Nossa divergência tinha sido de fundo político – eu não podia aceitar que evangélicos – gente que diz seguir a Bíblia e se diz contra a corrupção e pelo Bem – tivessem apoiado um candidato, cujo bandeira eleitoral era francamente contrária aos preceitos bíblicos de Moral, de Honestidade, de Respeito Humano, da Dignidade e Igualdade das Pessoas, do Respeito à Natureza e por aí afora.
Por Rui Martins
Essa divergência se agravou porque, nestes três anos e meio de governo Bolsonaro, vocês mantiveram o mesmo apoio, fazendo-se cegos e surdos à necessidade de separar o joio do trigo, no dizer de uma parábola que conhecem melhor que eu.
Imagino que agora, com a revelação desse escândalo com três pastores envolvendo o Ministério da Educação, possamos rediscutir e restabelecer o diálogo.
Como já deixei claro, nunca coloquei em debate vocês e outros familiares e amigos por serem evangélicos. A questão da opção religiosa é individual e cada um tem a liberdade de crer ou ser o que achar melhor para si.
Minha divergência vinha do fato de achar um absurdo vocês e as entidades dirigentes dos evangélicos apoiarem um candidato à presidência que, exceto o nome Messias, nada tinha de evangélico.
Um apoio em troca de vantagens, verbas, cargos e ministérios.
Ora, gente de Deus não faz acordo com o Diabo, existem numerosos versículos bíblicos a esse respeito.
Alguns líderes evangélicos já se pronunciaram porque – e sobre isso já escrevi mesmo artigos – o evangelismo brasileiro de uma maneira geral vai ter além da cobrança terrena a “cobrança divina” , podemos dizer, por ter se envolvido com corruptos e com políticos desonestos, em lugar de usar os templos e os cultos e as pregações apenas para falar do Evangelho e não para fazer propaganda política em favor de pessoas.
Foi um enorme êrro, que vai ter um custo em termos de perda da imagem e da credibilidade no Brasil.
Mas, é claro, pode ser que, ouvindo só a propaganda do governo nas rádios, tvs e Internet, vocês prefiram continuar acreditando nos pastores e, por tabela, no presidente Bolsonaro.
Se vocês, se seus líderes fizerem isso, não preciso ser profeta para dizer que o estrago dentro das igrejas será bem maior, pois a falta de credibilidade gerará a descrença.
Na vida, as vezes temos a chance de corrigir erros cometidos.
É sua chance, de sua igreja, do seu pastor.
E se fizerem isso voltarei a respeitá-los.
Uma abraço fraterno de quem acredita num mundo melhor.
Rui Martins.
(Carta publicada também no Facebook e Youtube. A versão vídeo está em https://youtu.be/VC-51al5bgk )
Rui Martinsé jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.
por Georges Abboud, Anaclara Valentim e Maira Scavuzzi /ConJur
- - -
Recentemente, o Intercept Brasil veiculou reportagem escandalizadora[1]: Joana Ribeiro Zimmer, juíza atuante na comarca de Tijucas (SC), constrangeu criança de 11 anos — que, aos 10, fora vítima de estupro — a desistir de proceder à interrupção voluntária da gravidez, da qual, nos termos da lei, poderia livremente se socorrer, pois a gestação, não bastasse oferecer-lhe risco à vida, resultou de violência sexual inquestionável.
Não se trata de discutir, de lege ferenda, a descriminalização do aborto, polêmica que, decerto, ainda é, no Brasil, objeto de desacordo; cuida-se de situação para a qual a sociedade (certamente após debate intenso) convencionou, já por ocasião da edição do Código Penal vigente (texto publicado em dezembro de 1940), permitir o aborto legal.
A bem da verdade, há de se reconhecer que, tivesse escolhido aplicar a lei, a juíza teria solvido a questão facilmente: "Autorizo o abortamento conforme solicitado pela representante legal da criança (e pela própria criança), porque é direito legalmente previsto. Próximo caso". Contudo, Zimmer, aventurando-se numa vergonhosa empreitada moral — que, enquanto ocupante de cargo público e responsável pelo exercício da jurisdição, não era seu papel iniciar —, dirigiu um verdadeiro show de horrores, quando muito, remotamente apoiada em simulacros de argumentos jurídicos, que ou bem configuravam tentativa dolosa de fabricar justificativas para obstar o abortamento legal ou bem evidenciavam desconhecimento sobre assuntos que um estudante de graduação dominaria.[2]
Pior: agiu auxiliada pela promotoria, cuja função é fiscalizar a aplicação da lei (sim, a mesma lei que, in casu, possibilita o abortamento) e agir para proteger os interesses da criança vulnerável (que, mesmo pressionada por figura de autoridade, corajosamente afirmou que não desejava ter a criança, que não queria vê-la nascer[3]).
Não é a primeira vez que acusamos os males do ativismo, prática consistente na substituição da constitucionalidade e da legalidade vigentes por critérios subjetivos (e.g. moral pessoal), sempre perniciosa à democracia (porque reduz a nada os produtos do debate democrático, isto é, a lei e a Constituição) e ao Estado de Direito (porque compromete a segurança jurídica). A postura de Joana Zimmer é exemplo pedagógico de ativismo: quis buscar o que, segundo os valores que lhes são caros, considerava certo, e, para tanto, desprezou a lei; em lugar de dizer o direito, disse a moral. A moral, à exemplo da política, da economia, da religião, muito embora seja considerada pelo legislador quando da produção do direito, não pode influenciar o juiz que o aplica. O direito, por exigência do Estado democrático, deve ser autônomo relativamente à moral.
