“Quantas mortes poderiam ter sido evitadas no Brasil?"
Por Cida de Oliveira
O enfrentamento da pandemia pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) está entre os piores do mundo e permitiu 75% das quase 690 mil mortes pela covid no Brasil. Ou seja, 517 mil, segundo especialistas. As conclusões estão no Dossiê Abrasco Pandemia de Covid-19, lançado nesta quinta-feira (24), no encerramento do 13º Congresso que aAssociação Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrasco) realizou em Salvador.
Com mais de 300 páginas, o documento com cópia enviada ao grupo de trabalho sobre Saúde da equipe de transição do governo eleito é um diagnóstico da condução da pandemia. E indica as alternativas a serem adotadas pelo novo governo no enfrentamento de uma pandemia ainda longe de acabar.
A constatação de que graças a Bolsonaro o Brasil está entre os piores do mundo na condução da pandemia de covid vem do cruzamento de dados epidemiológicos, sob várias abordagens metodológicas. Cruzando números de população e mortes por covid-19 no contexto global, os autores identificaram, em 22 de março de 2022, que o Brasil concentrava 2,7% da população mundial. Mas respondia por 10,7% das mortes por covid no mundo. Um evidente descompasso entre as duas proporções.
Mortalidade acumulada por covid no Brasil
A mortalidade acumulada por covid (número de óbitos por 1 milhão de habitantes) também mostra a desproporcionalidade dos óbitos no Brasil. No mesmo 22 de março de 2022, enquanto a média global da mortalidade acumulada era de 770 para cada grupo de 1 milhão de pessoas, a aferição no Brasil indicava 3.070 mortes para o grupo de mesmo tamanho. Ou seja, quatro vezes mais que a medida global.
Segundo os autores, “diante dessas práticas erráticas, é natural que se questione se o resultado desastroso relativo ao número de casos graves e de óbitos era evitável”. Ao se comprar as mortes por covid ocorridas no Brasil com as de outros países, é possível estimar o excedente de óbitos relativos à má conduta do governo federal. Ainda considerando a data de 22 de março, o ranking dos países com relação à mortalidade indicava o Brasil na décima quinta posição entre, aproximadamente, 200 países.
Já entre os 10 países mais populosos do mundo, o Brasil apresentava a maior mortalidade acumulada, sendo o único com mais de 3.000 mortes por 1 milhão de pessoas. Entre os países do bloco BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o Brasil também era o país com maior mortalidade acumulada.
Mortes que poderiam ser evitadas
Em uma abordagem agregada, que compara a mortalidade geral nos anos da pandemia e a projeção dos óbitos baseada em anos anteriores, é possível observar que, de 30 de abril de 2020 a 31 de março de 2022, o número de óbitos manteve-se sempre acima de 10% em relação aos anos prévios à pandemia. A única exceção ocorreu em 31 de outubro de 2021, quando a aferição registrou 5,83%. O ponto mais alto da série histórica foi aferido em 31 de março de 2021, quando o número de óbitos além do esperado chegou a 82,88% em relação aos anos anteriores à pandemia.
“Dessa forma, é possível especular que, caso o país tivesse seguido o padrão médio global, três de cada quatro mortes por covid-19 ocorridas no Brasil teriam sido evitadas. Essa assertiva não está apoiada no método convencional de estimação de mortes evitáveis. Contudo, abordagens convencionais somente serão factíveis ao final da pandemia, quando as estatísticas oficiais estiverem corrigidas quanto ao sub ou sobre registro de dados”, diz trecho do capítulo “Quantas mortes poderiam ter sido evitadas no Brasil? O impacto dos fracassos no enfrentamento da pandemia’, do Dossiê Abrasco.
Lista dos 7 erros de Bolsonaro
Para ajudar a compreender esse resultado macabro, queJair Bolsonarotenta negar, a Abrasco listou os sete erros cometidos pela gestão negacionista contra a covid.
- Baixa testagem, isolamento de casos e quarentena de contatos;
- Uso de uma abordagem clínica, e não populacional, para enfrentar a pandemia;
- Desestímulo ao uso de máscaras;
- Promoção de tratamentos ineficazes;
- Atraso na compra de vacinas e desestímulo à vacinação;
-Falta de liderança do Ministério da Saúde e inexistência de um comitê de especialistas;
A conduta do Presidente Bolsonaro na Pandemia da Covid-19 configura um programa deliberado de propagação do vírus, mediante estratégias de boicote de vacinação do povo, por ações e omissões que retardaram o combate ao vírus e a proteção da saúde do povo. Afinal, o Chefe do Executivo é o garantidor da vida e da saúde da população (art. 196, CF), com responsabilidades políticas e jurídicas por ações diretas ou através de terceiros (art. 197, CF).
1. Ações criminosas de Bolsonaro
Ações de boicote ao combate contra o vírus ocorreram em declarações públicas levianas ou falsas de Bolsonaro sobre a eficácia da vacina.
1.1.Em 31/08/20, Bolsonaro disse que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”; no dia 19/10/20, disse que “metade da população não quer tomar essa vacina”, acrescentando: “Isso é direito das pessoas. Ninguém pode, em hipótese alguma, obrigá-las a tomar essa vacina.”
As declarações de Bolsonaro contrariam entidades científicas, não indicam pesquisas sobre a suposta atitude da população, nem referem leis sobre o direito de recusa da vacina – logo, além de disparates científicos, são atos de exposição das pessoas ao risco de morte pelo vírus, incompatíveis com a Presidência da República.
As declarações de Bolsonaro contrariam entidades científicas, não indicam pesquisas sobre a suposta atitude da população, nem referem leis sobre o direito de recusa da vacina – logo, além de disparates científicos, são atos de exposição das pessoas ao risco de morte pelo vírus, incompatíveis com a Presidência da República.
1.2.Em dezembro de 2020 Bolsonaro atribuiu efeitos colaterais grotescos à vacina da Pfizer, aprovada pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA, aberrantes da experiência clínica ou científica: “Se você virar um jacaré, é problema seu. (...) Se você virar Super-Homem, se nascer barba em alguma mulher aí, ou algum homem começar a falar fino, eles (Pfizer) não têm nada a ver com isso.”
As hipóteses malucas de Bolsonaro manipularam sentimentos humanos, inculcando imagens de terror no psiquismo de pessoas do povo, com o propósito de infundir medo da vacina. As previsões de Bolsonaro induziram a rejeição da vacina em milhares de pessoas, mediante exposição desprotegida ao vírus com letalidade estatística de 2,39% dos infectados. O efeito induzido de aversão à vacina ampliou a taxa de rejeição do imunizante de 9% para 22%, segundo o Datafolha de 08 de dezembro de 2020. A gravidade do fato: aplicação do percentual de 2,39% sobre o diferencial de 13% de rejeição da vacina produzido pelas declarações indica o total de óbitos, com relação de causalidade entre as declarações de Bolsonaro e o morte de milhares de cidadãos.
1.3.Em 23 de dezembro de 2020, nova ação de Bolsonaro contra a vacina, ao declarar: “Eu tive a melhor vacina, foi o vírus, sem efeito colateral”. A declaração é leviana, porque oculta o efeito de morte de 2,39% dos infectados. O Chefe de Estado induziu ideias suicidas inconscientes em dezenas de milhões de pessoas: cidadãos que acreditaram na opinião e morreram pelo contágio do vírus, agiram sob influência das palavras de Bolsonaro. De novo, a taxa de 2,39% de letalidade do vírus aplicada ao diferencial de 13% do Datafolha indica a quantidade de óbitos, com a mesma relação de causalidade entre as declarações e os resultados de morte das vítimas.
1.4.Decisões de Bolsonaro (a) reduziram a compra de seringas de 330 milhões para 7,9 milhões e (b) suspenderam a compra de seringas até a “normalização dos preços” no mercado, subordinando a vida de milhares de pessoas à economia de alguns trocados. Mais uma vez, existe relação de causalidade entre a redução/suspensão da compra de seringas e alguns milhares de óbitos pelo vírus por dia de atraso da vacinação, por aplicação das mesmas taxas.
1.5.Ações de Bolsonaro desautorizaram a compra de 46 milhões de doses da vacina Sinovac anunciada pelo Ministro da Saúde, por motivos político-ideológicos: os insumos teriam sido produzidos por tecnologia comunista chinesa. A relação de causalidade entre a falta de 46 milhões de doses da Sinovac e milhares de mortes diárias, também é uma simples operação matemática.
1.6.A página oficial do Ministério da Saúde anunciou um inócuo “kit de tratamento precoce” contra a Covid-19, com o objetivo espúrio de substituir a vacina, em contradição com a ciência e a OMS. Existe relação de causalidade entre a propaganda enganosa do “kit de tratamento precoce” e resultados de morte diários de pessoas que acreditaram no curandeirismo de Bolsonaro e do Ministro da Saúde.
Em todas as hipóteses de relação de causalidade entre as ações indicadas e os resultados de morte descritos, Bolsonaro teria agido com dolo eventual, por consciência desses possíveis resultados e pelo consentimento na sua produção.
