnaval do Recife ainda hoje em franca evolução musical e coreográfica.
Da pronúncia popular do verbo ferver originou-se o vocábulo frevo, no que são concordes todos os estudiosos do assunto.
Lembro, porém, a observação de José Antônio Gonsalves de Mello, em depoimento pessoal, quando assinala a presença daquele verbo, em sua forma de pronúncia usada pelas camadas menos letradas da população, frever, em autos populares.
Exemplo dessas manifestações, ainda no século XVIII, nos é dado por Francisco Pacífico do Amaral, em Escavações (Recife 1884), ao relatar as festas em homenagem ao governador José César de Menezes, ocorridas em 19 de março de 1775, quando dois “eremitas”, Antão e Bernabé, cantam dentre tantas essas quadrinhas:
Dizei bem, vá de função,
Ferva o meu Padre a folia
Bebamos, que a tudo chegam
As esmolas da caixinha.
O mesmo pesquisador chama a atenção para o conto de Luís de Guimarães Júnior (1845-1898), publicado no Diario de Pernambuco de 8 de fevereiro de 1871, sob o título “A alma do outro mundo. Conto do Norte”.
O conto tem o subúrbio recifense do Ibura como cenário, tecendo o seu autor, então estudante da Faculdade de Direito do Recife, comentários sobre o que ele denomina de “samba do Norte”:
"O samba de roda do Norte é uma coisa digna de ver. As toadas das cantigas em desafio prendem d’alma e provocam os sentidos. Há certa poesia selvagem naquelas danças características, entrecortadas de moda e trovas, que revela exuberantemente o mundo de sentimento da alma rude e ingênua do povo!"
No seu texto, o autor transcreve várias estrofes dos cânticos, fazendo referências a Tertuliano, a quem chama pelo apelido, Teto, descrevendo-o como “um rapaz magro, amorenado, como por lá diziam, de olhos vivos e cintura delgada.
Morava em Olinda; nas redondezas de 40 léguas não se começava um samba sem ele chegar.
— ‘Ferva o samba minha gente! Entra na roda, Teto!’ — Dançava como um corisco e pulava como um macaco! Corta jaca, Teto! O passo da tesoura! O passo do tesouro! O caranguejo!”.
— Corta jaca, Teto!
— O passo da tesoura! O passo da tesoura!
— O caranguejo!
Teto entrou e lançou ao chão com uma agilidade graciosa e chapelinho de palha. Estava em mangas de camisa e trazia uma gravata de seda vermelha, que ondulava-lhe ao pescoço, como a bandeira inglesa no mastro grande de uma fragata! As guitarras gemeram; as facas atacaram as botijas, os violões e as violas uniram-se ao ruidoso concerto com as suas longas e plangentes notas:
Batam bem nessa viola,
Deixem as cordas quebrar
Que eu quero espalhar saudades
Quero penas espalhar!
Derivado de fervorescente, efervescente, ferver — palavras então conhecidas popularmente como frevorescente, efrevescente e frever —, o frevo lembra ainda, segundo Luís da Câmara Cascudo, in Locuções tradicionais no Brasil (1977), “confusão, movimentação desusada, rebuliço, agitação popular”, ou ainda, para Pereira da Costa, in Vocabulário Pernambucano, “apertões de grande massa popular no vaivém em direções opostas, como pelo Carnaval , e nos acompanhamentos de procissões, passeatas e desfilar de clubes Carnavalescos”.
No meio dos clubes Carnavalescos, porém, o vocábulo frevo já se encontrava presente em 1907, segundo demonstra Evandro Rabello em artigo sobre o cronista carnavalesco, Osvaldo de Almeida, publicado no Diario de Pernambuco de 11 de fevereiro de 1990. Naquele ano, 1907, o Clube Carnavalesco Empalhadores do Feitosa publica no Jornal Pequeno, edição do sábado de Carnaval, 9 de fevereiro, o repertório da agremiação onde aparece O Frevo como uma das marchas a ser executadas pela orquestra:
"Empalhadores do Feitosa, em sua sede que se acha com uma ornamentação belíssima, fez ontem esse apreciado clube o seu ensaio geral, saindo após em bonita passeata, a fim de buscar o seu estandarte que se acha em casa do sr. Alfredo Bezerra, sócio emérito do referido clube. O repertório é o seguinte:"
"Marchas - Priminha, Empalhadores, Delícias, Amorosa, O Frevo, O Sol, Dois Pensamentos e Luís Monte, José de Lyra, Imprensa e Honorários; Ária - José da Luz; Tango - Pimentão. Agradecemos o convite que nos foi enviado para o segundo dia de Carnaval."
