O genocídio psicopata de quem acreditava na imunidade de rebanho. A ´gripezinha´ já matou mais de 700 mil brasileiros. E Bolsonaro jamais foi a um enterro ou rezou missa de sétimo dia ou enviou mensagem de luto
por Redaçao Isto é
Relatórios produzidos pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) confirmam que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) escondeu informações sobre número de mortes pela Covid-19, além de ignorar recomendações sobre isolamento social e desaconselhamento do uso da cloroquina para tratamento da doença. Os estudos, antes sob sigilo, também levam o carimbo do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
Produzidos entre março de 2020 e julho de 2021, dados indicam que Bolsonaro rejeitou recomendações do Ministério da Saúde. Os relatórios foram produzidos por agentes do Planalto, conforme apurou aFolha de S. Paulo. Distanciamento social e a vacinação eram citados como principais medidas de enfrentamento contra o vírus.
O ex-presidente é mundialmente conhecido por fazer propagandas enfatizando a cloroquina como tratamento contra o vírus, além de atuar com lentidão – e até se manifestar contrário – a imunização, mesmo com a produção de vacinas em outros países.
Em março de 2020, ele disse que a doença “é muito mais fantasia”, “não é isso tudo que a grande mídia propaga”. Também foi responsável por promover aglomerações, mesmo com estados adotando medidas de isolamento social.
Junto as recomendações, os relatórios também estudaram cenários de avanço do coronavirus no país, com índices de gravidade diferentes. Uma das projeções citadas, por exemplo, indicava 330.216 a 338.558 mortos no período de março de 2021; em abril, o País chegou a marca de 341.097 óbitos pela Covid. ‘Risco de colapso’ foi um termo foi citado em diversos documentos.
Falta de oxigênio
Em janeiro de 2021, Manaus vivenciou uma crise de falta de oxigênio, essencial nos hospitais para o tratamento de pacientes com caso grave de Covid-19. Havia suspeitas de omissão do Ministério da Saúde, sob gestão de Eduardo Pazuello, sobre demora do envio de ajuda ao Estado, especialmente na capital amazonense.
Bolsonaro minimizou a investigação. Pouco tempo após a situação, o agora ex-presidente chegou a imitar, publicamente, uma pessoa com falta de ar. Apesar das falas de Bolsonaro, ficou evidente que ele ignorou alertas sobre a falta de oxigênio na capital.
Atraso das vacinas
“Em um cenário de descontrole da pandemia no País, maior seria a chance de o vírus sofrer mutações em série e, consequentemente, afetar a eficácia das vacinas desenvolvidas”, afirma o relatório que leva carimbo do GSI.
Porém, Bolsonarocoleciona falas polêmicas e de desprezo com a imunização:
21/10/2020: “Para o meu governo, qualquer vacina, antes de ser disponibilizada à população, deverá ser comprovada cientificamente pelo Ministério da Saúde e certificada pela Anvisa. O povo brasileiro não será cobaia de ninguém”;
02/10/2020: “Ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”;
15/12/2020: “Como sempre, eu nunca fugi da verdade, eu te digo: eu não vou tomar vacina. E ponto final. Se alguém acha que a minha vida está em risco, o problema é meu. E ponto final”;
17/10/2020 “Se você virar um jacaré, problema de você. Como é que você pode obrigar alguém a tomar uma vacina que não se completou a 3ª fase ainda, que está na experimental?”
Em março de 2021, declarações das empresas Wajngarten, Pfizer e Butantan confirmaram demora do governo para comprar vacinas. Nas investigações da CPI da Covid, o ex-secretário de Comunicação da Presidência da República Fabio Wajngarten disse à comissão que o Palácio do Planalto demorou dois meses para responder uma carta em que a farmacêutica Pfizer prometia doses do imunizante ao Brasil.
Cloroquina
Um levantamento do jornal O Globo mostrou que Bolsonaro defendeu o uso da cloroquina em 23 discursos oficiais. O kit Covid foi usado em diversos estados, estimulado pela gestão do ex-presidente. No entanto, os relatórios sob cuidados do Planalto indicam que haviam recomendações sobre o uso do tratamento sem eficácia contra o vírus.
“Estudos recentes realizados em pacientes com Covid-19 que usaram esses medicamentos identificaram graves distúrbios do ritmo cardíaco, em alguns casos fatais, particularmente se utilizados em dosagens altas ou em associação com o antibiótico azitromicina”, afirma relatório de 23 de abril de 2020.
Jovens negros, do sexo masculino, visto como "suspeitos" são maioria entre os mortos pela polícia no Brasil
Policiais matam 6.000 por ano no Brasil. Não adianta se indignar com o assassinato de Nahel, na França, e de George Floyd, nos EUA, e fechar os olhos para a barbárie brasileira
No dia 17 de junho, a estudante de enfermagem Anne Caroline Nascimento Silva, de 23 anos, foi morta durante uma blitz policial em uma estrada na Baixada Fluminense (uma das regiões mais violentas do Rio de Janeiro). Os responsáveis por sua morte seriam policiais rodoviários, que teriam atacado o carro onde Caroline estava com o marido com dez tiros. Segundo o marido da estudante, os policiais fizeram sinal para que ele parasse, ele deu a seta e encostava o carro quando ouviu os disparos. Um policial envolvido no caso foi afastado e a ação está sendo investigada pela Polícia Federal.
Sim, a morte de Anne Caroline é tristemente parecida com o assassinato de Nahel, de 17 anos, imigrante de origem norte africana que foi morto pela polícia francesa no dia 26 de junho, também dentro do seu carro e durante uma blitz. O caso foi o estopim de manifestações e uma revolta violenta, que acontece em todo o país desde a semana passada.
A reação ao assassinato de Nahel lembra a onda de protestos que tomou conta dos Estados Unidos em 2020 com a morte de George Floyd, também assassinado pela polícia.
A morte de Caroline não gerou a mesma revolta. Para ser sincera, eu mesma só soube desse absurdo quando comecei a fazer pesquisa para escrever esse texto. É tão rotineiro que a polícia pratique crimes no Brasil que nem prestamos mais muita atenção quando um caso assim acontece.