2. Omissões criminosas de Bolsonaro
2.1.O Presidente Bolsonaro omitiu acordos prévios com laboratórios internacionais para fornecer vacinas suficientes para imunizar a população, assim como omitiu incentivos a Fiocruz e ao Instituto Butantã para fabricar vacinas contra o vírus. Mais uma vez, existe relação de causalidade entre a omissão do dever jurídico de agir para proteger a vida e a saúde do povo e os resultados de morte por infecção pelo vírus, que teriam sido evitados em índices atuariais demonstráveis.
2.2. Rejeição de oferta de vacinas da Pfizer. O Presidente Bolsonaro ignorou a oferta da Pfizer de um lote de 70 milhões de doses de vacina, a ser entregue até 20 de dezembro de 2020 – uma proposta sem nenhuma resposta oficial. De novo, a carência de vacinas indica relação de causalidade entre a omissão do dever jurídico de agir do Chefe de Estado e a média de 1.000 óbitos diários do povo brasileiro por infeção do SARS-CoV-2, a partir do dia de entrega anunciada das vacinas.
2.3.Uma tragédia evitável. A mortalidade da Covid-19 em Manaus aconteceu por causa evitável: falta de oxigênio nos hospitais da cidade, com prévio alerta da empresa fornecedora ao Governo federal – que preferiu recomendar o inócuo “kit precoce” do Ministério da Saúde. A omissão de Bolsonaro determinou a morte em massa de pacientes infectados pelo SARS-CoV-2, por asfixia causada pela falta de oxigênio: é óbvia a relação de causalidade entre a omissão de ação de Bolsonaro e os resultados de morte por falta de oxigênio nos hospitais.
Em todas as hipóteses de relação de causalidade entre as omissões de ação e os resultados de morte descritos, Bolsonaro teria agido com dolo eventual, por consciência desses possíveis resultados e pelo consentimento na sua produção, mediante domínio do fato por controle do aparelho de poder organizado do Estado, com atuação subordinada do Ministro da Saúde, em situação de concreta fungibilidade administrativa.
A doença cardiovascular em decorrência da covid pode se manifestar anos depois e levar à morte
Guillermo López Lluch /The Conversation /BBC News
Quem se lembra da demora de Jair Bolsonaro em comprar vacinas contra a covid, por negativismo, por acreditar em imunidade de rebanho, e por ludibriar o povo em geral com o kit cloroquina, o kit me engana que eu gosto?
Muita gente faturou com a pandemia, causou mortes que alimentaram a ganância de coronéis e políticos corruptos exterminadores. Estamos perto das 700 mil mortes, e o povo nas ruas das eleições, manda a tristeza embora na frevança e dança, no "nóis sofre mas nóis goza", esquecidos dos defuntos e do luto.
O vira-casa que gritou "ele não", "fora genocida", inclusive aprova a falta de empatia de Bolsonaro, que debochou da fome (33 milhões de brasileiros civis), da peste e da morte, e que agora aposta na guerra civil de um golpe militar.
Escreve Guillermo López Lluch:
No hemisfério norte, estamos nos aproximando dos meses de inverno — e sofrer com resfriados e doenças respiratórias ficará mais comum. Na verdade, dados da Oceania indicam que a onda de gripe pode ser especialmente agressiva em 2022-2023.
A isso devemos acrescentar que é mais provável que venha junto com outra onda de covid-19 com as variantes atuais, mais eficientes. Por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já alertou para que medidas sejam tomadas na Europa e que os cuidados primários sejam reforçados. Vamos precisar deles.
Além dos sintomas respiratórios habituais (que podem variar de um resfriado a uma pneumonia fatal), vale ficar atento a outro fato preocupante: o SARS-CoV-2 (causador da covid-19) e outros vírus respiratórios podem desencadear sintomas cardiovasculares.
Na verdade, o conhecimento que temos das sequelas de outras pandemias indica que esses sintomas podem afetar a expectativa de vida, causando mortes prematuras meses a anos depois.
Lições de pandemias passadas
Após a gripe de 1918, a literatura científica da época descreveu casos raros de nevoeiro mental e fadiga crônica, dois dos sintomas associados à covid-19 hoje. Mas além dos sintomas habituais da gripe, a de 1918 deixou uma sequela muito preocupante com efeitos retardados: uma onda de infartos que abalou o mundo entre 1940 e 1959.
Essa onda foi estranha, aparentemente inexplicável, mas hoje já sabemos que estava associada à pandemia de gripe anterior. O vírus havia deixado uma bomba-relógio em alguns sobreviventes.
Essa onda de doenças cardiovasculares afetou especialmente os homens, assim como a própria pandemia de gripe e agora a de covid-19. Como possível explicação, foi proposto que a resposta imune incomum em homens entre 20 e 40 anos em 1918 poderia ter condicionado os sobreviventes a sofrer maior mortalidade na vida adulta.
Mas, além disso, a exposição pré-natal ao vírus da gripe de 1918 foi associada a uma maior chance de sofrer de doenças cardiovasculares a partir dos 60 anos.
Estudos posteriores mostraram que a infecção pelo vírus da gripe aumenta o desenvolvimento de placas ateroscleróticas e, portanto, a possibilidade de sofrer infartos. Danos ao endotélio vascular aceleram a formação de placas e, portanto, o risco de ataques cardíacos.
Infecção por SARS-CoV-2 e doença cardiovascular
Após os primeiros meses da pandemia, começaram a ser coletados dados que indicavam um aumento dos danos cardiovasculares após a infecção pelo SARS-CoV-2. As complicações mais frequentes eram insuficiência cardíaca, lesão do miocárdio, arritmias e síndrome coronariana aguda.
Para explicar esses sintomas, duas possibilidades são consideradas e ambas são baseadas em evidências consistentes:
1. Uma resposta imune desequilibrada à infecção viral causa um processo inflamatório que leva a danos vasculares. A inflamação, cujo expoente máximo é a tempestade de citocinas, causaria vasculite, ou inflamação vascular. Assim, em pessoas que já apresentam um princípio de doenças cardiovasculares, essa inflamação aceleraria o processo.
2. O SARS-CoV-2 entra nas células usando a proteína ACE2, bastante presente nas células endoteliais que revestem os vasos sanguíneos. Essa proteína é essencial para o funcionamento do sistema cardiovascular, regulando a pressão arterial, o controle de eletrólitos, a reparação de vasos e a inflamação.
Aumento de abortos em mulheres que sofrem de covid-19
Como o SARS-Cov-2 afeta o endotélio, é muito possível que cause danos irreparáveis a tecidos altamente vascularizados, incluindo a placenta.
Isso explica o aumento de abortos em mulheres que tiveram covid-19. Na verdade, os perfis de danos vasculares em gestantes com covid-19 são semelhantes aos encontrados em casos de pré-eclâmpsia, desequilíbrio da pressão arterial que causa danos vasculares e abortos.
Além disso, outros estudos mostraram que em gestações precoces o vírus pode causar danos aos órgãos do feto associados a um processo inflamatório generalizado.
Vacinas e miocardite? Não há evidências
O efeito da proteína S no endotélio foi relacionado a um possível dano vascular causado pelas vacinas baseadas em mRNA. Nessas vacinas, o mRNA que contêm gera essa proteína nos tecidos para que o sistema imunológico a reconheça e se ative contra ela. Mas esse dano não pôde ser demonstrado.
Embora sejam feitas tentativas de alarmar sobre a miocardite associada à vacina, os dados científicos não respaldam esse medo. Uma publicação recente na revista científica JAMA mostrou que de cerca de 192,5 milhões de vacinados nos EUA, apenas 8,4 por milhão de pessoas apresentaram sintomas de miocardite, das quais apenas 92 necessitaram de tratamentos mais específicos do que os anti-inflamatórios habituais — e nenhuma delas morreu.
Não há motivo para tanto alarmismo. Os sintomas de miocardite relatados alguns dias após a vacinação são leves e provavelmente indicam uma resposta inflamatória um pouco mais agressiva nesses indivíduos, mas não um dano direto da proteína S.
Na verdade, os níveis de proteína S no sangue após a vacinação são muito baixos e seu efeito no endotélio é transitório, desaparecendo em poucos dias.
Prevenção de danos vasculares, mais um motivo para se vacinar
Com todos os dados acumulados até o momento e os precedentes de pandemias anteriores, podemos concluir que a covid-19, assim como outras infecções respiratórias agudas, pode agravar doenças cardiovasculares e reduzir a expectativa de vida, seja acelerando danos vasculares ou gerando novos danos. Esse dano pode acabar levando à morte até mesmo meses ou anos após a infecção.
Felizmente, a vacinação tem se mostrado eficaz contra esses efeitos e também contra a covid-19. A lógica é simples: se o vírus não consegue chegar ao sangue, não pode afetar o sistema cardiovascular.
Mais um motivo para não deixarmos o coronavírus nos infectar sem estarmos preparados. A vacinação salva vidas, até mesmo anos depois.