Para o Carnaval de 1907 o Clube Empalhadores do Feitosa contratou como orquestra a primeira fração da Banda da Polícia Militar, realizando o seu ensaio geral na quinta-feira, dia 7 de fevereiro, no Hipódromo, onde se encontrava a sua sede, fazendo no primeiro dia de Carnaval uma visita à povoação da Torre, seguindo depois para o seu “passeio” pelos bairros do centro do Recife.
Em sua edição de 22 de fevereiro de 1909, o Jornal Pequeno traz ocupando a sua primeira página uma interessante xilogravura de autor desconhecido com a frase Olha o Frevo, anunciando desta maneira os festejos Carnavalescos daquele ano. Tal ilustração, encontrada pelo autor destas notas, passou a ser usada quando da criação do primeiro Baile da Saudade no Carnaval de 1973; festa que se repetiu por dezoito anos, sendo proclamada a mais animada prévia do Carnaval Pernambucano.
"Olha o Frevo", veio a ser popularizada a partir de então, figurando em todos os convites e impressos do Baile da Saudade, bem como na série de cinco LPs, sob o mesmo título, editados pela Fábrica de Discos Rozenblit no Recife.
Pereira da Costa, em seu Vocabulário Pernambucano, assim comenta: “O termo frevo, vulgaríssimo entre nós, apareceu no Carnaval de 1909: Olha o Frevo! -- era a frase de entusiasmo que se ouvia no delírio da confusão e apertões do povo unido, compacto, ou em marcha acompanhando os clubes”.
Na segunda década do século vinte o vocábulo e seus derivados aparecem com frequência no noticiário Carnavalesco da imprensa do Recife:
• “O apertão do frevo, nesse descomunal amplexo de toda uma multidão que se desliza, se cola, se encontra, se roça, se entrechoca, se agarra” (Jornal do Recife, nº 65, 1916).
• Ou nesses versinhos: “O frevo que mais consola, / O que mais nos arrebata, / É o frevo que se rebola / Ao lado de uma mulata” (Diario de Pernambuco nº66, 1916).
• “Os rapazes souberam arranjar uma orquestra tão boazinha, que vem dar uma vida extrapiramidal ao rebuliço do frevo” (O Estado de Pernambuco nº 48, 1914).
• “O clube levará um dos seus carros com uma pipa do saboroso binho berde para distribuir com o pessoal da frevança” (Jornal Pequeno nº 39, 1917).
• “Do mundo a gente se esquece / Pinta a manta, pinta o bode, / E se o frevar recrudesce / Mais a gente se sacode” (Diario de Pernambuco nº 66, 1916).
Por sua vez, Rodolfo Garcia, no seu Dicionário de Brasileirismos (Peculiaridades Pernambucanas) , transcrevendo o nº 32 de A Província, Recife: 2 de fevereiro de 1913, aponta o original registro:
O Frevo, palavra exótica
Tudo que é bom diz, exprime,
É inigualável, sublime,
Termo raro, bom que dói...
Vale por um dicionário,
Traduz delírio, festança,
Tudo salta, tudo dança,
Tudo come, tudo rói
Hoje fui dar uma olhada no shopping center novo, que abriu aqui pertinho de casa, cinco andares, mais de 380 lojas (nem todas estão funcionando, a maioria só começa em maio).
Pra quem já esteve aqui, fica onde era o antigo quartel. Vai ser super prático, tem de tudo.
A gente foi num café mineiro e Ted foi recebido super bem, como de costume.
Esses meninos da foto não tiveram a mesma sorte. Uma garotada ia entrando num grupo grande, uns 30, algumas meninas, quase todos negros. Provavelmente excitados com a novidade, numa cidade que sofre com poucas opções de lazer além da praia, entraram greiando (checa o dicionário de pernambuquês).
A polícia foi chamada porque, né? Um bando de meninos pretos não é "garotada", é "arrastão".
Quando cheguei, esse carro da polícia ainda estava lá e percebi um movimento estranho, mas entrei com meu triciclo no estacionamento, não vi nada. Só soube depois, falaram em arrastão de bandidos, fiquei triste ao ver essa foto e ler as notícias nos jornais. Bem triste mesmo. Perseguiram os meninos, fizeram baculejo, ninguém tinha arma, nada roubado, a não ser o coração das meninas.
Pensei muito no desapontamento, depois de anos de espera, na humilhação desses meninos.
