O grupo de trabalho de direitos humanos da equipe de transição do governo federal iniciou no fim da última semana o levantamento de dados da situação do atual Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. A coluna apurou que a ideia é traçar uma "radiografia do desmonte" das políticas públicas do setor. Uma das maiores preocupações do grupo é obter orçamento para pensar na execução de programas no próximo ano.
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos foi comandado nos últimos quatro anos pela, agora, senadora eleita Damares Alves (PL-DF). O MPF (Ministério Público Federal) chegou a abrir um procedimento de investigação cível sobre o trabalho de Damares devido à baixa execução orçamentária da pasta nos últimos anos.
Segundo o estudo "A Conta do Desmonte - Balanço Geral do Orçamento da União", produzido pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), a execução financeira da promoção da igualdade racial diminuiu mais de oito vezes entre 2019 e 2021. Já os recursos gastos com ações voltadas para as mulheres, também no ministério da Damares, caíram 46% se compararmos os números de 2021 com 2020. Ainda, a execução das verbas destinadas ao sistema socioeducativo encolheu 70% entre 2019 e 2021.
Cerca de 20 pessoas de diversas regiões do país compõem a assessoria técnica nas áreas temáticas do núcleo de direitos humanos da equipe de transição. A maioria vai trabalhar voluntariamente já que, em toda a equipe de transição, só existem 50 cargos formais.
Entre os coordenadores do grupo está o filósofo, advogado e professor Silvio Almeida e a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), ex-ministra dos Direitos Humanos no governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
Já entre os colaboradores do grupo estão Reimont, vereador no Rio de Janeiro e deputado federal eleito pelo PT, Nadine Borges, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil do Rio) e ex-presidente da Comissão da Verdade do Rio, Biel Rocha, secretário de Direitos Humanos de Juiz de Fora (MG), e Miriam Marroni, vereadora em Pelotas (RS), entre outros nomes.
Ao longo desta semana, integrantes do grupo vão se reunir com organizações da sociedade civil em rodadas rápidas de conversa para ouvir os problemas atuais do setor e cruzar essas informações com os dados levantados a partir do ministério.
Serão consultadas lideranças na área de políticas para crianças e adolescentes, idosos, deficientes, moradores de ruas, pessoas desaparecidas, pessoas ameaçadas, migrantes e refugiados, LGBTQIA+, além de representantes da área de saúde mental e cuidados com as consequências da pandemia. As políticas de gênero e da área de igualdade racial serão tratadas em grupos próprios.
As notícias sobre violências contra crianças costumam nos interromper. A gente para, pensa nos filhos, engole seco, lembra das crianças que vimos crescer e procura formas de lidar com a crueldade de um ato contra alguém com pouca ou nenhuma chance de se defender do ataque. Diante do horror que a humanidade pode produzir contra aqueles que deveria ser capaz de proteger, nos indignamos e fazemos a já clássica série de perguntas: como assim?, como pode?, com que coragem?. São interrogações que não têm fim e que não sossegam, porque a resposta que encontramos é contraintuitiva: sim, a humanidade é capaz de negligenciar, machucar, violar e matar crianças. A política da morte, no conceito de Achille Mbembe, a chamada necropolítica, não deixa as crianças de fora e escolhe entre aquelas a quem dá o direito à vida e à proteção social, e aquelas que considera “matáveis”. É preciso, porém, ir além da consternação. É preciso encarar por quais caminhos, hoje, o Brasil negligencia, desprotege e vulnerabiliza suas crianças. Análises dos quase 4 anos de Bolsonaro mostram que a lógica que guiou seu governo negligenciou a vida de determinadas crianças. É urgente agir para impedir que parte das infâncias brasileiras sigam na categoria de “matáveis” por mais 4 anos.
As crianças estão inscritas no artigo 227 da Constituição Brasileira como prioridade absoluta. Isso quer dizer que, de acordo com a Carta Magna, “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Em 2022, ao examinarmos as condições de vida das crianças brasileiras, fica evidente que, diante do que está proposto, o fracasso é imenso. E, assim, torna-se monstruoso.
- - -
11 em cada 100 brasileiros de 11 a 19 anos estão fora da escola e quase 50% saíram trabalhar e ajudar a família; entre os que ficaram, 21% já pensaram em desistir
- - -
Crianças entre 4 a 10 anos que estão na escola sem conseguir aprender apresentam risco real de terem a vida escolar interrompida
Atos praticados de forma direta contra as crianças são estarrecedores. Os assassinatos hediondos, a violência sexual, ou coerções abusivas e violadoras, muitas vezes praticadas por representantes das instituições da República, como naquela oportunidade em que uma juíza ousou perguntar para uma menina de 11 anos, estuprada e grávida, se ela não podia aguentar mais um pouquinho para a criança nascer e evitar um aborto, chocam e indignam. A pergunta que não deveria dar descanso, porém, é sobre o que está sendo feito em termos de políticas efetivas contra a violência sexual que, de acordo com o Instituto Liberta, vitimiza 4 meninas por hora no Brasil.
Quando nos damos conta de que 76,5% dos crimes sexuais acontecem na família da vítima, não escapamos de considerar o papel fundamental que as escolas assumem nesse processo. A educação sexual, que ali pode e deve ter lugar, não é o único, mas é, certamente, um meio poderoso de agir contra a exploração sexual de meninas e meninos. Nublar esse debate com o argumento vazio e contracientífico que ficou conhecido como “ideologia de gênero”, dizendo que falar sobre sexo com crianças é o que as vitimiza, não faz nada mais do que perpetuar a violência contra as crianças. Negando informação, nega-se acolhimento e a possibilidade de emancipação dos jovens, que, sem isso, seguirão submetidos aos que os violentam. Os dados são muito claros: apenas 10% dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes são notificados.
O que vemos é que está em curso um outro nível de violência contra crianças: a que se institui por negligência deliberada e que impede o acesso a direitos básicos, como aconteceu no caso das crianças Yanomami, em áreas invadidas por garimpeiros ilegais, que morreram por excesso de vermes, que morreram “do que um comprimido poderia evitar”. Havia vermes – e não havia medicamentos. Crianças indígenas foram então condenadas a vomitar vermes – e, das 9 crianças que morreram por doenças básicas entre julho e o início de setembro, 2 delas morreram nessa condição.