*Guillermo López Lluch é professor da área de biologia celular. Pesquisador associado do Centro Andaluz de Biologia do Desenvolvimento. Pesquisador de metabolismo, envelhecimento e sistemas imunológico e antioxidante da Universidade Pablo de Olavide, em Sevilha, na Espanha.
Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons.Leia aqui a versão original(em espanhol).
Este colunista supõe que há valores e preços no voto em Jair Bolsonaro, consideradas as pessoas que votam com sinceridade. Os sinceros merecem reflexão e a primavera está chegando…
Um dos valores é que o sistema brasileiro de justiça não concluiu por ações de corrupção de Jair Bolsonaro e seus familiares, pois os órgãos oficiais nada publicaram como coisa definitiva. É voz corrente que o procurador geral Augusto Aras será julgado mais tarde se não arrumar logo logo outro alto posto na justiça do governo Bolsonaro. Ao contrário, o ex-presidente Lula foi julgado com incrível rapidez e caiu na prisão, ficando ausente das eleições de 2018. Porém, a própria justiça o fez recuperar seus direitos e mostrar os erros da Lavajato. Portanto, os processos que caminham pelo sistema contra Jair e filhos podem chegar a decisões em breve e corrupções podem ser conhecidas. Mas as pessoas e as famílias não vivem de disque-disque, nem de justiça pela metade. A ver.
Outro valor é que o presidente aparece em público como imbrochável, viril, impetuoso, uma espécie de super-homem dos trópicos. Lembra os casos dos conquistadores de antigamente e os agentes secretos americanos, que sempre vencem e matam um monte de gente pelo caminho. Quando se pensa que ele vai falar da família e que a divindade dele está acima de tudo, entra ele com a coisa da brocha. Mistura complicada, mas comum no presidente. Quem está acima de tudo, Deus ou Ele, o imbrochável?
Claro que essa história é subjetiva, pessoal, pois ninguém sabe se D. Michelle aceita e garante toda a impetuosidade e a imbrochabilidade do seu marido. Será que muita gente pensa que para ser uma boa família tem de ter um imbrochável? Dá uma forte impressão de que só é família prá valer aquela que tem seus imbrocháveis. Parece que o imbrochável é o que tem um montão de terra, um montão de lojas e muito poder para não ser culpado de nada. Naquele palanque do sete de setembro, o pobre presidente de Portugal (alguém viu ele?) ficou murcho e quase invisível ao lado de dois imbrocháveis, Jair e o véio da Havan. Dona Michele, coitada, parecia uma personagem daquela brincadeira chamada João Bobo, jogada de um lado para o outro.
Será que esse assunto não é somente coisa de homem? As mulheres ficam de lado, não? Alguns jornalistas mostraram que D. Michelle andou encrencando com esse assunto na boca do marido, mas ela não vai reclamar em público, porque não é louca e precisa garimpar votos. Os pastores, donos de boa parte da comunicação brasileira, estão sempre de olho nela. Será que tudo isso é mentira? Então, qual é a verdade?
Por ser fiel aos pastores e por timidez a esposa do presidente não dirá nada, ainda que tudo seja “prá inglês ver” ou prá dar impressão forte sobre eleitores. Mas esse negócio de brochar ou não brochar não é assunto do evangelho e parece que pouca gente pensa em por que o presidente mistura assuntos evangélicos com a estória da brocha. Será que algum profeta ou sábio daBíbliatratou desse assunto? Não parece possível ou justo. Mas vale perguntar aos pastores e às pastoras.
Mas tem uma coisa que é definitiva: Jair Bolsonaro esnobou a vacinação do povo nos meses iniciais da pandemia porque achou que todo mundo deveria ser meio super-homem, tipo imbrochável e teria de aguentar a gripe. Mas não era gripe. Este colunista perdeu sete amigos e tem vários familiares com sequelas pesadas.
Será que realmente morreram quase 700 mil brasileiros e brasileiras ou tem aí alguma maldade dos jornais e do pessoal da saúde? Conheço um eleitor do Jair Messias que diz que tudo é mentira, mas não acredito que esses 30% dos eleitores do Jair sejam iguais a esse eleitor que conheço. Para ele, não há verdade em nada, mesmo nas fotografias e nos áudios. Então, aquela falação, aquele espetáculo do sete de setembro com Jair e o véio da Havan também é mentira?
Talvez ainda haja outra coisa que leva a votar no Jair Messias: ele mete a cara e resolve as coisas. Por exemplo, o caso dos preços dos combustíveis. Pena que os preços só caíram agora em setembro, porque a população já vinha pagando preços altos de combustível, comida, produtos de limpeza e construção, serviços em geral há muito tempo, mais de dois anos. Será que dá prá compensar a fome e todas as dificuldades para viver bem até a eleição em 2 de outubro?
Não seria bom fazer as contas? Se você paga tudo a preço alto por dois anos e depois recebe descontos durante um mês e meio, o que é que vale?
O colunista não sabe de nenhum outro valor para votar no Bolsonaro. Mas sabe que o voto no presidente tem preço; melhor, tem preços. Se o eleitor ou a eleitora dele, a família não achar que é tudo mentira, vale a pena ver o preço do voto.
O primeiro preço é o da educação e da cultura das crianças, adolescentes e jovens, o que significa 53.759.457 com menos de dezoito anos. Cinquenta e dois por cento dessa juventude é descendente de África e sofre muito para se manter nas escolas e no sistema educacional. De fato, esse sistema muitas vezes expulsa crianças e adolescentes da escola. Nos últimos anos, muito mais e a pandemia não tem a culpa disso.
As famílias bolsonaristas talvez não devam dar atenção ao negócio do imbrochável, coisa do Bolsonaro desde que entrou no governo em 2019. Mas todas as famílias do Brasil têm crianças e jovens nas escolas, com certeza. Será que dá prá acreditar que os cientistas do Instituto de Estudos Socioeconômicos, baseados nos portais do próprio governo, por exemplo o Siga Brasil, estão certos ao mostrar que Bolsonaro deixou de entregar entre 2019 e 2021 o valor de 8 bilhões às crianças, adolescentes, professores, professoras e demais pessoal de apoio à educação? Era dinheiro obrigatório, garantido por Lei. E para 2022 já se sabe que os estudantes não receberão 6,2 bilhões. Palavra dos pesquisadores do mesmo instituto.
Noutras palavras, o dinheiro é da lei, mas deixa de ser mandado para as crianças do chamado sistema educacional. Para onde vai? Deve-se perguntar ao Paulo Guedes, ao Artur Lira (da Câmara dos Deputados) e ao próprio presidente. Os valores para educação com Bolsonaro são muito menores do que de anos anteriores. Recursos maiores garantiriam merenda, material didático, ações culturais na comunidade e transporte, por exemplo, nas 178 mil escolas públicas de educação básica do Brasil, espalhadas pelos quatro cantos do país. Mentira ou Verdade? Se verdade, quem é libertado por essa verdade, pois “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (livro doNovo Testamento de João8:32).
Seriam as famílias libertadas da obrigação de votar naquele que quer mais quatro anos e que prefere dar bilhões para deputados e diminuir os recursos dos estudantes brasileiros? Mas a educação precisa de recursos para fazer da escola um lugar bonito, bem arrumado, alegre, cultural e tendo como muito importante a valorização de professores e professoras. Do mesmo modo, com merenda de qualidade e especialmente com ensino de qualidade, o que deve ser visto e avaliado pelas famílias e pela sociedade brasileira. Também pelas famílias que pretendem votar em Bolsonaro. Sem famílias e comunidades, a escola fica capenga.
Tomara que não seja mentira outro preço alto a carregar nas costas pelo voto em Bolsonaro. Trata-se da saúde dos brasileiros e brasileiras.
Será que é mentira tudo o que dizem os jornais, revistas e artigos científicos sobre falta de remédios, falta de pessoal nos postos, muita distância entre as unidades de saúde pelo país afora e campanha contra a vacinação?
Será que não vacinar é evangélico? Este colunista estudou cultura e educação durante dois anos e meio em Israel e aproveitou a estadia para participar também das comunidades cristãs. Aprendeu hebraico e se vira em aramaico, línguas bíblicas. Nada há naBíbliainteira que impeça a vacinação. Imaginem se houvesse, pois a saúde era tratada de modo muito diferente do que conhecemos. Mas a “vacina” de Jesus era o exemplo de fé e de linguagem verdadeira Há nos textos bíblicos o contrário quando está presente a criança: é um baita pecado tirar o direito das crianças à saúde. Ora, na história do Brasil, do Ocidente e do Oriente, a maior garantia de saúde das crianças – e mesmo dos adultos – é a vacina. Remédio é bom para remediar quando já se ficou doente. Vacina previne. Uma carteira de vacinação completa é uma lindeza, orgulho da família.
Isso não é verdade? Se não é, a verdade não existe e qualquer um inventa qualquer coisa chamada de verdade. Até o presidente.