Números absurdos
A polícia do Brasil mata, em média, mais de 6 mil pessoas por ano. A nível de comparação: ano passado, a polícia alemã matou dez pessoas. A da França, considerada muito violenta em relação aos países vizinhos, matou 39.
E o que estamos fazendo para mudar isso?
Nas redes sociais, vejo muitos conhecidos admirando o fato de o crime ter comovido toda a França. O presidente Emmanuel Macron, por exemplo, declarou que a morte de Nahel pela polícia era "indesculpável". A mesma admiração tomou conta das redes na época do assassinado de George Floyd. Admiramos o fato de tantos americanos terem tomado as ruas.
Entendo e compartilho dessa admiração. Mas… por que nós (falo sobretudo dos brancos e privilegiados) não estamos fazendo nada em relação aos nossos 6 mil mortos anuais?
Não estou falando, de forma alguma, que não exista revolta e movimentos que lutam contra a violência policial no Brasil. Existem vários. As "Mães de Maio", por exemplo, um grupo formado por mães de jovens assassinados pela polícia lutam por justiça há 17 anos. Quando nós, de classe média, vamos nos juntar a elas ou a outros movimentos que tentam combater essa barbárie?
Agatha e Genivaldo
As vítimas são tantas que nem sabemos os nomes delas. Lembramos apenas de algumas histórias terríveis, que geraram revolta, mas não o suficiente para causar qualquer mudança no cenário de guerra.
Só para citar alguns casos que nos chocaram e que deviam ter parado o país: em 2019, a menina Agatha Felix, de 8 anos, morreu devido a um tiro no Complexo do Alemão, perto da sua casa. Segundo sua família e testemunhas, o tiro teria sido efetuado pela polícia. Também no Rio, em 2019, o músico Evaldo dos Santos Souza foi morto depois que oficiais do exército dispararam 80 tiros contra seu carro. Na época, o então presidente Jair Bolsonaro chamou o caso de "incidente".
Em 2022, eu estava de férias no Rio de Janeiro, minha terra natal, quando Genivaldo de Jesus foi morto pela Polícia Rodoviária Federal em Sergipe por sufocamento. Sim, ele morreu em uma espécie de câmera de gás, um instrumento de tortura. Na ocasião, fui com uma amiga à manifestação que pedia justiça para ele no centro do Rio de Janeiro.
No protesto, organizados por entidades do movimento negro, de favelas e de direitos humanos, estavam muitos jovens. Mas eles eram majoritariamente negros e periféricos. Não encontrei nenhum amigo da zona sul (a área mais privilegiada do Rio) no protesto. Fazia sol. Meus amigos preferiram ir à praia. "Eu já cansei de chamar as pessoas. Não adianta, elas não vêm", disse minha amiga, que participa de movimentos sociais e vai a todas as manifestações importantes.
O perfil dos assassinados brasileiros é claro: a maioria das vítimas são jovens negros, do sexo masculino, visto como "suspeitos". Nesse caso, vale lembrar, que mesmo um culpado não pode ser executado pela polícia. Não existe pena de morte no Brasil. E, mesmo se existisse, a pessoa precisaria ser julgada. O resto é barbárie.
Não é possível que a gente continue fechando os olhos para tanto racismo e tanta violência policial. Não adianta apoiar, do Brasil, a luta contra violência policial nos Estados Unidos ou na França e fechar os olhos para nossa tragédia. Seis mil mortos por ano. É preciso gritar o quanto isso é inaceitável.
Fruto da relação entre soldados de colônias francesas e mulheres alemãs, essas crianças não apenas foram excluídas socialmente, mas um destino horrível as aguardava com a chegada do regime nazista.
Movimento ‘Mães de Maio’ lança livro com 23 histórias dos filhos mortos pelo Estado, para falar sobre o livro e o sobre a entidade, o Jornal Brasil Atual conversou com Débora Maria Silva, coordenadora do Movimento Mães de Maio, teve o filho executado pela polícia nos ataques atribuídos ao PCC.
Em matéria postada no site Metrópoles, Guilherme Amado revela que “a decisão de Jair Bolsonaro de reduzir a incidência do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) dos combustíveis, em 2022, para diminuir sua impopularidade e aumentar suas chances nas eleições, tirou R$ 20,3 bilhões da arrecadação dos estados. O número equivale a 80 hospitais da mulher ou ao orçamento do governo Lula para obras neste ano”.
O jornalista teve acesso a um levantamento do Observatório Social do Petróleo (OSP), feito com base em dados do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). O corte se refere ao período entre julho de 2022 e abril de 2023. “Com esse valor, seriam construídos 80 hospitais iguais ao novo Hospital da Mulher, de São Paulo, com 172 leitos e custo de R$ 245 milhões. O montante de R$ 20 bilhões também se aproxima do valor total que o governo Lula destinou neste ano para obras, um recorde em anos. Para se ter uma ideia, a quantia seria suficiente para pagar um mês e meio para todos os beneficiários do Bolsa Família, cujo valor foi turbinado recentemente”.
A montante também equivale a dois meses de ICMS destinado ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). “Com o corte de Bolsonaro, a educação deixou de receber, de julho do ano passado a abril deste ano, R$ 5,3 bilhões, uma perda de 4,5% em comparação com o mesmo período anterior. Os números se referem apenas ao corte do ICMS nos combustíveis, sem contar energia elétrica e transportes, que também tiveram a incidência diminuída”.
Para o economista Eric Gil Dantas, do Observatório e do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos e Sociais (Ibeps), o corte do ICMS imposto pelo “capetão” por motivos eleitoreiros foi criminoso e irresponsável. “Retirou dinheiro de estados e municípios, retraindo a arrecadação desses entes e dificultando o financiamento dos seus serviços básicos”. Esse imposto é o principal tributo dos estados brasileiros e é fundamental para compor os orçamentos das áreas de saúde e educação dos municípios.