Por isso, independentemente das reservas morais que o agente público possa ter relativamente ao conteúdo da lei, deve aplicá-la, dando adequado curso à função que desempenha. Juízes não são guias espirituais e nem bastiões do correto e do justo. Quando procurados, devem aplicar o direito democraticamente produzido — de novo e sempre: juris-dicção é dizer o direito (o direito!) — e não o código ético que baliza suas escolhas pessoais.
Não obstante, a audiência soou como isto: uma grande lição de moral, uma orientação sobre a atitude honrosa a ser tomada, pela mãe e pela criança, diante da tragédia que as assolava (Sofra mais um pouco. Aguente duas, três semanas. Sacrifique-se. Sua dor será a alegria de um casal. Salve a vida do feto — ou alguém negará que é exatamente essa a mensagem que se extrai da inquirição da magistrada?[4]).
Mais que isso: a audiência em questão tornou-se sessão de barbárie e ignorância, por meio da qual juíza e promotora, não raro utilizando-se de informações médicas equivocadas, investiam contra a infante e a mãe para dobrá-las emocionalmente, imputando-lhes sentimento de culpa por querer exercer o direito que a lei lhe dá ("O teu bebê já tá completo. Ele já é um ser humano. Consegue entender isso?"[5]; "Em vez de deixar ele morrer, porque já é um bebê, já é uma criança, em vez de a gente tirar da tua barriga e ele morrer agonizando, porque é isso que acontece"[6]; "Quanto mais ele fica na tua barriga, mais saudável ele fica, né? Mas, tirando ele cedo, ele fica assim...bastante tempo no hospital"[7]; "Quanto ao bebezinho, você entendeu que se a gente fizer a interrupção o bebê nasce e a gente tem que esperar esse bebê morrer? A senhora conseguiu entender isso? Que é uma crueldade imensa. O neném nasce e fica chorando até morrer"[8]).
Em resumo, dentre tantas demonstrações de falta de humanidade e ilegalidades praticadas no caso em comento, o que salta aos olhos é, primeiramente, o fato de que os agentes públicos se olvidaram de que seu papel não é o de defender interesses, crenças ou valores morais pessoais, mas o de atuarem para garantir a aplicação e efetividade dos direitos daqueles que os buscaram respaldados na Lei.
E a Lei decerto está ao lado da criança e da mãe que intentaram obter, pelas vias judiciais, o direito ao abortamento.
A esse respeito, faz-se necessário destacar que o ECA (Lei nº 8.069/90) garante à criança a absoluta prioridade na efetivação dos direitos constitucionalmente considerados como fundamentais[9], dentre esses a saúde física e psíquica.
Os danos à saúde da gestante vítima de violência já foram objeto de análise dos Poderes Legislativo e Judiciário e, no fim, o legislador considerou-os causa suficientemente relevante para a permissão do aborto (trata-se do chamado aborto humanitário, previso no CP 128, II). Nem poderia ser diferente. Não é preciso maior desforço para perceber que, não bastasse ter sua dignidade sexual atingida quando da perpetração da violência em si, a vítima, ao ter que passar 09 (nove) meses gestando o fruto do estupro, revive constantemente o trauma. Trata-se de um impacto profundo e danoso à sua saúde mental e emocional.
Quando se trata de uma criança, o prejuízo aumenta exponencialmente. Não por acaso a legislação penal vigente tem como presumida a violência de um ato sexual ou libidinoso praticado contra menor de 14 anos[10]: o entendimento do legislador é de que, nessa faixa etária, o indivíduo, por fatores biológicos e psíquicos, não possui desenvolvimento mental completo para consentir, que dirá para levar à termo gestação decorrente do estupro![11]
A verdade é que, mesmo que não pendesse de dúvida a validade do consentimento e nem houvesse risco à psique da vítima, persistiriam os impactos nocivos da gestação na saúde física da infante.
Se a gestação já é, por si só, um processo arriscado, nas pessoas de baixa idade, os perigos se multiplicam.[12] A taxa de mortalidade em gestações, partos e puerpérios experimentados por menores de 15 anos é cinco vezes maior que o normal.[13]
Para além disso, a gestação em pessoas de 10 a 14 anos acarreta, ainda, distocia óssea, que é a falha na evolução do parto, uma vez que a pelve da gestante não está completamente desenvolvida. Ou seja, dados médicos e científicos comprovam que levar a gestação a termo, em casos como o ora comentado, põe sob ameaça a vida da gestante. Por isso é que, acertadamente, permite-se o aborto, também com fundamento no CP 128, I (é o chamado aborto necessário).
Os dados retro põem em destaque a estupidez deste caso. Nem de uma gestante adulta pode-se exigir que prossiga com a gravidez diante do risco de óbito. Como, então, poderíamos considerar seria minimamente adequado — legal, ética e moralmente — aconselhar e pressionar uma criança de 11 anos — sem capacidade decisional de acordo com a doutrina, lei e jurisprudencial nacional — a seguir com algo altamente letal ou prejudicial à sua saúde e desenvolvimento?!
Por fim, é impossível ignorar que o fato comentado traz à baila a necessidade de uma reflexão que ultrapassa os limites do Direito. A audiência traz à lume a força da violência de gênero institucionalizada: o Estado protege o feto — que supostamente será adotado mais tarde (porque nossas casas de acolhimentos de menores não estão cheias, não há um perfil idealizado pelos candidatos a adotantes, geralmente atrás de crianças brancas, e as adoções tardias acontecem à torto e a direito, com o perdão da ironia) — mas não a infante-gestante estuprada.
