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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

27
Jan22

Brumadinho, crime e impunidade

Talis Andrade

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por Cristina Serra

Com atraso, li a obra “Brumadinho – a engenharia de um crime” (editora Letramento), dos jornalistas Lucas Ragazzi e Murilo Rocha, que está sendo relançada, no momento em que o desastre completa três anos. O livro traz uma impressionante reconstituição dos fatores que levaram ao desmoronamento da barragem da Vale, que matou 272 pessoas e poluiu o rio Paraopeba.

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Tanto quanto o colapso do reservatório da Samarco, em Mariana (19 mortos e o rio Doce contaminado), o rompimento em Brumadinho era uma tragédia anunciada. No caso da barragem da Vale, o livro mostra que a empresa sabia dos riscos e não tomou as medidas adequadas porque teria que paralisar atividades no local e interromper ganhos. Ao agir assim, a mineradora escreveu uma sentença de morte contra os trabalhadores, os moradores das redondezas e todos que tiveram a infelicidade de estar ao alcance da lama em 25 de janeiro de 2019.

Com tudo que se sabe sobre o caso, é doído fazer algumas perguntas: por que uma das maiores mineradoras do mundo construiu um refeitório e os escritórios no pé da barragem, contrariando o simples bom senso? Por que a empresa não levou em conta alertas de especialistas? Por que os órgãos de fiscalização não cumpriram o seu papel? Por que estes se dobraram ao poder da Vale?

E, finalmente, por que o judiciário brasileiro não foi capaz, até agora, de julgar os responsáveis? As respostas a essas questões tão elementares preenchem de dor, sofrimento e revolta a vida dos que perderam amores e amigos na voragem da lama mineral, tão violenta que até hoje não foi encontrado nenhum vestígio de seis vítimas.

Sobre essa dor, cortante como lâmina, recomendo o premiado documentário do jornalista Fernando Moreira, “[O vazio que atravessa]”, que estará disponível gratuitamente em 26 e 27/janeiro em mostratiradentes.com.br. De um ponto de vista delicado e intimista, o filme reverbera o clamor das vítimas contra a impunidade.

O vazio que atravessa (Short 2021) - IMDb

 

09
Jan22

Brasil-2: pandemia e caos econômico e social

Talis Andrade

Retirantes Portinari

Por Altamiro Borges

A barbárie durante a pandemia é tanta que a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19, instalada no Senado em abril do ano passado e batizada de CPI do Genocídio, indiciou Jair Bolsonaro, muitos capachos do governo e vários empresários inescrupulosos – como Luciano Hang, o “Véio da Havan”, e os sócios da Prevent Senior, onde “óbito também é alta” – por vários crimes previstos na legislação brasileira. 

O presidente da República só não sofreu impeachment porque se aliou aos políticos pragmáticos do Centrão, cedendo cargos públicos e milhões de reais em emendas parlamentares. Concluído seu triste mandato, o fascista poderá ser preso por liderar a maior mortandade da história recente do Brasil. Ele ainda deverá ser julgado no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia/Holanda, por crimes contra a humanidade. 

No cômputo geral, sua gestão na pandemia misturou incompetência gerencial, principalmente no período do general Eduardo Pazuello à frente do Ministério da Saúde; com genocídio premeditado, expresso na tese anticientífica da imunidade de rebanho via infecção; e com lucro macabro, escancarado nas tentativas de propina na compra da vacina indiana Covaxin ou na ação de planos de saúde, como a Prevent Senior e a Hapvida. 

O negacionismo teimoso do presidente-capitão – que tratou o coronavírus como “gripezinha”, “histeria da mídia” e “coisa de maricas”, que serviu de garoto-propaganda de remédios ineficazes, como a cloroquina e a ivermectina, e que agiu contra o uso de máscaras e de medidas de isolamento social – só confirmou sua postura criminosa, sua opção pela necropolítica, sua falta de empatia com o sofrido povo brasileiro. 



Desemprego, arrocho e retirada de direitos 

Além das centenas de milhares de mortos e de milhões de sequelados, o péssimo enfrentamento à pandemia da Covid-19 também resultou em efeitos econômicos e sociais ainda mais danosos ao Brasil na comparação com outras nações. 