Em vias públicas, mãos, fuzis e revólveres policiais levam a cabo a perfuração que verte o sangue negro no asfalto quente, em becos e vielas nos quais jorram a vida preta entre os ralos da miséria e do esquecimento
Passadas as celebrações do novembro negro e do mês que, em nome de Zumbi e Dandara dos Palmares, rememora, denuncia e exige reparações históricas à população negra brasileira, parece vigorar certo silêncio após a efeméride, no que diz respeito à (in)consciência negra nacional. Reinam, todavia, as imagens associadas à violência, ao genocídio, ao caos e aos casos nunca isolados de racismo que, de norte a sul, cortam o território amefricano. Casos que dilaceram famílias e comunidades, aniquilam sujeitos e arrasam possibilidades de vida plena e digna, tal como garantido na Carta Constitucional brasileira.
Imagens de controle, como enunciadas por Patricia Hill Collins, que reforçam práticas de dominação, criminalização e violência, física e simbólica, voltadas à estigmatização e à legitimação de suas próprias operações de morte. Se a morte ocupa um lugar fundamental nessa produção imagética é na medida em que se constitui como ponto de partida, sob a perspectiva do supremacismo branco, do que seja o destino natural e original do corpo negro, que da morte-em-vida à morte factual passaria de um estado de não-ser ao desaparecer, como o desvanecer da imagem de um fantasma – entre mundos, medos e modos de ser pautados pelo negativo.
Em vida, porém, a consciência retinta de ser, de viver e a teimosia tomam forma, rosto, nome e figura do que, sendo, insiste em desarticular os mundos de morte da branquitude e seus mecanismos de sufocamento, acionados por vias diversas. Em vias públicas, mãos, fuzis e revólveres policiais levam a cabo a perfuração que verte o sangue negro no asfalto quente, em becos e vielas nos quais jorram a vida preta entre os ralos da miséria e do esquecimento; em vias privadas, pelas mãos de algozes e feitores que chamam de amor (?) a doença que extirpa, subjuga e liquida as vidas de mulheres, sobretudo negras, encontradas em sacos pretos, rios, azulejos frios, imobilizadas em fotos que estampam, cotidianamente, pequenos retângulos de jornais sanguinolentos (até quando?).
Ceifadas, entre promessas de amor eterno e o eterno pedido de desculpas das forças policiais e chefes de Estado, desaparecem, em preto e branco, histórias, narrativas e memórias daquelas que, chacinadas, são condenadas sem inquérito, enquantoco-mandantes são condecorados em cerimônias oficias e oficiosas.
Penso nesses rostos enquanto escrevo e vejo o sorriso, os sulcos da pele, as marcas e linhas longas da vida – interrompidas. Penso nas vidas negras que importam, dizem, e, todavia, seguem conscientemente exterminadas por mãos apocalípticas enquanto, nas escolas, tentamos fazer valer a lei da vida, a lei da justiça e do ensino de história e cultura daquelas que, antes de nós, em diáspora, fizeram valer com seu suor a contra-lei do mundo dos homens injustos.
Passados 20 anos de promulgação da Lei 10.639/03, silentes ou complacentes, a conveniência segue esbranquiçando itinerários formativos. Mas o poder do brado negro desafia o silêncio reinante. Peleja, retumba, sacoleja e desarranja os ritos (fúnebres) de histórias lineares, pomposas e heroicas que não mencionam Dandara, Aqualtune, Marielle, Lélia e Sueli, porque, ali, o pacto sa(n)grado é branco, no masculino.
A consciência nossa é ciência, suor e roda. É repente, desafio e capoeira, ginga com os arranjos, institucionais ou não, há séculos organizados para transportar os corpos em tumbeiros, caveirões e rabecões, para quem a morte passa a ser pena capital e não parte da existência e do mundo compartilhado com a ancestralidade. Até a morte foi saqueada. E soterrada em covas rasas, sem nome, placa ou documento de identificação, para que a indigência devorasse, com o bico afiado, a carne putrefata de quem sonhava com casa própria, formatura e família grande, como Kethlen Romeu e seu filho, assassinado no ventre.
Vingar ainda é desafio na diáspora. Vingar até a última gota de vida, o desafio nas 52 semanas e 1 dia de consciência negra, que perfazem um ano. Nele, todos os dias são voltados ao desfazimento do pacto funesto. Todos os dias são voltados à lembrança do que, recalcado, não pode contentar-se com um único dia ou mês do ano. Emerge, dia a dia, porque nascido em zona de emergência. Contra a virulência, insurgente, gesta resistência na negra consciência da luta pelo que é, foi e será. Todos os dias do ano.
Uma tática de guerra muito eficiente usada no passado consistia em mandar os soldados para o front e, em seguida, destruir os meios que poderiam ser usados numa possível retirada, sem um plano B. Ou seja, ou os soldados ganhavam a guerra, ou morriam por lá tentando. E o que isso tem a ver com a sociedade brasileira?
O país encontra-se em meio às desavenças ideológicas e, como consequência disso, intensificam-se cada vez mais as supostas separações com classificação obrigatória entre raças superior e inferior, num completo desconhecimento da realidade. Observa-se que um dos elementos usados nesse contexto de injustiças sociais é o destaque pejorativo dado aos diferentes tons de pele que compõem o nosso povo.
Com o implemento dessa guerra, o Brasil perde e sangra enquanto nação, pois seus filhos, hoje divididos e ofuscados pela discórdia usada como cortina de fumaça, assistem paralisados aos seus bens escoarem continente afora. Então, como parte da enganação, fomenta-se uma constante tensão e divisão social que extrapolam os limites do pensamento e se traduzem em perseguições culturais.
Com base nessa argumentação forçada, alguns maus brasileiros exibem com soberba a sua descendência de origem europeia e assemelhados. Em ato contínuo, eles menosprezam a origem econômica frágil da outra parte da população, chegando ao ápice dos insultos racistas, com um convite cínico para que ela retorne para a África. Esquecem, contudo, que este mesmo grupo foi desprovido de acesso direto à sua história, cultura e aos seus bens desde a retirada violenta e forçada da terra natal.
Salientando que o rapto coletivo desse povo teve o vil propósito de atender às demandas econômicas da época e, no caso em tela, com o fim de construir um país do nada — na visão colonial. E foi esse mesmo país que lhes negou até o direito de recuperarem a própria dignidade. Como se não bastassem os insultos ao longo dessa jornada, ainda atribuem às chamadas minorias, de forma cruel, o peso do subdesenvolvimento nacional. Ignoram, no entanto, e de forma deliberada, as inúmeras contribuições entregues pelas populações subalternizadas de forma voluntária e involuntária para o engrandecimento da nossa nação.