A denúncia, mostrada na primeira edição de SUMAÚMA, explica muito bem como atos deliberados de negligência, praticados pelo governo que escolheu proteger apenas algumas crianças e vulnerabilizar outras, afeta populações determinadas. Essas negligências, porém, atingem a todas as crianças brasileiras – e não só as que estão marcadas pela desigualdade decidida por marcadores sociais de raça, classe, gênero e deficiência. Atinge mesmo as que poderiam se pensar protegidas pelo privilégio que é acessar direitos no Brasil. Ninguém vive bem em um país que negligencia o cuidado de sua população.
Nos últimos anos, o Brasil assistiu às mais diversas formas de desmantelamento de políticas de proteção e cuidado que vinham sendo construídas por disputas de ideias, e avançando pela pactuação democrática. As notícias recentes são estarrecedoras e, embora não deem conta de descrever tudo o que perdemos, revelam os efeitos diretos do desinvestimento público sobre a vida das crianças.
No campo da saúde, um levantamento sobre a queda da imunização no Brasil, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mostra o impacto da desproteção de alguns sobre a vida de todos. Neste ano, 3 em cada 5 crianças brasileiras menores de 5 anos estão desprotegidas contra a poliomielite, a doença que causa a paralisia infantil. Segundo Bernardo Yoneshigue, repórter da Folha de S.Paulo, “os dados preocupam especialistas, que avaliam uma possibilidade real da volta do vírus ao país, porque, para manter o vírus sob controle, 95% do público-alvo deve estar imunizado, e, no ano de 2021, apenas 69,9% da população foi protegida”. O Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações mostra que a última vez que o Brasil alcançou a meta foi em 2015, ano anterior ao impeachment de Dilma Rousseff (PT). Vale lembrar também que, em 2019, o Brasil perdeu o certificado de erradicação do sarampo.
- - -
Em 2019, o Brasil perdeu o certificado de erradicação do Sarampo
- - -
Em 2022, 3 em cada 5 crianças brasileiras menores de 5 anos não estão protegidas contra poliomielite e há risco real de o vírus voltar
Na educação, o relatório da Unicef Educação Brasileira em 2022 — A Voz dos Adolescentes denuncia que 11 em cada 100 brasileiros com idades de 11 a 19 anos estão fora da escola em 2022. Quase metade deles deixaram a escola para trabalhar e ajudar a sustentar suas famílias. O Brasil que colocava cada vez mais gente na sala de aula não existe mais, tornou-se uma imagem do passado. Mais grave ainda é constatar que acessar a escola não quer dizer a mesma coisa que acessar o direito fundamental à educação. Este mesmo relatório mostra que, entre os que permanecem na escola, 21% pensaram em desistir nos últimos 3 meses, e, entre esses, o motivo principal de metade deles é a dificuldade de acompanhar as explicações ou atividades propostas. Para calcular o crescimento da evasão escolar, será ainda necessário somar as crianças de 4 a 10 anos que estão na escola sem conseguir aprender e que, portanto, apresentam risco real de terem a vida escolar interrompida.
Na segurança pública, a lógica segregacionista está explícita. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2021, o assassinato de crianças e adolescentes que vivem na Amazônia Legal foi 34,3% superior à média nacional. E a média nacional é alarmante: 8,7 mortes violentas de crianças e adolescentes a cada 100 mil pessoas de 0 a 19 anos. A desigualdade racial é mais do que evidente: 66,3% das vítimas são negras e 31,3%, brancas. Entre os adolescentes, a proporção de vítimas negras salta para espantosos 83,6%.
A violência contra crianças produzida por negligência deliberada fica muito clara quando constatamos que a verba federal para a compra de merenda escolar não sofre reajuste desde 2017, enquanto nos últimos 5 anos a inflação acumulada (de setembro de 2017 a setembro de 2022) foi de 31,26%. Não é novidade que parte significativa da população de crianças brasileiras tem, na merenda escolar, a garantia de alimentação diária. Em agosto deste ano, porém, o reajuste para 2023 foi novamente vetado pelo governo Bolsonaro.
Como fica explícito na análise das escolhas do governo Bolsonaro, no campo das infâncias não é preciso fazer muita coisa para desproteger: a escolha pode ser, apenas, não fazer. É o que aprendi com Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré: como a negligência de Estado vulnerabiliza determinadas populações. Um governo que protege suas crianças não as deixa morrer de fome. Segundo dados dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), porém, mais de 65 milhões de brasileiros passam fome. Outra pesquisa, esta feita pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), mostra que, entre os anos de 2019 e 2021, o Brasil ultrapassou, pela primeira vez, a média mundial de pessoas sem condição de se alimentar. O jornal Nexo, ao esmiuçar as políticas públicas, mostrou que “o percentual de residências com crianças abaixo de 10 anos com insegurança alimentar grave praticamente dobrou de 2020 para 2022, passando de 9,4% para 18,1 %. Quando nessas casas há 3 ou mais pessoas com até 18 anos, o número sobe para 25,7%”.
Sequer mencionamos lazer, acesso à cultura, promoção de saúde mental e o cenário já é mortífero. Muita gente no campo social e, principalmente, no campo da política partidária, acredita — ou, pelo menos, tenta nos fazer acreditar que acredita — que se dedica à proteção das infâncias. Mas para levar as infâncias a sério e sustentar compromissos de cuidado com cada uma das crianças brasileiras é necessário muito mais do que discursos em tom caridoso de dedicação às criancinhas. É como diz aquele provérbio africano que repetimos à exaustão, no curso da crise sociossanitária resultante da pandemia de covid-19: “É preciso uma aldeia inteira para cuidar de uma criança”. A questão é que esse provérbio precisa ser lido, também, pelo seu avesso: é preciso cuidar da aldeia para cuidar de crianças.
A precisão dessa constatação pode ser vista no caso da mãe e do filho encontrados mortos, dentro de casa, em Uberlândia, em 13 de outubro de 2021. Segundo a imprensa, ela era cardíaca e provavelmente passou mal. O filho, tetraplégico, dependia dela e não pôde nem socorrê-la e nem sobreviver sem o cuidado da mãe. Morreram ambos, em dor e solidão, porque não havia uma aldeia, o que significa que não havia uma rede de proteção social para nenhum dos dois. É por fatos brutais como este que, se as violências contra crianças nos fazem parar, é imperativo que realmente paremos com a ladainha e passemos à ação. Não existe a possibilidade de cuidar de uma criança sem lhe oferecer um contexto que promova a vida — a sua, a dos seus, a dos outros.