Enquanto governantes de vários países arquivavam os dogmas neoliberais e aplicavam bilhões de dólares para reanimar suas economias, o “austericídio fiscal” do ministro Paulo Guedes levava à falência quase 600 mil empresas no período, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) de setembro último. 

No final de 2019, antes da pandemia, o país tinha 4,369 milhões de estabelecimentos; no segundo trimestre de 2021, o número despencou para 3,788 milhões – baixa de 13,3% ou 581,3 mil empresas a menos. Essa quebradeira agravou ainda mais o quadro de desemprego no país. Neste período, o número de empregados no setor privado caiu 10,1% – de 44,7 milhões para 40,2 milhões. A redução foi de 4,5 milhões de vagas. 

A tragédia social só não foi maior graças ao auxílio emergencial de R$ 600, que foi aprovado em 2020 a partir da pressão do movimento sindical e da bancada progressista no Congresso Nacional. Totalmente insensível, a equipe econômica do governo não tinha previsto qualquer benefício e, quando forçada, aceitou conceder apenas R$ 200 em três parcelas. 

A condução desastrosa do país teve efeitos destrutivos na vida dos trabalhadores. Todos os indicadores pioraram. O desemprego aberto, que já era alto antes da pandemia, explodiu e hoje vitima quase 15 milhões de brasileiros – cerca de 13% da População Economicamente Ativa (PEA). 

Na juventude, a situação é ainda mais desesperadora e sem perspectiva. Entre os jovens de 18 a 24 anos, o desemprego atingiu 27,1% em agosto último. A renda também despencou. Através de planos capengas e parciais, o governo repôs uma parcela ínfima do salário dos trabalhadores que tiveram suas jornadas reduzidas ou seus contratos suspensos na pandemia. Na média nacional, o rendimento dos assalariados com registro em carteira no setor privado e público diminuiu 20%; no caso dos autônomos, a queda foi ainda mais acentuada, de 40%. 



A precarização do trabalho nas empresas 

A pandemia também acelerou a precarização do trabalho. O patronato aproveitou a crise para promover processos de reestruturação produtiva que ceifaram empregos, renda e direitos. Houve a intensificação do trabalho por aplicativos, do home office e de outras mutações com base na tecnologia da informação. 

A uberização, como fenômeno do trabalho sem direitos e massacrante, cresceu sem qualquer controle ou regulamentação. O trabalho remoto é utilizado pelas empresas para sabotar a legislação, alongar jornadas e intensificar a exploração. As denúncias de aumento da jornada por parte de trabalhadores em home office aumentaram 4.205% em 2020. 

Muita gente hoje está disponível 24 horas por dia para ser explorado; novas doenças crescem no mundo do trabalho, como a depressão e a Síndrome de Burnout, que é o distúrbio emocional decorrente da exaustão extrema, estresse e esgotamento físico. A informalidade está virando regra no Brasil. Segundo o IBGE, já são quase 25 milhões de trabalhadores por conta própria. 

O patronato também aproveitou a pandemia para rebaixar os salários. Segundo balanço de julho último do Dieese (Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Socioeconômicas), 54% dos reajustes obtidos pelos sindicatos nas datas-base ficaram abaixo da inflação. Só 16,5% dos acordos conquistaram ganhos reais. 

Esse arrocho fica ainda mais grave em função da alta da inflação no último período, que atinge principalmente os alimentos, energia elétrica e combustíveis. Nessa onda da precarização, o governo tentou impor a chamada “carteira verde e amarela” e uma minirreforma trabalhista. Ambas visavam eliminar direitos – principalmente da juventude, com a extinção das férias e do 13º salário –, mas foram barradas temporariamente graças à pressão do sindicalismo. 

Já no setor público, o governo segue tentando aprovar a Proposta de Emenda Constitucional da reforma administrativa – também batizada de “PEC da rachadinha” –, que acaba com a estabilidade e as carreiras no funcionalismo, estimula a privatização e a terceirização e degrada a qualidade dos serviços prestados pelo Estado. 


