Por que a polícia esconde a presença de um amigo do homicida necrófilo Thiago Mayson da Silva no feminicídio de Janaína Bezerra, na sala de mestrado da Universidade Federal do Piauí? Uma universidade que parece sem comando, e caíndo aos pedaços.
Publica MayriaTorres:
No testemunho completo, Thiago Mayson contou que encontrou Janaína durante a calourada e a chamou para "ficarem" novamente. De acordo com o relato (mentiroso), os dois ficaram próximo a um dos corredores do setor de matemática e depois resolveram ir para uma sala que Thiago já possuía a chave.
Por volta das 3h, eles teriam tido a primeira relação sexual consentida dentro da sala e depois foram dormir. Segundo o acusado, eles teriam acordado tempos depois, e Janaína teria dito que estava com fome e pedido açúcar. Ele afirmou que atendeu o pedido e a deu açúcar, além de oferecer uma banana.
Posteriormente, os dois teriam tido uma segunda relação sexual, momento em que Thiago afirmou que "sentiu que Janaína desmaiou e acredita que nessa hora tenha batido a cabeça no chão."
De acordo com o relato, ele dormiu e só acordou de manhã, quando notou que Janaína não tinha acordado e que a sentiu "fria". Ele teria entrado em contato com um amigo chamado Vitor, que o aconselhou a levar para um hospital.
"Coincidentemente um colega do interrogado de nome Vitor, mandou mensagem perguntando onde Thiago estava. Ele relatou a situação para Vitor e o mesmo o aconselhou que levasse Janaina para o Hospital."
Thiago afirmou que pediu um Uber para levar Janaína ao Hospital Universitário, mas logo que saiu da sala com ela nos braços juntamente com o colega de nome Vitor, se depararam com um segurança da Universidade Federal.
"Na sequência apareceu um outro segurança que faz ronda no veículo. Juntamente com este motorista, encaminharam Janaína para Hospital da Primavera. No Hospital a equipe médica fez uma massagem cardíaca em Janaina, mas já estava morta”, diz trecho do depoimento.
Thiago (foto) ia com o amigo Vitor desovar o cadáver de Janaína
A delegada Nathalia Figueiredo, responsável pela investigação, afirmou ainda que o acusado chegou a filmar a prática sexual, mas com a morte de Janaína consumada, Thiago Mayson tentou apagar as imagens do celular. Ele também gravou um vídeo da própria mão ensanguentada, como se fosse, segundo a polícia, "um troféu em relação à violência que ele cometeu”.
"O celular dele foi apreendido e conseguimos recuperar imagens registradas pelo autor tanto após a primeira violência sexual, que ela ainda estava com vida, mas visivelmente desnorteada. E o segundo registro, com ela provavelmente já morta e com as partes íntimas muito ensanguentadas, além de apresentar ejaculação nas pernas”, detalhou a delegada. Leia mais sobre o caso aqui.
Ainda segundo a delegada Nathalia Figueiredo, as imagens demonstram indiferença do autor após o crime. “Tinha um volume de sangue muito grande. O próprio laudo estabelece que a vítima foi submetida a intenso sofrimento físico e psicológico, por isso tem a qualificadora do meio cruel. Total indiferença do autor em relação à condição de saúde dela, ele simplesmente queria satisfazer o desejo sexual dele, pouco importava se no transcorrer dessa violência sexual a vítima viesse a óbito ou não”, disse.
Sobre a possibilidade do crime ter sido premeditado, a delegada de Feminicídios destacou que não há como confirmar esta hipótese. “Não podemos dizer que houve premeditação ou não, mas, no momento que aconteceu, houve de fato a violência. ”, contou.
Delegada Nathalia Figueiredo
O mestrando em Matemática foi indiciado pelos crimes de estupro, homicídio com duas qualificações – meio cruel e feminicídio – além de fraude processual e vilipêndio a cadáver. “A tipificação penal foi estupro, homicídio com duas qualificações – meio cruel e Feminicídio – também chegamos à conclusão de que teve fraude processual, por ele ter escondido provas, e também vilipêndio à cadáver", disse a delegada.
O crime de fraude processual se deve ao fato dele ter escondido o preservativo num armário. “Ele fez uso de um preservativo, e guardou num armário. A perícia quando esteve no local conseguiu ter acesso, mas quando foi confrontado ele demonstrou que havia sido ‘pego na mentira’”.
De acordo com o laudo do Instituto de Medicina Legal (IML), a causa da morte de Janaína Bezerra aponta para trauma raquimedular por ação contundente, ou seja, houve uma contusão na coluna vertebral a nível cervical, o que causou lesão da medula espinhal e a morte. “A causa mortis dela foi causada por uma luxação cervical decorrente da prática da violência sexual, de acordo com a posição que foi realizada. A vítima tinha entre 1,40 m a 1,50 m e era magra. O autor tem um porte considerável, principalmente se a gente fizer uma relação dele com a vítima”, completou a delegada Nathalia Figueiredo.
