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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

30
Ago23

'Invisíveis até na morte': a luta de um morador de rua para evitar que sua mulher fosse enterrada como indigente

Talis Andrade
 
Cláudio Oliveira diante de cova da ex-companheira em Fortaleza
Diante de cova de ex-mulher em Fortaleza: corrida contra o tempo pelo direito de reconhecer e sepultar o corpo. Foto Marília Camelo

  • Thays Lavor
  • De Fortaleza para a BBC News

 

"Eu cuidava dela, a gente ia se cuidando. Todo dia penso na Ana Paula, não é fácil perder o amor da gente", lamenta o cearense Cláudio Oliveira, de 48 anos, em meio a garrafas velhas e uma barraca de camping numa praça de Fortaleza.

Cláudio e Ana viveram juntos por 22 anos nas ruas da capital do Ceará. Moraram em oito praças da cidade e criaram quatro cachorros.

A relação selada na rua, no entanto, não deu a Cláudio o direito legal de reconhecer o corpo da companheira, que morreu há quatro meses.

A perda levou Claudio a protagonizar uma corrida contra o tempo, em busca de poder reconhecer e sepultar o corpo da mulher, que não tinha documentos.

"Ela era casada, mas nos casamos de novo, na rua. Todo mundo aqui conhecia a gente. De repente ela foi embora, sumiu - quando soube dela, já tinha morrido. Andei muito, fui, voltei, meus pés ficaram inchados de tanto andar. Passei em todo canto para não deixá-la ser enterrada como indigente", conta o morador.

A trajetória expõe um problema ainda crítico no Brasil, o da identificação da população em situação de rua.

Vítimas de inúmeros estigmas, essas pessoas somavam 101,8 mil no Brasil em 2015, segundo estimativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Desse total, 40% não possuem documentos de identificação, de acordo com o Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR).

Tal situação, além de dificultar o acesso a quase todos os direitos negados pela falta da comprovação (de ir e vir, a voto, educação, saúde, habitação e trabalho, por exemplo), também os torna invisíveis na hora da morte. Sem identificação, são enterrados como indigentes em cemitérios públicos.

"Às vezes a gente tem a impressão que até para morrer esse povo não é gente, e a gente precisa muito superar isso", afirma Nailson Nelo, da Pastoral do Povo da Rua.

 

Via-crúcis

Após Ana Paula sumir, Cláudio passou duas semanas à sua procura em praças, abrigos e hospitais da cidade. Em 28 de julho, soube que a companheira, de 51 anos, havia morrido no Instituto Doutor José Frota, um dos maiores hospitais de Fortaleza.

Àquela altura, a mulher falecera havia dois dias e o corpo, sem identificação, já tinha sido encaminhado para o Instituto Médico Legal (IML) - em cinco dias, seria direcionado para sepultamento.

Menos de uma semana: este foi o tempo que Cláudio teve para reclamar o corpo e provar que era companheiro de Ana.

"No hospital, a assistente social confirmou que o corpo já estava no IML, mas não me deixaram vê-la, pois não tinha como provar que a gente vivia junto. Foi difícil, rodei muito até conseguir", conta Cláudio.

Para Fabiana Miranda, representante da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), ainda há muitos obstáculos, como discriminação e preconceito, para que moradores de rua possam ter acesso a serviços públicos.

"A burocracia ainda é extremamente rígida e não consegue se adequar às necessidades da população de rua. Gestores precisam flexibilizar exigências à realidade dessas pessoas", analisa a defensora pública.

No caso de Claudio, o entrave era a falta de documentação da companheira - ou seja, era preciso provar que o corpo que ele reclamava era mesmo da pessoa a qual ele se referia.

Segundo a assistente social Carla Carneiro de Souza, que acompanhou todo o processo, foram feitos exames de papiloscopia (impressões digitais) e de DNA para comprovar a identidade do corpo.

Nesse processo, descobriu-se que o casal já tinha sido abordado por um dos serviços da prefeitura, o Centro Pop (de referência à população de rua), e que possuía cadastro lá.

"Então foi encontrada uma certidão de casamento de Ana, onde constava o nome real dela, que era Maria Emília. A certidão havia sido tirada para poder emitir os seus documentos civis", conta Carla. Ana Paula provavelmente perdera os documentos.

Nesta busca, também foi identificada uma filha de Ana Paula, que contribuiu ao reconhecimento do corpo, por meio do exame de DNA, mas se absteve da responsabilidade pelo enterro.