** Continua...

26
Dez21

Lições de resistência em 2021

Talis Andrade

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por Cristina Serra

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Este ano que chega ao fim me ensinou novos significados para a palavra “resistir”. Aprendi a resistir com a sabedoria de Ailton Krenak e suas ideias para adiar o fim do mundo. Com as aulas de humanidade do padre Júlio Lancellotti, que quando precisa faz justiça a marretadas. Com a voz de Txai Suruí e os ecos da floresta que ela levou a Glasgow.

O muro da resistência é feito de amor, solidariedade e riso. “Rir é um ato de resistência”. Obrigada, Paulo Gustavo, por este ensinamento. Resisti torcendo por Rebeca Andrade e Rayssa Leal, em Tóquio, e pelo tanto de Brasil bonito que as duas carregaram com suas medalhas no peito.

A resistência é feita da lucidez das palavras. Foi assim quando ouvi o senador Fabiano Contarato, na CPI da Covid no Senado. Ele falou de sonhos que são os mesmos de tantos de nós: “Eu sonho com o dia em que eu não vou ser julgado por minha orientação sexual. Sonho com o dia em que meus filhos não serão julgados por serem negros. Eu sonho com o dia em que minha irmã não vai ser julgada por ser mulher e que o meu pai não será julgado por ser idoso”.

Os servidores públicos que resistem ao esfacelamento do Estado também nos ensinam sobre resistência. Os que fizeram o Enem, os que se arriscam para proteger o meio ambiente, os que cuidam do nosso patrimônio histórico. Os que aprovam vacinas e os que sustentam o SUS. Resistimos abraçando a vacinação e as máscaras para nos abraçar de novo. Resistimos porque em hospitais e UTIs tem gente com muito zelo e coragem salvando vidas.

Resistimos porque milhares de professores acordam todos os dias pensando em dar a melhor aula para seus alunos. Resistimos porque cantamos e escrevemos, porque fazemos arte e poesia. Resisti lendo Itamar Vieira Júnior e Jeferson Tenório. Resisti com a urgência de Solano Trindade: “tem gente com fome, tem gente com fome”. Resisto com Thiago de Mello. “Faz escuro, mas eu canto, porque a manhã vai chegar”.

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21
Dez21

Bolsonaro comanda máquina mortífera no Palácio do Planalto, diz Cristina Serra

Talis Andrade

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Helena Chagas: "Bolsonaro age como Herodes"  (vídeo) 

 

247 – "Enquanto políticos, juristas e analistas em geral discutem se o que Bolsonaro comanda é genocídio, extermínio, mortandade ou carnificina, o criminoso ri da discussão semântica, dobra a aposta e ataca outra vez. Agora, nega vacinas para crianças. O massacre de 620 mil brasileiros nos cemitérios não basta. O vírus pede mais sangue, e Bolsonaro se dispõe a despachar a encomenda", escreve a jornalista Cristina Serra, em sua coluna na Folha de S. Paulo.

"No costumeiro estilo miliciano, ele expande a truculência e parte para cima da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, que autorizou a imunização para crianças entre 5 e 11 anos. Até pouco tempo atrás parceiro do delinquente em protesto negacionista e, hoje, ao que parece, distanciado do Planalto, o diretor-presidente da Anvisa, Barra Torres, pediu proteção policial para servidores e diretores da agência, tamanha a gravidade das ameaças. Não é só a Anvisa que recomenda a imunização para os pequenos. A OMS, países da União Europeia, Estados Unidos e vizinhos aqui na América Latina fazem o mesmo. Mas o Ministério da Saúde é comandado pelo sabujo Marcelo Queiroga, que diz precisar de mais tempo para estudar o assunto e que só irá decidir em janeiro, depois de uma consulta popular. Daqui a pouco vai dizer que a vacinação precisa ser decidida em plebiscito", escreve ainda a jornalista.

