“A gente está falando de grupos que pregam o extermínio, fazem ações violentas e têm crescido no Brasil. A gente precisa dar uma resposta política, achar o nexo entre as coisas”, me disse a vereadora Mariana Conti, do Psol, eleita presidente da CPI.
A comissão investiga as estruturas, membros, atuação dos grupos extremistas e, principalmente, se eles mantêm vínculos com partidos políticos e movimentos de extrema direita.
Intercept – A CPI foi criada para investigar grupos neonazistas e fascistas em Campinas, autores de ataques na Unicamp. O que significam esses atos?
Mariana Conti – Essas ações não são isoladas. Campinas tem um histórico de outras ações, de pichação no Taquaral [principal parque da cidade] de símbolos que remetem ao nazismo e fascismo, muitas vezes menos conhecidos. Essa é uma estratégia que os grupos têm adotado, ao invés da suástica, que é o símbolo mais conhecido. A gente já teve pichações na própria Unicamp, em 2018, na biblioteca do IEL [Instituto de Estudos de Linguagem].
As pesquisas da professora Adriana Dias têm mostrado e mapeado o aumento desses grupos. Para além disso, houve situações na Câmara. Durante uma manifestação antivacina [no ano passado], a gente viu cartazes com símbolos do QAnon, um grupo supremacista branco [dos Estados Unidos], racista. A gente sabe que o fascismo e nazismo tem esse conteúdo. É uma miríade de elementos que se organizam nesses grupos de extrema direita. Não são movimentos desorganizados. Eles têm ideologia, sentido, pauta. Isso é o que queremos averiguar, achar o nexo entre essas ações e as possíveis relações políticas que existem entre esses grupos e partidos e figuras da política campineira.
Por que os alvos são a Unicamp e locais próximos de uma das principais universidades do país?
O conteúdo desses grupos têm vários elementos, mas existem pontos em comum: o ataque à esquerda, o anticomunismo, o ataque a grupos sociais como os da negritude, os LGBTQIA+, as mulheres. Na universidade, onde houve um grande movimento para adotar cotas raciais, há um processo de popularização e diversificação da comunidade. Isso faz dela um alvo na medida em que se torna mais plural. O fato de a universidade ter movimento por cotas [para pessoas] trans diversifica o ambiente da universidade e traz grupos sociais que são marginalizados para o protagonismo. Isso incomoda grupos que, na verdade, pregam o extermínio de quem veem como inimigos: mulheres, pessoas LGBTQIA+, migrantes, imigrantes, negros, indígenas. Não é à toa que o ataque [a tiros] no Bar do Ademir, em frente à moradia estudantil, foi dirigido contra trabalhadores que atuam no bar e são imigrantes haitianos. Os relatos que temos é de que as pessoas [autoras dos ataques] imitaram macacos. São ataques racistas. É um movimento reacionário ao fato de que, graças ao processo de luta, de organização, a universidade está passando por um processo de diversificação e dando protagonismo a esses grupos sociais.
A Unicamp mostrou disposição em colaborar com a CPI? Os casos que aconteceram ali podem ser de autoria de alunos da própria universidade?
Uma das deliberações da CPI foi fazer uma conversa institucional com a reitoria e com a Comissão de Direitos Humanos da Unicamp. Pessoalmente, penso que a Unicamp precisa ser mais incisiva na posição que ela assume com relação a esses ataques. É bem possível que sejam de membros da comunidade universitária. Porque a gente sabe que ela é plural, tem uma série de posições políticas.
Vocês partem de uma lista de nomes de organizações suspeitas para começar este trabalho?
A gente parte das pesquisas que já existem. Queremos chamar uma série de grupos para estarem com a gente, o movimento negro, dos terreiros, dos LGBTQIA+, grupos feministas, comunidades haitianas, nordestinas, ciganas. Queremos convidar, inclusive, a comunidade judaica.
A CPI vai se debruçar sobre o financiamento desses grupos de ódio?
Sim, e também como eles conseguem estar nas redes sociais, como acontece o recrutamento, quem são as pessoas recrutadas. E colaborar com as investigações que já existem no Ministério Público e na Polícia Civil.
Há limitações jurídicas e legais para a atuação da CPI. Por isso é importante o apoio das polícias e do Ministério Público, dois órgãos muito contaminados pelo bolsonarismo. Vocês já tiveram contato com essas autoridades? Há dificuldades ou ajuda?
Uma CPI municipal não tem o poder de fazer quebra de sigilo telefônico e de sigilo bancário. Isso dificulta o trabalho, porque vai exigir que pensemos estratégias de atuação. Ao mesmo tempo, se tivéssemos esse poder, penso que seria muito difícil aprovar uma CPI com esse caráter. Tanto que é inédito, não vi outro lugar em que tenha sido instalada uma CPI para investigar grupos fascistas, embora a gente saiba que [casos] acontecem no Brasil inteiro.