Faltava ainda, contudo, comprovar a relação estável do casal.

"Tive muita ajuda. Eu não podia deixar que ela fosse jogada na vala como nada. Era a minha família, a gente ia pra todo canto, pegava a estrada e ia mangueando (mendigar)", conta Cláudio, alcoólatra como a antiga companheira.

Solução

A comprovação da união estável só foi possível por meio do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Ceará, que tomou uma medida denominada liberação administrativa.

Assim, Cláudio pôde reconhecer o corpo da companheira e se responsabilizar por ele. Há pouco mais de dois anos isso não seria possível em um prazo tão curto, e levaria um tempo mínimo de dois a seis meses.

"Antigamente, para conseguir essa liberação, era preciso entrar com uma ação judicial, e eles quase nunca conseguiam, pois normalmente a população de rua não tem nem sequer documentação, ou seja, são invisíveis 100%", explica a defensora pública geral do Ceará, Mariana Lobo.

Antes, através da ação judicial, era preciso oficiar todos os cartórios da cidade para verificar se a pessoa morta ou quem fazia o pedido tinha alguma documentação, processo que poderia levar até seis meses - e os corpos acabavam sendo enterrados como indigentes.

"Além desta situação em que eles estão, negar o direito à cidadania, negar o direito de velar um corpo de um ente querido seria outro ônus e outra invisibilidade colocada em cima deles", afirma a defensora.

'Minha infância foi uma porcaria'

De fato, a vida de Claudio é marcada por dificuldades. Logo ao nascer, ele foi trocado na maternidade. Com dois anos voltou para a família biológica, onde viveu até os 18 anos, no bairro Vila União, em Fortaleza.

Rejeitado pela mãe e alvo de violência doméstica, ele cresceu fugindo de casa. Com laços familiares rompidos, buscou refazer a vida nas vias da cidade, onde conheceu Ana Paula.

"Minha infância foi uma porcaria. Minha mãe me batia, não gostava da minha cor, morreu impedindo que a chamasse de mãe. Com Ana Paula peguei a estrada. Mendigamos juntos, vivemos muita coisa, era minha companheira. O que eu passei com ela, nem com minha família, que é sangue do meu sangue", relembra Claudio, que vive de esmolas e R$ 87 mensais do Bolsa Família.

Obstáculos

Para órgãos como o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e o MNPR, estimativas do Ipea e dos municípios sobre população de rua no país não refletem a realidade. Para eles, o Brasil possui hoje aproximadamente 400 mil moradores de rua.

"A contagem só é feita por meio de números que chegam pela assistência e pela população encontrada nas praças e vias mais movimentadas. Mas a população de rua também está em terrenos baldios, buracos, lixões e outros lugares em que a assistência não chega", diz Leonildo Monteiro, do CNDH.

Segundo ele, as principais demandas que chegam ao CNDH sobre população em situação de rua têm origem na falta de documentação. "Tentamos garantir os direitos que lhe são básicos e que acabam não acontecendo por falta desta identificação, o que é um absurdo", avalia.

Há conversas em curso para que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) inicie a contagem desta população em 2020, mas não há nada de concreto em relação a isso.

A Política Nacional para População em Situação de Rua, instituída pelo governo federal em 2009, teve adesão de apenas oito capitais até hoje, segundo o MNPR: Brasília, Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte , São Paulo, Salvador, Fortaleza e Rio de Janeiro. (Publicado em 19 dezembro 2016)

06
Mai23

Tiroteios na Sérvia: Entenda como o país se tornou o 3° do mundo em circulação de armas de fogo

Talis Andrade

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Bolsonaro decreta que todo brasileiro tem "efetiva necessidade" de ter arma 

Uma menina deposita flores para as vítimas em frente à escola Vladimir Ribnikar, dois dias depois que um garoto de 13 anos usou as armas do pai para matar oito colegas e um guarda, em Belgrado, Sérvia, na sexta-feira, 5 de maio de 2023.
Uma menina deposita flores para as vítimas em frente à escola Vladimir Ribnikar, dois dias depois que um garoto de 13 anos usou as armas do pai para matar oito colegas e um guarda, em Belgrado, Sérvia, na sexta-feira, 5 de maio de 2023. AP - Darko Vojinovic

O presidente da Sérvia, Aleksandar Vucic, anunciou nesta sexta-feira (5) um grande plano de desarmamento após duas chacinas em menos de 48 horas neste pequeno país dos Bálcãs. De acordo com a ONG suíça Small Arms Survey, a Sérvia foi, em 2018, o terceiro país do mundo em termos de circulação de armas de fogo, atrás apenas dos Estados Unidos e do Iêmen, com 39 armas por 100 habitantes. Como isso pode ser explicado?