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29
Abr21

O Brasil é um país genocida

Talis Andrade

O que foi a tragédia do Hospital Colônia de Barbacena? | SuperConhecida como Cidade dos Loucos, Barbacena quer se reabilitar do passado -  Jornal O GloboHolocausto Brasileiro: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil - La ParolaAssombrado: Hospital Colônia de Barbacena-MG - Holocausto Brasileiro

"Somos um país genocida. Não apenas hoje, quando temos quase 400 mil mortos pela pandemia. Mas desde sempre". Quenm mata 60 mi pessoas em um único hospício. Mata dez vezes mais no Brasil inteiro, para economizar o dinheiro com vacinas

 

O Brasil é um país genocida

A cultura do extermínio e da sua naturalização acompanha o Brasil ao longo dos séculos. De indígenas a vítimas da ditadura e da covid: as vidas e as mortes de pessoas supostamente menos humanas parecem pouco importar.

 
por Ynaê Lopes dos Santos /DW
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Há muito tempo, uma grande amiga, também historiadora, me disse: "Você precisa ler este livro."

O tema é devastador. O genocídio no maior hospício do Brasil. Eu, que já trabalho com um dos temas mais violentos da história brasileira, retardei minha leitura por anos. E quando a fiz, foi de supetão, numa espécie de atropelo guiado pela fina escrita da autora Daniela Arbex e por toda a violência e tristeza que o livro carrega. Como um remédio amargo, que tomamos num gole só. Foram 60 mil mortos dentro de uma instituição, administrada pelo Estado, que tinha a função de oferecer tratamento e condições de vida adequadas àqueles considerados doentes mentais.

O Hospício de Barbacena, fundado em 1903, abrigou milhares de vidas. E, infelizmente, destituiu de humanidade praticamente todas elas, naquilo que a autora bem chamou de "Holocausto brasileiro", expressão que dá título ao livro. Uma sucessão de tragédias pessoais, incompreensões da natureza humana, racismo, machismo e decisões políticas criminosas que resultaram num campo de concentração em pleno sudeste de Minas Gerais. Um retrato do que temos de pior.

A leitura de Holocausto brasileiro: Genocídio: 60 mil mortos no maior hospício do Brasil em plena pandemia, quando o Brasil vive a pior crise sanitária de todos os tempos, foi uma atitude quase masoquista da minha parte. Todavia, essa experiência foi fundamental para solidificar a certeza de que somos um país genocida. Não apenas hoje, quando temos quase 400 mil mortos pela pandemia. Mas desde sempre. E se engana quem considera que essa constatação retira a responsabilidade de governantes e instituições públicas pelo que está acontecendo. Na realidade, tal constatação nos devolve à História, essa senhora do tempo, que nos ensina a diferenciar tragédias de projetos políticos. Porque, quando a tragédia tem destino certo, ela perde a sua imponderabilidade e, por isso, precisa ganhar outro nome. E, em certa medida, é isso que nos falta por aqui: rememorar e nomear as nossas carnificinas. 

O número de homens e mulheres indígenas mortos desde 1500 é praticamente incalculável. As estimativas apontam que 70% do total da população nativa foi dizimada, o que, numa perspectiva bem conservadora, indica que praticamente 2,5 milhões de indígenas sucumbiram ao projeto que estava sendo gestado no período colonial. O Brasil também foi o território da América que mais recebeu africanos escravizados. Ao menos 4,5 milhões de homens e mulheres foram retirados à força do continente africano e subjugados à instituição escravista em terras brasileiras. Isso sem contar a violência inerente e cotidiana da vida em cativeiro, fosse para os africanos, fosse para aquelas e aqueles nascidos no Brasil.

Mesmo horrorizados, muitos dirão que apesar de profundamente violentas, as trucidações pelas quais indígenas e negros passaram ao longo de quatro séculos da história do Brasil não podem ser lidas de forma anacrônica. O que é verdade. A escravização e a catequese forçada, por exemplo, foram duas instituições que tiveram respaldo legal e moral por séculos. E, mais do que isso, foram práticas disseminadas que formataram a sociedade brasileira. Entretanto, isso não significa dizer que elas foram os únicos projetos vigentes à época. Basta um olhar mais atento para a história do Brasil, para observamos que ela está cravejada de lutas e formas de resistência implementadas por homens e mulheres que não aceitaram viver apenas sob o signo da violência, e que forjaram outros mundos, outras possibilidades de ser, pagando preços altos por tais ousadias.

