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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

11
Jun23

O poder do centro

Talis Andrade
 
 
 
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por Gustavo Krause

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“Cara, político tem que ter lado”. Ouvi muito a frase, assim como “Governo é governo, oposição é oposição”. As definições, às vezes exaltadas, têm certa procedência e se alastra vida afora, confrontando o bem e o mal, o certo e o errado sob os imperativos da coerência e da fidelidade.

Levadas ao pé da letra, as dualidades se impõem: pão, pão; queijo, queijo, o que simplifica a complexidade do mundo real e revela um potencial de conflito entre os que acreditam numa verdade única.

Caso você não tome partido imediatamente ou caia na besteira de dizer “vou pensar” ou tentar argumentar que “ninguém tem razão porque todos têm razões”, tá ferrado, é um “isentão”; “tá em cima do muro”; “frouxo” e todo tipo de etiqueta depreciativa vai lhe servir de rótulo.

Não importam argumentos. Aliás, não há argumentos; não há diálogo. Debate, nem pensar. E foi esse caminho torto e acidentado que rompeu laços de amizade, levou o ódio às relações familiares e fracionou a coesão social.

Em contrapartida, o que ameniza e possibilita a vida em comum é assumir a consciência de que cada pessoa é única e plural e, se não o é, se esforçaria em ser um humanista sempre em busca de uma via nas crises das democracias.

Longe de entrar no complexo debate do relativismo cultural, me limito a expressar a intolerância e a hostilidade do cotidiano brasileiro que ameaça uma convivência respeitosa e civilizada. O clima de radicalização que alimenta os extremismos não aconteceu do dia para noite. São ventos que sopram da ancestralidade escravocrata e do autoritarismo que exala o tradicional “você sabe com quem está falando?”

Neste sentido, as eleições de outubro, com ofensas de mais e propostas de menos, tiveram no poder do centro, apesar de esmagado pela força das extremas, o fator decisivo na vitória de Lula, em especial, uma parcela não lulista e que temia um retrocesso democrático, o golpismo, repelido no dia 8 de janeiro com amplo apoio da sociedade e das instituições democráticas.

O Presidente, diante do momento histórico, assumiu compromisso, público e solene, de pacificar o país; realizar um governo de frente ampla, representativo da sociedade e contar com a formação de uma maioria parlamentar.

Passados pouco mais de quatro meses de governo, o Presidente, em vários episódios, tem usado uma retórica inadequada em relação aos desafetos, às instituições (Bacen, Eletrobras), categorias sociais (agronegócio), questões internacionais (guerra da Ucrânia). Na economia, o Presidente definiu gasto como investimento; refundou a teoria das finanças públicas e apequenou a responsabilidade fiscal.

De outra parte, o político, reconhecidamente habilidoso, tem sofrido reveses no Congresso, nåo somente por uma articulação mais eficiente, mas por um equívoco estratégico: o Parlamento atual é muito poderoso, inorgânico e tem um líder com instrumentos bastante convincentes para os deputados, seus liderados e eleitores.

Nesta linha, o governo enfrenta uma luta política e ideológica na regulação das poderosas big techs e sofreu significativa derrota no Congresso na tentativa de revogar importantes regras sobre o Marco legal do saneamento.

Ao privilegiar os setores mais à esquerda do PT com gestos e ações concretas, o Presidente desmerece o poder do centro político que tem sido, em muitas ocasiões e diferentes nações, a imantação responsável por vitórias eleitorais e sucesso no manejo da governabilidade.

Na vida, o poder do centro carrega a “justa medida aristotélica” e, como ensina Edgar Morin, “toda paixão precisa comportar a vigilância da razão, e toda razão precisa comportar o combustível da paixäo”.

Na prática política, o poder do centro produz consensos, suporte dos avanços alcançados pelo governo aliancista de FHC e na gestão pragmática do governo Lula, prometida pela “Carta ao povo brasileiro”, assinada em 22 de junho de 2002.

12
Out20

Quem não está conosco ou não é como nós está contra nós?

Talis Andrade

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por Wilson Gomes/ Cult

- - -

Nas primeiras semanas das minhas aulas de comunicação e política, ensino aos meus estudantes que, na ação e na comunicação estratégicas, há que se considerar sempre quatro categorias de destinatários de mensagens: “o nosso lado”, os aliados, o adversário (às vezes, inimigo) e os neutros. E que em hipótese alguma, na comunicação política, deve-se esquecer ou negligenciar as distinções entre os quatro grupos.

A construção do “nosso lado” é, certamente, importante. Primeiro, é preciso mobilizar as pessoas, e é fato que ninguém se envolve com um lado sem um combustível de indignação ética, um sentido de ultraje moral, um senso de urgência para mudar uma situação injusta. Em segundo lugar, as pessoas precisam admitir que é possível modificar a presente situação de decadência, injustiça, incompetência, corrupção. Sim, a gente pode fazer alguma diferença, as coisas estão ruins, mas isso não é imutável, podemos alterar essa história.

Por fim, há o essencial processo de definição deste “nós”, o sujeito desta história, normalmente construído em oposição a alguns “eles”, os adversários. Um antagonista é fundamental na narrativa política, uma vez que não dá para mobilizar as pessoas para que lutem contra meras abstrações como a epidemia, a fome, o caráter nacional, a pobreza ou a guerra; mas contra o grupo x ou a pessoa y, sim. 

