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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

30
Ago23

'Invisíveis até na morte': a luta de um morador de rua para evitar que sua mulher fosse enterrada como indigente

Talis Andrade
 
Cláudio Oliveira diante de cova da ex-companheira em Fortaleza
Diante de cova de ex-mulher em Fortaleza: corrida contra o tempo pelo direito de reconhecer e sepultar o corpo. Foto Marília Camelo

  • Thays Lavor
  • De Fortaleza para a BBC News

 

"Eu cuidava dela, a gente ia se cuidando. Todo dia penso na Ana Paula, não é fácil perder o amor da gente", lamenta o cearense Cláudio Oliveira, de 48 anos, em meio a garrafas velhas e uma barraca de camping numa praça de Fortaleza.

Cláudio e Ana viveram juntos por 22 anos nas ruas da capital do Ceará. Moraram em oito praças da cidade e criaram quatro cachorros.

A relação selada na rua, no entanto, não deu a Cláudio o direito legal de reconhecer o corpo da companheira, que morreu há quatro meses.

A perda levou Claudio a protagonizar uma corrida contra o tempo, em busca de poder reconhecer e sepultar o corpo da mulher, que não tinha documentos.

"Ela era casada, mas nos casamos de novo, na rua. Todo mundo aqui conhecia a gente. De repente ela foi embora, sumiu - quando soube dela, já tinha morrido. Andei muito, fui, voltei, meus pés ficaram inchados de tanto andar. Passei em todo canto para não deixá-la ser enterrada como indigente", conta o morador.

A trajetória expõe um problema ainda crítico no Brasil, o da identificação da população em situação de rua.

Vítimas de inúmeros estigmas, essas pessoas somavam 101,8 mil no Brasil em 2015, segundo estimativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Desse total, 40% não possuem documentos de identificação, de acordo com o Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR).

Tal situação, além de dificultar o acesso a quase todos os direitos negados pela falta da comprovação (de ir e vir, a voto, educação, saúde, habitação e trabalho, por exemplo), também os torna invisíveis na hora da morte. Sem identificação, são enterrados como indigentes em cemitérios públicos.

"Às vezes a gente tem a impressão que até para morrer esse povo não é gente, e a gente precisa muito superar isso", afirma Nailson Nelo, da Pastoral do Povo da Rua.

 

Via-crúcis

Após Ana Paula sumir, Cláudio passou duas semanas à sua procura em praças, abrigos e hospitais da cidade. Em 28 de julho, soube que a companheira, de 51 anos, havia morrido no Instituto Doutor José Frota, um dos maiores hospitais de Fortaleza.

Àquela altura, a mulher falecera havia dois dias e o corpo, sem identificação, já tinha sido encaminhado para o Instituto Médico Legal (IML) - em cinco dias, seria direcionado para sepultamento.

Menos de uma semana: este foi o tempo que Cláudio teve para reclamar o corpo e provar que era companheiro de Ana.

"No hospital, a assistente social confirmou que o corpo já estava no IML, mas não me deixaram vê-la, pois não tinha como provar que a gente vivia junto. Foi difícil, rodei muito até conseguir", conta Cláudio.

Para Fabiana Miranda, representante da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), ainda há muitos obstáculos, como discriminação e preconceito, para que moradores de rua possam ter acesso a serviços públicos.

"A burocracia ainda é extremamente rígida e não consegue se adequar às necessidades da população de rua. Gestores precisam flexibilizar exigências à realidade dessas pessoas", analisa a defensora pública.

No caso de Claudio, o entrave era a falta de documentação da companheira - ou seja, era preciso provar que o corpo que ele reclamava era mesmo da pessoa a qual ele se referia.

Segundo a assistente social Carla Carneiro de Souza, que acompanhou todo o processo, foram feitos exames de papiloscopia (impressões digitais) e de DNA para comprovar a identidade do corpo.

Nesse processo, descobriu-se que o casal já tinha sido abordado por um dos serviços da prefeitura, o Centro Pop (de referência à população de rua), e que possuía cadastro lá.

"Então foi encontrada uma certidão de casamento de Ana, onde constava o nome real dela, que era Maria Emília. A certidão havia sido tirada para poder emitir os seus documentos civis", conta Carla. Ana Paula provavelmente perdera os documentos.

Nesta busca, também foi identificada uma filha de Ana Paula, que contribuiu ao reconhecimento do corpo, por meio do exame de DNA, mas se absteve da responsabilidade pelo enterro.

Faltava ainda, contudo, comprovar a relação estável do casal.

"Tive muita ajuda. Eu não podia deixar que ela fosse jogada na vala como nada. Era a minha família, a gente ia pra todo canto, pegava a estrada e ia mangueando (mendigar)", conta Cláudio, alcoólatra como a antiga companheira.

Solução

A comprovação da união estável só foi possível por meio do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Ceará, que tomou uma medida denominada liberação administrativa.