Por que diminuiu a vacinação no governo Bolsonaro, até a Vacina Sabin, contra paralisia? Coisa de louco? Não sei não, mas parece que é por causa também do imbrochável, por incrível que pareça. Mas já é outro sentido do imbrochável. Qualquer pessoa, criança ou adulta, não precisa de vacina porque o corpo aguenta. Aguenta? Se ele, o super-homem, diz que aguenta (mas muita gente garante que ele tomou vacina escondido e depois disse que era segredo por 100 anos) então qualquer um aguenta. Aguenta Covid? Aguenta paralisia infantil? Aguenta tétano?
Até este dia de setembro, somente 35% das crianças na faixa entre 1 e 5 anos tomaram a vacina contra paralisia. A esperança é que fossem 95%. Muitas vezes o Brasil alcançou essa meta. Temos no Brasil quase 15 milhões de crianças nessa faixa de idade. Este colunista, já velho, quando pequeno teve amigos e amigas que tiveram paralisia. Conheceu o sofrimento deles e delas. Depois o Brasil virou campeão de vacinação. Agora está derrapando na vacinação e tem bastante gente que faz campanha contra. Só pode ser pecado, que na língua hebraica significa erro, desvio, estar fora de um objetivo e por isso capaz de negar a própria verdade. Esse pecado precisa ser corrigido e a verdade restabelecida. Não será com este presidente, que tem horror a vacina. Quem aguenta?
Cientistas mostram que se tivéssemos vacina logo que os casos de Covid 19 cresceram no Brasil teríamos salvo entre 95 e 100 mil pessoas. Elas morreram. Ficou a dor e às vezes a frustração por não poder fazer nada.
De qualquer modo, continuamos a exigir a condição de cidadão e cidadã, pessoas que definem o rumo do Brasil.
Os médicos de confiança dizem que, dependendo da idade, a pessoa não aguenta nem as viroses mais comuns. Sofre muito. A vacina garante. Temos de voltar a ser o país exemplo de vacinação. Seremos!
Seria possível escrever muito sobre o preço do voto em Jair Bolsonaro. Mas para pensar no Brasil e no voto em 2 de outubro é suficiente porque foram mostrados aqui os fatos com dois assuntos fundamentais da vida humana: a educação e a saúde. Sem a educação/cultura, não se compreende bem o significado de tudo o que significa a saúde na vida do povo; sem saúde não há força ou vontade de se educar. Sem as duas a vida deixa de ser.
No governo Bolsonaro, é verdade que educação e saúde foram profundamente maltratadas em quantidade e qualidade, todos os anos. Há sinais e fatos por todo lado que provam. Isso é ou não é assunto das famílias brasileiras? Se não é, talvez se possa dizer que não há família no Brasil e o presidente está inventando famílias para ganhar votos.
As famílias, que o colunista acredita devam existir, têm decisões a tomar para o futuro breve. Pela educação e pela saúde do Brasil.
“A memória é o pilar da redenção e o esquecimento é o começo da morte”. Lembrar é preciso.
Pornofônico general baixa o nível, faz discurso de ódio, de pregação golpista, e ameaça Lula de morte. Tudo para defender a ocupação militar do governo: Mais de oito mil cargos civis usurpados por militares de pijama, que acumulam cobiçados cargos comissionados com ricas aposentadorias
por Jovem Pan
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O ex-presidente e pré-candidato doPT para a presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que pretende tirar quase 8 mil militares de pijama que ocupam cargos comissionados, os famosos marajás chapas-brancas e Maria Candelárias, caso seja eleito no pleito de outubro deste ano. A afirmação foi feita pelo petista durante um encontro na sede da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Ao elencar dificuldades que encontrará caso seja eleito para substituir Jair Bolsonaro(PL) na presidência, Lula falou sobre os militares e seus planos para o grupo. “Nós vamos ter que começar o governo sabendo que vamos ter que tirar quase 8.000 militares que estão em cargos de pessoas que não prestaram concurso. Vamos ter que tirar. Isso não pode ser motivo de bravata, tem que ser motivo de construção. Porque se a gente fizer bravata pode não fazer”, afirmou o petista. Em entrevista aoJornal da Manhã, o deputado federalGeneral Girão(PL-RN) falou sobre a ocupação militar dos cargos civis no governo federal, criticando duramente a postura de Lula.
“Eu lamento muito que o Brasil abra espaço para uma pessoa desqualificada na mídia". [Na imprensa dos barões da mídia, e na mídia dos fake news do Gabinete do Ódio, ora investigado pelo STF, Supremo Tribunal Federal]
E acrescentou o general sobre os oficiais de pijama usurpando cargos de civis: "Eu lamento demais. Isso que ele falou agora é classificado, didaticamente, como ato terrorista. Ele está convidando seus militantes, que são desordeiros.MTST,MSTe todos os militantes ligados aCUT,CGTePTsão desordeiros. O que eles acabaram de fazer neste fim de semana em Recife é crime. É terrorismo. O que ele acabou de afirmar, ele está pregando terrorismo contra as nossas famílias, contra esposas, filhos e filhas. Onde esse cara vai parar? Tomara que queiram fazer isso para cima de mim, para cima de outros, porque a desordem não pode reinar no nosso país”, disse o deputado, que continuou: “Eu vou abrir um processo de ameaça dele contra minha pessoa. E os outros que se sentirem ameaçados tem que abrir um processo. Esse cara tem que responder no tribunal”. O general parece esquecido que ameaçou, covardemente, Lula de morte, puxando um cordão de intimidações, de bravatas, de discursos de ódio de subalternos coronéis, sargentos e cabos. Idem delegados de polícia da linhagem de Fleury, de Pedro Seelig.
Gira, gira-gira Girão, terrorismo é ameaça de golpe. Um golpe, no mundo hodierno, pode transformar-se em uma guerra civil, que não se faz golpe sem prisões, tortura, assassinatos de estudantes, de operários, de camponeses, de trabalhadores sindicalizados da CUT e CGT. O discurso de ódio do general é elitista, corporativista, conservador e de extrema direita.
Reunião secreta revela que o gabinete paralelo do Ministério da Saúde não era informal, mas organizado e com amplo acesso à alta cúpula do governo, inclusive ao presidente
EM JUNHO deste ano, a CPI da Covid recebeu um vídeo que confirmou a suspeita dos senadores sobre a existência de um Ministério da Saúde não oficial, que ficou conhecido como gabinete paralelo. Nele, é possível ver Bolsonaro em uma reunião com Osmar Terra e outros médicos negacionistas defendendo o tratamento precoce com remédios comprovadamente ineficazes contra covid.
Lá também estava o biólogo negacionista Paolo Zanotto, grande amigo de Jair Bolsonaro e contra a vacinação em massa. No vídeo, Zanotto fala abertamente sobre o gabinete paralelo, o qual ele chama de “shadow board” e coloca em dúvidas a eficácia da vacinação — contrariando todas as evidências científicas. As imagens da reunião deixaram claro porque Pazuello foi negligente no processo de compra das vacinas. Ele não era o ministro de fato, mas uma marionete comandada pelas decisões desse gabinete paralelo.
No mês passado, apareceu mais um vídeo do gabinete paralelo. Dessa vez, Zanotto aparece em uma reunião online com Pedro Batista Jr., diretor-executivo da Prevent Senior. A conversa entre os dois deixou claro que o protocolo macabro idealizado pela Prevent Senior para aplicar os medicamentos do kit covid em pacientes era de conhecimento do governo federal. O gabinete paralelo não só sabia que a Prevent Senior tratava pacientes como cobaias humanas como acompanhou de perto os experimentos.
Nesta semana, o Intercept publicou um outro vídeo que traz novos elementos sobre o gabinete paralelo. As imagens mostram uma reunião online secreta em junho deste ano comandada pelo empresário Carlos Wizard. Wizard é aquele bilionário bolsonarista que fugiu da CPI como o diabo foge da cruz, e quando finalmente apareceu, preferiu se esconder atrás da Bíblia e fazer proselitismo religioso.
O empresário carola teve a oportunidade de demonstrar sua inocência na CPI, mas preferiu se proteger atrás de um habeas corpus. O silêncio soou como um berro de confissão de culpa. Se ele ficou quieto na CPI para não se incriminar, no escurinho da reunião secreta ele era o mais falante e atuava claramente como um coordenador das ações negacionistas do gabinete paralelo.
No vídeo, Wizard parece atuar como um diretor-executivo do gabinete das sombras. Médicos representantes de 27 estados participaram da reunião. Entre eles estava Emmanuel Fortes, um dos vice-presidentes do Conselho Federal de Medicina, o CFM. Suas declarações no vídeo confirmam que a entidade trabalha 100% alinhada ao governo na implementação do tratamento precoce em massa. Fortes chegou a dizer na reunião que é “mais seguro” para médicos receitar do que não receitar a cloroquina — o que, já naquele momento, contrariava todas as evidências científicas.