Os dois tiroteios, nos quais um total de 17 pessoas morreram, horrorizaram os sérvios. Seu presidente prometeu reduzir drasticamente o número de armas legais e enfrentar o problema das armas ilegais com o objetivo de alcançar o "desarmamento quase completo da Sérvia".

"Esse é um ataque a todo o nosso país e todos os cidadãos sentem isso", disse o chefe de Estado à nação.

O governo disse em um comunicado que queria "reduzir em 90% o número de armas pequenas em poder de indivíduos e empresas". O Ministério do Interior da Sérvia também "lançará um apelo público aos detentores de armas ilegais e dispositivos explosivos para que os entreguem [às autoridades] dentro de um mês, sem risco de processo".

A promessa de Vucic foi feita após a prisão, nesta sexta-feira (5), de um homem suspeito de matar oito pessoas e ferir pelo menos 14 outras.

Esse segundo tiroteio, em um país já em estado de choque após o massacre na escola de Belgrado na quarta-feira, ocorreu por volta da meia-noite em três vilarejos próximos a Mladenovac, cerca de 60 quilômetros ao sul da capital. Um suspeito de 21 anos abriu fogo contra as vítimas de um carro em movimento, de acordo com a televisão estatal RTS.

Guerra dos Bálcãs

Na década de 1990, como resultado das guerras que levaram ao fim da Iugoslávia e dos conflitos subsequentes nas diferentes áreas da região, um grande número de armas de fogo circulava nos Bálcãs. Já em 1989, sob o regime de Tito, 6,1 milhões de armas leves foram registradas, de acordo com um relatório do Ministério da Defesa e do Instituto de Relações Institucionais e Estratégicas da França (Iris), em 2017.

O fim dos combates levou a uma diminuição da demanda, mas não levou a uma diminuição do número de armas em circulação. A manutenção da indústria de armas local é um dos motivos, de acordo com o Iris. "Seja na Sérvia, na Croácia ou em Montenegro, armas pequenas e leves continuam a ser produzidas", explica o relatório. O relatório também destaca o "desvio dos estoques do exército" e a "corrupção", ligados em particular aos "baixos salários dos trabalhadores e à baixa remuneração dos soldados".

De acordo com a Small Arms Survey, havia, em 2018, 2,7 milhões de armas de fogo de propriedade de civis na Sérvia, para 7 milhões de habitantes. Dessas, 1,18 milhão estavam oficialmente registradas e 1,53 milhão não registradas.

Alguns dos fuzis de assalto usados nos ataques terroristas de 13 de novembro de 2015 em Paris foram produzidos pela antiga fábrica de armas da Iugoslávia. Em janeiro do mesmo ano, os assassinos do Charlie Hebdo usaram um lançador de foguetes dos Bálcãs, informou a agência AFP em 2021.

(Com AFP e Franceinfo)

12
Jul22

"Bolsonaro faz discurso violento, típico de um covarde", diz Lula

Talis Andrade

Correio Braziliense

 

Lula critica duramente o chefe do Executivo e fala sobre combate à fome

 

por Carlos Alexandre de Souza, Ana Dubeux, Denise Rothenburg, Ana Maria Campos /Correio Braziliense

 

Lula chega nesta terça-feira (12/7) a Brasília para participar de um ato público, às 17h, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Também vai cumprir agenda com empresários de vários segmentos da economia. Uma programação para, entre outros assuntos, tentar desconstruir o antipetismo com a ideia de uma aliança ampla para "reconstruir o Brasil".

Nesta entrevista, o ex-presidente explica que quer manter o auxílio de R$ 600 e que seu compromisso é novamente tirar o Brasil do Mapa da Fome da ONU. "Isso é um compromisso de vida. É a prioridade."

Sobre ataques do bolsonarismo aos seus apoiadores ou ameaças ao processo democrático das eleições, Lula diz que "Bolsonaro faz um discurso violento, cheio de bravata, bem típico de um covarde, que tenta estimular a violência no país". Também chama o atual presidente de "mentiroso".