Foto: Reprodução/DCE
Campanha solidária em prol da família favelada de Janaína Bezerra
Você conhece a música Mulheres de Atenas, de Chico Buarque? Descubra o que o autor queria realmente criticar por meio desta obra e como as cidadãs gregas, que inspiraram a composição, viviam no passado
Em primeiro lugar, precisamos nos lembrar que Chico Buarque compôs a músicaMulheres de Atenasno ano de 1976, durante o período doRegime Militar. Portanto, ele não tinha a liberdade de expressão que temos hoje.
Por isso, nem ele nem outros artistas daquela época expressavam suascríticasou opiniões abertamente, em público. Muitos deles usavam metáforas para falar do que não concordavam, fosse na sociedade ou no governo do país.
Portanto, embora em toda a música o autor conclame as pessoas a imitarem o exemplo das mulheres de Atenas, ele etá na verdade fazendo uma crítica. Ele está mostrando que, naquele momento, vivíamos em uma sociedade patriarcal em que a mulher não tinha voz nem direitos, onde seus desejos eram anulados.
Veja alguns trechos e as ideias que eles transmitem:
submissão:vivem para os seus maridos, se perfumam, se banham com leite e se arrumam; quando fustigadas não choram: se ajoelham, pedem e imploram; não têm gosto ou vontade, defeitos ou qualidades (despersonalização); têm medo, apenas; não têm sonhos, só tem presságios;
supremacia masculina:os maridos são chamados de “orgulho e raça”, “poder e força”, “bravos guerreiros”, “heróis e amantes” de Atenas;
atuação exclusivamente doméstica:quando eles embarcam, soldados, elas tecem longos bordados (inclui a noção de futilidade, já que bordado é um “enfeite”);
servidão sexual:guardam-se para seus maridos, ficam em quarentena quando eles embarcam, estão à disposição quando retornam, suportam traições;
procriam para alimentar a guerra:geram para seus maridos os novos filhos de Atenas;
sofrem perdas devido à guerra:temem por seus maridos, jovens viúvas marcadas, gestantes abandonadas, vivem o luto, se conformam e se recolhem às suas novenas;
Portanto, de forma até irônica, Chico Buarque se refere à sociedade patriarcal. Ele canta o exemplo das mulheres de Atenas mas, na verdade, está criticando um mundo em que não existe direitos iguais para pessoas de gêneros diferentes.
Porém, essa é a crítica feita no primeiro plano. Em segundo plano, temos uma ainda mais forte. Esse homem poderoso e autoritário representa também o Estado, a ditadura militar.
Veja que ele não fala para as mulheres se inspirarem nasmulheres de Atenas. O convite dele é para todos, não existe um único destinatário.
O que ele diz, com isso, é que a ditadura impunha a todos os brasileiros uma situação semelhante às das atenienses. Os cidadãos eram maltratados e não tinham o direito de chorar, não tinham gosto ou vontades. Seus sonhos haviam dado lugar aos presságios. Como canta na música, “tinham medo, apenas”.
E não é só isso: assim como a guerra, a ditadura levava maridos que lutavam pela liberdade, e que nunca mais retornavam. Quantas mulheres, nesse período, viram seus filhos serem torturados, mortos e desaparecidos depois de enfrentarem as forças de repressão? Portanto, a crítica social e política estão camufladas na letra.
Mulheres de Atenas: a História por trás da música
Vale lembrar que esse tipo de música nos faz criar paralelos entre o presente (no caso de Chico Buarque) e o passado (as verdadeiras atenienses). Então, nada melhor que descobrir como elas viviam.
Dificilmente, algumamulherda atualidade gostaria de ter vivido nasociedade grega. Existia uma distinção clara entre os gêneros, com papéis sociais e políticos muito bem definidos.
Enquanto os homens tinham acesso ao poder e à glória — eles eram os políticos, os guerreiros e comerciantes — as mulheres tinham uma vida totalmente submissa. Elas sempre ficavam sob a tutela de um membro da família do sexo masculino, fossem eles seus pais, maridos ou filhos, caso ficassem viúvas.
Mesmo dentro de casa, as meninas eram separadas de seus irmãos e permaneciam em uma área isolada da casa: ogynaikeion.Elas raramente saíam à rua e, para que isso acontecesse, deviam ser acompanhadas dos maridos ou pais, sempre vestidas da cabeça aos pés.