O médico nunca escondeu sua admiração por Jair Bolsonaro. Pelo contrário, fez questão de demonstrar isso ao publicar uma foto ao lado do presidente em suas redes sociais em março deste ano. O vice-presidente do CFM aproveitou a postagem para tecer elogios e prometer fidelidade ao genocida em suas redes sociais: “Estive em solenidade onde estava o presidente Bolsonaro e aproveitei para fazer o registro e declarar que continuo confiando em seu governo”. E completou prometendo apoio à sua reeleição e contando uma série de mentiras sobre a atuação do presidente na presidência: “Estarei consigo em 2022 porque, nesses últimos trinta anos foi o presidente que mais investiu em construir a infraestrutura em normativos, leis, decretos, portarias e programas para efetivamente termos políticas de estado, não políticas de governo”.
Emmanuel Fortes ao lado do presidente Jair Bolsonaro, para quem fez campanha em 2018.
Outra figura importante da tropa de choque negacionista é o senador Marcos do Val, do Podemos do Espírito Santo. Ele, que é integrante da CPI da Covid, aparece no vídeo dizendo que trabalha para convencer autoridades sobre a eficácia do kit covid e organizar a sua distribuição. Na reunião fica claro que Do Val atuava como um dos braços políticos do esquema negacionista. Ele revelou ter tratado do assunto com políticos, militares e integrantes do Ministério Público.
Do Val era uma espécie de faz-tudo do gabinete paralelo para ajudar a promover medicamentos comprovadamente ineficazes. No vídeo, Wizard apresenta o senador como um representante do grupo “seja diante do Ministério Público, seja diante de alguma questão com a Anvisa, seja diante do Exército (…) seja alguma intermediação com o seu governador, com o prefeito local”. Ou seja, temos um senador bolsonarista atuando como lobista dos interesses de um gabinete que é objeto de investigação da CPI, da qual ele é membro.
O “padrinho” do gabinete paralelo atuava dos dois lados do balcão, fingindo investigar o grupo para o qual trabalhava com afinco. Trata-se de um escândalo por si só.
Durante o depoimento de Wizard na CPI, o senador mentiu ao dizer que o gabinete nunca lhe pediu alguma coisa. Já no depoimento do deputado Luis Miranda, em que ficou demonstrada a prevaricação do presidente diante de uma denúncia de corrupção no Ministério da Saúde, Do Val levantou-se da cadeira e o empurrou como um cão de guarda do bolsonarismo.
Mas ninguém pode se dizer surpreso com a desfaçatez da atitude do senador. Ele é o cara que se elegeu na onda do bolsonarismo depois que conquistou milhões de seguidores nas redes sociais se vendendo como um ex-policial da Swat sem nunca ter sido um policial da Swat. Do Val nem policial é. É um professor de taekwondo que deu treinamentos de imobilizações táticas para a polícia americana.
Teve algum destaque no Senado como relator na Comissão de Constituição e Justiça do pacote anticrime proposto pelo ex-ministro da Justiça, Sergio Moro. Graças à sua atuação na defesa da flexibilização de armas nessa CCJ, ele foi condecorado pelo presidente da República com a Ordem do Mérito da Defesa. Entidades da sociedade civil apontaram conflito de interesses pelo fato do senador ter um histórico de relacionamento com a Taurus, fabricante de armas. Do Val é também aquele senador que demitiu a namorada do seu próprio gabinete para que ela pudesse ser recontratada graças à ajuda de “amigos do Senado” que lhe deram um cargo na Diretoria-Geral do Senado, onde passou a receber um salário maior.
Então ficamos assim: a tropa de choque do Ministério da Saúde paralelo era liderado por um bilionário bolsonarista, protegido politicamente por um senador bolsonarista e contava com o apoio de um médico bolsonarista integrante do CFM — e mais um punhado de médicos que flertam com o charlatanismo. O “”Conselho Científico Independente” — nome eufemístico que Wizard deu para o gabinete negacionista — tinha largo acesso às principais figuras do governo, inclusive ao presidente da República, e contava com grande espaço na estatal TV Brasil para boicotar as vacinas e difundir um tratamento comprovadamente ineficaz.
Enquanto estendia o tapete vermelho para a picaretagem, o governo federal dava um perdido na Pfizer e boicotava a compra de vacinas. Quantas mortes podem ser colocadas na conta de um gabinete que trabalhou contra um medicamento que salva-vidas de pacientes com covid e investiu pesado em outros que comprovadamente não salvam? Quantas vidas seriam poupadas se esse gabinete paralelo não tivesse se mobilizado para difundir o protocolo macabro da Prevent Senior à revelia da ciência?
Hoje, depois de todas as provas divulgadas pela imprensa e pela CPI, dizer que houve um genocídio comandando pelo governo Bolsonaro e sua tropa de choque é a mera constatação de um fato. Mas, se a CPI ainda quiser mais provas, bem poderia reconvocar o falante Carlos Wizard para se sentar no banco dos depoentes.
MAIS VÍDEOS
REPORTAGENS
Com anuência do CFM, Prevent Senior transformou brasileiros em cobaias humanas
Em reunião secreta, Marcos do Val afirma a grupo de médicos que trabalhava para garantir acesso à droga; CFM e Ministério participaram.Ilustração: Rodrigo Bento/The Intercept Brasil; Folhapress
O senador Marcos do Val, do Podemos do Espírito Santo e membro da CPI da Covid, trabalhou com o gabinete paralelo que orientou o uso de medicamentos e políticas públicas inúteis contra a covid-19. Em uma longa reunião privada, classificada pelo empresário Carlos Wizard como um “encontro nacional” com médicos de “27 estados”, o senador foi apresentado como o “padrinho político” da iniciativa.
Uma gravação do encontro foi entregue agora ao Intercept por uma fonte que pediu para se manter anônima por medo de represálias. O material, com confissões até então inéditas, não faz parte dos documentos recolhidos pela CPI. Para preservar a identidade da fonte, o Intercept optou por não publicar a íntegra do vídeo, mas apenas trechos dele.
Numa fala de quase dez minutos, do Val afirmou que trabalhava para convencer autoridades para que adotassem o chamado kit covid, assim como para organizar a distribuição de fármacos comprovadamente ineficazes contra o novo coronavírus. O senador mencionou tratativas dele com as Forças Armadas, governadores, prefeitos, o Ministério Público e a Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. A reunião ocorreu em 28 de junho de 2020.
“Estou aqui não só como padrinho, mas como ponta de lança para entrar onde vocês vão ter dificuldade”, disse o senador no encontro. “Até peço: não entre na seara política, que é muito complicada. Pode contar comigo que vou estar na neutralidade, não quero e não vou fazer publicidade disso. Para mim, fazer publicidade disso é um crime”.
A confissão do senador – que meses depois mentiu a respeito, como mostram notas taquigráficas de sessão da CPI – foi feita em uma reunião fechada de duas horas do grupo, que se autodenomina “conselho científico independente”.
No mesmo encontro virtual, o médico Emmanuel Fortes, que é um dos vice-presidentes do Conselho Federal de Medicina, o CFM, e membro ativo do gabinete paralelo, confirma que a entidade trabalhou alinhada aos defensores do tratamento precoce para dar garantias a quem prescrevesse a medicação inútil a pacientes de covid-19.
Além disso, o vídeo confirma o papel central de Wizard no gabinete paralelo montado por Jair Bolsonaro para aconselhá-lo no combate à covid-19. Ao longo de mais de duas horas, é ele quem preside a reunião, distribui tarefas e faz pedidos aos médicos que participam do encontro virtual.
O coquetel de medicamentos, que contém cloroquina e ivermectina, é comprovadamente ineficaz contra o vírus que já matou quase 600 mil brasileiros, de acordo com estudos da Organização Mundial da Saúde e da Universidade de Oxford, na Inglaterra.
Eu procurei Marcos do Val para que comentasse o vídeo. Em entrevista, o senador confirmou que trabalhou pela aquisição de cloroquina, mas negou que atuava para ajudar o presidente Jair Bolsonaro, principal interessado em vender a ideia de que a cloroquina significava a cura da covid-19 para incentivar que os brasileiros voltassem às atividades rotineiras e evitassem a retração econômica. Do Val disse, inclusive, que se revolta ao ver o presidente provocando aglomerações, e que nunca esteve em reuniões com ele para tratar de qualquer assunto.
“Não fazia parte de um gabinete ou nenhum conluio. Para mim isso não existia”, disse. O vídeo, contudo, o desmente. Do Val também argumentou que sua atitude foi correta à época, mas que, com o surgimento das vacinas e novas evidências da ineficácia das drogas do kit covid, ele reviu sua posição.
Na época da reunião, no entanto, o governo dos EUA já afirmava não ser “razoável” acreditar na eficácia da cloroquina. E um estudo conduzido pelo governo britânico não encontrou qualquer benefício no uso do medicamento. Ou seja: no mínimo, não havia qualquer informação científica que autorizasse a corrida para inundar o Brasil com comprimidos de cloroquina. Hoje, sabe-se que o uso da droga inclusive aumentou a mortalidade de pacientes de covid-19, segundo uma pesquisa publicada pela revista científica Nature.