Mas que tipo de apoio vocês esperam das polícias e do Ministério Público?
A gente sabe que houve uma grande contaminação das forças de segurança em geral pela ideologia da extrema direita. O bolsonarismo fez isso. Bolsonaro canaliza e organiza politicamente esse conjunto de grupos que têm diferentes formas de manifestação na extrema direita. A gente sabe que existe essa tendência no Brasil [da violência], mas com o governo Bolsonaro isso tem respaldo institucional.
Isso pode ser uma dificuldade para CPI?
Pode, com certeza. Mas conhecemos e temos relações com grupos de policiais antifascistas. E é claro que policiais que discordam dessa abordagem, que questionam, se incomodam com essa ação de violência, estão em uma posição defensiva internamente na corporação. Existem perseguições e uma série de coisas que acontecem dentro das corporações. Vamos ter que elaborar uma estratégia de fazer uma relação institucional com a Polícia Civil, vamos procurar o delegado responsável pelos casos, fazer uma visita institucional. A extrema direita não é uma unanimidade. A polícia que mais mata é também a que mais morre no mundo.
Para fazer a CPI, vocês conseguiram a assinatura de 22 dos 33 vereadores campineiros. Por que um terço deles não assinou o requerimento?
Muitas vezes não tem justificativa, né? Teve um argumento de que vereador não é investigador de polícia. A manifestação pública que aconteceu contra a CPI foi de um vereador, o Marcelo Silva, que é declaradamente bolsonarista. Ele falou que era uma propaganda da esquerda.
É curioso que ele [o vereador Marcelo] é de origem judaica. Usou isso como argumento, como se só ele tivesse legitimidade para fazer algo. A professora Adriana Dias, que também é de descendência judaica, já explicou que esse argumento é usado como forma de se legitimar.
A extrema direita é o ponto do espectro político em que fascistas e neonazistas se encaixam. Em Campinas, há uma representação muito forte da extrema direita, principalmente com a família Santini, que tem um secretário [do Ministério da Justiça] em Brasília e tinha um vereador na cidade. Esses grupos de extrema direita ligados ao bolsonarismo trabalharam contra a criação da CPI?
Os vereadores declaradamente bolsonaristas não assinaram a CPI. São três: Major Jaime [do Progressistas], Marcelo Silva e Nelson Hossri [ambos do PSD]. E o Marcelo falou contra a CPI na tribuna. Mas foi curioso, um acaso, que no dia em que o requerimento da CPI foi lido, havia um ato organizado pelos bolsonaristas contra o passaporte sanitário. A esquerda foi xingada. Eles estavam raivosos, protestaram, xingaram, mas a CPI foi instalada.
A gente vê que o movimento antivacina, organizado e orquestrado pelo governo Bolsonaro, serviu como elemento de organização da extrema direita. E isso que precisamos identificar: existe vínculo entre grupos que estão cometendo violência fascistas, usando símbolos nazistas, com esses grupos? Estão se organizando politicamente para disputar pautas na cidade? Existe vínculo? Qual é?
Com a extrema direita é dado que esses grupos são identificados, mas com grupos políticos mais tradicionais, conservadores, já é possível identificar ligações?
São hipóteses, isso que a gente quer verificar.
As hipóteses levam a esses grupos conservadores, bolsonaristas?
A gente parte do mapeamento que a professora Adriana Dias colocou. E ela mesma disse, em uma entrevista ao Intercept, que encontrou um site de cunho neofascista que tinha um banner para o site do Bolsonaro. O que acho surpreendente é como essas questões são tratadas como menores, não é dada a devida importância para esses fatos da política, das instituições. Um dos motivos pelo qual pedi a abertura dessa CPI é porque incomoda muito que você não tenha respostas políticas. A gente está falando de grupos que pregam extermínio, fazem ações violentas e têm crescido no Brasil. As aproximações deles com grupos políticos organizados, com canais legais, está aí. A gente precisa dar uma resposta política, achar o nexo entre as coisas. As instituições não respondem, esse silêncio é muito grave.
Vai ser um desafio a gente caminhar nesse sentido. Com as limitações legais que tem uma CPI municipal, com as resistências que existem, ameaças e intimidações.
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Em Campinas, está a Escola de Cadetes do Exército, onde Bolsonaro estudou por algum tempo e boa parte dos militares estudam antes de ir à Academia das Agulhas Negras. De alguma maneira a CPI tem interesse em olhar para o Exército? Vai procurar ouvir a Escola de Cadetes?
É uma hipótese, não havíamos pensado nisso ainda. Mas é uma possibilidade. A gente sabe que no Exército há núcleos de extrema direita. O próprio Bolsonaro é de um grupo que não queria o fim da ditadura, que atuou contra a transição, a anistia, faz saudações à tortura, a torturadores. A gente sabe que ali é vespeiro. Vamos ver o que a gente consegue.
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