Ou seja, não houve um único período da história do Brasil no qual a escravidão e as explorações coloniais não estivessem sendo questionadas e combatidas. O que nos leva a pensar sobre a legalidade e a moralidade como atributos historicamente construídos, que serviram a interesses e grupos sociais específicos. E ao optarem repetidamente por uma legalidade e moralidade de extermínio, esses interesses criaram uma cultura na qual é muito nítido o escalonamento da humanidade: há vidas que valem mais do que outras. E o que determina o valor dessas vidas é a combinação entre cor da pele, gênero e condição socioeconômica.

Mesmo com transformações políticas e econômicas significativas do período republicano e o avanço na luta dos direitos humanos, a cultura do extermínio e da sua naturalização nos acompanham. Há pessoas que são, supostamente, menos humanas que outras e, por isso, suas vidas e mortes parecem pouco importar. O que dizer dos 25 mil assassinados em Canudos? Dos milhares de mortos desaparecidos e torturados em nossas experiências ditatoriais? Dos 111 detentos mortos no Carandiru?  Do massacre da Haximu? Das chacinas da Candelária e do Vigário Geral? Do massacre de Eldorado dos Carajás? Das vidas ceifadas por balas perdidas? Da imensa maioria dos 400 mil mortos pela covid?

Como definir esses episódios da nossa história?

Extermínio, genocídio, massacre, matança, aniquilação, mortandade, trucidações. Sinta-se à vontade para escolher.

 
04
Abr21

Militares não repudiam o que há de mais criminoso contra o Estado democrático. Por Janio de Freitas

Talis Andrade

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Brasil ainda não conheceu classe militar apartidária que sirva à nação

 por Janio de Freiras /Folha

O primeiro ato do general Braga Netto como ministro da Defesa foi de obediência a Bolsonaro e de confronto com a inquietação deflagrada nos altos comandos do Exército, da Marinha e da Força Aérea.

Braga Netto frustrou o ato, muito simbólico, dos comandantes das três Forças: antecipou-se, demitindo-os, à entrega dos seus cargos em resposta à exoneração do general Fernando Azevedo e Silva, até então ministro da Defesa.

Mas as exonerações em questão eram outras. A insatisfação de Bolsonaro com a falta de pronunciamentos políticos do general Azevedo, para fortalecê-lo em seu isolamento crescente, concentrou as explicações para a turbulência.

Esses raciocínios, muito defensáveis, embalaram-se até à função das Forças Armadas e sua relação com governos e política. Por isso, soterraram uma causa primordial para a mexida de Bolsonaro na Defesa e a perigosamente importante nomeação do delegado Anderson Torres para ministro da Justiça.

Um dos personagens mais relevantes no problema entre Bolsonaro e o Exército ficou citado apenas como um dos ministros substituídos. Ministro da Saúde ideal para Bolsonaro, pela dócil obediência e, sobretudo, pela tolerância aos efeitos letais de que foi agente, para o Exército o general Pazuello veio a ser um problema.

Em parte, pela projeção do seu desempenho sobre a Força e a capacidade dos colegas. E também por ser da ativa, o que agravava a situação. O general Luís Eduardo Ramos resistiu pouco e passou à reserva, para continuar no Planalto. Pazuello, não.

O comandante do Exército, Edson Pujol, não absorveu os problemas representados pelo general da Saúde e da mortandade. Para Bolsonaro, a saída necessária não era a de Pazuello. Passava a ser de Pujol. Fora de cogitação, no entanto, para o ministro Azevedo.

Nem com um cargo prestigioso nas Forças Armadas, para compensar a obediência de Pazuello, Bolsonaro contava obter do general Pujol, considerando que também as pressões externas contra o Ministério da Saúde chegavam à saturação. Se é assim, vai-se Pazuello, mas com ele vão Azevedo e Pujol.

Braga Netto promete, desde o primeiro ato. Mas esquentou o clima, e nem no plano interno há alguma clareza sobre o que surgirá depois da fumaça. As atenções deslocaram-se para o general Paulo Sérgio Oliveira, sucessor de Edson Pujol.

Muitos atribuem especial sentido à nomeação, por serem contrárias ao cloroquínico Bolsonaro todas as suas bem sucedidas providências antipandemia no Exército. Vai ver, foi elevado a novo cargo para não dar mais entrevistas sobre a eficácia de máscaras, distanciamentos e ficar em casa.