Assim, Cláudio pôde reconhecer o corpo da companheira e se responsabilizar por ele. Há pouco mais de dois anos isso não seria possível em um prazo tão curto, e levaria um tempo mínimo de dois a seis meses.

"Antigamente, para conseguir essa liberação, era preciso entrar com uma ação judicial, e eles quase nunca conseguiam, pois normalmente a população de rua não tem nem sequer documentação, ou seja, são invisíveis 100%", explica a defensora pública geral do Ceará, Mariana Lobo.

Antes, através da ação judicial, era preciso oficiar todos os cartórios da cidade para verificar se a pessoa morta ou quem fazia o pedido tinha alguma documentação, processo que poderia levar até seis meses - e os corpos acabavam sendo enterrados como indigentes.

"Além desta situação em que eles estão, negar o direito à cidadania, negar o direito de velar um corpo de um ente querido seria outro ônus e outra invisibilidade colocada em cima deles", afirma a defensora.

'Minha infância foi uma porcaria'

De fato, a vida de Claudio é marcada por dificuldades. Logo ao nascer, ele foi trocado na maternidade. Com dois anos voltou para a família biológica, onde viveu até os 18 anos, no bairro Vila União, em Fortaleza.

Rejeitado pela mãe e alvo de violência doméstica, ele cresceu fugindo de casa. Com laços familiares rompidos, buscou refazer a vida nas vias da cidade, onde conheceu Ana Paula.

"Minha infância foi uma porcaria. Minha mãe me batia, não gostava da minha cor, morreu impedindo que a chamasse de mãe. Com Ana Paula peguei a estrada. Mendigamos juntos, vivemos muita coisa, era minha companheira. O que eu passei com ela, nem com minha família, que é sangue do meu sangue", relembra Claudio, que vive de esmolas e R$ 87 mensais do Bolsa Família.

Obstáculos

Para órgãos como o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e o MNPR, estimativas do Ipea e dos municípios sobre população de rua no país não refletem a realidade. Para eles, o Brasil possui hoje aproximadamente 400 mil moradores de rua.

"A contagem só é feita por meio de números que chegam pela assistência e pela população encontrada nas praças e vias mais movimentadas. Mas a população de rua também está em terrenos baldios, buracos, lixões e outros lugares em que a assistência não chega", diz Leonildo Monteiro, do CNDH.

Segundo ele, as principais demandas que chegam ao CNDH sobre população em situação de rua têm origem na falta de documentação. "Tentamos garantir os direitos que lhe são básicos e que acabam não acontecendo por falta desta identificação, o que é um absurdo", avalia.

Há conversas em curso para que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) inicie a contagem desta população em 2020, mas não há nada de concreto em relação a isso.

A Política Nacional para População em Situação de Rua, instituída pelo governo federal em 2009, teve adesão de apenas oito capitais até hoje, segundo o MNPR: Brasília, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte , São Paulo, Salvador, Fortaleza e Rio de Janeiro. (Publicado em 19 dezembro 2016)

19
Abr20

Bolsonaro discursa em frente ao Quartel General do Exército na capital, para fanáticos que pedem uma intervenção militar

Talis Andrade

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Presidente volta a ignorar alertas das autoridades de saúde contra as aglomerações e se reúne com apoiadores que pedem a volta ao trabalho e reabertura do comércio, enquanto aumentam as mortes por covid-19

por Deutsche Welle 

O presidente Jair Bolsonaro discursou neste domingo (19/04) para um grupo de apoiadores em Brasília que participava de uma manifestação em defesa do governo. No ato, que ocorreu em frente ao Quartel General do Exército na capital, muitos defendiam uma intervenção militar no país e faziam fortes críticas ao Congresso Nacional.

Contrariando as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), que pede que as pessoas evitem aglomerações para deter a disseminação do novo coronavírus, os manifestantes se acumulavam em torno de Bolsonaro, que subiu em uma picape para discursar.

"Eu estou aqui porque acredito em vocês. Vocês estão aqui porque acreditam no Brasil. Nós não queremos negociar nada. Nós queremos é ação pelo Brasil", disse Bolsonaro. "O que tinha de velho ficou para traz. Nós temos um novo Brasil pela frente. Todos, sem exceção, têm que ser patriotas e acreditar e fazer a sua parte para que nós possamos colocar o Brasil no lugar de destaque que ele merece. Acabou a época da patifaria. É agora o povo no poder."

"Todos no Brasil tem que entender que estão submissos à vontade do povo brasileiro. Tenho certeza, todos nós juramos um dia dar a vida pela pátria. E vamos fazer o que for possível para mudar o destino do Brasil. Chega da velha política", disse o presidente.

Neste domingo, protestos semelhantes ocorrem em outras cidades pelo país, como São Paulo, Curitiba, Salvador e Manaus. Os manifestantes pedem a reabertura do comércio e a volta ao trabalho, enquanto aumentam o número de mortes e de pessoas infectadas por covid-19 em todo o país. Alguns governos estaduais impuseram medidas de quarentena e isolamento.