O que temos como a mais dura e violenta realidade, porém, é que no país em que quase metade das famílias é chefiada por mulheres, a crise agravada pela pandemia produziu a feminização da fome. Os dados da já mencionada pesquisa da Fundação Getúlio Vargas apontam que, ao produzir 4,6 milhões de novos pobres, o contexto da pandemia produziu também um aumento de 14 pontos percentuais entre as mulheres que estão em situação de insegurança alimentar. “Como resultado, a diferença entre gêneros da insegurança alimentar em 2021 é 6 vezes maior no Brasil do que na média global.” Como o próprio relatório da pesquisa aponta, as mulheres estão mais próximas das crianças, e isso gera consequências para o futuro do país: a subnutrição infantil deixa marcas físicas e mentais permanentes.
A negligência comprovadamente deliberada do governo Bolsonaro na gestão da pandemia de covid-19 deixou, até agora, mais de 680 mil mortos no Brasil. Isso significa muitas filhas e filhos, milhares de netas e netos sem suas figuras de referência e proteção, lançadas precocemente na perda e no luto. Segundo a renomada revista de medicina Lancet, entre março de 2020 e abril de 2021, ao menos 130.363 crianças e adolescentes brasileiros, com até 17 anos, ficaram órfãos. Entre março de 2020 e setembro de 2021, os cartórios do Brasil registraram mais de 12 mil crianças de até 6 anos de idade na orfandade. Entre essas, 25,6% ainda não tinham completado 1 ano de idade quando perderam pai e/ou mãe. Esses números nos obrigam a questionar a ideia, que circula entre muitos, de que as crianças seriam a população menos afetada pela covid-19. As crianças órfãs são vítimas da covid porque são vítimas da chamada “pandemia oculta”, que, na verdade, está escancarada na nossa cara.
É ainda mais brutal. Em 7 de junho de 2021, o Brasil conquistou o título macabro de segundo país com mais mortes de crianças por covid-19 no mundo. Bolsonaro, porém, no dia 14 de outubro, em sua campanha à reeleição, disse que “a molecada” não morreu de covid, desmentindo os dados oficiais de seu próprio governo, que apontam 2.500 crianças e adolescentes de zero a 17 anos mortos pelo vírus. O extremista de direita diz que esses dados, dispostos pelo Ministério da Saúde de seu governo, foram fraudados. Como de hábito, não apresenta provas. Aqui na terra redonda, porém, cuidar das famílias enlutadas e proteger as crianças órfãs, necessariamente, demandam política pública e funcionamento efetivo da rede de proteção social. É por essa razão que Maria Thereza Marcílio, presidente da instituição Avante – Educação e Mobilização Social, sintetiza muito bem quando diz que “lugar de criança é no orçamento”.
A pauta racial é incontornável quando se discute a orfandade no Brasil. Pesquisas realizadas pela Rede de Pesquisa Solidária e pelo Instituto Pólis informam que pessoas negras morreram mais de covid-19 do que pessoas brancas. Portanto, a pandemia não foi democrática, como tentaram nos fazer acreditar no início. Ao contrário, a negligência deliberada do governo na gestão da crise reproduziu e ampliou as desigualdades sociais e raciais. Na base do mercado de trabalho, no qual se incluem os serviços domésticos, os números revelam o que já sabemos: “Não apenas as mulheres negras têm maiores chances de mortalidade pela covid-19 em comparação aos homens brancos em praticamente todas as ocupações de menor instrução, como também são maiores as chances em relação às mulheres brancas”.
A violência desses dados indica quais são as crianças que o Estado escolheu não proteger: na sua maioria, são as crianças filhas das mulheres negras. A hipótese de que muitas mulheres morreram como Cleonice Gonçalves, a empregada doméstica que foi uma das primeiras vítimas de covid no Brasil, faz sentido. Ela morreu porque não lhe foi concedida a possibilidade de isolamento social, morreu porque continuou servindo sua patroa, morreu porque não foi informada de que a patroa tinha covid-19. Quantas outras não cuidaram das crianças e da casa para os patrões se dedicarem ao home-office, que, já na expressão importada, revela a que classe social e a que raça serviu? Com as escolas fechadas, as filhas e filhos destas mulheres ficaram ou desamparadas ou protegidas por práticas de cuidado inventadas nos territórios considerados periféricos, que, diante da negligência do governo, buscam criar soluções para sobreviver.
Quem entrar no site da Câmera dos Deputados pode verificar que há um projeto de lei, de autoria do deputado Alexandre Padilha (PT), que desenha uma política de atenção integral às vítimas e familiares de vítimas da pandemia de covid-19, articulando toda a rede de proteção social (saúde, educação e assistência social). Mesmo aprovado pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados em junho de 2022, o projeto tramita lentamente: ainda precisa ser aprovado em mais duas comissões e só depois vai para o Senado. A pergunta indignada insiste: por que esse projeto de lei não está em ação, cuidando de crianças e adolescentes órfãos que o Brasil deveria ser capaz de proteger?
Talvez as razões sejam muito próximas dos motivos que levaram o atual governo a cortar 90% do orçamento da verba destinada ao combate à violência contra mulher, 80% do investimento destinado à construção de creches e pré-escolas (de 2018 até hoje) e 45% da verba destinada ao tratamento do câncer, a segunda doença que mais mata no país. Mata as crianças, mata suas mães, seus pais, suas pessoas de referência.
A criança é um medidor das políticas de cuidado do Estado para promover justiça social. Nesta operação, o Brasil no qual vivemos nos últimos anos está reprovado. Como pesquisadora no campo das infâncias, há quatro anos me apoio na luta de Bruna Silva para situar os efeitos da necropolítica, a política que escolhe as crianças dignas de proteção e as que serão deixadas para morrer. Bruna é a mãe de Marcos Vinícius, o menino que, em 2018, aos 14 anos, levou um tiro e morreu com a roupa da escola, numa operação policial na favela da Maré. A última fala do filho impede a mãe de dormir: “Mãe, eles não viram que eu estava com a roupa da escola?”. Nem as marcas mais óbvias e universais da infância, como o uniforme da escola, foi capaz de protegê-lo.
Segundo o instituto Fogo Cruzado, de 2016 a 2022, ações e operações policiais mataram 47 crianças na Grande Rio e outras 87 foram vitimadas pelas chamadas “balas perdidas”, que parecem sempre achar os mesmos corpos negros. Em 26 de setembro, há poucos dias do primeiro turno das eleições no Brasil, José Henrique da Silva, o Careca, foi uma das 7 pessoas mortas em outra operação policial realizada nas favelas da Maré. Careca, 53 anos, era testemunha da morte de Marcos Vinícius. Com seu assassinato, parte importante da história de Marcos Vinícius desapareceu. Esta morte interrompeu a vida de um brasileiro que deixou muita saudade e também revitimizou Marcos Vinícius e sua família, ao ferir seu direito à memória e à justiça. A articulação destas duas mortes vitimiza o Brasil, ao reproduzir injustiça para as crianças e para os adultos, fragilizando qualquer experiência de cidadania.
