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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

14
Jul20

Casos de Covid aumentam nas prisões, e advogados cobram juízes por decisões

Talis Andrade

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BOMBA RELÓGIO

ConJur - O número de contaminações por Covid-19 nos presídios não para de crescer, segundo o último levantamento divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na última segunda-feira (6/7), uma tragédia evitável, na visão dos advogados e juristas do grupo Prerrogativas.

O caso do ex-deputado Nelson Meurer, que morreu aos 78 anos após ter pedido de prisão domiciliar negadono Supremo Tribunal Federal, ganhou as manchetes, mas está longe de ser o único.

De acordo com o CNJ, havia na semana passada 10.484 casos confirmados de infecção por Covid-19 nos presídios, um aumento de 112% em um mês. Foram registradas 126 mortes, o que representa uma alta de 44,8% no mesmo período. O problema afeta presos e servidores na mesma proporção: dos contaminados, 5.965 são presos e 4.519 servidores; entre os mortos, 64 presos e 62 servidores.

Para o grupo Prerrogativas, o cenário não seria tão trágico se os magistrados brasileiros apenas aplicassem a recomendação do CNJ que orienta que haja diminuição do fluxo de ingresso nos presídios, com concessão de cautelares quando viável.

 "É ilegal e imoral manter-se, durante uma pandemia, em cárceres abarrotados, sem higiene, com má alimentação e impossibilidade de resguardo, pessoas cuja soltura não oferecem risco imediato à coletividade", afirma o grupo, em nota.

 

Grupo Prerrogativas: O sistema prisional e a pandemia 

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Quantas mortes mais serão necessárias até que alguns juízes brasileiros percebam que é ofensivo aos direitos e à ética humana deixar presas pessoas que não trazem risco à sociedade durante uma pandemia? 

Lucas Morais da Trindade, jovem negro de 28 anos, condenado a 5 anos e 4 meses de prisão  por portar menos de 10 g de maconha, morreu no dia 4 de junho em decorrência de ter contraído no presídio Covid-19. Sua defesa pleiteou sua soltura junto ao TJ-MG, por 3 vezes. Por 3 vezes foi recusado o pedido e Lucas permaneceu preso até a sua morte. 

Nelson Meurer, ex-deputado federal de 77 anos, portador de várias comorbidades (cardiopata, hipertenso, diabético, renal crônico), condenado por 13 anos e 9 meses de prisão  por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, morreu no dia 12 de junho, em decorrência de ter contraído no presídio Covid-19. Sua defesa pleiteou no Supremo Tribunal Federal sua soltura. Negada pelo relator, em plenário virtual, diante de um empate motivado pela ausência de um voto, permaneceu preso até a sua morte

Esse é um fato que se  repete e se multiplica em todo o Brasil. A resolução do CNJ que recomenda a soltura de presos em casos dessa natureza tem sido frequentemente ignorada ou aplicada apenas em beneficio de alguns presos quando os valores humanos do magistrado ou outros fatores subjetivos influenciam essa decisão. 

Essa situação abusiva não pode continuar a prevalecer em nosso país. Parem agora! Vidas não podem depender do arbítrio, da maior ou da menor sensibilidade humana de magistrados. É ilegal e imoral  manter-se, durante uma pandemia, em  cárceres abarrotados, sem higiene, com má alimentação e impossibilidade de resguardo, pessoas cuja soltura não oferece risco imediato à coletividade. Por que não deixá-los sob prisão domiciliar, com monitoração eletrônica? Por que não se buscar outras formas alternativas de pena ou de imposição de restrições cautelares? Parem agora! 

Instituiu-se no Brasil de hoje, com essa insensibilidade, uma pena de morte dissimulada pela retórica jurídica de decisões violadoras de direitos humanos e que, certamente, ensejarão a responsabilização do Estado e o seu oportuno exame pelas Cortes Internacionais para as imputações das devidas sanções. 