Direto ao ponto, então. Alguns líderes não pensam no Brasil como nação, mas como um buraco a ser explorado, usando o povo como instrumento manipulável. O que se vê em comum entre esses governantes é que agem como se estivessem aqui de passagem, sempre com segundos interesses, notadamente fora das nossas fronteiras.
Acontece que as retiradas de forma clandestina das nossas riquezas, com a transferência sorrateira e covarde para paraísos fiscais, é um dos verdadeiros motivos do nosso atraso econômico e cultural. Certamente, o grupo de maioria minorizada, a população negra e outras minorias são inocentes nesse quesito.
O fato é que por aqui temos um grupo de privilegiados pela herança recebida ao longo de séculos de desequilíbrio social. E, infelizmente, uma parcela considerável dessa mesma casta abusa do poder de simplesmente desaparecer para outro país. Alguns fazem isso usando a prerrogativa da dupla cidadania, que nada mais é que uma eficiente ferramenta para continuarem coletando riquezas aqui e levando para fora.
São invisíveis e intocáveis aos olhos de seus iguais. E, com a impunidade reiterada, deixam para trás irmãos de pátria minguando de fome e desespero. No retorno seguro para o seio dos seus distantes ancestrais no exterior, são recebidos por estranhos ávidos por desfrutarem de suas bagagens milionárias.
Então, se algum radical se sentir incomodado com a abertura social reclamada pelos grupos minorizados, ou por minorias em espaços de poder, é urgente que se respeite as manifestações culturais demonstradas por elas. Entendam seu passado e a sua luta de resistência a toda dominação e alienação imposta ao longo desses anos. O mínimo que se pede é tolerância e igualdade. Sobretudo, que não os mandem voltar para a África.
A maioria dos imigrantes contratados e pagos vieram para o Brasil e mantiveram suas expressões culturais, patrimônios e descendências preservadas. Isso é louvável e o correto de acontecer. Os escravizados, por sua vez, foram arrastados e mantiveram apenas parte de suas almas intactas. Para eles, não existiam nem existem meios para o retorno, uma vez que muito foi destruído há séculos na origem, ao menos como as conheceram seus ancestrais. A vontade de vencer é muito grande. E, especialmente para os afrodescendentes brasileiros, não existe plano B salvador. Ou aqui eles ganham a guerra contra a injustiça, ou morrerão tentando.
É através da distorção do cenário bíblico do Antigo Testamento que pregadores punitivistas argumentam a favor da pena de morte no Brasil
Por André Kanasiro | Revista Opera
Ogoverno que assola nosso país desde 2018 tem feito aflorar o que muitos chamam de viúvas da ditadura — pessoas que, por falta de conhecimento ou excesso de ódio, sentem falta dos gorilas que mataram seus irmãos e desafetos a partir de 1964. Mas ele faz aflorar, dos ralos da História, ainda outro grupo: as viúvas do Pentateuco, que sentem falta de sua própria versão distorcida do Antigo Testamento. Enxergando em Moisés a repressão e a impiedade que envenenam suas próprias almas, pregam aos quatro ventos que a receita para superar o que consideram “a decadência do Ocidente” é seguir princípios supostamente divinos que, através de um endurecimento radical de nosso sistema penal, seriam capazes de colocar ordem na casa brasileira. Os semeadores de ervas daninhas encontram aqui um terreno especialmente fértil para suas mentiras, nossas mentes já aradas pelo sensacionalismo criminal de apresentadores de televisão, e tornam cada vez mais hegemônica a imagem de um Deus sociopata, que se alegra com o sangue do pobre escorrido pelas ruas.
Para enfrentar essas mentiras não basta nos apegarmos ao Novo Testamento, alegando que Cristo anulou todo o resto, e ignorar os séculos de tradição semita que o precederam. Temos que compreender o raciocínio e os princípios subjacentes ao que realmente está escrito no texto mosaico, para só então nos perguntarmos: o que isso tem a ver com o Brasil do século XXI?
Go’el: compreendendo os papéis do redentor
Um dos principais versos utilizados por nossas viúvas do Pentateuco precede o nascimento de Israel e está em Gênesis 9:6, no que seria uma prescrição universal à humanidade: “Quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado; porque Deus fez o homem conforme a sua imagem.”
Esse verso é um dos muitos que transmite um postulado teológico básico da Bíblia Hebraica: o sangue da violência e do homicídio poluem a terra, que clama a Deus e exige sua purificação para a aproximação da divindade. É a terra que engole o sangue de Abel derramado por Caim (Gn 4), o primeiro homicida, e é também a terra que a partir daí se nega a dar sua força ao assassino. É a violência que corrompe a terra até o ponto de não-retorno e motiva Deus a purificá-la com o Dilúvio (Gn 6). O homicídio não é só um crime contra o próximo, mas contra a própria natureza: o derramamento de sangue inocente introduz um desequilíbrio no cosmo, que só será restaurado à harmonia com o derramamento do sangue culpado.
Tal teologia não é exclusiva da religião de Israel; pelo contrário, variantes podem ser encontradas em várias de suas religiões contemporâneas no Antigo Oriente Médio (AOE). O mesmo se aplica à solução encontrada. A instituição da vingança de sangue, segundo a qual o parente mais próximo de uma vítima de assassinato tem o dever de matar o homicida e restaurar equilíbrio à terra em que habita, pode ser encontrada em todo o AOE. Mas é na Bíblia Hebraica que esta encontra um ápice em seu desenvolvimento teológico e, paradoxalmente, em sua adequação aos princípios divinos de misericórdia.
O vingador de sangue bíblico é uma das muitas faces dogo’el, o redentor, que é responsável por restaurar o equilíbrio em diversas situações do dia-a-dia israelita: ele redime a descendência de seu parente que morreu sem deixar filhos ao casar-se com sua viúva, e redime seu irmão hebreu ao encontrá-lo escravizado — comprando sua liberdade e até as propriedades que este perdeu. O próprio Deus de Israel é o go’el de seu povo, pois o redimiu da escravidão no Egito (Is. 41:14). O redentor restaura a descendência, liberdade e justiça à sociedade em que habita; e, apesar de por vezes trazer a morte, traz vida e liberdade ao seu povo.