Ou foi escolha de Braga Netto, pela eficiência sem lado. Deduzir desse entrevero todo, como tantos comentaristas e cientistas políticos (mais isso, menos aquilo), que “os militares têm consciência de que servem ao Estado e não ao governo”, e outras tiradas oníricas, vai toda a distância a que estamos da segurança institucional e democrática.

Enquanto faltar a coragem moral de reconhecer que antecessores seus cometeram crimes bárbaros e estrangularam as liberdades e demais direitos universais, os militares não estarão a serviço legítimo da sua função de Estado. Porque não repudiam o que há de mais criminoso contra os princípios da vida em comum e do Estado democrático.

Em sendo assim, pode-se até concluir que chamados de militares são uma classe de servidores armados e fardados, com privilégios que os distinguem, praticantes de política e intervencionismo por métodos próprios e proporcionados pelas armas.

Militares propriamente ditos, militares autênticos, no entanto, são profissionais apartidários em ideologia e em política, armados pela sociedade para, em seu nome, servir ao Estado e à nação. O Brasil ainda não conheceu essa classe.

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Os interessados

Seis pretendentes a candidatos à Presidência — Henrique Mandetta, Ciro Gomes, João Doria, Eduardo Leite, João Amoêdo e ainda Luciano Huck — assinaram uma carta pública apresentando-se como defensores da democracia.

Defendê-la é muito oportuno. Contudo, no caso cabem ressalvas. Qualquer político pode defender a democracia. Nenhum, porém, que tenha apoiado a eleição de Bolsonaro, ainda que de modo indireto, tem condições morais de fazê-lo.

Todos sabiam quem era Bolsonaro, conheciam suas defesas da ditadura, da tortura, sua louvação na Câmara ao criminoso coronel Ustra. Era a democracia que estava em jogo na eleição, e todos os políticos sabiam disso.

Para defendê-la, nem precisavam superar sua ojeriza ao PT, havia outros candidatos democratas. Os que apoiaram Bolsonaro quiseram Bolsonaro. Defendam a democracia, que sabemos não o fazerem por ela.

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14
Abr20

Um necropresidente e o holocausto brasileiro à vista

Talis Andrade

 

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por Carlos Tautz

O necropresidente Jair Bolsonaro manifesta inépcia política e administrativa, agressividade e até falta de decência para lidar com um momento histórico em que se amalgamam crise e depressão econômicas com o rápido agravamento da pandemia de coronavírus/COVID-19. Até aqui, nenhuma novidade. 

O problema é que a pior Presidência da história do Brasil manifesta-se em toda a sua descompostura e perversidade justamente quando um verdadeiro tsunami está a poucos dias de atingir o País. A partir de meados de abril, começa o primeiro pico da exaustão do sistema nacional de saúde e a consequente mortandade produzida pelo coronavírus. Já se sabe que no Brasil, a exemplo dos Estados Unidos, a letalidade desse patógeno atingirá especialmente a população pobre e negra de regiões precarizadas. 

Os resultados sociais são imprevisíveis porque à mortandade anunciada se somam a crise econômica e o desemprego crescente que já enfrentamos desde 2015. 

O “balanço do barco”

Em tal cenário, não passa de recurso discursivo a recente suavização do negacionismo de Bolsonaro sobre a COVID-19. Em verdade, continua a plena carga a estratégia bolsonarista de contrarrevolução preventiva. Como vê o professor Eduardo Pinto, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que se dedica a estudar as Forças Armadas, trata-se de um permanente “balanço do barco”. 

Em outras palavras, é uma compulsão de Bolsonaro simular diariamente crises e soluções para desnortear nossos sentidos e ocultar a total ausência de qualquer planejamento estratégico de seu governo que não seja destruir ou privatizar o patrimônio público. 

Para se manter, Bolsonaro fia-se no apoio, na lógica, na visão de mundo e nas armas dos militares. Ainda que as indivíduos das Forças Armadas pontuem contradições com o “estilo” do necropresidente, a vinculação de mérito entre Bolsonaro a elite da tropa (que ocupa bem remunerados postos de comando no primeiro escalão e em outros 2.500 cargos da estrutura do Estado brasileiro) indica a convergência de projetos e, o mais perigoso, de disposições para a realização de ações.