Como profissionais do direito nos postamos publicamente contra essa situação abusiva e desumana que vivemos hoje em nosso país. Queremos que a lei do nosso país e a lei humana seja cumprida. Chega de mortes que poderiam ser evitadas pela tomada de decisões judiciais que não imporiam qualquer risco à sociedade brasileira. 
Parem agora!

 

13
Jul20

Morre na prisão ex-deputado Nelson Meurer, que teve domiciliar negada no STF

Talis Andrade

O então deputado Nelson Meurer (PP-PR) em reunião da Câmara, em 2013

 

Por Luiza Calegari / ConJur

- - -

O ex-deputado Nelson Meurer (PP-PR) morreu na prisão neste domingo (12/7), após contrair Covid-19. Meurer, que foi o primeiro condenado pelo Supremo Tribunal Federal na "lava jato", também tinha hipertensão, diabetes e tinha passado por cirurgia de ponte de safena, segundo seus advogados Michel Saliba e Alexandre Jobim.

Meurer tinha 78 anos, e seu estado frágil de saúde foi ressaltado em um pedido de prisão domiciliar apresentado em março pela defesa ao ministro Luiz Edson Fachin, relator da Ação Penal 996. Fachin negou o pedido em abril.

"Nada obstante o requerente esteja enquadrado em grupo considerado de maior vulnerabilidade em caso de contágio, constata-se que o Juízo da Vara de Execuções Penais de Francisco Beltrão informou a adoção de providências alinhadas à Recomendação n. 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça, como a suspensão de visitas a sentenciados que se encontram na Penitenciária Estadual de Francisco Beltrão, a qual "não se encontra com ocupação superior à capacidade", destacando, ainda, a existência de "equipe de saúde lotada no estabelecimento"", escreveu o ministro na decisão.

Demora e ilegalidade
Ainda em abril, a defesa interpôs agravo regimental, que foi debatido pela 2ª Turma em plenário virtual, em julgamento encerrado em 8 de junho. Foram registrados dois votos a favor de concessão de domiciliar (Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski) e dois contra (Fachin e Celso de Mello).

A ministra Cármen Lúcia não votou, e sua omissão contou como um voto acompanhando o relator, Fachin, como era a regra na época. Por equívoco, ao se criar regras para o plenário virtual, estabeleceu-se que, em caso de empate nas turmas, o empate seria resolvido dando peso duplo ao voto do relator. O problema é que quando a matéria é criminal, a jurisprudência é a de que o empate favorece o réu. O assunto foi abordado pelo advogado Lenio Streck, em coluna na ConJur.

Assim, o agravo foi negado. Só em 1º de julho, após requisição da OAB, a Corte aprovou mudança no regimento para que os votos não manifestados em plenário virtual passassem a contar como abstenção, e não mais como acompanhando o relator.

Além das negativas no bojo da Ação Penal, dois pedidos de Habeas Corpus foram negados pela ministra Rosa Weber, um em abril e outro em maio. O primeiro pedido foi negado por não caber HC contra decisão em procedimentos penais de competência originária do Supremo; o segundo, por ter repetido as requisições do primeiro.

Saúde e prisão
Meurer estava preso na Penitenciária Estadual de Francisco Beltrão, no sudoeste do Paraná, onde cumpria pena de 13 anos e 9 meses, pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

Entre os problemas de saúde apontados pela defesa ao Supremo, constavam cardiopatia grave com comprometimento coronariano, carotídeo, valvular aórtico, marca-passo artificial, disfunção isquêmica, diabetes insulinodependente, hiperplasia prostática benigna e insuficiência renal crônica não-dialítica.

Apesar de o Supremo ter declarado "estado de coisas inconstitucional" no sistema carcerário brasileiro, no julgamento da ADPF 347, em 2015, Fachin entendeu que as medidas básicas de prevenção e a disponibilidade de atendimento primário na penitenciária paranaense eram suficientes para afastar a necessidade de concessão de domiciliar.