Mas mesmo quando deve trazer a morte o redentor encontra um problema: o Deus bíblico é misericordioso demais. Caim, o primeiro homicida e alvo potencial de redentores, lamenta-se com Deus que “todo aquele que me achar, me matará” (Gn 4:14). Deus responde colocando-lhe uma marca, “para que o não ferisse qualquer que o achasse” (Gn 4:15). A regra radicaliza a exceção: em Números 35, ao tratar da legislação penal na futura Terra Prometida, Deus introduz cidades de refúgio para as quais podem fugir os homicidas. Uma vez nestas cidades, o assassino não poderia ser morto por seu redentor, que deveria esperar pelo julgamento a ser feito na assembleia dos líderes de Israel. Caso o homicídio fosse julgado doloso, o redentor atuaria como o carrasco do Estado israelita; mas caso o homicídio fosse julgado culposo, o redentor não poderia matá-lo. O homicida então viveria na cidade de refúgio até que o sangue que ele derramara fosse redimido pelo redentor e expiador de Israel por excelência — é o sumo-sacerdote que, ao morrer, redime a culpa do homicida e permite que este volte pra casa.
A legislação israelita parte de seus paralelos no AOE, mas não sem antes subvertê-los a favor da misericórdia: ao mesmo tempo em que valoriza a vida a ponto de não reconhecer o pagamento de indenizações pela família do homicida à família da vítima, institucionaliza a justiça de forma a conter a espiral de violência. Ao contrário de outras nações da sua época, o redentor não pode restaurar o equilíbrio matando outros membros na família do homicida, e seu testemunho não é o bastante para culpabilizar o réu em julgamento. A justiça penal israelita tem suas próprias contradições, mas possivelmente representou progresso histórico e humanizador ao mundo de sua época.
O Brasil contemporâneo e a redenção da barbárie
É através da distorção desse cenário bíblico que os pregadores punitivistas argumentam a favor da instituição da pena de morte no Brasil, assim como de um sistema penal mais duro que diminua a ocorrência de crimes através do medo. Ignoram, porém, que a falta de justiça em nosso sistema penal só tende a ser exacerbada por tais medidas: a despeito de nossas instituições policiais quebradas e ineficientes, que até 2013 arquivavam quase metade das ocorrências de homicídios sem sequer investigá-las, temos a terceira maior população carcerária do mundo, com pelo menos 812 mil pessoas vivendo em condições subumanas em nossas prisões. Destes presos, mais de 40% sequer foram julgados para estarem ali, e 63% se declaram pretos ou pardos. Entre 2009 e 2013, por exemplo, 65% dos presos não usavam armas, não faziam parte de organizações criminosas, e foram presos em flagrante pelo uso ou pela negociação de substâncias ilícitas. Passarão anos em seus campos de concentração, aguardando julgamento em celas superlotadas enquanto muitos outros crimes sequer são investigados.
Como a radicalização de um sistema ineficiente e racista como esse, herança colonial de uma nação escravista e antipobres, poderia restaurar equilíbrio e justiça às terras da América Latina? Os pregadores não dizem, pois não lhes importa o equilíbrio — multiplicar a violência e a injustiça, ver o sangue dos pobres correndo pelas ruas, e clamar por um novo Dilúvio que os mate com toda a humanidade é o que os importa. Não redimem o sangue de vítimas, e sim a barbárie, pregando a guerra de um Estado contra seu próprio povo. Pregam a solução final — e matam dia após dia nosso grande sumo-sacerdote, Jesus Cristo, que expiou a humanidade e purificou toda a Terra ao derramar seu próprio sangue. Morreu, ironicamente, pelas mãos de um Estado que matava seus súditos e odiava seus pobres. Nossos piedosos pregadores não defendem a Cristo. Defendem o Império e seu direito de matar nosso Deus.
Proxeneta George Washington da supremacia branca paranaense
Criminoso golpista tinha arsenal explosivo para matar milhares de pessoas
247 -O empresário bolsonarista George Washington de Oliveira Sousa, 54, ficará preso por tempo indeterminado, após decisão da juíza Acácia Regina Soares de Sá, do TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios) durante audiência de custódia. Ele confessou no sábado (24) à polícia ter montado uma bomba numa área de acesso ao Aeroporto Internacional de Brasília.
O terrorista confessou ainda que planejou com os acampados no QG do Exército instalar explosivos em pelo menos dois locais da capital federal para "dar início ao caos" e provocar umaintervenção militar.
A bomba encontrada próxima ao Aeroporto Internacional de Brasília foi neutralizada pelas forças de segurança pública no sábado. George também revelou planos de instalar explosivos em postes de energia próximos a uma subestação de distribuição em Taguatinga.
Há dois dias, escrevi que Bolsonaro e o “modo de não pensar” a que ele conduz o país estavam“talibanizando” o Brasil.
Creio que, depois das cenas chocantes de ontem, no Rio e em Uberaba (MG), com crianças sendo levadas a imitar operações bélicas e a manusear granadas e armas, como parte dos “festejos” do dia em que se as homenageia, não é possível deixar de entender que isso não é força de expressão.
Qual é o prazer mórbido que se pode ter vendo meninos e meninas, alguns mal aguentando o peso de coletes blindados, saindo de um veículo com “fuzis” para fazerem uma operação de guerra?
Talvez se precise encontrar algum remanescente do Exército Islâmico ou consultar livros sobre a Alemanha nazista para saber os processos mentais que levam a submeter a isso nossas crianças.
Talvez o mesmo que leve um arcebispo, como o de Aparecida, a ser vaiado por dizer que se deveria enfrentar e vencer “o dragão da fome”.
Mas esta gente, que naturalizou a barbárie, é menos perigosa do que a omissão de parte das nossas elites que também praticam o “isentismo” que atribui uma falsa equivalência, como se os dois lados estivessem travando uma “guerra religiosa” ou uma “pauta de costumes”.