Bolsonaro, entretanto, vem questionando a eficácia dessas medidas, adotadas também em diversos países ao redor do mundo, e minimiza a gravidade da doença. O presidente vem realizando passeios e aparições públicas, causando aglomerações em torno de sua figura e até mesmo apertando as mãos de seus apoiadores, o que os especialistas em saúde também pedem que seja evitado. 

Neste sábado, ele voltou a criticar os governadores estaduais e o Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou que os estados da federação têm autonomia para ordenar o fechamento do comércio.

Números divulgados pelo Ministério da Saúde neste domingo elevaram o total de mortes pelo novo coronavírus no Brasil para 2.462, com 115 óbitos registrados nas últimas 24 horas. Nos sete dias que antecederam a divulgação desses dados, o aumento no número de mortes foi de 101 % (1.239 óbitos).

Estudos divulgados por diferentes instituições acadêmicas e universidades brasileiras nesta semana alertaram que o número de óbitos e de pessoas infectadas em todo o país pode ser até 15 vezes maior do que o anunciado pelas autoridades.

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17
Abr20

Nunca aprendemos a morrer

Talis Andrade

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III - O direito universal à respiração

Por Achille Mbembe

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Nestas condições, uma coisa é preocuparmo-nos com a morte de outro, ao longe. Outra, é de súbito tomar consciência da própria putrescibilidade, de viver na vizinhança da própria morte, de contemplá-la enquanto possibilidade real. À partida, é esse o terror suscitado pelo confinamento a muita gente, a obrigação de, por fim, responder pela sua vida e nome.

Responder aqui e agora pela nossa vida sobre a Terra com outros (incluindo os vírus) e pelo nosso nome em comum: é isto que o momento patogénico impõe à espécie humana. Momento patogénico, mas também momento catabólico por excelência, o da decomposição dos corpos, da triagem e da eliminação de todo o tipo de detritos-de-homens — a «grande separação» e o grande confinamento, em resposta à surpreendente propagação do vírus e em consequência da extensiva digitalização do mundo.

Não importa o quanto nos tentemos livrar dele. No final, tudo nos traz de volta ao corpo. Tentámos enxertá-lo noutros suportes, fazer um corpo-objecto, um corpo-máquina, um corpo digital, um corpo ontofánico.

Ele regressa sob a forma angustiante de uma enorme mandíbula, veículo de contaminação, vector de pólen, de esporos e de bolor.


Saber que não estamos sós nessa provação, ou de que seremos muitos a escapar, trará apenas um vão conforto. E se assim não for é porque nunca aprendemos a viver com o que é vivo, a preocuparmo-nos verdadeiramente com os danos causados pelo homem nos pulmões da Terra e no seu organismo. Numa palavra, nunca aprendemos a morrer. Com o advento do Novo Mundo e, alguns séculos mais tarde, a aparição das «raças industrializadas», nós escolhemos, numa espécie de vicariato ontológico, delegar a nossa morte noutrem e fazer da própria existência um grande repasto sacrificial.

Em breve deixará de ser possível delegar a morte noutrem. O outro não morrerá mais em nosso lugar. Não seremos apenas condenados a assumir, sem mediação, a nossa própria morte. Haverá cada vez menos possibilidades de adeus. Aproxima-se a hora da autofagia e, com ela, o fim da comunidade, porque dificilmente haverá comunidade digna desse nome se dizer adeus, isto é, fazer a memória do vivo, deixar de ser possível.

Pois a comunidade, ou melhor, o em-comum, não assenta apenas na possibilidade de dizer adeus, isto é, de ter um encontro único com os outros e a honrá-lo de novo de cada vez. O em-comum assenta também na possibilidade da partilha sem condição e de, a cada vez, recuperar qualquer coisa de absolutamente intrínseca, ou seja, de incomensurável, incalculável, e por isso sem preço. (Continua)

17
Abr20

Covid-19: Como os asilos da França organizam visitas a pacientes em fim de vida (capas jornais hoje)

Talis Andrade

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Um paciente em um EHPAD, estabelecimento para pessoas idosas na França REUTERS/Regis Duvignau

 

"Alguns dos que nos deixaram morreram não da Covid-19, mas de tristeza”

A epidemia do novo coronavírus revela a falta crônica de pessoal nos asilos de idosos (conhecidos como “Ehpad”) na França, mas também uma solidariedade de todas as categorias de funcionários para cuidar dos velhos, com ações destinadas a proporcionar conforto e manter laços familiares. Entre as medidas autorizadas pelo presidente francês, Emmanuel Macron, para aliviar a pressão da população, consta a liberação de uma visita “em casos extremos” de familiares em casas de repouso, para darem o último adeus a infectados, quando a situação é irreversível.