Repercussão
O advogado Rodrigo Mudrovitsch lamentou a morte de Meurer. "Lamento profundamente o falecimento do ex-deputado e espero que esse triste episódio leve a uma visão mais humana, por parte do Poder Judiciário, em relação aos réus nos processos penais."

Eduardo Carnelós também criticou o punitivismo que resultou na morte de Meurer na prisão. "Os fanáticos do punitivismo podem celebrar o troféu a que fizeram jus. Quanto tempo e quantas vidas serão ainda necessários para que o ordenamento jurídico, nele avultando o inciso III, do artigo 1°, da Constituição (que institui a dignidade da pessoa humana como fundamento da República), seja observado, e deixe de ser violado a pretexto de se combater a corrupção e o crime em geral?"

"Não se trata da única morte em presídios por Covid-19 e pior, não será a última. O judiciário precisa perceber o alcance trágico de certas decisões e que a preservação da vida é mais importante que qualquer razão política criminal. Pessoas de grupos de risco precisam ser transferidas para o regime domiciliar em caráter de urgência. Não existe qualquer motivo que justifique a manutenção dessas pessoas em unidades prisionais. A banalização da vida é um pecado que não pode ser cometido pelo estado brasileiro", afirmou o criminalista Pierpaolo Bottini. "E ainda dizem que no Brasil não tem pena de morte!", completou Técio Lins e Silva.

Clique aqui para ler a decisão de Fachin
AP 996

Clique aqui para ler a decisão de Rosa Weber
HC 184.062

Clique aqui para ler a decisão de Rosa Weber
HC 185.427

13
Jul20

Por causa de um "voto por omissão", ex-deputado fica preso e morre!

Talis Andrade

 

Por Lenio Luiz Streck / ConJur

- - -

Talvez possamos aprender com o erro. Peço que me acompanhem.

Eu havia escrito aqui, endossando posição da CFOAB 1, que o STF estava cometendo inconstitucionalidade ao computar abstenção no plenário virtual como voto de acordo com o relator.

Eu disse: O que um cidadão pensaria se, em um pedido seu envolvendo, por exemplo, a liberdade, apenas 2, 3 ou 4, da composição de 5 ministros, votassem no plenário virtual e que os votos não proferidos contassem como se fossem concordes com o relator?

Pois foi o que aconteceu com o ex-Deputado Meurer, de 78 anos, morto pela Covid depois de ter sido negado a ele o direito a prisão domiciliar.2 Além de tudo, operado do coração. E sabem por quê? Por causa do voto não proferido pela Ministra Carmen Lucia, que foi computado como sendo contra o apenado.

Em detalhes: o resultado do plenário virtual foi 2x2 (segunda-turma), com abstenção de voto da Ministra Carmen. Gilmar e Lewandowski votaram a favor. Fachin e Celso, contra. Só que, conforme a regra do art. 2º, § 3º, da Resolução 642/2019, o requerente perdeu, porque a abstenção de Carmen contou a favor do voto do relator Fachin, quem votou contra o pedido. Assim, por incrível que pareça, o relator pode ter até três votos. No mundo todo, deverá ser objeto de estudos. Um juiz, dois ou três votos!

De todo modo, tratando de matéria de liberdade, o empate deveria dar vitória ao requerente, conforme já se sabe desde o julgamento de Orestes, na peça As Eumênidas, de Ésquilo (Trilogia Oresteia).

Por isso, nem precisaria ser computado o "voto" da ministra. Esse é o imbróglio. Dois votos a favor e dois contra já dariam vitória ao idoso ex-deputado se ele tivesse sido julgado pela juíza Palas Athena, da mitologia grega. Ou seja, se ele tivesse sido julgado na Grécia antiga, o empate o favoreceria.

Lamentavelmente não é apenas esse o problema dos plenários virtuais. Quantas pessoas foram prejudicadas por "votos por omissão"? Quantos votos por omissão foram computados contra os réus? Uma pergunta para os pesquisadores.