A mulher grega e o casamento
O único destino possível para a mulher era o casamento. Aliás, tratava-se de um dever religioso e cívico: ao formarem uma família, elas tinham o privilégio de procriar para gerar novos soldados para o país. Caso a esposa fosse infértil, o homem tinha o direito de se divorciar. Caso ela o traísse, ele poderia exigir a separação ou mesmo matar a infiel em público.
Do lado masculino, tudo era diferente. Eles não só tinham o direito de trair suas esposas, mas de manter relacionamentos extraconjugais tanto com mulheres quanto com outros homens. Aliás, o envolvimento entre um homem maduro e um jovem — uma prática chamada pederastia — era até incentivada pelasociedade.
A única outra alternativa para mulheres na Grécia era a prostituição.Sólon, um dos governantes do país, criou um dos primeiros bordéis públicos. A situação da mulher era realmente complicada. Um filósofo ateniense deixou registrado que os homens gregos tinham “cortesãs para dar prazer, concubinas para as necessidades diárias e esposas para dar filhos legítimos e guardar fielmente os lares”.
Sempre vale a pena lembrar que julgar antigas culturas e costumes a partir de nossos próprios valores não é o mais adequado. Embora algumas dessas situações sejam inadmissíveis hoje (embora algumas ainda aconteçam), é importante verificarmos que o momento histórico era outro.
Portanto, a cultura que temos hoje e a nossa compreensão desses fatos é resultado de um longo processo histórico. Os cidadãos daquele tempo não tinham os mesmos conceitos e valores que possuímos naatualidade. Portanto, suas ações refletem o que era comum, aceitável e até mesmo admirável em sua época.
O ódio é a palavra que define melhor tanto Bolsonaro quanto seu governo, que é a sua cara
Por Alex Solnik
É estarrecedor constatar que as atitudes, comportamento, ideias e declarações de Bolsonaro, seu ódio, sua fixação na morte, seu desprezo pela vida, seus elogios à tortura, sua obsessão pela volta do passado se encaixam perfeitamente nas características de um necrófilo, definidas pelo filósofo e psicólogo social Erich Fromm, no artigo “Adolf Hitler: um caso clínico de necrofilia”, que faz parte de seu livro “Anatomia da Destrutividade Humana”.
De acordo com Fromm, “a necrofilia social é uma orientação geral para o ódio à vida e o amor pelos mortos, inanimados. É a mais dolorosa e perigosa de todas as orientações de vida".
O ódio é a palavra que define melhor tanto Bolsonaro quanto seu governo, que é a sua cara.
“A necrofilia não se reduz a uma única característica, mesmo a mais essencial, caracteriza-se por todo um complexo de signos, que inclui o desejo pelos mortos e a sua honra, a necessidade de matar, a submissão à força, o desejo de transformar o orgânico em inorgânico pela força, sadismo, crueldade, destrutividade”.
“A vida é caracterizada pelo crescimento funcional e estruturado, mas os necrófilos amam tudo o que não cresce, tudo o que é mecânico”.
“Hitler era um tipo claro de necrófilo social. Fascinado pela destruição, escolheu entre todas as opções para resolver certas questões aquela que estava associada à destruição em grande escala (a ‘solução final da questão judaica’)”.
Também fascinado pela destruição, Bolsonaro já falou em guerra civil para matar 30 mil brasileiros, em metralhar a petralhada, mandar os adversários para a ponta da praia, considera clubes de tiro mais importantes que bibliotecas, faz propaganda explícita de armas. Ele só não conseguiu (ainda) colocar seus planos em prática, ao contrário de Hitler.
“Uma dimensão especial da necrofilia de Hitler é sua atitude em relação ao passado. Para ele, não era um tesouro de experiência, nem lições para o futuro, nem uma soma de possibilidades realizadas e não realizadas, algumas das quais merecem ser continuadas e incorporadas, outras devem ser rejeitadas, mas um modelo claramente definido ao qual o futuro deve ser adaptado. Não foi por acaso que a Alemanha se autodenominou Terceiro Reich, a perfeita reprodução e conclusão do que foi feito nos dois primeiros impérios alemães”.
Não por acaso, o que Bolsonaro mais almeja é a volta da ditadura militar de 1964 e tem saudades do Império, colocando os filhos a governar junto com ele, no papel de príncipes.
“Em geral, os necrófilos estão orientados não apenas para o passado, mas para o passado ‘ossificado’ como valor principal da vida, como algo que deve ser reproduzido para sempre nas novas gerações, como modelo e cânone para todos os seres vivos. E sentem um prazer quase sexual da desgraça alheia, da dor e da morte”.
Essa última frase parece ter sido inspirada em Bolsonaro. Mas Erich Fromm a escreveu em 1973.