Cuida-se da verdadeira concretização do estado de imanência[14], já citado por Simone de Beauvoir como lugar histórico e cultural ocupado pela mulher na sociedade, restrito ao universo doméstico: a atuação do feminino em afazeres domésticos de caráter repetitivo no decorrer dos séculos, sempre atrelados aos cuidados do lar e dos filhos, não produz algo que possa ser monetizado no mundo; os homens, ao contrário, produzem, inventam, criam e modificam o mundo exterior, fazendo dele um novo lugar, transcendendo a condição animalesca original. O Judiciário tentou, pois, reconduzir ao seu devido lugar a "menina-mãe" (rectius, a vítima, pois criança alguma pode ser convocada ao papel de mãe) — o lugar de mera incubadora —, numa espécie de realização perversa da ficção distópica criada por Margaret Atwood ("O Conto da Aia"), na qual mulheres, estupradas sob a chancela do Estado, eram forçadas a dar à luz bebês que seriam entregues para casais desejosos (tragédia para umas, felicidades para outros, diria a juíza Zimmer?[15]).
Como se vê, esse movimento inconsciente de manutenção da mulher como sujeito naturalmente inadequado é reproduzido amplamente na sociedade e vem sendo objeto de estudos e resistência. Entretanto, quando se trata mulheres, crianças e adolescentes vítimas de violência, o tema adquire significativa relevância: a nova violência (dessa vez praticada pelo Estado), colocam-nas em posição de vulnerabilidade inequívoca e acentuada, içando-as à categoria de um não-sujeito ou daquilo que Butler[16] chama de corpo abjeto. Butler parte da premissa de que algumas vidas não são consideradas epistemologicamente como propriamente vivas, de modo que é impossível desempenhá-las ou perdê-las no sentido da palavra[17]. Trata-se de condição de precariedade a que são subjugadas certas não-vidas e que advém de uma construção social de seletividade decorrente de relações de poder. Explicamos.
Na transição histórica do exercício do poder de punir pelo Poder Soberano para a implementação do Poder Disciplinar utilizado na sociedade moderna industrial, trocou-se a decisão acerca de quem "se deixa viver ou quem deverá morrer” por “quem pode viver e quem se deixará morrer". A escolha é feita a partir da potencialidade produtiva do indivíduo, significando que o poder de punir agora não atua mais sobre a manutenção da existência de um indivíduo, mas sobre as molduras que servirão para a apreensão da vida em sentido pleno, segundo uma ótica social e política. Não mais se atrela a vida ao conceito puro de corpo biológico. O Estado é que determina quem é vida e quem é não-vida, quem é digno de proteção, garantia de direitos etc., e a quem cabe apenas a indiferença. A eleição de quem deve ser relegado à precariedade — ou seja, daqueles que se tronarão os corpos abjetos — acontece por meio da submissão dos sujeitos às normas e articulações sociais que induzem ao reconhecimento de um "ser vivo" ou de um "corpo abjeto"[18].
A condução do caso pela juíza Zimmer (com participação da promotoria) deu azo à abjetificação da vítima; tornou-a um não sujeito de direitos, indigno de proteção por parte do Poder Público — a infante foi despida de valor em si e instrumentalizada para uma finalidade única, que é viabilizar o feto, este sim merecedor do cuidado estatal. A despeito da legalidade e da igualdade, a criança não pôde exercer de maneira livre e desembaraçada aquilo que a lei assegura.
Ao fim, o ativismo da magistrada coisificou uma criança negra. Não bastasse nascer e crescer numa sociedade caracterizada pelo racismo estrutural, o nosso sistema de justiça conseguiu duplicar a violência a que está sujeita. Após o estupro, o ativismo moralista da juíza Joana Ribeiro Zimmer completou o ciclo de reificação da vítima.
O direito, então, perde a batalha para a moral. O espólio da guerra — um feto forçadamente introduzido e mantido num útero infantil, que rasgará, física e emocionalmente, o corpo hospedeiro, impondo-lhe dano incalculável e irreversível, antes mesmo de que possa tragar o primeiro sopro de ar, para então, talvez gozar de vida extrauterina. Protege-se, contra legem, a vida possível, e a vida certa (a que já existe), à qual o direito in abstracto tutela, in concreto, que se dane!
[2] A título de exemplo, veja-se que a juíza afirma que a interrupção da gestação após a 22ª semana seria autorização para cometimento de crime de homicídio. Contudo, sabe-se que, quando a vida é intrauterina, só pode se cogitar de crime de aborto. E, no caso sob comento, a lei é expressa ao afirmar que crime não há, dada as circunstâncias relacionadas à gestação. Dito de outro modo: aborto necessário (para salvar a vida da gestante) e aborto humanitário (para interromper gravidez decorrente de estupro) não são crimes e podem ser realizados sem limite temporal (se a lei não coloca, o juiz não pode criar, e isso também um estudante de graduação saberia). Ao aborto realizado nessas circunstâncias falta o elemento constituinte para ser crime (ou antijuridicidade ou culpabilidade, a depender da doutrina que se adota), conforme se aprende nos estágios iniciais do estudo de direito penal.
[3] Min. 2:33 do vídeo disponibilizado pelo Intercept.
[11] A esse respeito, veja-se que a incidência de transtornos mentais e/ou psíquicos, como depressão, é maior durante a gestação e no puerpério dentre as crianças e adolescentes.
[12] A título de exemplo, gestação em pessoas de baixa idade tem a maior possibilidade de desenvolvimento de pré-eclâmpsia, ocorrência de desordem nutricionais, desenvolvimento de diabetes gestacional, maior incidência de infecções urinárias, anemia, ocorrência de desproporção feto-pélvica (o feto é maior que a pelve materna), partos prematuros e recém-nascidos de baixo peso (JÚNIOR, FERNANDO CESAR DE OLIVEIRA. Intercorrências clínicas e obstétricas na gestante adolescente. Gravidez e adolescência. Rio de Janeiro: Revinter, 2009).
[13] JÚNIOR, FERNANDO CESAR DE OLIVEIRA. Intercorrências clínicas e obstétricas na gestante adolescente. Gravidez e adolescência. Rio de Janeiro: Revinter, 2009.