Quando recebi a notícia da morte de Careca, era noite de Rosh Hashaná, ano-novo judaico. Nessa oportunidade, nós, judeus, nos desejamos um ano bom e doce. Porém, para brasileiras e brasileiros que sonhamos e lutamos por justiça social, é impossível dormir sem fazer a pergunta: em quais famílias o ano começa bom e doce?
Marcos Vinícius, Careca e a fome que se tornou feminina expõem dimensões diversas do horror a que estamos todas e todos submetidos. Difícil mesmo, sob essa condição, é justificar o discurso que diz defender a família quando parte das crianças foram convertidas pelo atual governo em “matáveis”, desprotegendo assim todas as infâncias. Suas mães, já condenadas à tristeza e à injustiça, voltaram a sentir fome, muita fome.
O primeiro turno mostrou que 51 milhões de brasileiras e brasileiros, ao escolher Bolsonaro nas urnas, elegeram também, conscientes ou não, tudo isso que aqui está descrito. Outros 5,4 milhões, ao votar nulo ou branco, se omitiram diante da vida de crianças. O mesmo se poderia dizer das quase 33 milhões de pessoas que não compareceram às urnas. Neste caso, porém, precisamos lembrar de Ana Mirtes, que não pode votar porque precisou escolher entre pagar o ônibus que a levaria à sua zona eleitoral em São Paulo ou dar comida ao filho de 10 anos. Ana Mirtes escolheu a vida imediata do filho e, assim, teve roubado seu direito de escolher quem ela acredita que cuidará melhor das infâncias nos próximos anos. Ana Mirtes votaria em Lula, mas preferiu adiar a fome do filho para o dia seguinte, retrato eloquente do que aconteceu com a população dos considerados “matáveis” nos últimos anos. O resultado das urnas, em 30 de outubro, no segundo turno das eleições, definirá o destino das crianças brasileiras. Definirá também quem somos nós, os adultos que escolhemos que tipo de governo vai cuidar delas.
*Ilana Katz. Psicanalista, doutora em educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, pós-doutora em psicologia clínica pelo Instituto de Psicologia da USP; assessora do projeto Primeira Infância na Maré: Acesso a Direitos e Práticas de Cuidado” (Redes da Maré), no Rio de Janeiro; conselheira do Projeto Aldeias, no Médio Xingu, na Amazônia brasileira; integrante do conselho consultivo do Instituto Cáue — Redes de Inclusão; supervisora do Núcleo de Estudos e Trabalhos Terapêuticos (NETT) e integrante da Rede de Pesquisa Saúde Mental Criança e Adolescente
- - -
Entre 2019 e 2021, o país ultrapassou pela primeira vez a média mundial de pessoas sem condição de se alimentar
- - -
O percentual de residências com crianças abaixo de 10 anos em insegurança alimentar grave foi de 9,4% (2020) para 18,1 % (2022)
A declaração de Jair Bolsonaro, em sua live de ontem, viralizou na Internet. Neste momento, “pintou um clima“.
“Bolsonaro pervertido” e “Bolsonaro pedófilo” estão nos trending tops do Twitter, por causa da declaração, em vídeo ao final do post.
Eu parei a moto numa esquina, tirei o capacete e olhei umas menininhas, três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas num sábado numa comunidade. E vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei. ‘Posso entrar na sua casa?’ Entrei.
Tinham umas 15, 20 meninas sábado de manhã se arrumando. Todas venezuelanas. E eu pergunto: meninas bonitinhas de 14, 15 anos se arrumando no sábado para que? Ganhar a vida. Você quer isso para a sua filha que está nos ouvindo agora?”
O “pintou um clima”, algo dito por ele próprio, é também uma “insinuação” de que Bolsonaro estava movido por “interesse sociológico” ao voltar de moto na casa da meninas? Ele por acaso acionou o Ministério da Família de Damares Alves para averiguar um possível caso de prostituição infantil? Não há qualquer menção a isso em sua fala.
Se o amigo leitor estiver passeando e encontrar “umas menininhas, três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas num sábado numa comunidade” vai “pintar um clima” e você vai lá na casa delas, pedir para entrar?
Sua companheira vai acreditar se você contar que foi lá apenas por “curiosidade”, como daquela vez em que você foi chamado a assistir um índio sendo cozido – carne que você comeria “sem problema nenhum” – e que só não aconteceu porque seus amigos não quiseram ir?
Tarados como este senhor, que querem sexo com adolescentes há muitos. Também há, infelizmente, usam isso para tentar se mostrar machos, imbrocháveis.
Mas um cidadão destes proclamar-se emissário de Deus no Brasil e pretender, em nome disso, ser presidente da República, é algo que só a irracionalidade reinante no Brasil torna possível.
Será que a nossa imprensa “limpinha e cheirosa” acha que fazer o que ela não faz, chamando a atenção para o tipo de apetites que tem Jair é “baixaria”?
E os homens e mulheres que votam Bolsonaro “em nome de Deus” vão passar pano dizendo que o “clima” era o de converter aquelas probrezinhas?
A lógica do mercado, da propaganda e estilos que contradizem diretamente a mensagem bíblica e de Jesus
por Leonardo Boff /A Terra É Redonda
- - -
Que a religião possui uma força política poderosa confessa Samuel P. Huntington em seu discutido livroO choque de civilizações(1977) que hoje, com a nova guerra-fria, se tornou novamente atual. Afirma ele: “No mundo moderno, a religião é uma força central, talvez a força central que mobiliza as pessoas… O que em última análise conta não é tanto a ideologia política nem os interesses econômicos, mas as convicções religiosas de fé, a família, o sangue e doutrina; é por estas coisas que as pessoas combatem e estão dispostas a dar as suas vidas”. Ele fazia uma pesada crítica à política externa norte-americana por nunca ter dado importância ao fator religioso. Por conta disso, os EUA tiveram que sentir na própria pele o terrorismo islâmico.
Consideremos a situação do Brasil. Cito aqui a reflexão de uma pessoa inserida profundamente no meio popular com agudo sentido de observação. Vale a pena ouvir sua opinião pois pode ajudar na campanha para derrotar a quem está desmontando nosso país.