Os senadores Jorginho Mello, do PL de Santa Catarina (de máscara) e Marcos do Val cumprimentam o empresário e entusiasta da cloroquina Luciano Hang antes do depoimento dele à CPI, no Senado. Foto: Roque de Sá/Agência Senado
A mentira do senador
Marcos do Val jamais revelou detalhes de sua atuação junto aos médicos, apesar do grupo ser um dos focos centrais da investigação de que ele mesmo faz parte. Pior: durante o depoimento de Wizard à CPI, em 30 de junho passado, do Val apenas disse que foi convidado para uma live com Wizard e que nunca lhe pediram nada.
“Não me foi pedido nada, apoio de nada, absolutamente nada. Então, eu queria deixar claro isto pra sociedade, pra todos que estão assistindo: como eu acabei te conhecendo, como eu acabei conhecendo a equipe de médicos e cientistas”, disse, na CPI.
O encontro secreto mostra outra fotografia. Um ano antes do depoimento prestado por Carlos Wizard, do Val disse que tinha proximidade com o empresário, com o presidente Jair Bolsonaro, e se cacifou como representante dos médicos que buscavam promover um medicamento sem eficácia contra o coronavírus.
O parlamentar revelou que por seus esforços conseguiu “fazer com que as Forças Armadas disponibilizassem oficialmente o Exército aqui no meu estado para armazenar a medicação e fazer a distribuição”. “Consegui recursos com o Ministério da Saúde para compra de mais de 200 mil kits para o meu estado, são 4 milhões de moradores”, orgulhou-se.
Adiante, ele repetiu a afirmação: “A gente está conseguindo fazer o movimento mesmo com o governador [do Espírito Santo, Renato Casagrande, do PSB] ter sido contrário, do secretário de Saúde ser extremamente contrário a isso. Consegui [empurrar a distribuição da cloroquina] via Ministério Público, via CRM”, falou, referindo-se ao Conselho Regional de Medicina capixaba.
À época da reunião, o país vivia a primeira escalada de casos de covid-19 e somava cerca de 55 mil mortes. Bolsonaro já havia defendido a cloroquina e trabalhava para viabilizar a importação dos insumos. O Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército produzia o medicamento em larga escala.
Mas todo esse esforço já não encontrava respaldo na Organização Mundial da Saúde, que estava revendo pesquisas com a droga por conta do risco do medicamento à saúde dos voluntários. Dias depois, em 4 de julho, a OMS encerraria definitivamente as pesquisas sobre a cloroquina.
Nada disso importava para quem participava daquela reunião virtual. O encantado Wizard contava que via do Val como um lobista do grupo – e da cloroquina – junto a órgãos públicos.
“Por que um grupo de médicos de 27 estados precisa do apoio de um senador que nem médico é? Quero dizer a todos vocês que em alguns momentos específicos, vamos precisar do apoio do senador do Val. Seja diante do Ministério Público, seja diante de alguma questão com a Anvisa, seja diante do Exército, para dispensar os remédios no seu município, no seu estado, seja alguma intermediação com o seu governador, com o prefeito local. Seja muito bem-vindo, senador. Agradecemos e contamos com seu apoio”, aplaudiu o empresário.
As falas de Wizard e do Val foram acompanhadas por ao menos 16 pessoas de todas as regiões do país e que faziam lobby pelo uso do kit covid junto a estados e prefeituras.
‘A gente tem um inimigo muito grande contra esse movimento, que é a Rede Globo’.
No encontro esteve também o atual secretário-executivo adjunto do Ministério da Saúde, Alessandro Vasconcelos, que à época era assessor especial da Secretaria-Executiva, comandado pelo coronel Élcio Franco. As médicas Nise Yamaguchi, Luciana Cruz, e os médicos Guili Pech e Roberto Zeballos também participaram.
O senador é novato na política: foi eleito em 2018 na onda do bolsonarismo. Dono de uma empresa que dá treinamentos de segurança a policiais, do Val orientou os médicos cloroquiners a evitarem conflitos e processos judiciais enquanto batalhavam pelo tratamento precoce.
“A gente tem um inimigo muito grande contra esse movimento, que é a Rede Globo. Eu tô botando o nome porque eu me sinto à vontade para falar isso com vocês, para não ter melindre. Não adianta entrar em rota de colisão com a Globo, não adianta entrar em rota de colisão com governador que é contrário, a gente tem que criar estratégia e saber chegar ao resultado sem fazer vídeos batendo, sem fazer vídeos agredindo ninguém. Porque isso vai trazer um processo judicial que vai tirar o tempo de vocês”, explicou o senador.
Em vários momentos da reunião, os participantes relatam estratégias para driblar as políticas públicas de cidades contrárias ao tratamento precoce. Em um dos relatos, a médica Luciana Cruz, que integra grupos que promovem desinformação sobre a covid-19, disse ter convencido os gestores de Várzea Grande, na região metropolitana de Cuiabá, a adotarem o tratamento precoce. Ela apresentou a notícia como uma forma de driblar a resistência ao ineficaz tratamento precoce que havia encontrado na capital do Mato Grosso.
Emmanuel Fortes, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina: ‘É preciso que quem se queixa venha a encontrar provas de que foi a prescrição medicamentosa [da cloroquina] que gerou o dano à saúde’. Foto: Divulgação/Facebook
CFM garantiu disseminação da cloroquina
Ainda que tenha falado menos do que o senador Marcos do Val, o médico Emmanuel Fortes, vice-presidente do CFM, é outra estrela da reunião.
“Eu sou o coordenador do Departamento de Fiscalização e da Propaganda e Publicidade Médica [no CFM]. E sou o responsável, fui o relator do parecer sobre uso off label do medicamento”, ele disse, em referência ao relatório de 2016 que autorizou a prática. “Então, tudo que está sendo feito agora [com a cloroquina] está amparado em uma nota técnica do CFM e no parecer sobre uso off label dos medicamentos”, vangloriou-se Fortes.
O uso off label é a indicação de um medicamento para fins não especificados na bula pelo fabricante nem reconhecidos pela Anvisa. Além do parecer de 2016, uma segunda nota técnica, publicada em 2020 pelo CFM, deu sustentação para que médicos alinhados a Bolsonaro pudessem prescrever cloroquina, ivermectina, azitromicina e outros remédios que não têm nenhum efeito contra a doença causada pelo novo coronavírus sem medo de sofrer punições por infringir a ética médica. O texto de 2020 distorceu o conceito de autonomia do médico para ajudar na disseminação do kit covid.
Assim como o senador, Fortes orienta os médicos a não confrontarem colegas de profissão contrários ao tratamento com cloroquina. Ele argumenta, sem explicar bem seu raciocínio, que os profissionais que desconfiaram – com razão – da cloroquina é que corriam riscos de ser processados por pacientes insatisfeitos.
“Se tiver problemas [derivados do uso da cloroquina], é necessário que haja uma relação de causa e efeito. É preciso que quem se queixa venha a encontrar provas de que foi a prescrição medicamentosa que gerou o dano”, falou, com frieza.
“Agora, [no caso de] quem não prescreve, aí a situação fica muito mais complexa. Basta ir no prontuário e ver que a pessoa não tomou providência preliminarmente e [isso] pode [resultar nela] ser acionada judicialmente. […] A gente tem que dizer àqueles que prescrevem [a cloroquina] que a salvaguarda deles é muito maior do que para quem não prescreve”, calculou Fortes.
Jair Bolsonaro e o general da ativa do Exército Eduardo Pazuello, o ministro da Saúde que liberou o uso generalizado da cloroquina contra a covid-19: intenção era criar a impressão de que havia uma cura fácil para a doença. Foto: Andressa Anholete/Getty Images
Apoio no Ministério da Saúde
Também participou da reunião virtual o então diretor do Departamento de Gestão do Trabalho em Saúde, Alessandro Vasconcelos. À época, ele era subordinado ao general da ativa Eduardo Pazuello, então ministro interino da Saúde.
Após pedidos dos médicos que estavam na live, Alessandro se comprometeu a enviar documentos da Secretaria-Executiva (à época comandada pelo coronel Élcio Franco) que informassem a data em que os estados receberam cloroquina e a quantidade do medicamento enviado. O objetivo era ter em mãos documentos para pressionar os governadores a distribuir a droga aos municípios.
Vasconcelos se dispôs a interferir junto ao Conass, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde, que representa secretários estaduais, em busca de reuniões entre o gabinete paralelo e autoridades locais de municípios que tinham “bloqueios”, classificação no grupo para as cidades em que a cloroquina era barrada.
Diferentemente de quando depôs à CPI, onde se agarrou a uma decisão do Supremo Tribunal Federal e repetiu dezenas de vezes que não iria responder a pergunta alguma, Carlos Wizard parece à vontade ao longo da reunião virtual. Além de coordenar o encontro, ele estimulou que líderes do grupo dessem entrevistas a meios de comunicação para disseminar os efeitos (inexistentes) cloroquina contra a covid-19.
“Seja a doutora Luciana, o doutor Zeballos, a doutora Nise, o doutor Anthony, [ou] os demais membros do conselho. Entra pelo Skype, entra pelo Zoom. O que nós queremos é cada vez mais divulgar esse protocolo de tratamento precoce”, disse Wizard.