Começou mal, sim. Não porque teve um "arrastão", mas por mostrar quem esse shopping vai querer fora. Tomara que organizem uns rolezinhos como fizeram em SP, há uns anos. Ocupar, resistir.
---
[Texto transcrito da página de Denise Arcoverde no Facebook]
por Memélia Moreira
Pátio de São Pedro, Recife, que concentra uma das mais majestosas represaentações da Arquitetura Colonial brasileira e onde os revolucionários, acreditavam estar a salvo do inimigo.
Nos terríveis anos da ditadura mantive correspondência com alguns dos mais notórios presos políticos do Presídio Tiradentes, em São Paulo. Todos eles gloriosos militantes da Ala Vermelha do PCdoB. Tanto com meu irmão #Sonsonho, de quem guardo muitas cartas com o abominável sêlo do DOPS, liberando a correspondência, quanto com Hélio Cabral de Souza e, Alípio Raimundo Viana Freire. Com meu irmão, conversas familiares, rumos do país e, principalente conselhos para que eu não me desviasse na profissão de jornalista. Foi meu irmão, Antonio de Neiva Moreira Neto quem me fez fincar pé na causa indígena. Ele dizia que todas as trincheiras contra a ditadura eram valiosas. Com Hélio Cabral falávamos da guerra do Vietnam, com a certeza absoluta que a História daria vitória aos guerrilheiros #viets E de música. Foi ele quem desenvolveu em mim o gosto pela música do mais profundo Goiás.
Com Alípio, conversávamos sobre os mais diversos assuntos. Cinema, Pintura, Guerra do Vietnam (nós dois construímos um mapa na parte debaixo do estrado de nossas camas. Eu, em Brasíilia e ele no presídio, avançávamos “nossas tropas” e sabíamos que faltava pouco para ocuparmos o Vale do Mekong. Já havíamos vencido a guerra politicamente, mas nós dois sabíamos que as pequenas e importantes vitórias militares eram necessárias.
Mas as mais longas cartas entre nós dois aconteciam quando o assunto era Literatura. E um dia, conversando sobre Gustave Flaubert (que estou relendo pela terceira vez), Alípio escreveu, “On mange bien chez Flaubert”.
Sim, Alípio on a bien mangé avec Flaubert. Et surtout avec Proust et ces “madeleines”, toujours à la recherche du temps perdu.
E agora, Alípio, meu querido baiano, passados quase 50 anos daqueles tempos horríveis, estou diante de um livro onde ao contrário de Flaubert, on ne mange pas de tout. On crève de faim. A fome se distribui nas 320 páginas. Estou te falando de “A mais Longa Duração da Juventude”, de Urariano Mota, colega nosso, jornalista mas, sobretudo, um escritor, um filósofo, uma pessoa sábia que em em uma página te faz viver passado-presente-futuro como se não houvesse hiatos.
A fome daqueles jovens, personagens reais da longa duração de nossa juventude, não se limitava a franguinhos assados ou polpudos filés deixados na mesa de um bar. Eles tinham fome revolucionária. De transformar o mundo, de eliminar as injustiças sociais, de evitar que nossa sociedade caísse no abismo da barbárie. E essa fome revolucionária lhes inibia ao ponto de lhes deixar com fome de paixões. Elas eram interditas, clandestinas, quase criminosas porque na moral revolucionária vigente, deixar que a paixão explodisse significava “desvio ideológico”.
Era o tempo dos amores interrompidos, proibidos, dos beijos roubados porque a moral ideológico-sexual era rígida. E eu me pergunto, como se pode fazer uma revolução em que o amor, a paixão deve ser jogada para um segundo plano, uma revolução que nos massacrava permitindo apenas a tortura dos amores platônicos.
E enquanto nossos mais belos sentimentos amorosos eram aniquilados pela moral revolucionária, “eles” acreditavam que vivíamos em total promiscuidade. E nós, perseguidos pelo inimigo externo, não vencíamos os dragões ideológicos. Éramos, ou tentávamos ser “puros”. Aqueles meninos, loucos de paixão, sufocavam uma exigência da natureza animal que é assegurar a manutenção da espécie. E preservavam a virgindade das namoradas. De todas as formas possíveis. Estratégias para saciar o desejo sem que isso implicasse na perda do hímen, essa película responsável por carnificinas em muitas culturas.
A tradução das estratégias vem de forma resumida e elegante num diálogo que fariam os jovens de hoje gargalhar.