Há muita coisa ainda a alterar. Como o Brasil precisa mudar. Nestes tempos de pandemia, os atropelos se multiplicam. A última reunião da Comissão de Estudos Constitucionais tratou disso. Há juízes e desembargadores que não aceitam despachar com o advogado virtualmente. Isso para dizer o menos.

E há ministro do STJ que diz que não ouve sustentação virtual. Como advogar? Esse caso do "voto por omissão" está corrigido. Mas, cá para nós, ficou uma nódoa. Afinal, aceitar que em 2020 a Suprema Corte (e existe isso em outros tribunais) institucionalizou o "voto por omissão"? Será que ninguém se deu conta disso, já no início?

Tenho estado na linha de frente na defesa do STF. Como já falei no plenário — físico — quando do julgamento da ADC 44, sou amigo da Corte. Inimigos ela tem de sobra. Fui o primeiro a dizer que o STF estava sendo vítima de Contempt of Court. Tese muito bem albergada pelo STF no caso do inquérito das fake news, em que o STF acertou. E há inúmeros textos meus em defesa da Suprema Corte nos últimos anos. O grupo Prerrogativas, do qual faço parte, tem se notabilizado pela defesa institucional da Suprema Corte. E é papel da doutrina dizer do acerto e alertar para o erro. Como está no alerta do livro Die unbegrenzte Auslegung (Uma Interpretação não limitada-constrangida), de Bernd Rüthers.

Mas seria bom que os Ministros tivessem mais empatia e se colocassem, por vezes, no lugar das partes e no lugar dos advogados. O caso esse, em que resultou a morte do ex-deputado, pode servir de sinal de alerta.

Isto é: precisamos saber que tratamos de gente, de pessoas. Não são algoritmos, nesta fase pós-moderna em que tudo é eficiência, robôs, etc. De novo: como que um voto-não-proferido pode ser computado a favor do relator? Um "não voto" vira um voto? Um voto que pode, por vezes, ser a destruição de uma carreira, de uma vida, da perda de patrimônio, da honra, de direitos?

Fui, por 28 anos, membro do Ministério Público e é de conhecimento público as minhas relações respeitosas com os advogados. Eu tinha empatia. Talvez porque tenha sido advogado antes de ingressar no MP. E sofrido na carne. A dor ensina a gemer. Do couro saem as correias.

Tenho visto tanta coisa nestes poucos anos de advocacia, depois de meu jubilamento. Já disse para minha filha e meu genro, ambos advogados: por favor, se depender do vovô aqui, esforçar-me-ei para que meus dois netos não sejam advogados. Ninguém aguenta fazer Stoik Mujic todos os dias.

Tenho conversado com tantos advogados nesta era das lives. Que me contam tantas coisas. Do drama cotidiano de advogar. Meus amigos me contam coisas. Leio tantas coisas que denunciam essa verdadeira jusdramatologia. Advogar deveria ser profissão de risco. E receber insalubridade.

Os casos do rapaz que morreu da Covid (esse é do do âmbito do STJ) e do ex-deputado Meurer apenas confirmam (minh)as angústias. O que me contam todos os dias enruga o raciocínio. E quando me dou conta de que um recurso para os tribunais superiores tem menos de 1% de chance de "passar", fico pensando se os médicos dissessem ao utente: você tem menos de 1% de chance de sobreviver na cirurgia.

Angústia é aquela dor que não se sabe dizer e definir... Esta velha angústia, como diria F. Pessoa, por seu heterônimo Álvaro de Campos.

Temos de ter cuidado com as armadilhas da eficiência. Sedutora, acelera. Mas desumaniza. E pode matar.


1 O voto condutor na Comissão de estudos constitucionais foi do brilhante Dr. Jorge Galvão, seguido à unanimidade do plenário, sob o comando do Dr. Marcos Vinicius, grande ex-Presidente.

2 O ex-deputado Meurer foi defendido pelos Advogados Michel Saliba e Alexandre Jobim.

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