Peça 3 – as portas abertas para o autoritarismo
XADREZ DO CASO CANCELLIER E DA MARCHA NÃO INTERROMPIDA PARA A DITADURA
por Luis Nassif
Nos anos 30, os ventos totalitários chegaram ao Brasil, resultando no Estado Novo, com a adesão da então Corte Suprema dos Estados Unidos do Brasil. Aboliu o habeas corpus, aceitou as prisões arbitrárias e, finalmente, autorizou a expulsão de Olga Benário, companheira do líder comunista Luiz Carlos Prestres, entregue à morte, com aval do Supremo e da mídia, no apogeu da violência policial comandada por Felinto Muller, o Sérgio Moro da época,
Manchete de O Globo saudou sua expulsão, tratando ela e outras prisioneiras políticas como “Evas indesejáveis”
No trabalho O caso Olga Benario Prestes: um estudo crítico sobre o habeas corpus nº 26.155/1936, Veyzon Campos Muniz estuda o caso à luz dos avanços no direito após a Constituição de Weimar.
“(…) Em uma simples análise cronológica, um século antes de a França revolucionária proclamar sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a Inglaterra, em 1689, pôs fim ao regime monárquico absolutista, com sua Bill of Rights. Dessa sorte, a Lei de Habeas Corpus, de dez anos antes, foi um precedente da necessidade social de libertação do indivíduo frente ao Estado, bem como foi a partir dela que o direito ao habeas corpus passou a ser utilizado não apenas nas situações de prisões eivadas de vícios, mas também a todas as ameaças de constrangimentos à liberdade individual de ir, vir e ficar.
(…) Outrossim, como outro marco jurídico relevante, temos a Constituição de Weimar. Se, de um lado, o Habeas Corpus Act é, inequivocamente, um exemplo de diploma que consagra as liberdades públicas, de outro, a Carta alemã de 1919 demonstra a evolução das instituições políticas no sentido da concreção de um estado de democracia social.
No entanto, a própria Constituição de Weimar tinha um artigo que foi essencial para a ascensão do nazismo, mostrando como o autoritarismo pode se infiltrar nas brechas abertas pelas leis e pela jurisprudência firmada pelo Supremo.
“O dispositivo estabelecia que, caso a ordem pública estivesse em risco, o presidente do Reich poderia, sem necessidade de aval do Legislativo, tomar as medidas necessárias para restituir a lei e a ordem.
Para isso, poderia suspender direitos civis como Habeas Corpus, inviolabilidade de domicílio, sigilo de correspondência, liberdade de expressão, direito de reunião e associação e autorizar expropriações”
O artigo 47 foi outro dispositivo relevante para a tomada do Estado alemão por Hitler. Segundo ele, o presidente era o supremo-comandante das Forças Armadas, poderia nomear os seus oficiais e tinha competência para tomar as “medidas apropriadas” – incluindo usar militares — para combater distúrbios na ordem ou segurança públicas”.
Em cima do flanco aberto pelo Supremo, após o impeachment o estado de exceção ganhou força no Brasil. Temer passou a estender as Operações de Garantia da Lei e Ordem por todo o país, inspirado pelo Ministro da Justiça Alexandre Moraes. Uma das operações atropelou a Constituição, ao entregar a um militar – general Braga Neto – o controle da intervenção no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, levou a linha dura para dentro do Palácio, nomeando um militar para chefiar a Agência Brasileira de Inteligência. Quebrou o pacto tácito da Constituimte e foi o primeiro presidente a colocar um militar no comando do Ministério da Defesa. E passou-se a recorrer, cada vez mais, a ainda não extinta Lei de Segurança Nacional.
Em trabalho excepcional sobre o caso Olga Benário, o procurador Vladimir Aras dissecou a posição do Supremo, a adesão ou omissão de Ministros ante um clima explícito, liderado por um Ministro da Justiça, Vicente Rao, que entraria para a história como um exterminador de direitos.
E constata como a história, no Supremo, é repleta de versões:
“Foi há 77 anos. Hoje, no site do STF, consta que o ministro Edmundo Lins fora homem de “notável saber e grande cultura, honrou a magistratura e, nos cargos que exerceu, legou às futuras gerações os exemplos mais dignificantes de civismo, patriotismo e grandeza moral” (sic). Quanto ao relator Bento de Faria, que sucedeu Lins na presidência da Corte, diz o site do Supremo: “As notáveis obras, repletas de ensinamentos, que publicou denotam sua alta cultura jurídica e são consideradas por todos os jurisconsultos fontes primorosas da ciência do Direito” (sic). Quão generoso é o biógrafo desses homens”.
Ambos foram peças centrais na deportação de Olga Benário, grávida.
No Brasil do Estado Novo, a democracia foi estuprada por uma corte composta por Bruno de Farias, Carlos Maximiliano, Spindola e Edmundo Pereira Lins, sob inspiração de Vicente Rao, os personagens principais na deportação de Olga Benário.
No Brasil do fim do século, a democracia foi violentada pela ação continuada de Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin, instrumentalizando o Supremo para a disputa política, e atropelando qualquer forma de garantia aos direitos. Não se tenha dúvida que se as circunstâncias jogassem o destino de Olga Benário nas suas mãos, o resultado teria sido o mesmo. (Continua)