O narrador e o personagem Luiz do Carmo circularam pelos bordéis à procura de prostitutas. Cheios de culpa pelo comportamento que entendiam como “exploração” da mulher.
“Que depressão miserável, mesquinha, caiu sobre nós. Enquanto caminhávamos sobre os paralelepipedos da Vigário Tenório, eu lhe perguntei, sem poder olhá-lo:
– Você não pegou nenhuma?
E ele, a contragosto:
-Não, é contra os meus princípios.
……………………………………………..
Como você faz? Não sente necessidade?
– Eu tenho namorada
…………………………….
– E você faz sexo com ela?
…………………………………..
-Sim…Não.
-Sim ou Não?
-É sim…sim,sim. Mas não é um sexo completo.
-Hum…Mas completo até onde?
……………………………………………
….Eu respeito a virgindade dela, entende? Eu respeito”
O diálogo é uma rvidência explícita de o quanto minha geração que fazia resistência se negou. O quanto controlou emoções que são essência da natureza humana e que deveriam fluir com a mesma naturalidade com a qual o sangue navega em nossas veias.
Perdemos? Hoje, quando vejo minha terra esfarrapada, acredito que sim. Perdemos. Mas, penso sempre no meu mestre maior, no mestre Darcy Rbeiro com quem tive o privilégio de conviver todas as quartas-feiras à noite, num grupo que ele selecionou para pensar Brasil. Bebíamos whisky e discutíamos nossa terra, esse amor sem retorno. E, ao pensar em Darcy, relembro uma de suas mais poderosas frases. Elas são o mapa de uma vitória. A vitória de nós, os derrotados pela História.
“Fracassei em tudo que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”.
Darcy, meu amigo, esse resumo da tua vida em sete frases é o que me ilumina quando vejo os caminhos apresentando momentos sombrios.
Bom, para analisar “A Mais Longa Duração da Juventude” livro de Urariano Mota, esse jornalista, escritor e filósofo pernambucano a quem não conheço e com quem converso muito (obrigada Mark Zuckerberge, ou, “Tio Zucka”, como diz Renata Lins, pessoa a quem muito admiro) dividi a escrita de Urariano em dois eixos. Caso contrário eu me perderia em sofrências pelas cenas que agrediram nossa geração e, pelo amor à luta que se espalha em todas as páginas. São mais de 300. Li duas vêzes as mais de 300 páginas. A segunda leitura doeu ainda mais porque eu já sabia qual cena se seguiria. E sabia também o quanto ela me daria punhaladas.
O livro é um suceder de paixões. Paixão na sua essência do apaixonar-se. Paixão que se desdobra no sentido mais amplo, o do amor. O amor das imensidões. Amor ao povo, e aos infinitos brasis com os quais convivemos mesmo que nos pareça invisível. Da paixão, vou ao segundo eixo. O da fome. Fome pela transformação de uma sociedade injusta; fome da comida que era pouca e assim mesmo dividida e, principalmente, a fome de viver toda uma vida em um momento. Entre a Fome e a paixão, incluo a alma de um poeta. Urariano Mota é poeta. Mesmo na descrição dos momentos mais trágicos a poesia está presente. O seu “Eu” profundo de poesia, um eu que também se nega quando ele tenta ignorar os mistérios da vida, entre eles, os pressentimentos que o perseguem até na mesa de um bar do pátio de São Pedro naquela cidade do Recife palco das resistências narradas em “A Mais Longa Duração da Juventu”. Um eu que filosofa e que se aproximando dos 70 anos, é aquele mesmo menino magro, que se considerava feio no passado, mas que agora descobre ser uma vida intensa dedicada à luta a fonte de sua a beleza.
Conversei com o autor algumas vêzes e lhe disse que se tivesse capital criaria um roteiro turístico em Recife percorrendo as ruas, restaurantes, bordéis, pensões, a praia da Boas Viagem, Porto de Galinhas e outros logradouros que em em vários momentos foram cenários daqueles meninos que carregavam no peito o ardor revolucionário; daqueles pós-adolescentes que eram feridos de morte quando cada companheiro caía nas mãos dos nossos implacáveis inimigos, entre eles Cabo Anselmo e o delegado Sérgio Fleury. E mais, que produziria um filme com inspirações de Jean-Luc Godard dos anos 60/70 e Fellini. A viagem daqueles combatentes a Porto de Galinhas é felliniana. Mais especificamente, uma “Dolce Vita” de uma juventude, que criava situações que poderiam subverter a perversa ordem social vigente e cujas armas eram o sonho, a palavra, uma arma talvez enferrujada e, um simples mimeográfio guardado sob cuidados. Um dos mais revolucionários instrumentos da nossa geração.