 

No primeiro mandato, o senhor disse que não descansaria enquanto alguém passasse fome no Brasil. A fome voltou. Vai repetir esse compromisso?

Sim. Isso é um compromisso de vida. Conseguimos, com toda a sociedade, criar políticas públicas e promover inclusão social que tirou o Brasil do Mapa da Fome da ONU, e agora estamos de volta. Essas políticas públicas foram desmontadas, e a fome voltou. Não tem por que o Brasil ter milhões de pessoas, milhões de famílias e crianças passando fome. Nós vamos resolver isso, é a maior prioridade.

 

Acredita que Bolsonaro vai respeitar o resultado da eleição?

Ele tem de respeitar. Não é opção dele.

 

O senhor já disse que é contra as RP9, as emendas de relator ao Orçamento, e que vai acabar com elas. Porém, para acabar, é preciso acertar com o Congresso. O Congresso, hoje, manda no Orçamento e, para 2023, vai tornar impositivas também essas emendas de relator. Como fará para acabar com elas, uma vez que até na oposição tem gente que apoia essas emendas e diz ser melhor ficar independente do governo?

Vamos conversar sobre isso com o Congresso eleito pelas urnas de 2022. Por isso, será muito importante o voto para deputado e senador nesta eleição. Eu acho que o país não pode ter algo chamado "orçamento secreto". Eu quero que o país tenha um orçamento participativo, com as pessoas podendo participar pela internet, opinar no destino dos recursos dos seus impostos.

 

Se vencer a eleição, vai manter o Auxílio Brasil a R$ 600?

Eu quero manter. O PT queria que o Auxílio fosse de R$ 600 já em 2020. Bolsonaro que fez uma coisa engraçada: criou uma série de benefícios em período eleitoral que duram até dezembro. Depois disso, vale a palavra do Bolsonaro, que não vale nada, como o mundo sabe, porque todo mundo sabe que ele é um mentiroso.

 

O senhor é contra o teto de gastos. E Bolsonaro encomendou uma bomba fiscal de R$ 41 bilhões? Isso não é irresponsabilidade fiscal?

Eu governei oito anos com responsabilidade fiscal, social, econômica, com todo o tipo de responsabilidade possível, sem precisar de teto nenhum. Em nenhum país existe esse teto. Nem no Brasil, onde a toda hora se cria uma exceção ao teto. O maior problema de teto no Brasil são as milhares de famílias que viraram sem teto nas grandes cidades, morando nas ruas. Esse é o teto que me preocupa.

 

Derrotar Bolsonaro é seu objetivo. Mas ele tem aliados em diversos estados. Onde estão os maiores desafios?

O povo brasileiro viveu meu governo. Saí da presidência com grande aprovação. E o povo brasileiro tem lutado para sobreviver ao governo do Bolsonaro, em que muitos morrem de covid, de fome, de tiro. Em que as pessoas buscam osso, buscam carcaça de frango, porque não podem comprar carne. Ele não tem muitos aliados, porque estão vendo nas pesquisas que não é uma boa se associar a ele. Então, em Minas, no Rio de Janeiro, em São Paulo os candidatos dos partidos dele estão é escondendo ele.

 

E no Distrito Federal? Ibaneis é aliado do presidente.

Vamos ver se essa aliança vai se firmar, inclusive pelo comportamento de Bolsonaro, que está longe de ser alguém confiável ou estável. Acho triste, no Distrito Federal, com tantos servidores públicos, as pessoas votarem em alguém que desrespeitou tanto o funcionalismo como Bolsonaro.

 

O PT já reconheceu todos os seus erros?

O PT é o maior partido do país, com centenas de milhares de filiados e milhões de simpatizantes. Governamos vários estados e cidades do país, várias vezes, com pessoas diferentes. Nada na vida é perfeito, sempre podemos aprender e melhorar, mas sempre respeitamos a democracia. Não sei se todos que desrespeitaram a democracia, derrubando uma presidenta honesta e elegendo um fascista, achando difícil a escolha entre ele e um professor que é um dos gestores públicos mais qualificados do país, não sei se eles reconheceram todos os seus erros.

 

Por que o antipetismo ainda é tão forte?

Porque o petismo é forte. E porque, para derrotar o PT após quatro vitórias eleitorais, foi necessário acumular muita mentira, estimular muita gente de extrema direita a sair do armário para derrotar um partido que construiu políticas sociais contra a fome e a pobreza, que foram inspiração e modelo no mundo todo.