[14] BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009, pág. 102.
[15] Aos min. 8:14, a juíza diz para a mãe o seguinte: “essa tristeza de hoje para a senhora e para a sua filha é a felicidade de um casal. A gente pode transformar essa tragédia”.
[16] BUTLER, Judith. Quadro de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2018.
[17] BUTLER, Judith. Quadro de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2018, pág. 13.
[18] BUTLER, Judith, Quadro de guerra: quando a vida é passível de luto? Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2018., pág. 19.
O filme “Já que Ninguém Me Tira para Dançar”, da cineastaAna Maria Magalhães, apresenta às gerações mais jovens aatriz Leila Diniz, personagem quase legendária que escancarou as portas para a revolução sexual em um Brasil falsamente moralista, nos anos 1960. Por isso mesmo, Leila incomodou a ditadura e foi perseguida pelos militares.
A chegada do filme para o público em janeiro, com acesso gratuito por meio do streaming do Itaú Cultural Play, coincide com os 50 anos da morte da atriz, em um desastre de avião, em junho de 1972, quando ela voltava de um festival de cinema na Austrália. Leila tinha 27 anos.
A proximidade das datas não foi intencional, já que o documentário começou a ser gravado em 1982, com pouco dinheiro e uma câmera emprestada. Uma primeira versão foi editada, mas nunca chegou aos cinemas e o material original quase se perdeu.
Em 2015, a diretora começou a restaurar as gravações, acrescentou depoimentos inéditos e, já em meio à pandemia, conseguiu concluir o trabalho. “É o mesmo filme, mas é um filme diferente”, reflete Ana Maria Magalhães, muito amiga de Leila. O longa foi exibido recentemente em sessões especiais dos festivais de cinema de Brasília e do Rio de Janeiro.
A passagem do tempo deu à cineasta o distanciamento para abordar a trajetória de Leila Diniz sob uma acentuada perspectiva política. “Eu percebi que o que aconteceu com a Leila não foi aleatório. Em 1969, ela já estava com dificuldade de conseguir emprego na TV, apesar de ser uma atriz muito popular. Nessa época, ela deu aentrevista para O Pasquime a ditadura entrou pesado mesmo. No meu entendimento, houve uma trama contra a Leila, para quebrar a base econômica dela”, avalia a diretora.
A entrevista ao jornal alternativo enfureceu os militares. Nela, a atriz falou sobre amor, sexo, desejo, prazer e infidelidade, com muitos palavrões, todos substituídos por asteriscos na edição.
Leila chegou a ficar algum tempo escondida porque havia uma ordem de prisão contra ela. Esse período é reconstituído a partir do valioso depoimento do cunhado da atriz, Marcelo Cerqueira, ex-advogado de presos políticos. Ele considera que Leila foi vítima de “macarthismo” na televisão e fala em perseguição à carreira da atriz.
O advogado conseguiu que o então ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, revogasse a ordem de prisão, mas Leila teve que assinar um termo de responsabilidade comprometendo-se a não falar palavrões em público. “Ela chegou em casa arrasada naquele dia porque assinar o termo foi uma autonegação dos valores dela, e a Leila era uma pessoa muito honesta”, conta a diretora.
Dois meses depois da entrevista, em janeiro de 1970, o ditadorEmílio Médicipublicou o Decreto-lei 1.077, que instituiu a censura prévia à imprensa e às editoras, sob a alegação de proteger a moral, os bons costumes e a família.
A norma ficou conhecida como“decreto Leila Diniz”. “Muita gente não tem ideia do que é viver sob uma ditadura, um Estado policial. Diante do que nós estamos vivendo no Brasil, é o momento de contar a história da Leila, de entender tudo o que aconteceu com ela, o que está acontecendo agora e que pode ser ainda pior se o atual presidente se reeleger e esse grupo político continuar no poder”, avalia Ana Maria Magalhães.
Leila, contudo, não era de levantar bandeiras, nem políticas nem comportamentais. “Ela era muito espontânea, independente, sempre trabalhou muito, tinha um compromisso com a verdade e a igualdade. Isso era muito forte na relação dela com as pessoas. Nas nossas conversas, ela sempre pregou a igualdade na relação entre homens e mulheres. Não tinha essa coisa ‘ele pode, eu não posso’. Isso não existia para a Leila”, observa Ana Maria Magalhães.
A imagem de Leila como mulher liberada e dona de si ficou cristalizada na fotografia em que ela aparece de biquíni, na ilha de Paquetá, grávida de seis meses de sua única filha, Janaína, com o cineasta Ruy Guerra. A foto também provocou críticas a Leila, mas com o tempo, inspirou outras mulheres, e as brasileiras passaram a exibir as barrigas de gravidez com total naturalidade nas praias.
Por meio de muitos depoimentos de amigos, amores, atores e diretores, e trechos de filmes em que Leila atuou, o longa realça a estatura e consistência de sua carreira. Traz ainda fatos desconhecidos, como uma situação de violência sexual da qual Leila conseguiu se livrar de forma inusitada.
Um dos momentos mais arrebatadores do documentário é a sequência em que Leila e Ana, muito jovens, dançam para a gravação de um filme, “As Bandidas”, que não chegou a ser concluído. A alegria transborda da tela.
A caminho da Austrália, de onde nunca voltou, Leila mandou um cartão postal para Ana, ao fazer uma escala no Taiti. Como endereço do remetente, escreveu a expressão em francês “un peu partout” —um pouco por toda parte.
Ao mostrar a coragem com que Leila enfrentou a vida, quebrou tabus e influenciou tantas mulheres, o filme transmite exatamente essa sensação: Leia Diniz continua aí, “um pouco por toda parte” e um pouco em todas nós.