Não é isso, mas a nossa sobrevivência dentro de padrões de civilização, de humanidade, de vida harmônica.
Grave é que estejamos aceitando “e daí?” para 700 mil mortes, para a discriminação e o ódio religioso, interracial e social, para a venda indiscriminada de armas e, pior ainda, para a glorificação disto, ao ponto de ser uma prática desejável até para crianças.
O que nos pode acontecer não é preciso adivinhar, basta olhar os livros de História.
A vitória de Bolsonaro levaria avante seu projeto de desmontagem das instituições de forma abertamente autoritária e ameaçadora de um golpe de Estado
O atual presidente apresenta traços desvairados e tem feito constantes ameaças à normalidade democrática, caso venha perder as eleições. No primeiro turno em 2 de outubro recebeu 43,44% dos votos enquanto o ex-presidente Lula levou 48,5% dos votos. Há grande expectativa que Lula venha a ganhar a eleição, pois a superioridade sobre Jair Bolsonaro é notável.
Lula tem recebido o apoio de quase todos os partidos até dos mais distantes. Pois, perceberam que a democracia está em jogo e também o destino histórico de nosso país. A vitória de Jair Bolsonaro levaria avante seu projeto de desmontagem das instituições de forma abertamente autoritária e ameaçadora de um golpe de Estado.
Precisamos tentar entender por que irrompeu esta onda de ódio, de mentiras como método de governo,fake news, calúnias e corrupção governamental impedida de ser investigada. Vieram-me à mente um artigo que publiquei tempos atrás e que aqui reformulo.
Duas categorias parecem esclarecedoras: uma da psicanálise junguiana, a dasombrae outra da grande tradição oriental do budismo e afins e entre nós, do espiritismo, okarma.
A categoria desombra, presente em cada pessoa ou coletividade, é constituída por aqueles elementos negativos que nos custa aceitar, que procuramos esquecer ou mesmo recalcar, enviando-os ao inconsciente seja pessoal seja coletivo.
Efetivamente, cinco grandessombrasmarcam a história político-social de nosso país.
A primeira é o genocídio indígena, persistente até hoje, pois, suas reservas estão sendo invadidas e durante a pandemia foram praticamente abandonados pelas autoridades atuais. A segunda é a colonização que nos impediu que ter um projeto próprio, de um povo livre, mas, ao contrário, sempre dependente de poderes estrangeiros de outrora e de hoje. Criou a síndrome do “vira-lata”.
A terceira é o escravagismo, uma de nossas vergonhas nacionais, pois, implicava tratar a pessoa escravizada como coisa, “peça”, posta no mercado para ser comprada e vendida e submetida constantemente à chibata, ao desprezo e ao ódio.
A quarta é permanência da conciliação entre si, dos representantes das classes dominantes, seja herdeiras da Casa Grande ou do industrialismo especialmente a partir de São Paulo, denominadas por Jessé Souza de “elites do atraso”. São profundamente egoístas a ponto de Noam Chomsky ter afirmado: “O Brasil é uma espécie de caso especial, pois, raramente vi um país onde elementos da elite tenham tanto desprezo e ódio pelos pobres e pelo povo trabalhador”. Estes nunca pensaram num projeto nacional que incluísse o povo, projeto somente deles e para eles, capazes de controlar o estado, ocupar seus aparelhos e ganhar propinas e fortunas nos projetos estatais.
A quinta sombra represeta a democracia de baixa intensidade entrecordada por golpes de Estado mas que sempre se refaz sem, entretanto, mudar de natureza. Perdura até hoje e atualmente mostra grande debilidade pelo grau dos representantes de direita ou extrema direita, com suas maracutaias como o orçamento secreto. Medida pelo respeito à constituição, pelos direitos humanos pessoais e sociais, pela justiça social e pelo nível de participação popular, comparece antes como uma contradição de si mesmo do que, realmente, uma democracia consolidada.
Sempre que algum líder político com ideias reformistas, vindo do andar de baixo, da senzala social, apresenta um projeto mais amplo que abrange o povo com políticas sociais inclusivas, estas forças de conciliação, com seu braço ideológico, os grandes meios de comunicação, como jornais, rádios e canais de televisão, associados a parlamentares e a setores importantes do judiciário, usaram o recurso do golpe seja militar (1964), seja jurídico-político-mediático (2016) para garantir seus privilégios.
O desprezo e o ódio, outrora dirigido aos escravizados, foi transferido covardemente aos pobres e miseráveis, condenados a viver sempre na exclusão.Estas sombras pairam sobre a atmosfera social de nosso país. É sempre ideologicamente escondida, negada e recalcada.
Com o atual presidente e com o séquito de seus seguidores, o que era oculto e recalcado saiu do armário. Sempre estava lá, recolhido, mas atuante, impedindo que nossa sociedade, dominada pela elite do atraso, fizesse as transformações necessárias e continuasse com uma característica conservadora e, em alguns campos, como nos costumes, até reacionária e por isso de fácil manipulação política. Dentro da alma de uma porção de brasileiros há um pequeno “bolsonaro” reacionário e odiento. O Jair Bolsonaro histórico deu corpo a esse “bolsonaro” escondido. O mesmo aconteceu com o “Hitler” escondido dentro de uma porção do povo alemão.
As cinco sombras referidas foram agravadas atualmente pela aquisição incentivada de armas na população, pela magnificação da violência até da tortura, pelo racismo cultural, pela misoginia, pelo ódio aos de outra opção sexual, pelo desprezo aos afrodescendentes, aos indígenas, aos quilombolas e aos pobres em geral. É de estranhar que muitos, até pessoas sensatas, inclusive acadêmicos e gente da classe média, possam seguir uma figura tão destemperada, deseducada e sem qualquer empatia pelos sofredores que perderam entes queridos pelo Covid-19.
Essa é uma explicação, certamente, não exaustiva, através da categoria dasombra que subjaz às várias crises político-sociais.