 

Bolsonaro pode perder, mas o bolsonarismo continuará. Concorda?

Em qualquer país existe parte da população, uma minoria pequena, de extrema direita. A diferença é que Bolsonaro os estimulou, fez parecer bonito ser ignorante, exibir grosseria e preconceito, ser violento. Vamos ver depois da eleição como ficará o bolsonarismo. Bolsonaro foi, por 28 anos, um deputado irrelevante. Agora, será um grande trabalho consertar o estrago que ele fez no país: na questão ambiental, ao espalhar armas, atuando contra a ciência, a educação, contra nossas universidades. Será um grande trabalho que eu, junto com Alckmin, com a nossa experiência, e com toda a sociedade brasileira, não quero perder tempo, quero, desde a primeira hora, trabalhar para consertar o país.

 

Seus adversários mais ferrenhos afirmam que o PT jamais fez o mea-culpa do mensalão e do petrolão e que o senhor não foi inocentado. Como está se preparando para responder a essas argumentações ao longo da campanha?

Quem diz que eu não fui inocentado é alguém desesperado, que não tem a grandeza de admitir que me acusou injustamente, depois de termos provado a abertura de processos completamente forjados e parciais contra mim, como disseram meus advogados desde a primeira defesa que apresentaram, ainda em 2016. Eu venci em mais de duas dezenas de casos na Justiça. Juristas de renome internacional, da Alemanha, dos Estados Unidos, da Itália, da Argentina, ficaram chocados com o absurdo da minha condenação por "atos indeterminados", quando leram a sentença do Moro. Fui absolvido na Justiça em Brasília da acusação de envolvimento em desvios na Petrobras e em outras empresas públicas, por meio de decisão definitiva. Nem os procuradores de Brasília recorreram da sentença que falava que as acusações tinham objetivos políticos. Eu fui o político mais investigado do país, e não acharam nada contra mim. Mas, depois de tantas e tantas mentiras contra mim e minha família, tem gente que não quer dar o braço a torcer.

A denúncia do tal "petrolão" foi recusada pela Justiça de Brasília. Pessoas foram condenadas no mensalão por um voto, que deve ter sido escrito pelo Moro, que admitia que não tinha provas contra mim. A Lava-Jato de Curitiba soltou executivos de empresas e diretores da Petrobras que eles descobriram que roubavam desde os tempos do PSDB, em troca de um bando de mentiras em delações. E destruíram as empresas, destruíram projetos de desenvolvimento, destruíram empregos. Os delatores foram soltos com parte do dinheiro, não tem nenhum mais preso, e milhões de trabalhadores honestos das empresas ficaram desempregados. Os adversários mais ferrenhos apostam nisso porque não sobrou mais nada para dizer, depois do desastre deles na economia, na educação e, inclusive, no combate à corrupção. Na época dos governos do PT, foram feitas as principais leis de combate à corrupção e também foi feita a Lei da Transparência. Hoje, com Bolsonaro, tudo é sigilo de 100 anos.

 

Sua campanha já foi vítima de dois ataques, um no triângulo mineiro, com um drone que atirou fezes sobre os seus apoiadores, e, na última quinta-feira, no Rio de Janeiro, com uma bomba caseira de fezes atirada contra o público. Como o PT e o senhor vão tratar desses temas? Como vai se preparar, por exemplo, para o 7 de Setembro, que hoje preocupa alguns partidos e até a Justiça Eleitoral?

Eu não gosto de comentar segurança, temos os responsáveis pela área, que cuidam disso. Em ambos os casos que citou, reagiram rápido, o sujeito do drone foi preso, o homem que jogou a bomba, também. O Bolsonaro faz um discurso violento, cheio de bravata, bem típico de um covarde, que tenta estimular a violência no país, inclusive, tivemos essa tragédia em Foz do Iguaçu. Isso de 7 de Setembro, ele, inclusive, já tentou antes. Não deu certo aquela vez e não vai dar certo de novo.

 

A redução no preço dos combustíveis tem sido difundida pelos bolsonaristas nas redes sociais como uma vitória do presidente e a PEC dos Benefícios é vista como um gol de Bolsonaro, porque não deixou margem para o PT votar contra a proposta, restou a obstrução. Como vai lidar com esse tema na campanha?