Bolsonaro não está isolado, como afirma uma imprensa que perdeu a capacidade analítica por não praticar a checagem de campo. Ele continua a ter muito mais respaldo do que todos do campo democrático gostaríamos que ele tivesse – inclusive entre a classe média branca e histérica que mantém escatológico apoio ao ocupante do Palácio do Planalto. 

Por sua vez, ele, sempre que necessário, reafirma a aliança férrea com as cúpulas das Forças Armadas, que no atual governo manobram orçamentos militares entre os mais altos da história da República e acumulam vantagens funcionais substantivas. Por exemplo, através das reformas da Previdência e trabalhista, a alta oficialidade distanciou-se salarialmente da baixa oficialidade  (de sargentos e de praças) – e adentrou a elite nababesca do funcionalismo, onde antes pontificavam juízes e procuradores.

Sabendo de que, para manter o apoio social, também necessita aliar-se à base da tropa e de suas famílias (que juntas a policiais e seus entornos sociais alcançam perto de 5 milhões de votos), Bolsonaro conferiu a esses grupos vantagens menores, embora importantes para a sobrevivência em tempos de crise. Entre outras migalhas, possibilitou-lhes a contratação, pela Previdência Social, de militares aposentados/da reserva para diminuir a fila de dois milhões de pessoas que tenta se aposentar – fila que se formou desde 2017 sob os golpistas Michel Temer e Bolsonaro. 

Assim consolidou-se entre Bolsonaro e os militares uma aliança férreaque se baseia em dois pilares. Do lado militar, o fornecimento de quadros para gestão do Estado que a partir de experiências acumuladas, se “pós-graduaram” em termos de intervenção durante a campanha da ONU no Haiti (Minustah), iniciada em 2004, em papel subserviente ao serviço secreto dos EUA. Esses quadros militares ainda fizeram um estágio prático no Rio de Janeiro em 2018, quando o General de Exército Braga Neto, atual ministro da Casa Civil, chefiou a intervenção federal no Estado. 

Todos os comandantes brasileiros no Haiti, e também Braga Neto, que retém importantes informações sobre o assassinato da ex-vereadora Marielle Franco (ocorrido menos de um mês após ele tomar posse como interventor), integram hoje os primeiros escalões do governo federal. (Continua)

 

 

11
Abr20

Villas Bôas e a "postura" de Bolsonaro nestes tempos de peste

Talis Andrade

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Comandantes de robôs e blogueiros reproduzem:

Em um momento de crise mundial por causa do novo coronavírus, o presidente da República, Jair Bolsonaro, recebeu o apoio público de uma das figuras mais influentes das Forças Armadas do Brasil.

Em entrevista, nesta quinta-feira (2), ao jornal Estadão, o general da reserva Eduardo Villas Bôas afirmou:

“Pode-se discordar do presidente, mas sua postura revela coragem e perseverança nas suas próprias convicções.”

O general Villas Bôas está com uma doença degenerativa. Quem garante que a fala dele, de viúva da ditadura de 64, é real e lúcida e consciente? Difícil acreditar que, com a vida por um fio, defenda a propagação do coronavírus. Seria eutanásia ou suicídio. E mantenha contato físico com uma pessoa exposta ao contágio, que vive perambulando pelas ruas sem nenhuma proteção. 

Narra a imprensa séria:

Na manhã da última segunda-feira, um comboio de carros blindados estacionava em frente a uma casa no Setor Militar Urbano, em Brasília. O presidente Jair Bolsonaro chegava para uma visita inesperada ao general da reserva Eduardo Villas Bôas. O encontro durou poucos minutos, mas foi o suficiente para Bolsonaro receber o apoio público do ex-comandante do Exxército de 5 de fevereiro de 2015 até 11 de janeiro de 2019 (governos de Dilma e Temer)

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21
Mar20

Bolsonaro e a responsabilidade nos crimes de guerra contra o coronavírus

Talis Andrade

 

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por Carol Proner

O coronavírus já inspira a liturgia da guerra em vários países. Macron foi enfático quanto ao inimigo invisível. Trump invocou ato de produção de defesa civil para garantir álcool gel e máscaras em escala militar. Merkel qualifica o vírus como o maior desafio da Alemanha desde a 2ª Guerra Mundial. Mas por aqui, na terra dos governantes de mente plana, a guerra é contra a ciência e as evidências exponencialmente confirmatórias. Os profissionais de saúde alertam que dados estão sendo falseados ou encobertos e que é iminente a catástrofe que devastará a vida de milhares de pessoas, em especial dos mais frágeis e dos socialmente mais vulneráveis.