Afirma ele: “Temo que, apelando cada vez mais para o fator religioso, agitando o fantasma do comunismo = ateísmo e da perseguição religiosa, o negacionista e o “inimigo da vida”, eventualmente possa ainda ameaçar de vencer a eleição”. “Pois, é inelutável reconhecer: o povo em massa é religioso até o osso (supersticioso dirão os “intelectuais”, não importa). Ele vende o corpo e a alma pela religião, entendida de modo indistinto como “essa coisa de Deus”, sobretudo o brasileiro, sincretista que é. E esse apelo, não digo que seja bom, mas apenas que tem uma força tremenda e temo muito que possa ser decisiva no momento de decidir o voto”.
“Infelizmente, essa questão tem pouco peso na campanha do Lula e de seus aliados. Diria quase a mesma coisa com respeito aos dois outros valores que Jair Bolsonaro e toda a “nova direita” do mundo alardeia: Deus, Pátria e Família, a trilogia do Integralismo que a velha esquerda não quer ver nem pintada. E, no entanto, é por aí que a nova direita está mobilizando as massas no mundo e também no Brasil”.
“E note-se como é fácil para um candidato da nova direita como Bolsonaro apresentar à massa eleitoral essa tríade: ele rezando (Deus), com bandeira do Brasil (Pátria) e com Michelle ao lado (Família), três cenas de comoção garantida e atração irresistível para o povão. Quem pode ser contra a reza, a bandeira verde-amarela e uma esposa (sobretudo se é bem feminina)?”
“Os intelectuais podem falar o que quiserem contra esse populismo de direita. Mas que funciona, funciona. E é isso que importa à direita, e acho que deveria importar também à esquerda, sem ofensa à ética, pois dá perfeitamente para defender essas três bandeiras, outrora integristas, como valores morais, à condição, contudo, de não serem excludentes: dos sem religião, das outras pátrias e dos LGBT+respectivamente”.
“Mas mesmo que ganhe o Lula, o que as pesquisam indicam, a questão das três bandeiras acima permanecerá. E os bolsonaristas continuarão a agitá-las, como as está agitando a nova direita em todo o mundo (veja Donald Trump, Vladimir Putin, Marine Le Pen, Mateo Salvini et caterva). E é a “bandeira Deus”, sobre todas as outras, que ser vai mais politizada pela nova direita, e isso tanto mais quanto menos a velha esquerda digeriu essa questão e quanto menos atenção a própria Igreja, progressista ou liberacionista que seja, parece dar a mudança deZeitgeist(do espírito do tempo), designado como pós-moderno”.
O grande desafio da campanha da coligação ao redor de Lula/Alckmin, que é também das Igrejas cristãs históricas, principalmente da Católica, é como atrair estas massas, manipuladas e ludibriadas pelas igrejas pentecostais, para os valores do Jesus histórico, muito mais humanitários e espirituais do que aqueles apresentados pelos “pastores e bispos” autoproclamados e verdadeiros lobos em pele de ovelha. Estes usam a lógica do mercado, da propaganda e estilos que contradizem diretamente a mensagem bíblica e de Jesus, pois, utilizam-se diretamente da mentira, da calúnia, defake news.
Vale mostrar a estes seguidores das Igrejas pentecostais, como Jesus dos evangelhos sempre esteve do lado os pobres, dos cegos, dos coxos, dos hansenianos, das mulheres doentes e os curava. Era extremamente sensível aos invisíveis e aos mais vulneráveis, homens ou mulheres, enfim, àqueles cujas vidas viviam ameaçadas. Vale muito mais o amor, a solidariedade, a verdade, e acolhida de todos sem discriminação, como os de outra opção sexual, vendo nos negros, quilombolas e indígenas nossos irmãos e irmãs sofredores. Importa se solidarizar com eles e estar junto com eles para fazerem o seu próprio caminho.
Esse comportamento vale muito mais que o “evangelho da prosperidade” de bens materiais que não podemos carregar para a eternidade e, no fundo, não preenchem nossos corações e não nos fazem felizes. Ao passo que os outros valores do Jesus histórico vão conosco como expressão de nosso amor ao próximo e a Deus e nos trazem paz no coração e uma felicidade que ninguém nos pode roubar.
Logicamente, importa desfazer as calúnias, rebater as falsificações e, eventualmente, usar os meios disponíveis para incriminá-los juridicamente. Vale sempre crer que um pouco de luz desfaz toda uma escuridão e que a verdade escreve a verdadeira página de nossa história.
O Brasil merece sair desta devastadora tempestade e ver o sol brilhar em nosso céu, devolvendo-nos esperança e alegria de viver.
O PT intensificou os comunicados para desmentir rumores de que Lula vai fechar igrejas evangélicas no país. O partido lembra que o ex-presidente sancionou a lei da liberdade religiosa, em 2003, e a lei que criou o Dia da Marcha para Jesus, em 2009, proposta pelo então senador Marcelo Crivella, da Igreja Universal do Reino de Deus. A plataforma "Verdade na Rede", criada pelo PT, divulgou uma peça que mostra o ex-presidente com as mãos unidas sob o título "Lula é cristão e governa para todos".
Saiba quantas pessoas moram na rua no Brasil e o perfil dessa população
As estimativas do número total de pessoas em situação de rua no Brasil é de aproximadamente221.869 pessoasde acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em pesquisa publicada em Março de 2020.
Os dados mostram uma realidade nada animadora em relação ao progresso das políticas públicas destinadas a população em situação de rua no Brasil.
Uma guerra que os governos de Temer e Bolsonaro desistiram de lutar. Leia mais. Tudo piorou desde o primeiro dia do governo de Jair Bolsonaro quando, no primeiro mês de 2019, precisamente no dia 30 de janeiro, a Petrobras depositou 2,5 bilhões em uma conta gráfica de juízes e procuradores da Lava Jato, da autodenominada Liga da Justiça da República de Curitiba.
Um conta criada pela juíza Gabriela Hardt, para gastança do ex-procurador Deltan Dallagnol, hoje empresário milionário, e empregado do partido político Phodemos da família Abreu. Também primeiro mês de Sergio Moro super ministro da Justiça e da Segurança Pública.
Fica a pergunta: quantas prostitutas infantis tem o Brasil da ministra Damares, que comanda o Ministério da Mulher, da Família, dos Direitos Humanos?
Ministro do STF pode voltar a avançar para desobstruir apuração criminal sobre vazamento de investigação
Por Redação JOTA
Este episódio de Sem Precedentes, podcast do JOTA sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Constituição, discute as três frentes em que o governo de Jair Bolsonaro (PL) é cercado pelo Judiciário e pela política.