Também estamos tranquilos com isso. Tem gente que pensa que o povo é bobo. O Bolsonaro ficou três anos e meio no poder, não liga para nada, fica passeando de moto e espalhando mentira; chega perto da eleição, tenta comprar o voto do povo, que está em uma situação difícil, vendo o preço de tudo subir cada vez que vai ao supermercado. Aliás, em vez de reduzir os preços dos combustíveis enfrentando a questão da paridade internacional dos preços da Petrobras, abrasileirando os preços dos combustíveis aos custos em reais, monta esse pacote em cima de um calote nos governadores e prefeitos, tirando dinheiro da saúde e da educação nos estados e municípios. Se essa verba chegar para o povo, o povo tem mais que pegar o dinheiro — o PT não vai ser contra auxílio — e depois votar com sua consciência. O povo vai avaliar como Bolsonaro tem desrespeitado os trabalhadores, as mulheres, como foi um desastre na pandemia, que não tem nada de bom para apresentar, e vai votar contra ele.

 

Muita gente confunde Lula com o PT. Há quem diga que o partido só faz o que senhor quer e há quem diga que o senhor só faz o que o PT quer. Quem está certo?

Nenhuma das duas falas. Quem diz isso não conhece o PT, o que é até uma pena para quem acompanha política não saber da diversidade e da vida interna intensa do PT. No PT tudo é discutido, tudo precisa ter convencimento, se ouvem as divergências, se vota. O PT não é um partido que o secretário-geral fala, e ninguém responde. O PT é um partido nacional, espalhado em todo o país, com diretórios estaduais, municipais. E eu tenho muito orgulho de ser um dos fundadores do PT, mas, ao mesmo tempo, eu não quero ser candidato só do PT. Quero ser, junto com o Alckmin, candidato de uma aliança que, hoje, tem sete partidos, que tem apoio de pessoas de outros partidos, além desses sete, e quero ser candidato de um movimento de reconstrução do Brasil para ser presidente de todos os brasileiros.

Eu quero me reunir em janeiro, talvez até em dezembro, com os 27 governadores eleitos, para, juntos, resolvermos os problemas do país. Me reunir com os prefeitos. Não importa se gostam ou não de mim. Eu, quando fui presidente, respeitei a todos. Não fiquei pedindo para empresário me apoiar, não fiquei perguntando se ele votava em mim. Respeitei todas as religiões, todos os brasileiros, representei este país no exterior, busquei investimentos externos e mercados para nossas exportações. Eu sou uma pessoa que respeita a democracia, que gosta de ouvir a opinião dos outros, e respeito a divergência. O Brasil precisa voltar a ter diálogo, ter paz e ter um presidente que trabalhe para resolver os problemas. É a isso que quero dedicar os próximos quatro anos da minha vida.

 

21
Mai22

Mercado do ódio. O amor é um desafio político

Talis Andrade

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por Marcia Tiburi

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Muitas pessoas acreditam que os afetos, emoções e sentimentos são naturais, pelo simples fato de os sentirem. Contudo, natural é apenas a capacidade de senti-los. Os afetos propriamente ditos, são culturais. Isso quer dizer que são criados, estimulados e, até mesmo, manipulados. 

Quando o antropólogo Levi-Strauss disse que os povos indígenas com os quais ele entrou em contato tinham uma “abertura ao outro” ele resumia a capacidade para o respeito, a generosidade, a curiosidade, coisas que implicam o que, genericamente, chamamos de amor. Ao falar assim, ele não sugeriu que a abertura ao outro fosse algo natural, mas fruto de organizações sociais, de formas de viver e de visões de mundo que compõem o todo a que chamamos cultura. 

Estar aberto ao outro pode ser uma característica de um povo apenas quando muita coisa aconteceu no mundo da linguagem, dos valores e das práticas para que assim seja. 

Ora, na contramão da abertura para o outro que veio a constituir uma característica cultural de alguns povos, está o ódio. Esse afeto disruptivo e destrutivo pode ser definido como incapacidade de abertura ao outro. Essa incapacidade não é natural, mas forjada em relações intersubjetivas, institucionais e linguísticas que sempre podem ser modificadas, alteradas e, como dito acima, manipuladas. 
 

Sistemas econômico-políticos movem diversos afetos para a sua sustentação. O ódio sempre foi um afeto fundamental na tomada do poder e na sua manutenção. 