De fato, Sergio Moro não se ajuda. O réu não se ajuda, como disse um dia o juiz Amilton de Carvalho a um acusado que insistia em se "enterrar" no depoimento.
Por exemplo, agora Moro diz que a emenda constitucional que pretende dar um drible da vaca no resultado das ADCs sobre presunção da inocência é um "teste moral" para o Brasil. Algo como "quem é contra a PEC 199 é imoral".
Pegou pesado. Merece resposta. Teste moral? Sim, sim, Moro falando em teste moral? O que é um teste moral? O que é moral?
Bom, se tivesse feito já algum "teste moral", Moro teria chumbado, se lembrarmos do vazamento ilícito (logo, imoral) das conversas gravadas já fora do tempo permitido (portanto, um ato, além de ilegal, imoral) de Lula e Dilma, do ilícito (e, assim, imoral) vazamento da delação premiada (cadê?) de Palocci dias antes do segundo turno das eleições presidenciais. Isso para dizer o menos. Teste moral? Como assim? Falando em corda em casa de enforcado?
Se tivesse feito já algum teste moral, Moro teria chumbado, a continuar quando aconselhou o MP a buscar mais provas em processos da "lava jato", tendo depois explicado que (i) não era lícita a prova do Intercept e (ii) se fosse, essa conversa era "normal" entre juiz e MP. Como diria o filosofo Chavo Del Ocho, dá zero pra ele. Tem coisas bizarras de Moro. Por exemplo, ele pediu desculpas ao MBL por frase que ele disse não ter dito!
O que seria moral ou ético para o ex-juiz e ex-ministro do governo Bolsonaro? Antes de tudo, vamos lembrar o que disse sua "conge" (sic) Rosangela: "Moro e Bolsonaro são uma coisa só". Depois saiu falando mal do Presidente que o nomeou Ministro logo após a eleição de 2018, apesar — seria isso ético e/ou moral? — de todos saberem (inclusive foi dito pelo vice Mourão) de que Moro aceitara ser ministro ainda antes da eleição. Bem ético, não? Moralmente aceitável? Teste moral? O que é isto — a ética e a moral?
Talvez "o teste moral" de que fala Moro no twitter seja algo como a anedota em que dois sujeitos têm uma loja que vendem ovos de marreco. Vendem fiado. Uma velhinha de 95 anos, semicega, chega ao meio dia para pagar seu débito. Só está na loja um dos sócios. Ela tira do bolso um maço de notas e entrega, dizendo: pronto, eis o que eu devia. Vira-se e vai embora.
O sócio pega o dinheiro e conta. Constata que ela pagou o dobro. Eis então o dilema ético-moral que se instala na consciência do sócio. É absolutamente "dramático". Afinal, ele reparte ou não reparte a grana com o seu sócio?
Essa — a ética da anedota — é uma forma de ética-cínica, — a transversal, a do ricochete. A ética "todos na sala são mentirosos, menos eu que estou dizendo a frase...".
De todo modo, fazendo uma caridade epistêmica, vou ajudar o ex-juiz e ex-ministro com o conceito. Depois de ler a explicação abaixo, vamos ver se ele repetiria o post no twitter. Eis a lição:
"Um professor perguntou ao seu mestre:
— Mestre, o que é ética? E como posso explicar aos meus colegas professores, aos meus alunos e seus pais de maneira simples para que todos entendam?
O mestre respondeu:
— Ética é fazer ao outro só aquilo que se quer que seja feito a si mesmo.
O professor fez outra pergunta:
— E o que é moral?
O mestre respondeu:
— Moral é não fazer nada escondido. Se precisar fazer escondido, então é imoral.
E completou:
— Não pode haver nada pior do que um bom conselho... — e, após uma longa pausa — ... seguido de um mau exemplo."
Pronto. Está na internet. Ao alcance de todos. Foi feita para gente como Sérgio Moro. Para que não precise escrever uma carta de 30 laudas pedindo sinceras desculpas ao STF.
Em verdade, o fato — e eu teimosamente insisto que fatos existem — é que o histórico da atuação de Moro não lhe dá cacife para inflar o peito e dizer "a PEC da presunção será um teste de moral para o país". Vamos lá?
• Para quem apoiou a PEC que fala da prova ilícita de boa-fé,
• para quem não se importou com a condição dos presídios,
• para quem chamou o motim dos policiais do Ceará de greve e ainda por cima os apoiou,
• para quem fez conjuminância com MP em processos da lava jato,
• para quem "fundou" o "partido do lavajatismo" — como denuncia Demétrio Magnoli,
• para quem ficou mais de ano no governo, concordou com tudo e saiu "atirando" contra seus amigos, até mesmo a sua afilhada de casamento,
• para quem ficou sentando e não se levantou quando o ministro Weintraub chamou os onze ministros de vagabundos e dizer que deviam ser presos,
• para quem assistiu calado o ministro do meio ambiente falar que deviam aproveitar pandemia para "passar a boiada",
• para quem pediu desculpas por ato ilícito ao STF depois de vazar conversa de Lula e Dilma (não seria um ato explicitamente imoral?),
• para quem agiu parcialmente todo o tempo em que foi juiz (ver esta decisão do STF: HC 95518, Relator(a): EROS GRAU, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 28/05/2013), vir, agora, falar em "teste moral", parece que estamos ignorando mais de dois mil anos de filosofia acerca dos conceitos de ética e moral. Total inversão de valores...
E lá vem a velhinha pagar a sua conta...!
Sigo. Para dizer que tem uma outra metáfora que ajudará explicar o twitter de Moro. Dizem que Moro foi para a Amazônia ao tempo de ministro da Justiça e foi ferroado pela vespa mais feroz, a vespa cabocla (polistes canadensis). Impressionado, capturou três exemplares e os colocou em uma caixinha, para mostrá-los a Bolsonaro e os demais ministros.