No campo da saúde, a decisão veio do STF. Mais uma, na verdade, que se soma à toda a jurisprudência relacionada à Covid-19. O ministro Ricardo Lewandowski cumpriu o que havia dito ao presidente Bolsonaro: se o governo insistisse na sua campanha contra a vacinação de crianças ou contra o passaporte vacinal, o tribunal adotaria medidas mais concretas.
O ministro determinou que o Ministério da Saúde e o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos mudasse notas técnicas para tratar a vacinação contra a Covid-19 como “compulsória”. A vacina não é obrigatória, mas compulsória. Portanto, quem não se vacinar pode sofrer restrições de direitos.
Lewandowski ainda determinou que o governo pare de usar o canal de denúncias “Disque 100” fora de suas finalidades institucionais – para receber denúncias de violações aos direitos humanos.
Na outra frente, está o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O ministro Luís Roberto Barroso deixou a Presidência da corte com discurso crítico ao governo, tratando Bolsonaro como uma tentativa de “repetição mambembe” do americano Donald Trump.
Na presidência do TSE, assume agora o ministro Edson Fachin, já com discurso ainda mais severo em relação a Bolsonaro e as tentativas de minar a credibilidade do sistema eleitoral e das urnas eletrônicas. Em seu primeiro discurso, Fachin afirmou que quem atenta contra a segurança do sistema está atuando contra a democracia.
Na terceira frente, o alvo é Augusto Aras, procurador-geral da República. Diante da inação da PGR em relação ao relatório final da CPI da Covid-19, senadores ameaçaram pedir o impeachment do PGR. Cabe lembrar que são os senadores que não impuseram nenhuma restrição à recondução de Aras para um segundo mandato. Na época, Aras já atuava dessa forma e era visto como um “obstrutor geral da República”.
O podcast discute a postura esperada para o ministro Alexandre de Moraes. Uma das apostas é que se poderá ver um novo avanço do STF para desobstruir o processo criminal.
O Sem Precedentes é apresentado por Felipe Recondo, diretor de conteúdo do JOTA. Participam Juliana Cesario Alvim, professora da Universidade Federal de Minas Gerais; Diego Werneck, professor do Insper, em São Paulo; e Thomaz Pereira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro.
A madrasta que gosta de ver o sangue escorrer das meninas que não usam calcinhas, e andam "sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas", conforme observou o primeiro cronista brasileiro em carta ao rei de Portugal no ano de 1500.
Damares Alves, ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, denunciou que a violência sexual contra meninas e adolescentes na Ilha de Marajó deve-se à falta do uso de calcinhas:
“As meninas lá são exploradas porque não têm calcinhas, não usam calcinhas, são muito pobres. E disseram: por que o ministério não faz uma campanha para levar calcinhas pra lá? Conseguimos um monte. Mas, por que levar calcinhas? As calcinhas vão acabar. Nós temos que levar uma fábrica de calcinhas para a Ilha do Marajó. Gerar emprego lá e a calcinha vai sair baratinha pras meninas lá. Então nós estamos buscando, se alguém tiver fábrica de calcinha e quiser colaborar com a gente, venha. Mas nós estamos buscando empreendimentos para a Ilha do Marajó. Tamos conversando com empresários. Na nossa visita a Miami, empresários milionários brasileiros que estão lá fora se ofereceram para também abraçar o Marajó com a gente”.
Damares ficou na conversa, apesar dos pedófilos, da cultura de incesto, mas a visão das meninas do Pará jamais saiu do imaginário da ministra...
Pobreza menstrual no Brasil
DESIGUALDADES E VIOLAÇÕES DE DIREITOS
Relatório da Unicef de 2018, para cada criança, denuncia:
A pobreza menstrual é um fenômeno complexo, multidimensional e transdisciplinar caracterizado principalmente pelos seguintes pilares:
falta de acesso a produtos adequados para o cuidado da higiene menstrual tais como absorventes descartáveis, absorventes de tecido reutilizáveis, coletores menstruais descartáveis ou reutilizáveis, calcinhas menstruais, etc., além de papel higiênico e sabonete, entre outros;
questões estruturais como a ausência de banheiros seguros e em bom estado de conservação, saneamento básico (água encanada e esgotamento sanitário), coleta de lixo;
falta de acesso a medicamentos para administrar problemas menstruais e/ ou carência de serviços médicos;
insuficiência ou incorreção nas informações sobre a saúde menstrual e autoconhecimento sobre o corpo e os ciclos menstruais;
tabus e preconceitos sobre a menstruação que resultam na segregação de pessoas que menstruam de diversas áreas da vida social;
questões econômicas como, por exemplo, a tributação sobre os produtos menstruais e a mercantilização dos tabus sobre a menstruação com a finalidade de vender produtos desnecessários e que podem fazer mal à saúde;
efeitos deletérios da pobreza menstrual sobre a vida econômica e desenvolvimento pleno dos potenciais das pessoas que menstruam.
Quando não há acesso adequado aos produtos de higiene menstrual, é amplamente reportado por diversas pesquisas em várias regiões do mundo que meninas e mulheres fazem uso de soluções improvisadas para conter o sangramento menstrual com pedaços de pano usados, roupas velhas, jornal e até miolo de pão. Outra face do problema, para além dos meios improvisados, diz respeito à situação em que meninas e mulheres não conseguem realizar de três a seis trocas diárias de absorventes, conforme a indicação de ginecologistas, permanecendo com o mesmo absorvente por muitas horas, seja porque o custo dos absorventes exerce um peso importante no orçamento das famílias mais pobres (que em vários casos enfrentam algum grau de insegurança alimentar), seja porque o item é considerado supérfluo mesmo quando existe algum espaço orçamentário que acomodaria a compra de uma quantidade maior do produto, ou ainda nos casos em que a menina ou mulher está institucionalizada e tem o seu acesso aos produtos menstruais controlado, para citar apenas alguns fatores.
Como consequência desse insuficiente ou inadequado manejo da menstruação podem ocorrer diversos problemas que variam desde questões fisiológicas, como alergia e irritação da pele e mucosas, infecções urogenitais como a cistite e a candidíase, e até uma condição que pode levar à morte, conhecida como Síndrome do Choque Tóxico. Do ponto de vista de saúde emocional, a pobreza menstrual pode causar desconfortos, insegurança e estresse, contribuindo assim para aumentar a discriminação que meninas e mulheres sofrem. Põe em xeque o bem-estar, desenvolvimento e oportunidades para as meninas, já que elas temem vazamentos, dormem mal, perdem atividades de lazer, deixam de realizar atividades físicas; sofrem ainda com a diminuição da concentração e da produtividade. Existe, ainda, uma extensa literatura sobre o aumento do absenteísmo ou da taxa de exclusão escolar como efeito da pobreza menstrual, embora existam resultados conflitantes.