O ódio é a energia que move o sistema econômico da desigualdade e da exploração do trabalho, do tempo e da vida dos corpos abusados pelos poderosos, que é o capitalismo. Como se trata de um afeto narcisicamente compensatório, ou seja, que faz os odiadores se sentirem superiores aos odiados, ele passa a ser desejado por muita gente. O ódio é um afeto contra o mundo, contra a humanidade e gerador de guerras. Na era das redes sociais digitais, ele gera engajamento e comunidades inteiras unidas pelo ódio. Sobretudo, ele gera dinheiro nas monetizações das propagandas de ódio. 

Valendo muito como energia política, não seria possível construir o inimigo (o “comunista”, a “feminazi”, o “petralha”) sem o ódio. Assim, os populismos de extrema-direita são movidos pelo ódio que virou, ele mesmo, uma mercadoria que pode ser vendida e comprada. O ódio é o método que permite tratar tudo como mera coisa em um mundo em que não deve haver abertura ao outro para que a violência possa estar sempre garantida e, com ela, a submissão e a desigualdade. 

Não há amor no capitalismo. O fascismo é todo uma capitalização do ódio. O amor e a compaixão e a generosidade que eles geram é o desafio afetivo de nossa época. Portanto, devemos no perguntar sobre o amor de que somos capazes contra o capitalismo? Da capacidade de dar resposta a essa pergunta depende o nosso futuro. 

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04
Set21

Independência ou morte

Talis Andrade

 

por Miguel Paiva /Jornalistas pela Democracia

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Escrevo este texto antes do dia 7 de setembro, o maior enigma político dos últimos tempos. Racionalmente e até com um certo desejo achamos que não vai acontecer nada, mas no fundo todos temos medo, não aquele medo que paralisa, mas o medo da quebra total de regras por parte da direita que quer ver o circo pegar fogo, literalmente.

Para este governo e para a ideologia que o acompanha isso é normal. Não há nada a construir nem mesmo a candidatura do presidente para 2022. Ele sabe que não terá fôlego e, portanto, só sobrevive com o golpe, e golpe hoje em dia tem um significado muito mais complexo. O bolsonarismo aposta na morte. É da morte que ele se alimenta apesar disso se parecer um paradoxo já que morte é fim. Mas várias mortes juntas, a morte como filosofia, acaba fornecendo o que eles querem. 

O fascismo sempre viveu dessa ideologia. Acabar com a política, com os políticos, com os pobres, com as minorias, enfim, com tudo para que o tirano possa governar com suas milícias de estimação impondo a morte como filosofia e como punição para os incautos opositores.

Mas a morte morre cedo. A morte não resiste ao instinto de sobrevivência das pessoas. Por mais que assuste por não entendermos o que acontece depois, se é que acontece, queremos distancia dela. Desde quando damos o nosso primeiro respiro queremos dar o próximo. 

Viver é instintivo para a maioria das pessoas, mas o instinto de morte, a ideologia da morte assusta e acaba arrebanhando seguidores que encaram a morte como solução, desde que seja a morte do próximo e não a sua. É uma espécie de loteria constante como filosofia de vida. Para quem não tem dinheiro essa acaba sendo mesmo uma saída. Acreditar em Deus, na loteria e no caso, no presidente enquanto ele não te escolher para o sacrifício divino. Somos todos cordeiros de Deus em potencial esperando o chamado para o juízo final em Brasília ou o sacrifício em qualquer viela de Rio das Pedras pelas mãos da milícia. 

Este é o medo que estabelece regras. Mesmo não durando, e a História está aí para provar, ele causa muitos estragos. Perdemos um tempo social irremediável. Andamos anos para trás e retomar o caminho tem um custo muito alto. Mesmo que Lula vença as eleições, o trabalho será enorme, mas a vontade de trabalhar também. Sair fora deste ambiente mórbido e perverso vai criar automaticamente uma alegria de viver. Reconstruiremos a vida no Brasil com prazer, passando pelo trabalho, pela saúde, pela cultura e pela liberdade de viver, não de comprar fuzil e não tomar vacina. 

Venceremos a Covid como seria normal em um país democrático e não teremos mais medo de festejar nas ruas. Por enquanto vamos para as ruas defender esse sonho que está ameaçado. E que as ruas voltem a ser palco de festas e não campo de batalhas como eles querem.