Como um nomóteta de vespas, chamou a primeira de "Moral", a segunda de "Direito" e a terceira de "Política". Weintraub — sempre esperto — sabendo da história e da intenção, resolveu fazer uma brincadeira e soltou os insetos, fechando novamente a caixa. Reunido o ministério, Moro conta a história do bicho mais feroz e da dor mais terrível que sofreu. Fez mistério e começou a abrir a caixa. E estava vazia.
Então sentenciou: "—Viram? Elas são tão terríveis que se devoraram entre si". Foi um teste moral para as vespas. A perícia mostrou que a vespa chamada Moral comeu as outras duas. Só não explicaram quem comeu a vespa Moral-que-comeu-as-outras-duas-vespas.
Pois é. Não é fácil fazer teste moral. Talvez tenhamos que recorrer a Aristófanes, quem, aliás, escreveu As Vespas! Tem a ver com Moro? Leiam. Há um vídeo de Direito & Literatura, em que abordamos o livro. E a coluna Embargos Culturais, do nosso querido e talentoso Arnaldo Godoy (ver aqui).
Spoiler de As Vespas (não as capturadas por Moro, e sim, as de Aristofanes): Na visão de Aristófanes, certamente o que movia o juiz Filoclêon não era o amor à justiça. Preso na sua casa, Filoclêon exige que possa sair: "Que é que vocês estão querendo fazer? Vocês não vão mesmo me deixar julgar? Dracontidas vai ser absolvido!"
Fica claro que, mesmo sem ouvir as partes, Filoclêon já pensara em condenar o réu. Filoclêon tinha ganas de condenar, sempre. Sempre. Claro, os seus adversários. E diz logo em seguida: "O deus de Delfos me respondeu um dia que eu morreria no momento em que um acusado escapasse de minhas mãos."
Pronto! Vespas possuem ferrões. E apetite. Muito cuidado! A Vespa Moral pode comer a vespa Direito.
Forma como Bolsonaro enfrenta a crise do coronavírus impulsiona vertiginosamente processo de deterioração da reputação brasileira. Imprensa europeia pinta cenário catastrófico, e parcerias importantes estão sob risco
É gritante o contraste entre a imagem atual do Brasil e a que tinha há uma década, quando era aclamado mundo afora por sua economia promissora, com a revista britânica The Economistestampando em sua capa uma imagem do Cristo Redentor decolando como um foguete. O país estava prestes a superar a França e assumir o posto de quinta maior economia do mundo. Nesse meio tempo, caiu para a 12ª posição.
"O Brasil estragou tudo?", questionava a Economist já em 2013, trazendo a crise no maior país latino-americano como manchete. Naquele momento, no entanto, ainda era difícil prever a dimensão do declínio brasileiro que estava por vir.
Apesar da crise econômica, o Brasil se apresentou para o mundo como país-sede da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, mostrando-se cada vez mais autoconfiante. Durante os governos Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, o país conquistou prestígio no cenário internacional.
O país chamou atenção sobretudo por seu bem-sucedido combate à pobreza por meio de programas sociais como o Bolsa Família, que ajudaram cerca de 30 milhões de brasileiros a ascender à classe média. Há dez anos, o jornalista alemão Alexander Busch, que atua como correspondente no Brasil, resumiu o clima de euforia em seu livro intitulado Brasil, país do presente - O poder econômico do gigante verde.
Agora, a euforia definitivamente chegou ao fim. E não apenas devido à crise econômica e aos escândalos de corrupção que vieram à tona nos últimos anos. Se desde que tomou posse o presidente Jair Bolsonaro já vinha contribuindo para um derretimento da imagem do Brasil na Europa, sendo criticado por ameaçar a democracia e o meio ambiente, a maneira como vem lidando com a pandemia de covid-19 vem acelerando vertiginosamente esse processo de deterioração da reputação brasileira.
"A imagem positiva acabou", afirma Friedrisch Prot von Kunow, presidente da Sociedade Brasil-Alemanha (DBG, na sigla em alemão) e que foi embaixador no Brasil entre 2004 e 2009. Atualmente, o diplomata não vê progressos sociais no Brasil, mas sim um cenário catastrófico. "Do ponto de vista alemão, uma personalidade como Bolsonaro é inconcebível. Pessoalmente, tenho dificuldade em lidar com isso."
Acordo Mercosul-UE e meio ambiente
Assim como o presidente americano, Donald Trump, Bolsonaro ameaça abandonar o Acordo de Paris para o clima e a Organização Mundial da Saúde (OMS), e a gestão da atual pandemia vem contribuindo para isolar ainda mais o Brasil no cenário internacional.
"Na crise do coronavírus, Bolsonaro vem se mostrando ainda mais radical que Trump", afirma Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais na Fundação Getúlio Vargas (FGV). "Com isso, a ratificação do acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE) fica cada vez mais improvável", escreveu no Twitter recentemente.
A destruição da Amazônia também vem rendendo duras críticas ao governo brasileiro. Na última quinta-feira, Georg Witschel, embaixador da Alemanha no Brasil, disse ao portal G1 que o desmatamento na região – que, segundo o Inpe, cresceu 34,4% entre agosto de 2018 e julho de 2019 em relação ao período anterior – torna a ratificação do tratado "cada vez mais difícil".
Para ter validade, o acordo Mercosul-UE, que foi assinado na cúpula do G20 em junho de 2019, tem que ser aprovado pelos parlamentos de todos os países de ambos os blocos. "Precisamos do apoio do Brasil, e o apoio é a redução do desmatamento", afirmou o embaixador alemão.