Todo leitor, do ocasional aos totalmente viciados, escolhe, no livro que lê os momentos mais marcantes, os parágrafos mais intensos, e também, elege seus personagens favoritos. Os favoritos do leitor nem sempre coincidem com os preferidos de quem escreveu o livro.
No meu caso, os personagens para sempre inesquecíveis são “Vargas” (leia com um “R” carregado como pronunciam os de língua espanhola), “Gordo”, uma verdadeira enciclopédia musical e Luis do Carmo. Há muitos outros. Zacarelli, por exemplo, Selene, direção da UBES (União Brasileira de Estudantes Secundaristas), Torquato de Moura, “guardião das virtudes subversivas”, Narinha, Marx, sim, Marx e Engels, filhos de um pai comunista, já velho e o primeiro a sentir o cheiro da infâmia que exalava do Cabo Anselmo, Zé Batráquio e, ela. Refiro-me a Soledad Barret, uma quase-menina que, dentre todos que sucumbriram naqueles anos tristes foi a mais traída. Traida pela paixão. A mulher bonita, forte, marcada em lutas pelo nosso continente, musa do poeta Mário Benedetti, apaixonou-se por um homem abjeto chamado “cabo anselmo” (com letra minúscula mesmo porque os infames não merecem ser maísculos em nenhum momento). Se em “Soledad no Recife” ele apenas abra a cortina da paixão por Soledad, nesse segundo de sua quase-autobiografia, ele a escancara. Soledad foi e será sempre, o grande amor de Urariano. Amor confessado com todas as letras quase no final de “A mais Longa Duração da Juventude”, quando diz, “A mulher que em legítimo platonismo eu amei”. Amo.”. O legítimo platonismo se transformou no amor eterno, porque agora Soledad vive na eternidade, na imortalidade.
Há grandes e inesquecíveis momentos. Muitos, principalmente aqueles nos quais os jovens revolucionários, militantes de organizações armadas de esquerda se reuniam num bar e discutiam Música, Literatura e o lindo horizonte pelo qual lutam, a pátria socialista. Os dois momentos que mais me emocionaram foram a viagem dos revolucionários de Recife a Porto de Galinha, dentro de uma Vemaguete, às quatro da manhã de um sábado, sem sequer conhecer o caminho entre as duas cidades e passando riscos reais de morrerem num acidente porque João Alberto, o único que dirigia dormiu várias vêzes ao volante e, tudo porque, “Pasárgada não podia esperar…”
O outro momento que me marcou e, aqui, pela tragédia, é também uma viagem. Talvez a última antes de ser atingida pelas balas da ditadura. A viagem de Vargas no ônibus que embarcou depois de dizer à advogada Gardênia que era um homem morto, que já estava sendo caçado pelos homens de ouro do delegado Fleury e pelo infame cabo Anselmo. Ela o aconselha a fugir, mas ele rechaça a idéia para não abandonar “Nelinha”, sua mulher que já era mãe da menina Krupskaia. Ah, quanta paixão existe na alma revolucionária!. Entra no ônibus no ponto da ponte Duarte Coelho e segue pela Avenida Guararapes, Capibaribe, Largo da Paz, Afogados, Ponte do Motocolombó num monólogo com sua consciência, com a certeza da morte, com o desespero de não poder salvar sua pequena família. Esse talvez seja o mais dramático momento do lovro. “Vargas” foi preso, morto e carregado para a Chácara São Bento onde os torturadores de Fleury o posicionaram ao lado de Soledad, alterando a cena do crime. Nenhum dos mortos da Chacina da Chácara São Bento, em janeiro de 1973, morreu naquele lugar.
Os fatos são todos reais, mas os nomes são fictícios. Ou, como diríamos na época, todos codinomes.
Convido a quem me lê nesse momento a ligar um aparelho que toque música.Youtube, Ipod, CDPlayer, o que for, até mesmo uma vitrola, toca-discos ou um gravador com as já jurássicas fitas K-7. Não precisa por o som no último volume. Deixe apenas o suficiente para não interromper a leitura do livro. E, do começo ao fim das 320 páginas de “A Longa Duração da Juventude” ouça Ella Fitzgerald. Sugiro que “I Wonder Why” seja a primeira música. E, se pensarem em mim, ouçam “Dream, a Little Dream of Me”. Vamos, me dê sua mão e vamos passear por Recife, aquela linda cidade do Recife que se espelha sobre um rio cruzado pelas pontes que, de tantas, fazem inveja a Veneza. Recife, cidade que ao lado de Belém e Porto Alegre simbolizam, para mim, a rebeldia do nosso povo, é protege uma pérola. Olinda. E é lá onde Urarinao Mota, esse poeta, escritor, guerreiro a quem admiro sem nunca tê-lo encontrado vive hoje. Morar em Olinda não deixa de ser uma recompensa por uma vida entregua à resistência.