O problema vem depois de estabelecido o “nós”. Os teóricos da propaganda ensinam que é preciso considerar que há pelos quatro tipos de interesse, sentimentos e prioridades políticas no campo, mas a ansiedade do ativismo manda simplificar tudo em dois: nós e eles. E aí começa a complicação. 

Na disputa política, “aliados” não são e nem precisam ser iguais a nós, em pensamento e caráter; são só pessoas ou grupos que partilham conscientemente conosco ao menos um objetivo, a derrota do nosso adversário. “Neutros” são tão somente pessoas que escolheram não lutar ou não escolher um lado, e que queremos ou como aliados ou que fiquem exatamente assim, neutros. 

Entretanto, neste momento, os gênios da militância política da esquerda, principalmente os petistas, convenceram-se de que na arena política há apenas “nós”, quer dizer, eles, que estão do lado de dentro do círculo, e os inimigos, do lado de fora. A equação é simples e se resume em duas proposições: 1) ninguém pode ser nosso aliado se não é exatamente igualzinho a nós; 2) não existem neutros, quem não está do nosso lado está contra nós, mesmo que não se considere inimigo e não nos tenha antipatia. Pois antipatia é coisa que pode ser providenciada.

A obra interminável de alienação de aliados e adversários, com que se gasta uma energia imensa na esquerda, serve a este propósito. E aí é um tal de “Tabata Amaral nunca foi de esquerda”, “Ciro foi do centro para Paris, e não veio em socorro quando mais precisávamos”, “Felipe Neto não tem Lula tatuado no braço”, “Reinaldo Azevedo inventou o termo ‘petralha'”, “Vera Magalhães pediu o impeachment”. Uma fileira de impugnações sem fim. Ora, se todas essas pessoas fossem petistas ou mesmo de esquerda, e se os petistas e a esquerda já tivessem votos suficientes para enfrentar a extrema-direita, o problema não existiria. O problema, contudo, existe, e ignorar que aliados e neutros, principalmente os mais influentes, são as peças-chaves na disputa política é de uma estupidez medonha. 

A este ponto do argumento, a pergunta surge, redonda, na cabeça de muita gente: Ora, estes que se dizem neutros e isentões, não podem ser boas pessoas considerando que estamos na deliciosa expressão de Sergio Moro, diante do monstro do pântano, não é?  Bem, como não se trada de uma história sentimental, mas de política, a resposta curta é que taticamente isso não é da sua conta. Estrategicamente, a razão de certas pessoas não estarem nem do nosso lado nem do lado do adversário é desimportante, considerando-se a premência de evitar que elas se bandeiem para o adversário.

Lembremo-nos que, em 2018, o oportunista Bolsonaro, com seus apenas 20 ou 30% de apoiadores, precisou somente convencer os não bolsonaristas que também não eram petistas de que a derrota do seu inimigo era um interesse comum. Com isso, bastou-lhe tão somente que uma fração dos neutros se aliasse a ele, quer dizer, votassem contra o PT, ao mesmo tempo em que conseguiu manter neutra a outra fração, que não apareceu para votar ou votou branco ou nulo. Tecnicamente, foram os neutros, os nem-Bolsonaro nem-PT, que decidiram o último campeonato eleitoral. E, pelo andar da carruagem, devem decidir o próximo. 

E hoje ainda, enquanto a esquerda se fragmenta e passa em obsessiva revista lealdades e mágoas, Bolsonaro, aparentemente, fala só para o bolsonarismo e contra os adversários. Mas não se importa com aliados, certo? Engano! O seu lado trabalha o tempo todo para manter a amizade com aliados, mesmo que isso implique em queimar florestas para satisfazer o agro ogro ou privatizar tudo para deixar contentes os “faria limers”. 

Sim, mas como ele fala apenas para os seus, não está nem aí para os neutros, não é? Falso! Ele aposta que os seus aliados lhe darão 30% e que conseguirá os outros 21% de que precisa dos neutros, simplesmente fazendo-os escolher entre ele e “a volta do PT”. Bolsonaro não precisa convencer os neutros a ficarem do seu lado, moderando o discurso ou oferecendo-lhes algum torrão de açúcar. Sua tática consiste em assustá-los com a demonização do outro lado. Sim, o neutro (esse sujeito que não é nem bolsonarista nem petista) que a esquerda escorraça. Bolsonaro precisa dele para fechar a sua conta. 

Assim, toda vez que uma petista pisa na ponta dos pés de um “desprezível” isentão ou ambivalente, o bolsonarismo faz “a festa do 21%”. Aliás, nem precisam fazer nada, pois a esquerda radical e os identitários se encarregam de enxotar quem não é 100% petista na direção do gado. Um belíssimo trabalho de autossabotagem. 

A esquerda petista parece que quer mesmo é o gozo da mágoa, o desfrute do martírio, não sair de debaixo da bota de Bolsonaro.

Há muitas alegorias para a política. Os bolsonaristas a pensam como guerra (inimigo, morte, ataque), os petistas a enxergam como um drama sentimental (traição, ressentimento, broken hearts, separação e rosário sem fim de mágoas). A política, contudo, nem é uma coisa nem a outra. 

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