Permitir que as famílias se despeçam de seus entes queridos no final de suas vidas. Esse processo muitas vezes doloroso é particularmente difícil durante a crise do coronavírus. Com a necessidade urgente de limitar os contatos e a restrição drástica de visitas a hospitais ou casas de repouso, as possibilidades de acompanhar um membro da família até a morte são muito limitadas.

Durante seu discurso televisionado na segunda-feira (13), Macron falou sobre esse problema, que muitas famílias enfrentam atualmente em quase todos os lugares do planeta. “Desejo que hospitais e asilos possam organizar, para os mais próximos, equipados com as proteções corretas, uma visita aos contaminados pelo coronavírus no final da vida, para que eles possam se despedir”, disse o presidente francês.

Como as visitas são organizadas na França? Na maioria dos hospitais, elas são proibidas, mas "já existem exceções, que permitem apoiar os entes queridos no final da vida", disse um representante do Ministério da Saúde francês, entrevistado pela rádio France Info. "Essas autorizações excepcionais ficam a critério dos diretores de cada estabelecimento”, como determinado por Macron.

A declaração do chefe de Estado visa os asilos, onde o isolamento é ainda mais rigoroso. Por decisão do governo, as visitas foram "totalmente suspensas" desde 11 de março, uma semana antes do confinamento em todo o país. Desde então, as autoridades de saúde têm tolerado exceções "concedidas pelo diretor do estabelecimento, após uma avaliação caso a caso".

Exceções podem ser abertas pelos seguintes motivos: "Uma situação clara de estado terminal, uma descompensação psicológica ou uma recusa em se alimentar que não consegue ser resolvida com os recursos do estabelecimento".

Na falta de pessoal, solidariedade

A estratégia lançada pelo governo  francês no início de março nos lares de idosos e estabelecimentos de saúde impôs uma mobilização "máxima" de profissionais diante da epidemia de Covid-19. Na prática, "a falta de pessoal já era flagrante antes do novo coronavírus, mas os estabelecimentos estão ainda mais afetados, com até 40% de absenteísmo em determinados locais", lamenta Malika Belarbi, auxiliar de enfermagem e representante do coletivo de cuidadores de idosos do sindicato nacional CGT, na França.

No entanto, "em um setor com pouco pessoal ao longo do ano, é importante demonstrar solidariedade, ainda mais em tempos de crise", acrescentou Romain Gizolme, diretor da Associação de Diretores de Serviços para Idosos (AD-PA).

A situação é "muito difícil", diz Marie-France, enfermeira em uma casa de repouso em Hauts-de-Seine (norte da região parisiense), designada para uma unidade de Covid-19. "Vemos a situação se deteriorar, nossos pacientes perderem peso, morrerem na nossa frente em poucas horas, somos impotentes". Só na quarta-feira (15), dois moradores de sua unidade morreram.

"Felizmente, os outros serviços estão lá: funcionários administrativos, pedicures, esteticistas, psicólogos nos ajudam. Eles estão na linha de frente para fortalecer as equipes. Não é o trabalho deles, mas o fazem por solidariedade e dedicação", insiste Malika Belarbi, que conta ter "se encontrado dois dias atrás com uma pedicure lavando a louça para 40 moradores".

"As barreiras hierárquicas estão caindo" 

"Quando um confinamento se impõe, felizmente a equipe de enfermagem e a equipe de limpeza ajudam a de catering a distribuir refeições na sala", diz Romain Gizolme. "Os agentes administrativos, os secretários nos ajudam a fazer os idosos comerem; tenho um colega da Bretanha (noroeste) que veio ajudar. Isso nos faz muito bem", explica Marie-France.

Aicha, que trabalha no departamento de admissões de um lar de idosos em Asnières (Hauts-de-Seine), ofereceu-se para dar apoio a seus colegas de enfermagem. "Eu os libero de suas tarefas administrativas, como organizar a partida de um falecido”. Ela descreve uma "cadeia de solidariedade" que a envia "ao campo todos os dias". "Existe o envolvimento de todos. Nunca vi tanta solidariedade entre as equipes", confirma Raphael Berhaiel, delegado central do sindicato CFDT dentro do grupo Korian, o número um na Europa entre os lares de idosos.

"Antes, havia um certo individualismo. Terminávamos o trabalho e íamos para casa. Hoje, recebemos notícias. Há um desejo de cuidar bem um do outro. Até as barreiras hierárquicas caem", acrescenta Berhaiel. Os funcionários geralmente se esforçam para manter contato com os entes queridos. "Equipes foram criadas para dar notícias diárias às famílias", disse o cuidador.

"No meu estabelecimento, sessões de videoconferência via Skype são organizadas", diz Marie-France. "Tentamos reservar um tempo, o máximo possível com os moradores para dar suporte. Alguns dos que nos deixaram morreram não da Covid-19, mas de tristeza”, acredita. Para Romain Gizolme, "essa crise revela o melhor, o grande comprometimento dos profissionais, às vezes à custa de sua saúde. E também o pior, mostrando como o setor está com falta de pessoal", conclui o profissional.