A outra categoria é a dokarma.Para conferir-lhe algum grau analítico e não apenas hermenêutico (esclarecedor da vida), valho-me de um longo diálogo entre o grande historiador inglês Arnold Toynbee e Daisaku Ikeda, eminente filósofo japonês, recolhido no livroElige la vida(Emecé). Okarmaé um termo sânscrito originalmente significandoforça e movimento, concentrado na palavra “ação” que provocava sua correspondente “re-ação”. Aplica-se aos indivíduos e também às coletividades.
Cada pessoa é marcada pelas ações que praticou em vida. Essa ação não se restringe à pessoa, mas conota todo o ambiente. Trata-se de uma espécie de conta-corrente ética cujo saldo está em constante mutação consoante as ações boas ou más que são feitas, vale dizer, os “débitos e os créditos”. Mesmo depois da morte, a pessoa, na crença budista e espírita carrega esta conta; por isso se reencarna para que, por vários renascimentos, possa zerar a conta negativa e entrar no nirvana ou no céu.
Para Arnold Toybee não se precisa recorrer à hipótese dos muitos renascimentos porque a rede de vínculos garante a continuidade do destino de um povo. As realidades kármicas impregnam as instituições, as paisagens, configuram as pessoas e marcam o estilo singular de um povo. Esta força kármica atua na história, marcando os fatos benéficos ou maléficos, coisa já vista por C.G.Jung em suas análises psico-sócio-históricas.
Arnold Toynbee em sua grande obra em dez volumesUm estudo da história[A Study of History] trabalha a chave desafio-resposta (challange – response) e vê sentido na categoria dokarma.Mas dá-lhe outra versão que me parece esclarecedora e nos ajuda entender um pouco as sombras nacionais, especialmente, da extrema direita brasileira e até internacional, sempre ligando-se à religião de versão moralista e fundamentalista que facilmente chega ao coração do povo, normalmente, religioso.
A história é feita de redes relacionais dentro das quais está inserida cada pessoa, ligada com as que a precederam e com as presentes. Há um funcionamento kármico na história de um povo e de suas instituições consoante os níveis de bondade e justiça ou de maldade e injustiça que produziram ao largo do tempo. Este seria uma espécie de campo mórfico que permaneceria impregnando tudo.
Tanto Arnold Toynbee quanto Daisaku Ikeda concordam nisso: “a sociedade moderna (nós incluídos) só pode ser curada de sua carga kármica, acrescentaríamos, de sua sombra, através de uma revolução espiritual e social começando no coração e na mente, na linha da justiça compensatória, de políticas sanadoras e instituições justas.
Entretanto, elas sozinhas não são suficientes e não desfarão as sombras e o karma negativo. Faz-se mister o amor, a solidariedade a compaixão e uma profunda humanidade para com as vítimas. O amor será o motor mais eficaz porque ele, no fundo, afirmam Arnold Toynbee e Daisaku Ikeda “é a última realidade”. Algo semelhante diz James Watson, um dos descodificadores do código genético: o amor está em nosso DNA.
Uma sociedade, perpassada pelo ódio e pela mentira como em Jair Bolsonaro e em seus seguidores, alguns fanatizados, é incapaz de desconstruir uma história tão marcada pelas sombras e pelo karma negativo como a nossa. Não se trata um veneno com mais veneno ainda. Isso vale especificamente pelos modos rudes, ofensivos e mentirosos do atual presidente e de seus ministros.
Só a dimensão de luz e o karma do bem livram e redimem a sociedade da força das sombras tenebrosas e dos efeitos kármicos do mal como os grandes sábios da humanidade como o Dalai Lama e os dois Franciscos, o de Assis e o de Roma o testemunham.
Se não derrotarmos eleitoralmente atual presidente neste segundo turno a realizar-se no dia 30 de outubro, o país se moverá de crise em crise, criando uma corrente de sombras e karmas destrutivos, comprometendo o futuro de todos. Mas a luz e a energia do positivo sempre se mostraram historicamente mais poderosas que as sombras e o karma negativo.
Estamos seguros de que serão elas que garantirão, assim esperamos, a vitória de Lula que não guarda rancor nem ódio no coração, mas se move pela amorosidade e pela política do cuidado do povo, especialmente dos empobrecidos e de suas necessidades.
SE ESTIVÉSSEMOS NA RÚSSIA,seríamos proibidos de sequer mencionar que há uma guerra no país ao lado, a Ucrânia. A versão oficial, imposta por lei pelo governo, é que soldados russos foram enviados para uma missão de paz, para resgatar gente de sua etnia diante de uma emergência humanitária. A mera aparição de palavras como “guerra” ou “invasão” nos meios de comunicação pode custar anos de cadeia – elas devem ser substituídas por alguma expressão neutra e inofensiva, como “operação militar especial”.
Como a Ucrânia, o Brasil muito evidentemente está neste momento sofrendo uma agressão militar ilegal e uma ocupação planejada de seu patrimônio e de suas instituições. A diferença é que, no nosso caso, são nossas próprias Forças Armadas que nos atacam, enquanto, ao modo de Putin, repetem enfaticamente que só estão defendendo a população.
Quando iniciou sua “operação militar” na Ucrânia, em 2014,Putin invadiu a península da Crimeia com soldados sem insígniaspilotando tanques sem bandeiras, que iam ocupando todos os pontos estratégicos da região – os lugares de onde se operava a administração, o financiamento, a comunicação. Putin passou meses negando que aqueles soldados fossem russos, embora falassem russo, se vestissem como russos, carregassem armas russas, se comportassem como russos, bebessem como russos. O presidentedizia que eram apenas patriotas locaisque agiam por vontade própria: uma espécie de exército espontâneo que se materializou no território inimigo, tomando-o (e depois repassando-o à Rússia).
Aqui no Brasil também as Forças Armadas vêm, há anos, desde o governo Temer, ocupando os espaços de poder. Em 2020,um levantamento do Tribunal de Contas da Uniãoconcluiu que já havia mais de 6 mil militares em lugares estratégicos do governo federal, um número que quase certamente continuou crescendo depois disso, só que mais discretamente. Também aqui os militares vêm negando que estejam empreendendo qualquer ação coordenada contra o Brasil civil. Seria só uma coincidência – um acúmulo de indivíduos que calharam de ser militares, movidos pelo patriotismo, se posicionando por acaso nos lugares estratégicos do país.