 

20
Jul21

A fraude do general Médici e as pensões militares hereditárias

Talis Andrade

TRIBUNA DA INTERNET | O fato concreto é que há algo de podre, muito podre,  na reforma da Previdência

por Jeferson Miola

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Reportagem do site Metrópoles mostra que pelo menos 400 filhas [alegadamente] solteiras de militares recebem pensão vitalícia, mas são sócias de empresas com capital social acima de R$ 1 milhão [aqui] e, portanto, possuem renda própria e independência financeira. Neste ano, a União deverá desembolsar cerca de R$ 43 milhões para pagar pensão somente a este seleto grupo de 400 “senhoritas”.

Em reportagem de 2 de julho, o Estadão mostrou que 137,9 mil filhas de militares recebem pensão vitalícia, sendo que dezenas delas ganham acima do teto constitucional de R$ 39,3 mil, algumas inclusive “mais de R$ 100 mil líquidos, já depois dos descontos” [aqui].

Os gastos da União com o pagamento a pensionistas de militares somaram R$ 19,3 bilhões em 2020, consumindo absurdos 20% de todo orçamento do Ministério da Defesa. E as supostas filhas solteiras correspondem, sozinhas, a 60% do total de 226 mil pensionistas militares. A pensão mais antiga é paga desde o ano 1930 do século passado. 

Auditoria do Tribunal de Contas da União em junho passado identificou que o governo maquiou dados atuariais para penalizar os servidores civis e privilegiar os militares na reforma previdenciária. Nos cálculos atuariais, o governo escondeu o rombo de R$ 52,7 bilhões causado pelas despesas com pessoal militar e aumentou artificialmente R$ 49,2 bilhões nas despesas previdenciárias com servidores civis da União.

O pagamento de pensão vitalícia a filhas solteiras de militares é ainda mais indecoroso quando se sabe que esta condição é impensável para as filhas de trabalhadores/as civis que, mesmo muitas vezes vivendo na miséria, ficam desamparadas pelo Estado ao longo da vida.

O site IG [aqui] registrou situações de familiares dos generais que comandaram o poder na ditadura:

  • três netas do general Humberto Castello Branco [ditador entre 1964/1967] receberam R$ 92 mil em 2020, uma média de R$ 7,6 mil mensais;
  • a nora do ditador Artur Costa e Silva [1967/1969] recebeu R$ 524 mil em 2020 cumulativamente como viúva do marido [coronel] e filha de tenente-coronel;
  • sobrinha do ditador Ernesto Geisel [1974/1979] recebeu R$ 384 mil de pensão em 2020, uma média de R$ 32 mil por mês, como dependente do pai, o general Orlando Geisel.

Não bastassem estas aberrações, há casos em que a “transmissão hereditária” deste privilégio obsceno é concretizada por meio de fraude, como a praticada pelo general Emílio Garrastazu Médici, o atroz ditador do período 1969/1974.

A Revista Fórum [aqui] apontou que “aos 79 anos, ele adotou a neta Cláudia Candal, um ano e oito meses antes de morrer. Onze dias depois da adoção, em fevereiro de 1984, o general declarou a filha adotiva como beneficiária na Seção de Pensionistas do Exército. Cláudia tinha 21 anos, não residia com o avô e tinha pai vivo com emprego de alta remuneração”.

Com a morte do general em 9 de outubro de 1985, a viúva Scylla Gaffrée Nogueira Médici recebeu a pensão militar por quase 20 anos, até falecer em janeiro de 2003. A partir de 1º de março de 2003, a neta-filha do ditador, Claudia Candal Médici, já ao redor dos 50 anos de idade, herdou a polpuda e integral pensão militar que receberá vitaliciamente, até o último dos seus dias.

O holerite de março de 2021 acessado no Portal da Transparência [aqui] mostra que a neta-filha de Médici recebeu R$ 32.213,10. A ficha funcional descreve-a como pensionista filha, com direito à proporcionalidade de 100% no valor da pensão em relação ao salário da ativa e com designação no posto de marechal [sic].

Tanto mais se joga luz sobre a vida castrense – que se caracteriza pela opacidade e hermetismo –, mais urgente fica a necessidade das instituições civis e do poder civil passarem a exercer o controle e a fiscalização das instituições militares.

Afinal, as Forças Armadas não fabricam seu próprio dinheiro para fazer frente aos mais de R$ 100 bilhões que consomem do orçamento público nacional todo ano – 85% somente para o pagamento de pessoal da ativa, da reserva e pensionistas.

 

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