Marcos do Val com os colegas senadores Flávio Bolsonaro, do Republicanos do Rio, e Marcos Rogério, do DEM de Rondônia: contra a ciência, jogando a favor da cloroquina. Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado
Senador se diz arrependido
Na quarta-feira, 6 de outubro, à noite, enviei questionamentos à assessoria do senador Marcos do Val. Em seguida, ele mesmo pediu para dar uma entrevista por telefone sobre o caso. Em cerca de 1h20 de ligação, me explicou suas ações e contextualizou a época do vídeo. Depois, ainda me enviou vídeos de suas redes sociais e documentos que a seu ver legitimam sua atuação em prol da cloroquina.
Na mesma noite, Edvaldo Fernandes, da Advocacia do Senado Federal, me mandou mensagem, a pedido do senador, para emitir uma opinião sobre as atitudes dele.
“O senador Marcos do Val reportou o contato de vocês, enviou documentos e esclarecimentos. Pelos dados disponíveis, não identificamos nada de irregular, já que o senador sempre atuou sob o manto da imunidade parlamentar, fez sim defesa de tratamento precoce e preventivo no começo da pandemia, mas convergiu para a posição ortodoxa quando a ineficácia dessas abordagens se provaram cientificamente ineficientes”, escreveu Fernandes.
A advocacia do Senado serve aos senadores, mas é incomum jornalistas receberem posicionamentos desses servidores sem que o órgão seja procurado para esclarecimentos.
Na conversa comigo, Do Val fez questão de mostrar o ofício enviado ao Ministério da Defesa. Como já havia dito na reunião, ele reiterou que intermediou a doação de cloroquina de laboratórios a um hospital privado, que por sua vez repassaria os comprimidos para médicos os receitarem a pacientes em clínicas particulares.
“Não lembro a quantidade, lembro que nem tive acesso a esses remédios, nem vi, nem toquei [neles]. Só falei para os médicos: olha, está chegando [cloroquina] para o hospital [privado] aqui no estado, o MedSênior, eles que vão receber, porque têm toda liberação da Anvisa. E vocês vão pegar lá, cada médico, e botar sua identidade e tudo mais. Eles [os médicos] pegaram e dentro de suas clínicas particulares receitaram”, disse. O senador disse que a articulação foi comunicada ao Ministério Público do Espírito Santo.
Ele disse, ainda, que conseguiu “uma doação que foi feita diretamente de fábrica para hospital, que entregou para os médicos”. “Eram amostras grátis. Fui pedindo rebarba de remédios, que iriam vencer em seis meses, e até a entrega às farmácias estariam vencidos”, acrescentou. Para embasar o que falava, me mostrou um ofício da Eurofarma em que registram a doação em julho de 2020 para a empresa Samedil.
‘A gente ia ser uma linha de ajuda para os médicos que queriam receitar a cloroquina’.
“Hoje, como integrante da CPI, eu vi, foram descortinadas coisas que eram feitas e que, se eu soubesse [na época], não teria participando dos grupos e movimentos”, disse.
Do Val admitiu que em nenhum momento foi cobrado ou trabalhou pela aquisição de respiradores ou insumos para leitos de UTI – duas alternativas reais para salvar vidas –, mas apenas pela entrega de cloroquina aos médicos.
O senador do Val disse que se interessou pela pauta da cloroquina quando teve covid, em maio de 2020. À época, foi procurado pelo médico Fábio Pimenta, membro suplente do Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo. No entanto, me relatou que sua atuação só ganhou força após os encontros com Wizard.
“[A live com Wizard] Era exatamente para dizer como a gente ia trabalhar para ajudar. Não era convencer [a sociedade], não, porque não sou médico. Era ajudar os médicos que eram favoráveis. A gente ia ser uma linha de ajuda para os médicos que queriam receitar isso [a cloroquina]”, afirmou.
Ele contou que montou um grupo com 76 dos 78 secretários municipais do seu estado para discutir demandas, e que atuou diretamente com eles, sem procurar o Conasems, o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, entidade responsável por tratar e definir políticas públicas junto ao Ministério da Saúde.
Sobre as críticas à Globo, disse que a empresa age politicamente e queria criticar os métodos do presidente. Já sobre sua fala na CPI de que não ofereceu ajuda, disse que ele foi mal interpretado.
“A minha fala de não pedir nada é [não pedir] nada ilícito. Digo que não me pediram nada, eu tenho que complementar com o ‘ilícito’? Eu não sou político de carreira, então tem que ter essa malícia, pode ser que nas próximas eu seja mais detalhista”, esquivou-se.
Após a publicação da reportagem, a Advocacia do Senado enviou uma nota em que repete as considerações ditas por Marcos do Val na entrevista. Ela pode ser lida na íntegra aqui.
Procurei o advogado de Carlos Wizard, Adelmo Emerenciano, e perguntei sobre a reunião, o contato com o senador e articulação do gabinete paralelo. Ele respondeu que, “tendo em vista que não acessou o material da reunião, Carlos Wizard não vai se manifestar”.
O Ministério da Saúde e o Conselho Federal de Medicina foram procurados por e-mail, mas não se manifestaram.
247 - "As antimedicações e a falsificação da causa de mortes, combinadas pela Prevent, integram a corrente de efeitos lógicos da campanha de Bolsonaro contra as proposições da ciência para combate da Covid-19", escreve Janio de Freitas em sua coluna publicada no jornal Folha de S.Paulo. "Sem Bolsonaro, sem o esteio da cúpula do Exército e sem a aceitação de grande parte da riqueza privada com seus servos políticos, a corrente trágica inflada pelos crimes monstruosos da Prevent não seria possível".
De acordo com o jornalista, "a monstruosidade do programa de assassinatos nos hospitais do plano de saúde Prevent Senior não é uma aberração". "Vê-la como tal é aliviante para o horror e a indignação difíceis de suportar. Mas não é verdadeiro. Aplicar falsos tratamentos para induzir a morte de quem buscou e pagou por socorro não é um desvio enlouquecido nos costumes, na moralidade mediana ou mesmo na violência já brutal", continua.
"Essa desgraça nacional vem a ser mais do que oportuna para acabar com a fantasia de um país de gente afável, de índole pacífica, generosa. Se assim fomos um dia —e não fomos—, na atualidade não somos. Ou desde muito, na maior escravatura ocidental, nos morticínios de populações como em Canudos, na esquecida guerra do Contestado, no vencido Paraguai, na favelização, no genocídio incessante dos invadidos habitantes originais desta terra".
A Conferência de Wannsee consistiu num jantar, realizado nos arredores de Berlim, com membros superiores do governo nazista alemão juntamente com líderes das SS, organização miliciana, sob a chefia de Heirinch Himmler (1929-1945), sendo a principal polícia paramilitar de vigilância e terror durante o período da Alemanha nazista. O objetivo da reunião era o de coordenar todos os esforços dos chefes dos ministérios do governo e de seus servidores na implementação da Solução Final pela qual grande parte dos judeus das regiões europeias invadidas pela Alemanha seria deportada para os campos de concentração na Polônia para serem eliminados em massa.
A primeira grande dúvida apresentada pelos participantes girou em torno de qual tratamento deveria ser dispensado àqueles que não eram 100% judeus: deveriam ser mortos ou apenas esterilizados? A segunda questão centrou-se na definição de quais métodos de matar seriam utilizados para o genocídio. A reunião não durou mais que uma hora e meia; depois que foram servidos drinques e todo mundo almoçou, ficou decidido que 11 milhões de judeus tinham de ser assassinados. (ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém. Companhia das Letras, 1999, 16ª. impressão).
Ontem, a CPI da Covid, instalada no Senado Federal, cumprindo um papel histórico de desvelamento da realidade obliterada pela orquestração da estrutura de poder que assaltou o país desde o Golpe de 2016 (Temer, PSDB, PMDB, Mídia, Militares, Judiciário, Capital, Religião e EUA), tornou público, por meio do histórico depoimento da advogada Bruna Morato, a permissão que a Prevent Senior tinha para matar, em nome de uma orquestração nefasta desenvolvida no seio de setores do governo bolsonarista.
A advogada afirmou que os administradores e médicos da cúpula da operadora de saúde se sentiam seguros para utilizar seus protocolos de morte, cientes de que não seriam fiscalizados pelo Ministério da Saúde, sob o comando do General Pazzuelo. De acordo com ela, existia um pacto, intermediado pelo Gabinete Paralelo (Nise Yamagushi, Paolo Zanoto, Anthony Wong, entre outros médicos) pelo qual a seguradora poderia implementar suas experiências com medicamentos ineficazes, que nos casos de aplicação em pacientes idosos eram repetidamente letais. Em 20 de maio de 2020, a doutora Mayra Pinheiro (PSDB-CE), que continua ainda hoje como secretária de Gestão do Trabalho e Educação do Ministério da Saúde, apresentou uma nota informativa pela qual fazia recomendações sobre o uso da hidroxicloroquina. Neste mesmo período, o maior garoto-propaganda do tratamento precoce era Jair Bolsonaro. Mayra Pinheiro citou a Prevent Senior como se fosse um “case” de sucesso. Portanto, a Prevent Senior estava no centro das artimanhas concertadas pelo poder. (https://www.brasildefato.com.br/2021/09/28/prevent-senior-tinha-permissao-para-matar-em-nome-de-formula-milagrosa-diz-senador).
