Lula deixou o prédio da superintendência da Polícia Federal em Curitiba no dia 8 de novembro do ano passado. Ganhou a liberdade depois de 580 dias encarcerado por sentença de Sergio Moro.
Saiu pela porta da frente e foi direto ao encontro do povo que o esperava na rua.
Menos de cinco meses depois, Moro entrará hoje à tarde pela mesma porta (ou será pela porta dos fundos?) para ser interrogado no inquérito que apura suas acusações contra Bolsonaro.
O depoimento deveria ter transmissão ao vivo, como faziam na Lava-Jato, quando Lula era interrogado na vara especial de Moro. Lula ficava diante de um grupo de procuradores escalados pelo juiz, porque Moro mandava em tudo e em todos.
Hoje, ele enfrentará três procuradores da República na sala de interrogatório, escalados pelo procurador-geral Augusto Aras, e pelo menos mais dois delegados federais.
O depoimento deveria ser acompanhado por todos os brasileiros, pelo didatismo e pela chance única de ver um ex-magistrado-acusador (Moro se comportava também como membro do Ministério Público) agora como acusador sem toga e sem poder.
Os delegados que vão ouvi-lo são do Serviço de Inquéritos Especiais (Sinq), grupo responsável pelas investigações que tramitam no Supremo.
Os policiais são subordinados ao Departamento de Combate à Corrupção (Dicor), dirigido pelo delegado Igor de Paula Romário, chefe das operações da Lava-Jato em Curitiba e homem de confiança de Moro. Já ministro, Moro o levou para o Dicor.
O ex-bolsonarista estará em casa. Igor é o famoso delegado do grupo de WhatsApp que em 2014 torcia em mensagens pela vitória de Aécio e chamava Lula e Dilma de duas antas.
Todos eram delegados. As mensagens foram vazadas por um deles para o Estadão. Dilma venceu, mas não aconteceu nada com nenhum dos torcedores, tanto que o chefe da turma está aí, ainda poderoso. Não se sabe até quando.
Moro enfrenta uma inversão de papeis. Aras abriu o inquérito para que o ex-juiz apresente provas, não como fez no processo do tríplex contra Lula. Ali, Moro acusava e dizia que provava, mesmo que não provasse nada.
Agora, ele é o acusador submetido às liturgias que nunca seguiu. Se acusou, desta vez terá de provar.
Não é mais juiz, não tem foro privilegiado, não tem mais os amigos do bolsonarismo que o protegiam. É Moro contra Aras, Bolsonaro e a extrema direita agora inimiga.
Se não tiver provas, vai passar por um constrangimento inimaginável para os reacionários e fascistas que o idolatram.
A acusação que fez não é apenas a de que Bolsonaro interferia politicamente na Polícia Federal. Moro disse que, na última conversa, Bolsonaro admitiu que interferia.
Vai ter de provar a interferência e terá de apresentar provas de que Bolsonaro disse que de fato agia para ter o controle da PF. Moro grampeou o último encontro com o homem?
Enquanto Lula esteve preso, todos os dias grupos gritavam do chão para o alto, em direção à cela no quarto andar, e saudavam o ex-presidente.
Sergio Moro pode se lembrar disso quando estiver lá dentro hoje e assumir diante do delegado, na condição de testemunha e delator informal, o compromisso de que irá dizer a verdade.
Começa para o ex-juiz o pesadelo que Lula havia previsto.