“Quando reflito o que vi, noto que nossa vida começa a partir de um instante fora do nascimento. Ela começa naquele minuto que define nossos dias, que ilumina o passado, presente e futuro. O instante definidor como a linha da vida, na palma da mão lida por uma cartomante que não esperávamos”.
Essas são as três primeiras frases do livro do jornalista e escreitor (mais que isso, poeta) Urariano Mota, pernambucano, E a partir dessa frase pode-se dizer que a vida desse homem começou no instante em que ele inicia sua luta revolucionária para derrubar a ditadura que se instalara no Brasil quando ele atingia a puberdade. E dá seus primeiros passos de consciência um pouco mais tarde.
Quantos anos tinham Urariano, ou Júlio, quando aconteceu a primeira paixão. Exatos 19. E também, foi sua primeira paixão platônica. Houve outras. Urariano apaixounou-se por Ella Fitzgerald. Comprou um LP com suas músicas. Amor platônico, irrealizável porque Urariano não tinha dinheiro para comprar uma “vitrola”. A compra provocou protestos de Luís do Carmo, um sonhador de pés no chão. E Urariano, naquela miserável pensão “Treze de Maio”, na Avenida Princesa Isabel, em Recife, sob um calor intenso do verão nos trópicos, sem vitrola, acariciava a capa do LP como se acariciasse o corpo de uma mulher. O corpo de Ella, talvez. Ou o corpo da mulher que viria. A capa é quase a pele da cantora, da mulher que não podia ter.
E ele solta aquela dor antiga dizendo, “quero ter Ella, acariciar sua capa (que pobreza, meu Deus, dói até a lembrança neste instante. Quero antegozar a suz voz, a doçura que apenas ouvi por segundos e me derrubou num encanto…”
I wonder why. Urariano ainda busca as respostas para essa pergunta sussurada na voz de mel de Ella Fitzgerald.
Urariano foi de muitas paixões. Não sei quantas. Mas em seu leque, apenas uma das peças não estava integrada à resistência brasileira e é justamente a figura de Ella Fitzgerald. Porque Selene, a quase-menina, dirigente da UBES cujos joelhos e parte das pernas foram queimadas por ácido jogado pelos estudante de direita da Universidade Mackenzie, na “Batalha da Maria Antonia” em São Paulo, estava na resistência. Com fome, pedia uma sopa, depois de exibir o quadro da pauperidade com a qual convivia o movimento da oposição armada. Ela estava com fome. E sem cigarros. Rígida nos códigos da conduta revolucionária, ela atraíu a paixão dos que a cercavam. Exibia belas coxas. exibia as coxas na minissaia para que não percebessem as cicatrizes do ácido que a mutilou. E Soledad, a paixão maior e eterna, bom, Soledad era uma revolucionária latino-americana que já circulara por outros países do nosso pedaço americano dedicando-se à luta. Essas três paixões foram todas vividas platonicamente, em segredo, silenciadas. Em Soledad ele deu um beijo roubado no rosto e pediu desculpas. Não resistiu, recolheu as desculpas e passou as mãos nos lábios daquela mulher discreta e forte cujo nome deveria ser sinônimo de “revolucionária”.
Mas se as paixões eram platônicas, a fome era real. E Urariano, o único entre os demais a ter um emprego. Ele datilografava (E percebo, nesse momento que há as gerações que hoje estão na faixa dos 30, 40, jamais conjugará o verbo datilografar”) guias de transporte de material elétrico, num galpão coberto com telhas de zinco, pagava a sopa da dirigente estudantil. Datilografava guias e era “suspeito de gostar de poesia”. Sim, gostar de poesia sempre nos colocou entre os suspeitos. Não havia dinheiro nos bolsos ou nas contas bancárias dos heróis da resistência. E a fome os perseguia.
“Em 1970 o almoço era pouco, dividi-lo era o mesmo que ficar com meia-fome . E meia-fome ainda é fome”. Apesar dessa penúria, Julio/Urariano e seus companheiros mesmo com o estômago vazio tinha consciência de que “quem possui o que sonha não é pobre. Nós nos alimentávamos do sonho uns aos outros”.