Com informações da AFP

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15
Abr20

Carregador de caixão, uma profissão comum em Gana que virou meme internacional com o necropresidente Bolsonaro

Talis Andrade

Captura de tela da reportagem da BBC sobre os carregadores de caixão ganeses, que virou meme.

A farsa de um vídeo do necropresidente Jair Bolsonaro carregando um caixão pautou para a mídia internacional os festivos enterros em Gana, nestes tempos de peste, de morte solitária, com enterro com um ou dois acompanhantes no máximo, inclusive sepultamento em vala comum.

 

José Ignacio Martínez Rodrígues escreve hoje no El País, Espanha:

Carregador de caixão, uma profissão comum em Gana. Conversamos com uma das funerárias que oferecem o serviço.

Emmanuel Agyeman trabalha em uma funerária de Acra, a capital de Gana, e também recebeu em seu celular algumas versões de um dos vídeos do momento. Eles existem às centenas, sempre seguindo um mesmo esquema. Primeiro, aparecem imagens de alguém a ponto de se meter em problemas ― pode ser uma queda estrondosa, um susto, uma situação que certamente vai acabar mal… Mas, antes da desgraça acontecer, a sequência é interrompida e surgem homens de terno preto, dançando de maneira animada enquanto balançam um caixão que carregam sobre os ombros, ao som de música eletrônica.

A imagem final, em que vários homens dançam enquanto carregam um defunto, virou um meme internacional que serve para antecipar um erro ou descuido que não chega a ser visto: em seu lugar, aparece a dança do caixão. A cena foi gravada em Gana, no oeste da África, onde as funerárias como a de Agyeman organizam enterros desse tipo. "Estas festas são montadas quando a pessoa que morre teve uma vida longa, quando morre com 60 anos ou mais [a expectativa de vida em Gana é ligeiramente inferior a 63 anos]”, conta o agente funerário por telefone.

Os homens que aparecem no vídeo são pallbearers, expressão que poderia ser traduzida em português como “carregadores funerários”, que se dedicam a transportar caixões enquanto dançam. “Quando morre uma pessoa jovem é algo doloroso, mas se é alguém mais velho, prepara-se tudo isto para celebrar a vida”, conta Agyeman, da funerária EA Hearse Services & Funeral Agreement, que presta o serviço em todo o país. As imagens dos pallbearers ― que começaram a se popularizar no resto do mundo no final de março e deram origem a centenas de versões ― foram tiradas de duas reportagens jornalísticas. Uma foi gravada pela agência de notícias Associated Press, e a outra pela BBC, ambas em 2017. [Transcrevi trechos]

O filmete com Bolsonaro é uma sátira ao desprezo que o seu governo militar da direita tem aos direitos à saúde, à vida dos brasileiros. Uma política genocida que defende a privatização da saúde, o sucateamento do SUS, a negação da ciência, o fim das pesquisas, repetindo o "Massacre de Manguinhos" da ditadura militar de 64. 

O governo das trevas, do terraplanismo, considera o coronavírus uma "fantasia", uma "gripezinha". Bolnaro combate a quarentena, o isolamento social, porque "outros vírus mataram muito mais".

 

 

13
Abr20

Covid-19, percentualmente a letalidade é baixa, mas em números absolutos é indecente

Talis Andrade

 

 

Mariana Alvim entrevista Ana Claudia Quintana Arantes (Continuação)

BBC News Brasil - Principalmente no início dos casos de covid-19, políticos e até médicos minimizaram o perigo desta doença, posição que foi mantida mais recentemente pelo presidente Jair Bolsonaro, que falou de uma "gripezinha". Sabemos das inúmeras perdas que essa doença já causou pelo mundo, mas também é um fato que a mortalidade dela é diferente de outras doenças infecciosas, por exemplo. Por que a reação a essa doença é diferente?

Ana Claudia Quintana Arantes - Esse papo furado de estatística só pertence a quem está interessado no resultado da estatística. Sou médica, e no nosso meio, quando falamos de estatísticas em congressos, mestrados, doutorados, estamos nos distanciando da experiência humana do processo.

Estatisticamente, o percentual de morte é baixo. Concordo. A questão é: é um vírus que contamina muito rápido. Então, percentualmente, a letalidade é baixa, mas em números absolutos, é indecente. É inimaginável pensar que pode haver 200 mil mortes em uma semana.

Aí vem o papo: ah, a dengue mata também, o H1N1 mata também. Mata, mas a proporção está diluída ao longo do tempo. E o serviços de saúde bem ou mal se acomodam em viabilizar os cuidados.

O que está acontecendo é inviável.

Então, a estatística é linda para publicar artigo, para palanque político.