Mas os livros de memórias dos envolvidos revelam que a sequência de ações que nos trouxe até o lugar no qual estamos não foi assim tão casual. No depoimento que deu para o livro “A Escolha”, sobre sua presidência,Michel Temer admitiuque o comandante do Exército à época, o General Eduardo Villas Bôas, lhe deixou claro para ele que estava insatisfeito com sua antecessora, Dilma Rousseff. A história que vai dessa insatisfação até o impeachment da presidenta, pouco depois, e que resultou na ocupação de centenas de cargos civis no governo Temer e da segurança pública do Rio de Janeiro por militares nunca foi contada com os devidos detalhes.
Dois anos depois do impeachment, em 2018, o mesmo Villas Bôas achou por bem enviar de sua conta pessoal um tweet ameaçador ao Supremo Tribunal Federal, que estava diante de uma decisão crucial que poderia colocar na cadeia o candidato líder nas pesquisas para presidente da República, Lula. No tweet, Villas Bôas deixou claro que não queria Lula solto.
General Villas Boas
@Gen_VillasBoas
Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?
General Villas Boas
@Gen_VillasBoas
Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais.
O livro de memórias de Villas Bôas, lançado em 2021, revelou que esse tweet não foi uma ação impensada de um general irritado com um celular na mão: foi fruto de uma deliberação oficial do Alto Comando do Exército. “O texto teve um ‘rascunho’ elaborado pelo meu staff e pelos integrantes do Alto Comando residentes em Brasília. No dia seguinte da expedição, remetemos para os comandantes militares de área. Recebidas as sugestões, elaboramos o texto final, o que nos tomou todo expediente, até por volta das 20h”, confessou o comandante. Quer dizer: uma estrutura do estado dedicou um dia inteiro de seus (nossos?) recursos e de sua atenção ao trabalho metódico de atacar um poder da República e interferir na democracia. Soa bastante como uma traição.
Se o objetivo dos militares com essa interferência era chegar ao poder, é difícil afirmar. O fato é que chegaram, com a eleição de um militar.
Os especialistas divergem sobre se Bolsonaro e os militares são uma coisa só (o chamado “Partido Militar”, no qual Bolsonaro faz o trabalho útil de criar o caos, clima propício para que generais se digam agentes da ordem) ou se têm interesses divergentes. Ainda que os tenham, é evidente que as Forças Armadas e as forças de segurança embarcaram já há muito tempo na aventura autoritária bolsonarista.
Deixaram isso claro em 2021, quando o Tribunal Superior Militar inocentou o general Eduardo Pazuello, numa decisão sobre a qualimpôs segredo de 100 anos, da infração que cometeu em público (subiu num palanque com Bolsonaro, algo impensável numa democracia, que por definição separa o poder político do poder das armas).
Pazuello é bom exemplo de militar que se comportou como um interventor num país inimigo. Coube a ele a missão de gerir a saúde do Brasil no momento mais crucial de todos os tempos: a escalada exponencial da pandemia de covid. O Ministério da Saúde não se ocupou em preparar o país não se ocupou em preparar o país para enfrentar a doença. Não mexeu uma palhapara evitar que centenas de pessoas fossem mortas por privação de oxigênio em Manaus. Também não pareceu se incomodar muito com o fato de a pasta ter virado um antro de corrupçãopara se aproveitar da crise sanitária, quase sempre com envolvimento de militares.
Em vez disso, dedicou-se a missões típicas de uma guerra. Por exemplo, empreendeuesforços para maquiar os números de doentes e de mortos, para impedir que a sociedade soubesse o que estava acontecendo (só temos números porque os órgãos de imprensa fizeram um consórcio). O MS não geriu a saúde: fez uma gestão da morte.
Não há chances de este país viver em paz enquanto estiver sob o jugo de forças armadas e de segurança que não respeitam ou obedecem à lei e à população civil
Em 2020, quando a devastação ambiental ficou muito na cara, diante das imagens de queimadas na Amazônia, e começou a repercutir mal na Europa, outro general, o vice-presidente Hamilton Mourão, recebeu a atribuição de comandar um certo Conselho da Amazônia. Quando lhe perguntaram qual era sua missão,ele nem disfarçou: “Nós temos que ter uma estratégia de comunicação que permita-nos contrapor, com fatos, acontecimentos e ações governamentais, de modo que a gente inverta essa situação que estamos vivendo e passe a ter um domínio, um controle dessa narrativa”.
Ou seja, nem lhe passou pela cabeça que seu papel fosse evitar a destruição. Ele só queria suprimir a informação sobre ela. Esse descaso dos militares com o seu papel de defesa ficou evidente no mês passado com o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips na floresta amazônica,crime ignorado até onde foi possível pelas Forças Armadas, apesar de ter ocorrido em região de fronteira.
A atuação dos militares no governo tem uma lógica de ocupação. Não por acaso, há inúmeros militares estacionados em cargos em que se decide a execução do orçamento e a produção de informação. Enquanto o Brasil reduzia brutalmente os orçamentos de Educação, Saúde, Ciência e Inovação, o único orçamento a crescer – expressivamente – foi o da Defesa. Os generais envolvidos mais diretamente no orçamento estão conseguindoaprovar para si próprios aumentos fabulosos de salário, ao mesmo tempo em que tiram tudo da população brasileira.
Agora os generais dedicam-se a ficar cotidianamente ameaçando a população civil, repetindo as teorias conspiratórias que o presidente inventa para avisar que a democracia não significa nada.O último foi Walter Braga Netto, que Bolsonaro colocou na sua chapa como vice, certamente não para ganhar votos.
Ainda que se fique otimista com as baixas chances eleitorais de Bolsonaro, libertar o Brasil dessa ocupação não é algo que se resolva só com uma eleição. Não há chances de este país viver em paz enquanto estiver sob o jugo de forças armadas e de segurança que não respeitam ou obedecem à lei e à população civil.
Está chegando a hora de começar a conversar a sério sobre como as Forças Armadas irão reparar o que fizeram ao país. E também sobre como este país irá reformar essas forças para que elas nunca mais possam fazer isso outra vez.