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O CORRESPONDENTE

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O CORRESPONDENTE

06
Fev21

Pesquisa revela que Bolsonaro executou uma “estratégia institucional de propagação do coronavírus”

Talis Andrade

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por ELIANE BRUM /El País

A linha de tempo mais macabra da história da saúde pública do Brasil emerge da pesquisa das normas produzidas pelo Governo de Jair Messias Bolsonaro relacionadas à pandemia de covid-19. Num esforço conjunto, desde março de 2020, o Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA) da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP) e a Conectas Direitos Humanos, uma das mais respeitadas organizações de justiça da América Latina, se dedicam a coletar e esmiuçar as normas federais e estaduais relativas ao novo coronavírus, produzindo um boletim chamado Direitos na Pandemia – Mapeamento e Análise das Normas Jurídicas de Resposta à Covid-19 no Brasil. Nesta quinta-feira (21/1), lançam uma edição especial na qual fazem uma afirmação contundente: “Nossa pesquisa revelou a existência de uma estratégia institucional de propagação do vírus, promovida pelo Governo brasileiro sob a liderança da Presidência da República”.

Obtida com exclusividade pelo EL PAÍS, a análise da produção de portarias, medidas provisórias, resoluções, instruções normativas, leis, decisões e decretos do Governo federal, assim como o levantamento das falas públicas do presidente, desenham o mapa que fez do Brasil um dos países mais afetados pela covid-19 e, ao contrário de outras nações do mundo, ainda sem uma campanha de vacinação com cronograma confiável. Não é possível mensurar quantas das mais de 212.000 mortes de brasileiros poderiam ter sido evitadas se, sob a liderança de Bolsonaro, o Governo não tivesse executado um projeto de propagação do vírus. Mas é razoável afirmar que muitas pessoas teriam hoje suas mães, pais, irmãos e filhos vivos caso não houvesse um projeto institucional do Governo brasileiro para a disseminação da covid-19.

Há intenção, há plano e há ação sistemática nas normas do Governo e nas manifestações de Bolsonaro, segundo aponta o estudo. “Os resultados afastam a persistente interpretação de que haveria incompetência e negligência de parte do governo federal na gestão da pandemia. Bem ao contrário, a sistematização de dados, ainda que incompletos em razão da falta de espaço na publicação para tantos eventos, revela o empenho e a eficiência da atuação da União em prol da ampla disseminação do vírus no território nacional, declaradamente com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível e a qualquer custo”, afirma o editorial da publicação. “Esperamos que essa linha do tempo ofereça uma visão de conjunto de um processo que vivemos de forma fragmentada e muitas vezes confusa”.

A pesquisa é coordenada por Deisy Ventura, uma das juristas mais respeitadas do Brasil, pesquisadora da relação entre pandemias e direito internacional e coordenadora do doutorado em saúde global e sustentabilidade da USP; Fernando Aith, professor-titular do Departamento de Política, Gestão e Saúde da FSP e diretor do CEPEDISA/USP, centro pioneiro de pesquisa sobre o direito da saúde no Brasil; Camila Lissa Asano, coordenadora de Programas da Conectas Direitos Humanos; e Rossana Rocha Reis, professora do departamento de Ciência Política e do Instituto de Relações Internacionais da USP.

A linha do tempo é composta por três eixos apresentados em ordem cronológica, de março de 2020 aos primeiros 16 dias de janeiro de 2021: 1) atos normativos da União, incluindo a edição de normas por autoridades e órgãos federais e vetos presidenciais; 2) atos de obstrução às respostas dos governos estaduais e municipais à pandemia; e 3) propaganda contra a saúde pública, definida como “o discurso político que mobiliza argumentos econômicos, ideológicos e morais, além de notícias falsas e informações técnicas sem comprovação científica, com o propósito de desacreditar as autoridades sanitárias, enfraquecer a adesão popular a recomendações de saúde baseadas em evidências científicas, e promover o ativismo político contra as medidas de saúde pública necessárias para conter o avanço da covid-19”.

Os autores assinalam que a publicação não apresenta todas as normas e falas coletadas e armazenadas no banco de dados da pesquisa, mas sim uma seleção que busca evitar a repetição e apresentar o mais relevante para a análise. Os dados foram selecionados junto à base de dados do projeto Direitos na Pandemia, à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União, além de documentos e discursos oficiais. No eixo que definem como propaganda, foi também realizada uma busca na plataforma Google para a coleta de vídeos, postagens e notícias.