A situação se agrava ao colocar luz sobre a situação ainda mais particular dos efeitos da pobreza menstrual sobre as meninas. O recorte etário evidencia outras dificuldades que para uma mulher adulta são minimizadas ao menos em parte: meninas enfrentam a falta de meios para cuidar da própria menstruação, com mais ênfase pela possibilidade de apresentarem ciclos irregulares no período pós-menarca e terem pouco autoconhecimento sobre o funcionamento do corpo, o que pode acarretar em um fluxo de sangue inesperado, causando vazamentos que mancham as roupas, motivo de intensa preocupação por parte delas já que são alvo de um processo de envergonhamento por menstruar desde muito cedo.
Fica claro, portanto, que incorreções e mitos quanto à saúde e ao cuidado menstrual tendem a frustrar o completo desenvolvimento do potencial das meninas e, por isso, é fundamental que se investigue mais profundamente os canais pelos quais este problema impacta a vida das meninas, gerando reflexos ao longo da vida adulta. Leia mais aqui. Dimensione a irresonsabilidade de Damares, o descaso do governo militar de Bolsonaro, treinado a ser mais um ditador no Brasil Terceiro Mundo, republiqueta de bananas empestada pra lá de cem marechais.
Pobres meninas pobres sem absorventes por culpa de Damares e Bolsonaro
Eduardo Barretto, in Metrópoles denuncia: "O Ministério dos Direitos Humanos descumpre há quatro meses uma promessa de lançar um programa federal de distribuição de absorventes para mulheres em vulnerabilidade social. Na semana passada, a base governista no Congresso Nacional adiou novamente a votação do veto de Jair Bolsonaro à distribuição desse item básico de higiene feminina pelo SUS.
A pasta comandada por Damares Alves não respondeu aos questionamentos da coluna sobre o suposto programa. Em outubro, logo depois que Bolsonaro vetou um projeto de lei que previa a distribuição de absorventes, Damares prometeu um programa “nos próximos dias”. Se o compromisso da pré-candidata ao Senado fosse posto em prática, o governo Bolsonaro usaria a medida para tentar recuperar o apoio do eleitorado feminino e evitar o desgaste de ter mais um veto derrubado pelos parlamentares.
Escreveu Natália Bonavides: Enfrentar a pobreza menstrual é uma questão urgente e de saúde pública. O projeto da companheira @MariliaArraes assegura a distribuição de absorventes p quem está em situação de vulnerabilidade social. Toda mobilização pela derrubada do veto de Bolsonaro.
E acrescentou Natalia Bonavides: "A pobreza menstrual afeta 28% das mulheres de baixa renda no Brasil, 40% delas entre 14 e 24 anos. Foi um projeto que enfrenta essa situação que Bolsonaro vetou. Não vamos parar até derrubar esse veto absurdo!"
Para Manuela Davila: Garantir dignidade e acabar com a pobreza menstrual deve ser interesse de todos nós.
MariliaArraes fala do seu projeto vetado por Bolsonaro e sabotado por Damares:
- Pessoas que menstruam, muitas vezes, passam por situações constrangedoras e até problemas de saúde por causa do uso de materiais inapropriados na tentativa de substituir os absorventes higiênicos, que se tornam inacessíveis para grande parcela da população por conta do custo.
- Entre o público adolescente e jovem, há ainda o prejuízo educacional. A cada ano letivo, vários dias de aula são perdidos porque as pessoas que menstruam são obrigadas a permanecer em casa pela falta de acesso a absorventes.
- Essa problemática impacta duramente o desempenho e a evolução escolar. Nosso mandato apresentou um Projeto de Lei que determina a distribuição de absorventes higiênicos, gratuitamente, nas unidades públicas de saúde, a exemplo do que ocorre em alguns países do mundo.
- É o Primeiro Projeto de Lei que aborda esse assunto na Câmara dos Deputados! Tenho muito orgulho dele.
Nota técnica do seu ministério coloca como política pública o ataque a vacinas e medidas sanitárias
247 –"O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos produziu uma nota técnica em que se opõe ao passaporte vacinal e à obrigatoriedade de vacinação de crianças contra a Covid. No documento, a pasta coloca o Disque 100, o principal canal do governo para denúncias de violações dos direitos humanos, à disposição de pessoas antivacinas que passem por 'discriminação'", informa o jornalista Vinicius Sassine, emreportagempublicada na Folha.
"A nota técnica foi concluída no dia 19. É assinada por três secretários e um diretor da pasta. A ministra Damares Alves endossou o documento e o encaminhou a outros ministérios a partir do dia 21", aponta ainda Sassine. Ele lembra que o governo Bolsonaro apresenta resistência à vacinação de crianças de 5 a 11 anos, o que retardou a imunização infantil.
Dizia o jornalista, escritor e humorista Aparício Torelly, o “Barão de Itararé” (1895-1971): “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”. Talvez esta seja a melhor síntese para nossos sentimentos e expectativas diante da postura do governo Jair Bolsonaro frente à pandemia de Covid-19. Não faltam pretextos para o presidente reorientar o discurso e as práticas negacionistas de sua gestão, que tanto mal causou ao povo desde o início da crise sanitária. E, no entanto, gestores federais – e o próprio Bolsonaro – seguem relativizando a pandemia, propagando fake news e pondo em risco a vida dos brasileiros.
Dois episódios recentes ilustram a irresponsabilidade do bolsonarismo. Um deles diz respeito à vacinação infantil. Em 12 de dezembro, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autorizou a aplicação de duas doses de uma vacina da Pfizer contra Covid-19 específica para crianças de 5 a 11 anos. Nos Estados Unidos e na União Europeia, bem como em diversos países da América Latina, as agências regulatórias de saúde já haviam emitido autorização similar.
Mas, diferentemente de outros governantes, Bolsonaro esnobou a deliberação e retardou a busca do imunizante da Pfizer, a exemplo do que já fizera desde agosto de 2020 em relação às vacinas para adultos. Primeiro, o presidente anunciou que pais e responsáveis precisariam assinar um termo de responsabilidade para vacinar as crianças – e que a prescrição médica em postos de vacinação deveria ser cobrada. Dias depois, Bolsonaro afirmou que daria publicidade ao nome de servidores da Anvisa envolvidos na medida – o que, segundo o chefe da agência, Antonio Barra Torres, está por trás das 170 ameaças de morte, agressão e violência recebidas por esses servidores.