Mas se morre sua mãe, é 100%. Você pode pensar: 1% das mães morreram, 99% delas estão vivas. Acontece que para você é 100%. A experiência da perda é concreta e absoluta.

(Nota da redação: Hoje, a estimativa da OMS é que 3,4% das pessoas infectadas pelo vírus morrem, mas alguns cientistas estimam que esse índice gire em torno de 1%.)

 

BBC News Brasil - O luto já é difícil, e o coronavírus está mudando algumas partes do processo.

Ana Claudia Quintana Arantes - Para cada pessoa que morre, a gente estima dez enlutados. O processo de luto é de altíssima complexidade quando você tem um adoecimento traumático como é o coronavírus.

Uma pessoa pode estar bem, até ter doenças crônicas, é infectada e em três semanas morre. E sem poder ter contato com a família.

É traumático porque foge de todos os parâmetros de organização da perda: não tem acesso ao remédio, não tem acesso ao teste, não tem acesso à entubação, não tem acesso à família. É uma desorganização diante do que antes era considerado normal, esperado.

E pra quem fica, o processo de luto pode inviabilizar uma vida — por meses, anos, afetando no trabalho, os relacionamentos...

Então, se você pensa mais ou menos dez enlutados para cada morte, imagina os milhões de pessoas que ficarão inviáveis ou terão dificuldade de reabilitação para sua própria vida (por ter perdido alguém para a covid-19).

Essa é a complexidade da situação.

 

BBC News Brasil - Por que fazer velórios normalmente, ou ter contato com o corpo, coisas inviabilizadas agora pela covid-19, podem fazer falta no processo de luto?

Ana Claudia Quintana Arantes - A ritualização, como o funeral, faz parte de uma elaboração da nova etapa da pessoa que fica. Cada cultura vai ter seu ritual.

Quando você vê o corpo, enterra, chora, faz a missa de sétimo diz, faz as rezas, isso estrutura o processo. É como se você fosse fazer uma trilha, e tem uma sinalização. A ritualização dá seguranças.

Sem essa ritualização, a emoção da perda é arrebatadora.

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BBC News Brasil - Nas situações em que um paciente internado não pode receber visitas, o profissional de saúde que estará ao lado dele terá ainda mais importância, certo?

Ana Claudia Quintana Arantes - Ainda mais importância, porque possivelmente será a única forma de conexão humana ainda disponível.

 

BBC News Brasil - Para profissionais como esses e que nunca tiveram muito contato com as noções dos cuidados paliativos, o que você daria como orientação?

Ana Claudia Quintana Arantes - Quando elas verem que uma pessoa está morrendo, idealmente antes de entubar o paciente, eu diria: farei o melhor que eu puder para a sua vida.

Se eu falo isso na hora de entubar uma pessoa, cria-se uma conexão muito forte, de confiança.

Se a última coisa que você ouvir na sua vida for isso, vai ter valido à pena. No momento que você estava na sua maior fragilidade, teve alguém que falou: farei o possível pela sua vida. Não é nem para salvar sua vida, mas o possível pela sua vida.

Se o paciente realmente estiver morrendo, já foram tomadas todas as medidas e ele não está respondendo, você fala para ele: você é muito corajoso.

São duas coisas que acredito precisarem fazer parte da experiência humana. Uma delas é saber que você é importante para alguém; e outra é se ver como alguém de valor.

 

BBC News Brasil - E, como aconteceu em outros países, pode ser que estes profissionais tenham que fazer o que tem sido chamado de escolha de Sofia. Há algum preparo para este tipo de situação?

Ana Claudia Quintana Arantes - Nenhum preparo. Tem muitos jovens que estão sendo nomeados chefes de UTI e não têm condições de saber escolher; vão fazer escolhas com bases intuitivas, ou minimamente qualificadas... E vão sofrer muito por isso.

Mesmo as pessoas mais experientes, ninguém está preparado.

 

BBC News Brasil - No ramo dos cuidados paliativos, tem iniciativas pelo mundo na atual pandemia que têm te chamado a atenção?

Ana Claudia Quintana Arantes - Existe um movimento mundial em cima dessas prerrogativas de paliativos de emergência. Centros de referência de cuidados paliativos estão promovendo documentação, treinamentos, para que agir no meio desta emergência.

Está tendo também uma campanha de doação de tablets em Portugal para uso em despedidas (entre pacientes e pessoas queridas).

Aqui no Brasil, estamos orientando profissionais de saúde que podem oferecer cuidados paliativos via Casa do Cuidar, Associação Nacional de Cuidados Paliativos, várias Unimeds que têm a rede de cuidados paliativos...

Estamos formalizando treinamentos para manejo de sintomas respiratórios, como tosse e falta de ar. O acesso a medicações como morfina, a midazolam, que é um ansiolítico para controlar a falta de ar...