E o sonho era tão sonhado, tão vivido, que a ‘companheira Selene”, das pernas queimadas com ácido, ao expor a situação do movimento, com a firmeza de quem guarda a convicção da vitória pela luta diz,
“Companheiros, temos sérias dificulddes de sobrevivênciaFísica, grana, alimentação, tudo…Mas o que são as dificuldades do Socialismo, companheiro? O que são as dificuldades diante do heróismo do vietcong?”.
O heróismo não era apenas do povo Viet. O heróismo era daqueles brasileiros pessoas que se encontravam na faixa cinzenta entre o fim da adolescência e o início da idade da adulta que entregaram sua juventude para a construção de uma sociedade menos injusta. Quem sabe, socialista. E aí penso nos meus irmãos #Sonsonho e #Gagocha que, sem passar por essas necessidades também, sonharam, também entregaram sua juventude porque sonharam.
Os trechos de “A Mais Longa Duração da Juventude” onde se expõem as carências do mínimo derrubam um mito. A Direita na sua incansável campanha para desqualificar a luta que nos concederia um mínimo de Democracia espalhava a idéia de que os guerrilheiros do Brasil eram todos “fihinhos de papai”, filhotes da burguesia. NÃO e NÃO. Havia pessoas pobres, operários, desempregados, professores mal-pagos, mas incansáveis, trabalhadores de um barracão coberto de zinco que estavam imersos na luta política e na luta pela sobrevivência.
E essa verdade aprendida no livro de Urariano Mota teve para mim, não um gosto de vingança contra os ditadores e seus capatazes, mas uma esperança de que um dia, num futuro que talvez eu não alcance, os pobres, os miseráveis, tomem, retomem as rédeas de um mundo com a qual ainda sonho.
Mas mesmo real, não cinematográfica à Charles Chaplin no magistral “Em Busca do Ouro”, onde querido “Vagabundo”, delirando de fome degusta sola de sapato como se fosse um prato apetitoso, o fato acontecido no “Restaurante Coqueirinho”, nos faz rir e chorar. A churrascaria me remete a Carlitos.
Aqueles jovens que discutiam T.S. Elliot, Balzac, Proust, Dostoievski, Kafka, que ouviam Milton Nascimento, frevos clássicos, frevos anônimos, que liam e discutiam Marx, Engels e outros filósofos, voltando do Cine Coliseu, tinham fome. Ou dividiam uma cerveja ou comiam. Mas cerveja provoca fome. Nesse momento, um casal na mesa vizinha, come um churrasco. Comem um pouco e deixam a mesa. E os revolucionários criam uma pequena dissidência entre a dignidade e a fome. A comida já estava paga. A fome impagável. A agilidade era fundamental. Pegar a comida deixada e paga antes que “Topo Gigio”, o garçon conhecido, chegasse. Venceu a fome. Quase saciados, o choque seguido da vergonha. . O casal retornou à mesa. Um pedido de desculpas. E o homem do casal, sentencia, “Podem ficar”.
“Estava escrito e não sabíamos. É do gênero da felicidade durar menos do que esperamos”, reflete consigo o poeta-guerrilheiro.
Eles eram assim, os guerrilheiros, aqueles pós-adolescentes que se preparavam com ardor para o momento de pegar nas armas, de sacrificar até à morte pela derrubada de uma ditadura e construir a pátria socialistaque.
Os fatos estão narrados como se fossem um jorro, um desabafo. Não falta no livro observações com característica de auto-crítica. Não falta também um tanto de desengano com o comportamento de quem ainda estampa o rótulo de “esquerda” enquanto exercita práticas da direita.
Além dos fatos da triste História de um país que entrou em decadência antes de chegar à maturidade, Urariano Mota nos concede reflexões de quem já encontrou as respostas exigidas, mas sabe que ainda a mais a questionar e responder. De todas as reflexões, transcrevo aquela que também me responde alguns questionamentos.
“A vida lembra a intensidadede uma canção. Na reconstrução pela minha memória, a vida é intensa, profunda e breve. Mais próximo do que desejo dizer: a memória da vida é uma brevidade que não termina. Há um ponto e uma repetição indefinida. Melhor, não um ponto, são retincências…”
Mas vamos em frente companheiro porque, diria meu mestre Darcy Ribeiro,
“Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca”.
Nós também não, amigo.
Obrigada pelas lições aprendidas nessa nossa longa duração da juventude.