No início de junho, o jornal britânico The Guardian publicou um editorial manifestando preocupação com o avanço da destruição da Amazônia durante a pandemia. "O mundo não pode permitir que a pandemia de coronavírus distraia da destruição da floresta tropical", diz o texto.
"Enquanto Bolsonaro continua a atacar medidas de saúde pública, a população indígena da região amazônica parece estar cada vez mais ameaçada pela violência e pela doença", diz o jornal.
Devido às políticas do governo Bolsonaro para o meio ambiente e ao aumento do desmatamento na região amazônica, Alemanha e Noruega se distanciaram do Brasil, congelando no ano passado seus repasses para o Fundo Amazônia. O Ministério alemão do Desenvolvimento vem encerrando projetos no país.
Indústria alemã avalia permanência
A indústria alemã no Brasil também vem sofrendo com o derretimento da imagem brasileira. "Não há dúvida de que o Brasil e a América Latina ficaram menos atrativos", disse Philipp Schiemer, presidente da Mercedes-Benz do Brasil, em entrevista ao jornal econômico alemão Handelsblatt na semana passada.
Ao ser questionado sobre a atuação do governo Bolsonaro diante da pandemia do novo coronavírus, Schiemer afirmou que a gestão da crise "deixa a desejar" e que "as constantes disputas políticas são uma fonte adicional de incerteza". "Com isso, a credibilidade do Brasil é prejudicada", disse.
Apesar de elogiar o fato de o governo ter agilizado o auxílio financeiro para os mais pobres e flexibilizado as leis trabalhistas de modo a evitar demissões em massa, Schiemer critica que disputas políticas tenham voltado a ocupar as autoridades e diz que gostaria que o governo dedicasse mais energia a implementação de sua agenda de reformas econômicas.
Em análise para o Handelsblatt, o correspondente Alexander Busch afirma que a crise do coronavírus e Bolsonaro são "uma combinação que acaba com o espírito empreendedor até mesmo dos maiores otimistas" e que médias empresas alemãs, duramente atingidas pelos efeitos da pandemia, se perguntam se vale a pena continuar no Brasil.
Ameaças à democracia e à saúde
Desde o início do governo Bolsonaro, editoriais dos principais jornais europeus vêm denunciando ameaças à democracia no Brasil. No último dia 7 de junho, o britânico Financial Times afirmou que, em meio à crise provocada pelo coronavírus e à queda na popularidade de Bolsonaro, "os brasileiros estão preocupados com a possibilidade de o presidente estar tentando provocar uma crise entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário para justificar uma intervenção militar".
Apesar de afirmar ser improvável que as Forças Armadas apoiem um golpe militar, o jornal aponta: "Outros países devem tomar nota: os riscos para a maior democracia da América Latina são reais, e estão aumentando."
Em meados de maio, foi a vez do jornal francês Le Monde, que escreveu que o governo brasileiro adotara uma via "extremamente perigosa" e que a postura do presidente causa "caos na saúde e semeia a morte". Para o diário, "há algo de podre" no país. "O Brasil de Bolsonaro habita um mundo paralelo", dizia o texto.
No fim de maio, após a divulgação do vídeo com trechos de uma infame reunião ministerial em 22 de abril, o espanhol El País também havia destacado em editorial que "as ameaças à separação de poderes ali lançadas por alguns ministros são inadmissíveis" e que "o rosário de insultos emitidos pelo presidente é uma afronta intolerável às instituições".
A "gestão errática da pandemia e uma grave crise político-institucional com flertes com golpes de Estado", diz o jornal, "além de ser muito grave, desvia a atenção numa altura em que a luta contra o coronavírus deveria ser a prioridade de toda a classe política brasileira".
Num veemente editorial intitulado Covid-19 no Brasil: "E daí?", a revista científica britânica The Lancet escreveu no dia 8 de maio que "talvez a maior ameaça à resposta do país à covid-19 seja seu presidente, Jair Bolsonaro" e que a liderança do Brasil perdeu seu compasso moral – se é que jamais teve algum".
Desde então, o Brasil perdeu seu segundo ministro da Saúde em menos de um mês e viu o número de mortos por covid-19 saltar de 5 mil para mais de 43 mil, sendo atualmente o segundo país com mais óbitos em decorrência da doença.
O Dr. Roberto Barroso disse “não ter dúvida” sobre o caráter criminoso dos vazamentos que deixam seus correligionários do PLV (Partido Lava Jato) em péssimos lençóis. Uma nota pequena: juiz que não tem dúvidas não é juiz, mas inquisidor. Mesmo este último apresentava dúvidas sobre a culpa dos seus réus. Basta ler o Malleus Maleficarum para verificar que mesmo os mais dogmáticos inquisidores tentavam gerar métodos (de tortura e de hermenêutica) para chegar a pelo menos um simulacro de justiça.
Com o Dr. Barroso somem todas as cautelas. Ele fala sobre um tema que com muita probabilidade será julgado por ele. E fere a ética da magistratura. Outro ponto: se exige de um juiz que ele pense.
Ora, quem leu Montaigne e os céticos (grandes impulsionadores da ciência) sabe perfeitamente que a dúvida é inerente ao pensar (que aliás significa pesar palavras, idéias, noções, provas). Mesmo um intelectual de extração dogmática, como Descartes, não descartou a dúvida como crisol para se atingir o verdadeiro.
E adianto: mesmo na cátedra mais dogmática do planeta, a Santa Sé, não há garantia absoluta de que todos os juízos e sentenças do Santo Pontífice sejam em todos os casos infalíveis.