Mas o Brasil já tinha muito pouco perto da necessidade que já tínhamos. Havia a estimativa de só 0,3% dos pacientes que precisariam de cuidados paliativos tinham acesso. Então estamos muito atrasados em números de equipes, mas a qualidade delas costuma ser muito boa.

(Nota da redação: A médica menciona também que colaborou com a criação de uma guia para despedidas à distância, que está sendo desenvolvida por Tom Almeida, fundador do movimento inFinito. Procurado depois da entrevista, Almeida contou que o Guia de Rituais de Despedidas Virtuais será lançado em 15 de abril na internet, oferecendo orientações e dicas de plataformas que permitem, por exemplo, chamadas de vídeo para conectar pacientes internados e familiares).

 

BBC News Brasil - Sendo geriatra, como você vê o tratamento, cultural mesmo, aos idosos nessa pandemia?

Ana Claudia Quintana Arantes - Penso que a forma com a gente lida com os idosos no Brasil é bastante... imatura. A gente olha para o idoso como uma pessoa incapaz de compreender e como alguém que precisa obedecer um adulto jovem.

Só que esse idoso é capaz e começa a se revoltar com isso (a tutela).

O idoso, que está sendo muito agredido, tratado de forma pejorativa sobre o isolamento social, quando exige um espaço de escuta, está sendo massacrado.

Eu não tive problemas com os idosos que cuido. Eu conversei com cada um deles, fiz consultas por vídeo (a médica diz que seus pacientes já eram atendidos por conta de outras condições de saúde, mas alguns têm suspeita de coronavírus; estes casos estão sendo monitorados).

Também precisamos entender que alguns idosos também têm seu processo de negação, assim como os adultos.

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12
Abr20

Estão lutando pela retomada de economia em cima de cadáveres

Talis Andrade

Mariana Alvim entrevista Ana Claudia Quintana Arantes (Continuação)

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BBC News Brasil - A atual pandemia de coronavírus está impactando a relação das pessoas com a saúde e a morte?
Ana Claudia Quintana Arantes - É como se o mundo todo estivesse com o resultado de uma biópsia na mão, para abri-lo, com um possível diagnóstico de uma doença que ameaça a continuidade da vida.

Com o coronavírus, está todo mundo com a possibilidade de se contaminar e, se contaminando, a possibilidade de perder sua vida. Ou alguém da sua família. A questão de risco de vida está batendo na porta de todo mundo ao mesmo tempo. É o mundo inteiro na mesma página agora, pode ser americano, canadense, sul-americano...

Quando você tem a consciência de que está em risco, muitos sentimentos vêm. O medo é o principal deles; mas também a urgência pela vida.

Quando você tem essa percepção, você pensa: por que eu não disse que amava? Por que eu não dei valor a essa vida quando ela era acessível?

Quem nunca pensou nesse assunto antes, está agora vivendo um sofrimento muito intenso.
Além da questão de ficar em isolamento. Quando havia problemas de ansiedade, uma crise dentro de si mesmo, você podia fugir para fora. Agora, tem que ficar dentro de casa.

Ficar em casa para muita gente significa ficar em si mesmo. Só que muita gente habita um mundo interno muito hostil. Além das questões da convivência, das pessoas entrando em contato com uma realidade afetiva que nunca foi de fato enfrentada, como os casais. Agora é a hora da verdade.

 

BBC News Brasil - Você lida em seu trabalho com pessoas diagnosticadas com doenças difíceis, incuráveis. Mas agora estamos falando de uma doença nova e desconhecida. Isso traz implicações diferentes?
Ana Claudia Quintana Arantes - Sim, porque não haverá a oportunidade de um paciente grave ter tempo com as pessoas. No meu livro A morte é um dia que vale a pena viver, eu fiz um convite às pessas refletirem sobre sua finitude, tornando a vida digna, para que não se precise pensar em uma morte digna, e sim na vida. Para que pessoas, mesmo gravemente enfermas, possam estar presentes no encontro com as outras.

Mas agora, a gente vive um momento em que isso não é possível.

Por isso, a reflexão é muito mais urgente, porque ela diz respeito a uma vida que não está acessível agora.

Nós vamos passar por um processo de reabilitação da vida. Para ninguém a vida será a mesma depois disso. Mesmo quem não perder ninguém, que tiver só perdas econômicas, vai ter uma experiência de olhar para as condições dela, materiais, profissionais, de outro jeito.

No mundo médico, até outro dia era uma crise absurda contra a telemedicina, "que absurdo os profissionais não terem contato com o paciente". Uma epopeia. E aí, do dia pra noite, a telemedicina é liberada, publicada no Diário Oficial.

É uma quebra — uma quebra não, uma dissolução de paradigmas. Eles de repente desapareceram por conta das necessidades.