O senador Rogério de Carvalho (PT-SE), membro da CPI, resumiu o depoimento da seguinte forma: “Estamos falando de homicídio abertamente. A Prevent Senior tinha autorização do governo, tinha autorização do Conselho Federal de Medicina, autorização do Ministério da Saúde, tinha autorização para matar em nome de uma “fórmula milagrosa” para apresentar à sociedade a fim de ela retornar ao trabalho”, como, por exemplo, defenderam desde o início Paulo Guedes e Jair Bolsonaro.
Em meio a toda essa fetidez criminosa, recorde-se que, em seu delírio de poder, o general do twitter, ex-comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, em 11 de janeiro de 2019, sentiu-se empolgado para anunciar em discurso de despedida o “Novo Rio da História”, fundado, segundo ele, na conjugação de três linhas ideológicas de práxis autoritária: o fascismo bolsonarista, a persecução-jurídica morista e a força armada braganetista. Afirmou o general naquela ocasião: “a nação brasileira festeja os sentimentos coletivos que se desencadearam a partir da eleição de Bolsonaro”. Indaga-se: que sentimentos seriam? Os mesmos da Wannsee alemã? Sentimentos de extermínio da população brasileira?
“Jamais alguém pôs em dúvida que verdade e política não se dão muito bem uma com a outra, e até hoje ninguém, que eu saiba, incluiu entre as virtudes políticas a sinceridade”.
Gosto de recordar esta afirmação de Hannah Arendt na abertura de seu ensaio sobre “Verdade e Política”, publicado originalmente há quase setenta anos, para desfazer algumas ilusões que costumam acompanhar as esperanças sobre a ética na política. Sempre achei curioso o espanto diante do recrudescimento da mentira deslavada dos tempos atuais, a ponto de se inventar a expressão “pós-verdade” para defini-los. Afinal, Arendt viveu o nazismo, quando a mentira deslavada era a regra. Mas nem em tempos de democracia se pode imaginar que prevaleça a sinceridade – ou a “transparência”, como está na moda dizer –, dado que a política envolve interesses e, por isso, segredos. Inevitavelmente, em qualquer época histórica.
Mas também deveria ser evidente que em uma democracia as coisas decorrem de outra forma, diferentemente do momento atual em países como o Brasil e, até recentemente, os Estados Unidos então comandados por Trump. E a tecnologia digital favoreceu enormemente a ascensão e o protagonismo desse tipo de liderança demagógica, com uma penetração muito distinta da do período pré-internet, devido à possibilidade de selecionar algoritmicamente o público a ser atingido e, mais ainda, formar bolhas para blindá-lo de ações que possam eventualmente despertar-lhe alguma dúvida em relação às informações distorcidas que recebe.
É aí que se insere a tentativa de defesa do general Pazuello, na CPI da Covid. Especialmente sua resposta sobre o cancelamento da compra de 46 milhões de doses da Coronavac, em outubro do ano passado, que ele mesmo havia comemorado, para logo depois dizer, sem qualquer constrangimento, que “um manda, o outro obedece”. Na época, o destaque da notícia foi para a humilhação de um general subordinado a um capitão.
Agora, diante dos senadores, o general alegava que a manifestação de Bolsonaro, num tuíte em resposta ao protesto de um de seus apoiadores contra a compra da vacina chinesa, era apenas uma postagem na internet. Questionado, disse que uma coisa era falar publicamente, outra era dar uma ordem a um ministro. E não importava se, por alguma incrível coincidência, essa ordem supostamente não dada acabou sendo cumprida, ainda por cima arrematada com aquela declaração sorridente sobre quem manda e quem tem juízo.
Das muitas mentiras descaradas na CPI, esta foi das que mais repercutiram na imprensa. José Casado, na Veja, ironizou a revelação do “avatar político” do presidente: “pela descrição do ex-ministro da Saúde, existe o Bolsonaro real e o Bolsonaro avatar. Um manda, o outro não. E ambos nem sempre estão de acordo”. Malu Gaspar, no Globo, lembrou que Pazuello havia tentado se esquivar do depoimento à CPI mas, diante da decisão do STF – de que ele poderia, sim, ficar calado sobre o que se referia a suas ações durante a pandemia, mas teria de responder, sem mentir, ao que dissesse respeito a outras pessoas –, “produziu uma inovação simbólica dos tempos que vivemos: a ‘coisa de internet’”.
Era sempre como reagia, a cada questionamento sobre uma ordem de Bolsonaro contra a compra de vacinas ou pela adoção da cloroquina como “tratamento precoce”: tudo “coisa de internet”, bravatas, balelas que não se deveria levar a sério.
É claro que é fundamental desmontar a farsa produzida pelo general nessa encenação comum a toda CPI – embora sejam raros os que apontem a aberração da obediência a esses rituais num momento de urgência que o próprio tema do inquérito impõe, porque as pessoas estão morrendo aos milhares todos os dias –, mas o principal ficou por dizer: a “coisa de internet” não é uma banalidade, é decisiva na condução da política e facilita a operação da inversão discursiva já apontada em clássicos da literatura como 1984, de George Orwell, ou no estudo de Victor Klemperer sobre a Linguagem do Terceiro Reich.
O primeiro a se notar nessa “coisa da internet” é a facilidade de se editar informações de maneira distorcida, ou simplesmente produzi-las para fazer propaganda – como se pode ver aqui no levantamento da agência Aos Fatos – e enviá-las a determinado público, para que ele se convença do contrário do que de fato ocorreu e ajude a disseminar a mentira.
Mas o mais importante é a formação de referências para a sedimentação dessa operação de inversão discursiva, já visível na campanha eleitoral de 2018 – o programa de Bolsonaro denunciava o que o próprio candidato praticava contra seus oponentes e, no mesmo estilo de Trump, alertava para as alegadas fake news de que estaria sendo vítima, prometendo restabelecer “a verdade” – e na crítica às instituições, entre elas a imprensa, numa apropriação canhestra da crítica historicamente produzida por pesquisadores, na academia e fora dela.
O mais relevante em todo esse processo é a apropriação da ideia de dúvida, esvaziada da fundamentação iluminista original. Durante a pandemia isso ficou mais visível porque nem os especialistas tinham certezas a oferecer. No estudo “Ciência contaminada: analisando o contágio de desinformação sobre coronavírus via youtube”, publicado há um ano, em maio de 2020, o Laut (Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo) dava como um dos exemplos o canal “Desperte – Thiago Lima”, que na época contava com mais de 1 milhão de assinantes e misturava símbolos místicos a apelos racionais: “Pense”, “Raciocine”, “Faça a sua escolha”.
São apelos visíveis em perfis bolsonaristas na internet, que formalmente assumem o valor da racionalidade para invertê-lo e degradá-lo, do mesmo jeito que Bolsonaro justifica suas sucessivas ofensas à democracia como forma de defendê-la, ou como os vídeos que circularam no início deste ano, contestando o uso de máscara, o lockdown ou a vacinação e exaltando a liberdade individual. “Paz sem voz é medo”, dizia-se num desses vídeos, numa evidente distorção do famoso verso de Marcelo Yuka.
Mais ou menos na mesma época em que Hannah Arendt escrevia seu ensaio sobre Verdade e Política, Lukács publicava A Destruição da razão – traduzido para o português apenas em 2020 –, em que desenvolvia uma teoria crítica dos fascismos em geral e do nazismo em particular, buscando entender, no campo filosófico, o caminho que a Alemanha percorreu até eleger Hitler. Observava que a emergência do irracionalismo naquela época tinha suas raízes na vida cotidiana das massas.
Em momentos dramáticos como o que estamos vivendo, é muito difícil encontrar serenidade para refletir. Mas é exatamente nesses momentos que a reflexão é mais necessária. É preciso entender melhor os mecanismos históricos de apropriação, deturpação e degradação da linguagem, que se repetem agora com recursos mais sofisticados proporcionados pela tecnologia digital, para tentar enfrentar a barbárie.
Não creio que haja saída fora da identificação do que se enraizou “na vida cotidiana das massas”, a ponto de vermos cartazes afirmando que Bolsonaro foi escolhido por Deus – e me parece ocioso assinalar o tamanho da regressão que essa simples frase indica, como negação dos ideais republicanos que há mais de dois séculos demoliram a justificativa do poder por direito divino.
Perceber o papel da religião nesse processo – como faz, por exemplo, Evandro Bonfim num artigo recente, sobre “O espírito santo e o ‘rei do fim do mundo’”, mostrando as raízes arcaicas da mobilização do apoio a Bolsonaro – pode ser um bom início para reorientar o esforço de esclarecimento, empreendido por tantas e tão distintas iniciativas de combate à mentira.