É claro que o vírus acéfalo, que veio de avião e frequentou as colunas sociais nas festas e casamentos de famosos, já se espalhou nas comunidades carentes. E não foi por acaso que uma das primeiras mortes tenha sido a da empregada de 63 anos que cuidava dos patrões em quarentena na zona sul do Rio de Janeiro, um casal recém chegado da Itália e que passa bem.

Zizek, um dos primeiros intelectuais a opinar em meio à crise, tem insistido no argumento de que “estamos todos no mesmo barco”, de que saídas individuais não resolverão e que estamos diante da oportunidade de um “novo comum”, uma mudança ética que possa resgatar a racionalidade humana para salvar vidas. Mas talvez o filósofo esloveno, comovido pela solidariedade de outros países à Itália, mude de ideia ao conhecer a evolução do coronavírus no Brasil, onde a concentração de renda e de privilégios é extrema e que, por força dos golpes e das guerras híbridas, vem sendo governado por um bando de loucos violentos.

No Brasil das mentes planas, o governo e também a mídia classista, devidamente higienizada com álcool gel, ignoram a escala discriminatória dos efeitos desta guerra. Talvez achem que a circulação no barco de que fala Zizek possa ser feita com as pulseiras fosforescentes de acesso privilegiado, como estas que são usadas nos cruzeiros de luxo e festas de bacanas, evitando a entrada do vírus nos andares superiores. Nos porões do Brasil, mesmo com um programa de assistência única de saúde que pode ser considerado um exemplo para o mundo, estarão as vítimas mais numerosas, como já previnem os especialistas. No porão também está a multidão prisional, que já é grandemente formada por mortos-vivos, mas isso também faz parte da guerra.

Se é guerra, identifiquemos o inimigo e suas armas. E evoquemos a legislação com a mesma licença analógica dos dirigentes europeus, adaptando os tipos de crime às condutas a partir dos efeitos mórbidos. Se álcool gel é arma contra o vírus das multidões, qual será a arma contra um governo terraplanista que nega a gravidade da doença? Negar, sonegar, deixar de prover recursos para a saúde, não informar, desinformar, mentir e aplicar a perversidade das fake news contra as vidas humanas. Que tipo de novo crime é esse? Como qualificar os agravantes místicos das teorias conspiratórias e a responsabilidade de religiosos oportunistas no descarrilar da pandemia no Brasil?

O que Bolsonaro faz é lesa humanidade ou é diretamente genocídio? Sim, porque a única dúvida seria a de como enquadrar “tecnicamente” a atitude do capitão aos marcos do direito internacional, um exercício teórico relativamente inútil, já que os mortos, em proporção bélica, logo estarão na superfície.

Talvez Olavo de Carvalho, após estimular as multidões a comparecerem às ruas no dia 15 de março, tenha gostado de pensar, sugerindo ser coisa de Bill Gates, que o coronavírus foi criado para reduzir a população. Eis algo que pode inspirar os sonhos distópicos dessa gente: inocular no coronavírus a aporofobia que contamina as relações sociais no Brasil e no mundo, pulseirar o vírus com o ódio aos indigentes e restringi-lo aos porões de parasitas, em especial os pobres idosos, numa versão brasileira do filme de Bong Joon Ho.

Neste mesmo bairro da zona sul onde trabalhava a cuidadora do casal em quarentena, as panelas bateram com força nessa quarta-feira, acompanhadas de gritos de “louco”, “miliciano” e “assassino”. Já é um começo, mas o tom deverá subir quando ficar evidente que Presidente da República é um aliado do coronavírus e que o comportamento governamental é criminoso diante de um novo tipo de guerra internacionalmente considerada.  

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