 

BBC News Brasil - Para algumas pessoas, essa pandemia ampliou a possibilidade do teletrabalho, mas pra outras, tornou ainda mais urgente questões sociais como condições precárias de moradia.
Ana Claudia Quintana Arantes - Também é uma realidade que ninguém se importava antes e estamos falando dela agora.

Vou te falar minha opinião, que não sei se vale muita coisa, mas sobre essa demanda dos empresários para que se volte a trabalhar logo.

Se as pessoas voltam a trabalhar, vai ter morte aos milhares. E essas pessoas em subcondição de vida vão morrer em maior número. Essas pessoas (empresários que adotam esse tipo de discurso priorizando a economia) não entendem que não vai ter chão de fábrica, porque as pessoas vão morrer. Estão lutando pela retomada de economia em cima de cadáveres.

Podem falar: mas é pior para as pessoas pobres ficarem em casa. Na verdade, o pior já aconteceu: um total descaso da sociedade em viabilizar uma vida digna para essas pessoas. De ter um lugar habitável, estrutura de saneamento básico, escolas, segurança, saúde.

As pessoas destruíram o sistema de saúde, inviabilizaram a ciência e agora a única forma de sobreviver é retornando a condições de acesso à saúde que estavam sendo destruídas.

De repente, em poucas semanas, tem que reconstruir toda a assistência de saúde e o investimento na ciência porque existe uma necessidade de resposta que as grandes corporações não trazem.

São os cientistas que têm que decidir sobre a dosagem de anticorpos, ou a produção de uma vacina. Quem estava dedicado a isso, perdeu sua bolsa de pesquisa. (Continua)

12
Abr20

Opinião: Morrer sozinho é desumano

Talis Andrade

Mão mais jovem segura mão de idosa

A proibição de visitar hospitais e asilos desafia os limites do sofrimento humano. Morrer sozinho é contra a dignidade humana. Não pode haver proibição de visitas no leito de morte, opina Astrid Prange

 

Quem vai segurar a mão na hora da despedida derradeira? Quem dará o último beijo? Quem vai pronunciar as últimas palavras de conforto? Quem irá cerrar as pálpebras? Em tempos de pandemia de coronavírus ficou difícil responder essas perguntas. Muitas pessoas no leito da morte estão isoladas. Sem família e sem amigos, sem carinho e sem ternura. Elas deixam a vida sem poderem se despedir.

A morte solitária é uma das consequências da proibição de visitas a hospitais e lares de idosos imposta na maioria dos países afetados pela pandemia. É difícil imaginar algo mais desumano. Priva os pacientes, especialmente aqueles à beira da morte, de seus últimos instantes de alegria, de seus últimos desejos, de seus últimos anseios.

Ver a filha ou o filho por uma última vez? Abraçar o neto? Segurar a mão do parceiro e sentir o carinho em seu olhar? Saber que seu melhor amigo mais uma vez está do seu lado? Não foi para isso que muitos pacientes suportaram toda a dor e terapias?

A proibição de contato é uma tortura também para os familiares. Eles não puderam estar presentes quando o ente querido tanto precisava deles. Não puderam demonstrar seus sentimentos e afeto, agradecer por uma vida em conjunto nem dar ou receber conforto. Essa sensação dolorosa certamente acompanhará muitos pelo resto de suas vidas.

Por mais importante e correta que seja do ponto de vista epidemiológico, a proibição de visitas é um sinal de desumanidade em meio à crise do coronavírus, que, aliás, não pode ser combatida sem amor e solidariedade.

É claro que é correto e importante que tudo seja feito para proteger os doentes nos hospitais ou para proteger os idosos nos asilos do risco de uma contaminação.

No entanto, o isolamento dos idosos e outros doentes deve valer só até o leito de morte. É uma questão de encontrar um meio termo entre duas questões legítimas: proteger de uma infecção pelo coronavírus e evitar a morte em isolamento social.

Na Alemanha, muitos lares de idosos e hospitais tentam reagir, abrindo exceções e permitindo que as pessoas à beira da morte se despeçam dos familiares. No entanto, a implementação ainda é um problema em muitos lugares, e pacientes de covid-19 gravemente doentes em geral já nem podem mais receber visitas.

Mesmo que o vírus seja difícil de controlar, uma despedida digna também deveria ser possível em tempos de coronavírus. Talvez sejam possíveis testes rápidos para os visitantes? Talvez haja mais roupas e máscaras protetoras à disposição, também para os familiares que querem se despedir de seus entes queridos?

Eu me inclino perante todos os médicos, enfermeiros, religiosos e agentes funerários, e, acima de tudo, perante todas as famílias afetadas, que a cada dia tentam demonstrar humanidade no meio da crise do coronavírus e, por isso, suportam uma carga inimaginável.

Eles percorrem a Via Dolorosa que todos os cristãos evitarão nesta Páscoa por temerem uma contaminação. Eles mostram que a humanidade às vezes está acima das proibições. E que a vida pode celebrar a ressurreição.

 

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