A análise mostra que “a maioria das mortes seriam evitáveis por meio de uma estratégia de contenção da doença, o que constitui uma violação sem precedentes do direito à vida e do direito à saúde dos brasileiros”. E isso “sem que os gestores envolvidos sejam responsabilizados, ainda que instituições como o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Contas da União tenham, inúmeras vezes, apontado a inconformidade à ordem jurídica brasileira de condutas e de omissões conscientes e voluntárias de gestores federais”. Também destacam “a urgência de discutir com profundidade a configuração de crimes contra a saúde pública, crimes de responsabilidade e crimes contra a humanidade durante a pandemia de covid-19 no Brasil”.

Os atos e falas de Bolsonaro são conhecidos, mas acabam se diluindo no cotidiano alimentado pela produção de factoides e de notícias falsas, no qual a guerra de ódios é também uma estratégia para encobrir a consistência e persistência do projeto que avança enquanto a temperatura é mantida alta nas redes sociais. A publicação provoca choque e mal estar ao sistematizar a produção explícita de maldades colocadas em prática por Bolsonaro e seu governo durante quase um ano de pandemia. Um dos principais méritos da investigação é justamente articular as diversas medidas oficiais e falas públicas do presidente na linha do tempo. Dessa análise meticulosa emerge o plano, com todas as suas fases devidamente documentadas.

Também torna-se explícito contra quais populações se concentram os ataques. Além dos povos indígenas, a quem Bolsonaro nega até mesmo água potável, há uma série de medidas tomadas para impedir que os trabalhadores possam se proteger da covid-19 e fazer isolamento. O governo amplia o conceito de atividades essenciais até mesmo para salões de beleza e busca anular o direito ao auxílio emergencial de 600 reais determinado pelo Congresso a várias categorias. Ao mesmo tempo, busca implantar um duplo tratamento aos profissionais de saúde: Bolsonaro veta integralmente o projeto que prevê compensação financeira para aqueles trabalhadores que ficarem incapacitados em consequência de sua atuação para conter a pandemia e tenta isentar os funcionários públicos de qualquer responsabilidade por atos e omissões no enfrentamento à covid-19. Em resumo: o trabalho duro e arriscado de prevenção e combate numa pandemia é desestimulado, a omissão é estimulada.

Através de retenção de recursos destinados à covid-19, o Governo prejudica a assistência aos doentes na rede pública de Estados e municípios. A guerra contra governadores e prefeitos que tentam implementar medidas de prevenção e combate ao vírus é constante. Por meio de vetos, Bolsonaro anula mesmo as medidas mais básicas, como obrigatoriedade de máscaras dentro de estabelecimentos com autorização para funcionar. Muitas de suas medidas e vetos são depois derrubadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ou pelo próprio Legislativo.

Esse é outro ponto importante: a análise dos dados mostra também o quanto a situação do Brasil poderia ser ainda mais trágica caso o STF e outras instâncias não tivessem barrado várias das medidas de propagação do vírus produzidas pelo Governo. Apesar da fragilidade demonstrada pelas instituições e pela sociedade, é visível o esforço de parte dos protagonistas para tentar anular ou neutralizar os atos de Bolsonaro. É possível fazer o exercício de projetar o quanto todos esses esforços, somados e associados a um governo disposto a prevenir a doença e combater o vírus, poderiam ter feito para evitar mortes em um país que conta com o Sistema Único de Saúde (SUS). Em vez disso, Bolsonaro produziu uma guerra em que a maior parte da energia de parte das instituições e da sociedade organizada foi dissipada para reduzir os danos produzidos por suas ações, em vez de se concentrar em combater a maior crise sanitária em um século.

Quase um ano depois do primeiro caso de covid-19, resta saber se as instituições e a sociedade que não estão acumpliciadas com Bolsonaro serão fortes o suficiente para, diante do mapa de ações institucionais de propagação do vírus, finalmente barrar os agentes de disseminação da doença. O uso da máquina do Estado para promover destruição tem sido determinante para produzir a realidade atual de mais de 1.000 covas abertas por dia para abrigar pessoas que poderiam estar vivas. Na gaveta de Rodrigo Maia (DEM), presidente da Câmara, há mais de 60 pedidos de impeachment. No Tribunal Penal Internacional, pelo menos três comunicações relacionam genocídio e outros crimes contra a humanidade à atuação de Bolsonaro e membros do governo relacionadas à pandemia. As próximas semanas serão decisivas para que os brasileiros digam quem são e o que responderão às gerações futuras quando lhes perguntarem onde estavam quando tantos morreram de covid-19. [Continua]

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26
Jan21

Bolsonaro não é só mentiroso, ele despreza a vida

Talis Andrade

Jair Bolsonaro tem a compulsão da mentira e a frieza da insensibilidade.