Para atrasar ainda mais a nova fase de imunização, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, organizou uma consulta pública e promoveu uma audiência para debater a medida da Anvisa. Porém, ao verem que tanto a consulta quanto a audiência revelaram amplíssimo apoio à vacinação infantil, o governo não recuou. Bolsonaro mentiu sobre a mortalidade da Covid em crianças e atacou, sem provas, os responsáveis pela autorização. “Você vai vacinar o teu filho contra algo que o jovem por si só, uma vez pegando o vírus, a possibilidade dele morrer é quase zero? O que que está por trás disso?”, declarou o presidente em 6 de janeiro. “Qual o interesse da Anvisa por trás disso aí? Qual o interesse das pessoas taradas por vacina?”
Entre inverdades, ilações deturpadas e difamação, Bolsonaro tentou justificar o injustificável. Até aquela data, 308 crianças entre 5 e 11 anos já haviam morrido em decorrência do novo coronavírus no Brasil. Segundo Marco Aurélio Sáfadi, da Sociedade Brasileira de Pediatria, nenhuma doença passível de prevenção por vacina “vitimou tantas crianças como a Covid-19”.
A provocação do governo foi tão acintosa que a ministra Rosa Weber, do STF (Supremo Tribunal Federal), enviou à Procuradoria-Geral da República uma notícia-crime que pede a investigação de Bolsonaro e de Queiroga por prevaricação e atentado às vidas dos servidores da Anvisa. Trata-se de uma praxe porque, a rigor, a apuração do caso está nas mãos do Ministério Público. De resto, a batalha foi perdida por Bolsonaro, que não foi endossado nem pela população, nem por governadores.
Pesquisa PoderData divulgada em 21 de janeiro mostra que a maioria do povo brasileiro rejeita essa gestão marcada pelo sadismo e pela desumanidade: 53% avaliam o governo como “ruim” ou “péssimo”, mais que o dobro dos que julgam o governo “ótimo” ou “bom” (25%). Duas semanas antes, levantamento do mesmo instituto apontou que apenas 16% dos pais e mães não pretendem vacinar os filhos contra o novo coronavírus, ante 71% que aderem à vacinação infantil.
Outro marco do desvario negacionista do governo ocorreu na última sexta-feira (21). Nota técnica do Ministério da Saúde, assinada por Helio Angotti, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, questionava as vacinas contra a covid-19. Conforme o documento, os imunizantes não tinham “demonstração de efetividade em estudos controlados e randomizados”, nem “demonstração de segurança em estudos experimentais e observacionais adequados”. Em compensação, Angotti atestava a suposta eficácia da hidroxicloroquina. Recomendava-se, assim, o “kit Covid”.
A barbaridade foi tanta que o próprio governo não endossou de imediato a nota. “O Ministério da Saúde esclarece que em nenhum momento afirmou que o referido fármaco é seguro para tratamento da Covid-19, nem questionou a segurança das vacinas, que é atestada pela agência reguladora”, afirmou a pasta. Na terça-feira (25), o ministério prometeu tirar a nota técnica do ar e publicar outra, “com mais clareza”. Ainda assim, a Frente Parlamentar Observatório da Pandemia, instalada no Senado, deve convidar o secretário Angotti para prestar esclarecimentos. O ministro Queiroga também deve ser chamado e, além da nota, será inquirido sobre o apagão de dados da pandemia e o atraso da vacinação das crianças.
O Senado – vale lembrar – já deu contribuições efetivas para deter a marcha negacionista do bolsonarismo. Por uma série de atitudes imprudentes, ilegais e criminosas do governo – sem contar as omissões –, o relatório final da CPI da Covid-19, aprovado em novembro, pediu a responsabilização do presidente, de ministros e ex-ministros da Saúde, gestores federais e parceiros dessa cruzada pela morte. Os senadores responsabilizaram diretamente Bolsonaro por nove crimes na pandemia – e alguns deles podem levá-lo até a julgamento em tribunais internacionais.
Nada disso parece ter inibido esses mensageiros da morte, conforme evidenciam os novos episódios. Nem mesmo as 623 mil vidas perdidas no País em menos de dois anos – uma média diária de quase mil mortes – devido à pandemia são capazes de sensibilizar o governo. Mas algo mudou: à comoção em torno dessas mortes se somou a indignação com o recorrente desprezo pessoal de Bolsonaro e a criminosa negligência de seu governo. Enquanto nega a ciência e a vida, Bolsonaro derrete. Suas posições antivacina e anticiência foram desmoralizadas pela população. O próximo passo é tirá-lo do poder, julgá-lo por seus crimes e condená-lo exemplarmente. A marcha bolsonarista fracassou.
Damares sugere Disque-Denúncia para antivacinas relatarem 'discriminação'
Ministra encaminhou documento assinado por representantes da pasta a outros ministérios
por Patrick Vaz - Estado de Minas
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, chefiado por Damares Alves, emitiu uma nota técnica se opondo ao passaporte vacinal e à obrigatoriedade de vacinação de crianças contra a COVID-19.
No comunicado, obtido pelo jornal Folha de São Paulo, o ministério coloca o Disque 100 à disposição de pessoas antivacinas que passem por "discriminação". As denúncias serão encaminhadas aos órgãos competentes, "a fim de que os direitos humanos de cada cidadão possam ser protegidos e defendidos".
A ministra encaminhou a outros ministérios o documento assinado por três secretários e um diretor da pasta. A nota técnica diz que "medidas imperativas de vacinação como condição para acesso a direitos humanos e fundamentais podem ferir dispositivos constitucionais e diretrizes internacionais".
Conforme Damares Alves, a exigência da vacinação contra a COVID-19 acarreta em "violação de direitos humanos e fundamentais". A nota ainda destaca que "para todo cidadão que porventura se encontrar em situação de violação de direitos, por qualquer motivo, bem como por conta de atos normativos ou outras medidas de autoridades e gestores públicos, ou, ainda, por discriminação em estabelecimentos particulares, está disponível o canal de denúncias, que pode ser acessado por meio do Disque 100".
O ministério não se coloca contra a vacinação de crianças contra a COVID-19, mas ressalta que a família deve ter proteção especial por parte do estado.
"A vacina pediátrica autorizada pela Anvisa, apesar de fazer parte do Plano Nacional de Operacionalização da vacinação contra a COVID-19, enquanto não constar no Programa Nacional de Imunização, ou no calendário básico de vacinação da criança, não será obrigatória, e os pais ou responsáveis têm autonomia sobre a decisão de aplicá-la ou não em seus filhos ou tutelados", destacou a nota técnica.