Ocorre que a arrogância e falta de pensamento dos nossos togados os levam a crer que suas falas são mais infalíveis do que as do Papa. Sinto muito, senhores que admiram o Dr. Barroso: ninguém está acima da lógica e da pesquisa empírica, pontos fundamentais para se estabelecer o bem fundado ou péssimo uso dos atos e fatos humanos. Não é ético nem moral dizer algo sem provas. E tais elementos faltam ao decreto canônico enunciado por Sua Excelência.” (Roberto Romano)
Não se trata de lamentar uma derrota eleitoral. Minha preocupação, após a publicação dos resultados das recentes eleições, é com a manutenção do nosso precário Estado Democrático de Direito. Estas duas semanas após o pleito eleitoral podem servir de sinal de alerta para o que pode ocorrer, no futuro, com a nossa sociedade.
Na verdade, mesmo os fatos que antecederam as eleições se mostravam como sintomas de futuras anormalidades em termos de preservação do que temos de democrático em nossos sistemas político e jurídico.
Desta forma, coloco, nesta coluna, três breves e recentes textos, onde manifesto minha perplexidade sobre a precariedade da democracia como valor essencial à nossa sociedade.
1 - AINDA NÃO ABSORVI ESTE TREMENDO CHOQUE !!!
Não consigo entender como isto pode ter acontecido.
Pergunto: alguém sabe de algum país que, em toda a nossa história, tenha eleito para o cargo de Presidente uma pessoa que tenha declarado publicamente, de viva voz e reiteradamente, ser favorável à tortura de seres humanos, ser favorável à eliminação de adversários ideológicos, ser favorável à atuação de grupos de extermínio e ser favorável à ditaduras militares ???
Alguns governantes totalitários até ordenaram ou consentiram com estas brutalidades, mas de forma escondida e dissimulada. Não foram eleitos dizendo que endossam isto !!!
Que povo é o nosso povo, que referenda estes atos de terror ???
Não podemos achar que isto é normal !!! Não podemos deixar de nos indignar !!! Não podemos pensar que isto é fato consumado ou página virada !!!
Isto terá consequências sérias e graves no futuro próximo.
Por isso, de forma lícita, proporcional e correta, devemos nos preparar para uma eficaz defesa dos nossos direitos e da democracia política e social.
Não podemos nos render ao arbítrio, caso contrário, seremos "atropelados" pela barbárie. Povo com medo é povo subjugado.
2 - ISTO JAMAIS OCORRERIA EM UM PAÍS VERDADEIRAMENTE CIVILIZADO !!!
Como diz o povo: "não mais se fazem magistrados como antigamente" ...
1- O que faz com que um juiz aceite ser nomeado Ministro e aceite ser comandado por um Presidente da República que declara, pública e reiteradamente, ser favorável à tortura de seres humanos, ser favorável à atuação de grupos de extermínio, ser favorável ao assassinato de seus adversários ideológicos, ser favorável à sonegação de impostos e ser favorável a ditaduras militares ???
2 - Como este juiz pode se explicar aos seus antigos colegas da magistratura e da comunidade acadêmica, tendo aceitado sua nomeação como Ministro e ser comandado por um Presidente da República que declara, pública e reiteradamente, ser favorável à tortura de seres humanos, ser favorável à atuação de grupos de extermínios, ser favorável ao assassinato de seus adversários ideológicos, ser favorável à sonegação de impostos, e ser favorável a ditaduras militares ???
3 - Que legitimidade moral tem um juiz para condenar o maior líder popular do país por corrupção se ele aceitou ser nomeado Ministro e comandado por um Presidente da República que declara, pública e reiteradamente, ser favorável à tortura de seres humanos, ser favorável à atuação de grupos de extermínios, ser favorável ao assassinato de seus adversários ideológicos, ser favorável à sonegação de impostos, e ser favorável a ditaduras militares ???
4 - Como este juiz pode aceitar fazer parte de um governo em que o Presidente da República declara, pública e reiteradamente, ser favorável à tortura de seres humanos, ser favorável à atuação de grupos de extermínios, ser favorável ao assassinato de seus adversários ideológicos, ser favorável à sonegação de impostos, e ser favorável a ditaduras militares ???
5 - O que faz um juiz, que declara à imprensa de que jamais entraria na política, aceitar ser nomeado Ministro e aceitar ser comandado por um Presidente da República que declara, pública e reiteradamente, ser favorável à tortura de seres humanos, ser favorável à atuação de grupos de extermínios, ser favorável ao assassinato de seus adversários ideológicos, ser favorável à sonegação de impostos e ser favorável a ditaduras militares ???.
Tais declarações do truculento presidente estão todas publicadas em vídeos no Youtube e são do conhecimento do público em geral.
Acho que tudo isso pode ser debitado à fragilidade do ser humano, cujas vaidade e ambição são defeitos quase sem limites.
3 - UM JUIZ FEDERAL NA ILEGALIDADE !!!
Embora não tenha sido exonerado do cargo de juiz federal, Sérgio Moro encontra-se em atividade política e partidária, trabalhando na formatação do novo Ministério da Justiça e Segurança Pública. Para tanto, faz negociações políticas, articulando-se com várias lideranças do atual governo e com vários partidos políticos. Dá entrevista à imprensa, tratando de temas políticos e de governo. Ademais, já recebe ordens do capitão eleito !!!
Isto é um papel adequado para um magistrado do Poder Judiciário ???
Todos sabem que a Constituição da República proíbe expressamente que qualquer juiz desempenhe alguma atividade política ou partidária.
Evidentemente que as suas férias não o eximem de cumprir a Constituição, pois ele continua no cargo de juiz federal e continua recebendo os respectivos vencimentos.
O mais cínico é que, para tentar contornar esta inconstitucionalidade, o juiz Sérgio Moro negociou não ser nomeado oficialmente pelo senhor Temer como membro da equipe de transição do capitão eleito.
Efetuará as atividades de transição de forma "clandestina" ...
Eles não diziam que "a lei é para todos" e que "ninguém está acima da lei"??? Talvez eles pensem que a Constituição não é lei...