Hoje disse “já somos o sexto país que mais vacinou no mundo” e que “brevemente estaremos nos primeiros lugares, para dar mais conforto à população e segurança a todos, de modo que a nossa economia não deixe de funcionar”.

Além da mentira (porque somos apenas o 50° país em percentagem da população vacinada. como você vê na tabela interativa do site Our World in Data, aqui), há, mesta frase, crueldade.

Então a importância da vacina que pode impedir a morte de mais de mil brasileiros por dia é “que a nossa economia não deixe de funcionar”?

As quase 220 mil mortes, para ele, não são dramáticas, não emocionam, não precisam ser as últimas que vão ceifar pais, mães, irmãos, companheiros, mas apenas um prejuízo dos negócios?

Um homem assim não tem a menor condição de liderar um país, menos ainda numa situação de guerra sanitária como a que nos encontramos.

Os generais brasileiros estão tendo todos os avisos possíveis de que passaram a servir a um genocida, a um organizador de milícias fundamentalistas, a quem é desperdício pedir moderação e foco na saúde da população, pois tudo o que concede dizer – “lamento, mas fiz o que era possível” – é mero cinismo e hipocrisia.

Sangue frio, uma virtude, não é o mesmo que alma fria, uma abominação que retirar a humanidade do comando, para o qual a vida dos comandados é apenas um mero detalhe, desprezível, em seus objetivos.

 

23
Jan21

Diplomacia contra o Brasil

Talis Andrade

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por Gulnar Azevedo e Silva e Reinaldo Guimarães /Abrasco

- - -

Ainda em meados de 2020, os acordos de compra de imunizantes — feitos de modo independente pela Fiocruz e pelo Instituto Butantan, com cláusulas de fabricação local da vacina contra Covid-19 —colocavam o Brasil numa situação privilegiada entre os países em desenvolvimento. Esses dois acordos, somados ao compromisso brasileiro junto ao mecanismo OMS/Covax, garantiriam pouco mais de 300 milhões de doses das duas vacinas para o Programa Nacional de Imunização (PNI) do SUS.

Enquanto as duas instituições públicas brasileiras, com larga experiência na produção de vacinas, trabalhavam nesse sentido, o governo brasileiro, tendo à frente o presidente da República, seus filhos e o ministro das Relações Exteriores, se empenhavam numa guerra ideológica contra a China, inspirada por Trump. Foram mais de uma dezena de ataques a nosso maior mercado de exportação, tendo como alvos a compra de terras, outros investimentos produtivos como a tecnologia 5G e, por fim, a vacina do Butantan.

Em janeiro de 2020, ocorreu uma reunião da Organização Mundial do Comércio sobre os direitos de propriedade de vacinas anti-Covid-19. Nela, ao contrário da grande maioria dos países em desenvolvimento, o governo brasileiro alinhou-se aos países ricos detentores de patentes farmacêuticas contra uma proposta da Índia, apoiada pela OMS, que estabelecia o licenciamento voluntário de todas as vacinas contra a Covid-19.

Com esse retrospecto no relacionamento com Índia e China, associado a um real desequilíbrio entre a capacidade produtiva global de vacinas e a demanda colocada pela pandemia, estamos agora na incerteza em relação ao cronograma de entrega das duas vacinas ao Brasil. Enquanto Fiocruz e Butantan desenharam, a tempo e a hora, uma estratégia de defesa do país no enfrentamento da pandemia, o governo federal e o Itamaraty operaram o que talvez possa ser chamado de maior fiasco diplomático de toda a sua história.

Os indianos começaram a campanha nacional de vacinação no momento em que o Brasil reivindicava o favor de comprar dois milhões de doses da vacina da AstraZeneca da empresa Serum, o que resultou no vexame do avião que nem decolou. E, logo em seguida, a Índia iniciou a exportação dessa vacina para países vizinhos com relevância geopolítica. Somente ontem as doses chegaram ao Brasil.

A China é a principal fornecedora de princípios ativos de medicamentos e vacinas para todo o mundo. A Sinovac vinha mantendo o cronograma de fornecimento do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) ao Butantan, mas recentemente anunciou um possível atraso em entregas futuras. Talvez pelo excesso de demanda, mas é possível especular que haja algo mais. Após os ataques irresponsáveis do Brasil nos últimos dois anos, os chineses talvez estejam seguindo seus traços culturais mais marcantes e ancestrais: paciência e pragmatismo.

Há duas vacinas seguras aprovadas pela Anvisa e todo um país à espera para que vidas sejam salvas. Não merecemos uma diplomacia que nos levará a mais mortes.

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