Poeta. Romancista. Jornalista. São diferentes Rocha ou um só?
Que também existem o ativista político, o boêmio, o compositor, o dono do Humanitas, "o jornal dos livres pensadores", uma publicação sem fins lucrativos, cuja linha editorial tem ligação direta com o agnoticismo e o ateísmo.
A simplicidade une todos os Rocha, que tem nome de anjo, Rafael, nome de pia dado pela religiosidade de sua santa mãe.
Do altar de vários livros, Alguma Poesia
TEU CORPO
Para mim teu corpo é sempre o mesmo corpo.
Não envelhece. Não tem rugas. Sempre o mesmo.
Até quando escrevo um poema olhando um outro
de qualquer outra mulher eu vejo o teu vivaz e lindo.
Eu sei que o tempo torna as coisas carcomidas
mas teu corpo em mim continua sempre novo.
Sempre como aquele de décadas antigas
esperando meus beijos e minhas carícias.
Irei assim acompanhando essa imagem de teu corpo
ainda que nós ambos estejamos desenvoluindo
e tendo outros olhos a olhar para outros corpos
fingindo e mentindo que ainda são os de antes.
Mas para mim teu corpo é sempre o mesmo corpo
onde redescubro sonhos e desejos de paixão.
Sim! Sim! Porque estamos vivos na paisagem
e não custa sonhar e acreditar que somos e somamos.
Tudo isso serve para a gente espantar a morte
como a beber uma cerveja, um vinho ou um licor.
Viver é uma bebida venenosa a matar lentamente
e isso nós sabemos e criamos antídotos com o olhar.
O teu corpo vem em sonhos e traz variedades
dos momentos de quando o destino bateu na porta
e de quando nunca e jamais as nossas saudades
foram ideias mortas.
Para mim teu corpo é sempre o mesmo corpo.
Não envelhece. Não tem rugas. Sempre o mesmo.
É um poema para meu olhar envelhecido de hoje.
OLINDA
Olinda do frevo maior
ofício de minha canção
onde buscando o amparo
fiz milagres nunca vistos
pedindo ao carmo da virgem
o brilho da luz do farol.
No bairro novo do sonho
numa casa recém-caiada
em um varadouro sem fim
nasceu a história maciça
do jardim atlântico novo
onde o doce rio desemboca
e de onde os bultrins da vida
chamam homens/mulheres pra mim
JUDAS
O ideal morreu
trinta moedas foram repartidas.
As armas fazem salvas.
Eis o mundo!
(O mundo está vivo?)
Os gaiatos obliteram
o homem
nos comícios
e nas passeatas
ideológicas
Homens sem-terra replicam
hinos de salvação
salmos inconsistentes
aos estatutos dos ventos
E quando a cidade dorme
os encapuzados roubam
carne e frutas
ao peso exato
do sangue
da população
INSTANTÂNEO NO BAR
Quando ela entrou no bar os homens acordaram da bebida
perplexos passaram os olhos por todas as linhas do seu corpo.
Gestos invisíveis de sonhos em volúpia a homenagearam.
Quando ela entrou no bar, a vida abriu portas e janelas e garrafas.
Copos tilintaram, mãos sorriram,
as almas deram-se graças totais e dinâmicas.
O garçom atendeu-a solícito como pôde
fazendo dos olhos lentes objetivas para sentir a substância da carne.
Uma cerveja. Um cigarro. Um enredo moreno.
Um meneio coxas/pernas/seios/olhos/lábios e convites incertos.
Ao sair do bar manto e roupa de rainha deu-lhe o vento.
A lua iluminou todas suas perfumadas e sinuosas reentrâncias.
Os automóveis deslizaram de mansinho pelo asfalto.
Quando ela saiu do bar tudo lá dentro adormeceu em outro silêncio:
Os copos calaram os cristais.
Os homens tornaram-se falaciosos.
E o garçom resolveu beber sua meiota de cachaça.
O HOMEM CINQUENTENÁRIO
Ao passar um olhar na vida
notou-a amarrotada e tardia.
Os móveis da casa poeirentos.
O cigarro sem gosto.
O café sabendo à água suja.
Pôde num só olhar, olhar-se:
barba por fazer. Dedos rugosos.
Cabelos esparsos e olhos opacos.
Desacreditou-se. Já não era
a coisa brincalhona de outros tempos.
Teve ódio do espelho e escreveu
uma frase lugar comum cinquentenário:
- Tenho um coração de quinze anos! -
A partir desse instante
conseguiu sentir o tamanho das suas rugas.
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