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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

14
Set23

A oportunidade de discutir o papel das Forças Armada

Talis Andrade

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Escândalos de corrupção. Gestão nebulosa. Ameaças ao Congresso e STF. CPMI dos atos terroristas de 8 de janeiro. Jandira Feghali  aponta nomes de generais golpistas. Aos poucos, a sociedade tem um conhecimento menos idealizado e mais real dos militares. Momento deve ser aproveitado para reafirmar o controle civil e garantir transparência

por Glauco Faria

Ainda não se sabe qual o teor da delação do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o tentente-coronel Mauro Cid, e o grau de comprometimento que seu depoimento pode trazer para alguns generais e oficiais das Forças Armadas tanto no caso das joias como também na preparação para a tentativa de golpe após os resultados das eleições presidenciais de 2022. A Operação Perfídia trouxe ainda um outro dano à imagem de um dos principais nomes do governo anterior, o general Walter Braga Netto, que teve o sigilo telefônico quebrado pela Justiça por conta de uma investigação a respeito de possíveis fraudes no processo de contratação de coletes balísticos.

Os dois casos abalam uma imagem que os militares sempre tentaram cultivar no imaginário popular, a de que, diferentemente dos políticos e civis de uma forma geral, a instituição estaria livre da corrupção, uma praga nacional, zelando sempre pelo interesse público. E podem ainda escancarar a falta de compromisso de parte do generalato com princípios básicos de qualquer regime democrático, como o simples respeito ao resultado eleitoral.

A maior parte dos golpes de Estado no mundo costuma contar com um sentimento antipolítica muito forte em meio à sociedade. Afinal, é necessário ter apoio de segmentos sociais não só para apear quem pode ser tido como adversário do poder, mas também para permanecer nele. E, em geral, desmoralizar o oponente por meio do exaurido lema da luta contra corrupção é uma das principais armas de quem quer usurpar o poder de modo ilegal.

No Brasil, foi assim que o udenismo combateu o segundo governo de Vargas, sem conseguir êxito por conta do suicídio do presidente. Mais adiante, o mesmo segmento se aliou aos integrantes das Forças Armadas – que já ensaiavam o golpe contra o governo getulista – para derrubar João Goulart em 1964, agora investindo pesadamente também em um anticomunismo radical, o que o unia mais ao ideário da caserna. Uma vez no governo, os militares buscaram passar durante boa parte do tempo uma imagem de busca pelo conhecimento técnico para governar, como se fossem quase apolíticos, apoiados em gestores tecnocratas civis para gerir a área econômica.

Em 2018, todos estes elementos que forjaram parte da história do autoritarismo e do golpismo no Brasil estavam presentes nas eleições presidenciais: o anticomunismo, o “técnico” que cuidaria da economia (sempre bem apoiado por parte da mídia tradicional e pelo chamado mercado) e também pelo discurso anticorrupção. Tudo embalado num discurso contrário à política e aos políticos, ainda que capitaneado por alguém que viveu quase três décadas praticamente inerte na Câmara dos Deputados.

Se os nomes dos partidos e das figuras que os representavam mudou nesta linha do tempo, parte dos protagonistas continuou vestindo farda. A falta de uma Justiça de Transição e a estrutura autoritária da sociedade brasileira fez com que durante muito tempo este militares saíssem incólumes, sem responder pelas suas ações como aconteceu nos países vizinhos. Isso os protegeu também de arcarem com os custos simbólicos, já que, para boa parte da população, os integrantes das Forças, uma vez no poder, não teriam praticado atos de corrupção como os presidentes civis.

Nada mais falso. É evidente que qualquer ditadura que se preze não só não tem transparência nos atos administrativos como pratica a censura e controla, por diversos meios, a possível eclosão de escândalos e divulgação de malfeitos.

Como lembrou o professor de História Pedro Henrique Pedreira de Campos, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Pedro Campos, nesta entrevista, “a ditadura militar foi um celeiro de corrupção”. Também autor do livro Estranhas Catedrais (Eduff), lançado em 2014, houve então “um ambiente extremamente propício de escalada dos interesses empresariais e privados sobre o Estado brasileiro, tendo em vista o cerceamento dos mecanismos de fiscalização e o aparelhamento do Estado por agentes do setor empresarial privado”.

“Os militares se locupletaram nesse processo. Eles se favoreceram muito na atuação empresarial naqueles anos. Era uma ditadura empresarial-militar e eles ganharam postos nas empresas e há várias denúncias de que eles recebiam propinas”, pontua.

 

Longe e perto dos holofotes

Após o fim da ditadura, os militares continuaram atuando no cenário político, mas de forma muito mais discreta, em especial para defender a história da própria instituição e, principalmente, seus generais. Nem mesmo os ex-políticos que haviam feito parte do regime defendiam publicamente as supostas virtudes do regime que se encerrava. A ausência na transição do trabalho de memória e justiça fez com que, décadas depois, o panorama mudasse e o regime autoritário passou a ser exaltado por parte da classe política e, obviamente, pelos integrantes das Forças Armadas abertamente. Mesmo a tortura, antes negada ou tratada dentro da seara de fatos isolados, agora era assumida orgulhosamente por muitos, com torturadores sendo elogiados inclusive por aquele que viria a se eleger presidente em 2018.

Mas é a eleição de 2018 que traz a farda de novo ao centro do palco. Relatório elaborado em 2021 pelo Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que na gestão Bolsonaro o governo federal mais que dobrou o número de militares em cargos antes ocupados por civis. No último ano do governo Temer, 2.765 militares ocupavam cargos do governo federal e, em 2021, chegavam a 6.175.

Se havia ocupação na máquina do Estado, isto era ainda mais pronunciado em postos-chave da administração do Executivo. Em fevereiro de 2020, os militares controlavam oito dos 22 ministérios, proporção maior que a de alguns presidentes da ditadura.

No Planalto, o círculo de confiança do presidente era verde-oliva. Um levantamento feito pelo The Intercept e divulgado em agosto mostra ainda que Bolsonaro trouxe nada menos que 79 alunos da sua turma, graduados no mesmo ano ou que conviveram com ele nos quatro anos de curso na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), para seu governo. No rol, nomes como o do próprio Braga Neto, e o de Luiz Eduardo Ramos, ex-ministro da Casa Civil, das Secretarias Geral e de Governo, um dos articuladores da criação do malfadado orçamento secreto, talvez o mais emblemático retrocesso institucional ocorrido durante aquela gestão.

Com tal exposição e graças a mecanismos de transparência, fiscalização e controle que foram construídos e consolidados após o fim da ditadura, os militares passaram a se ver envolvidos de forma direta ou indireta em diversos casos de denúncias de corrupção ou similares, que envolviam desde episódios de negociações de compra de vacina com preços 1.000% maioresdo que os anunciados pelo fabricante, uso irregular de recursos voltados ao combate da pandemia e compra superfaturada de Viagra. Agora, sem possibilidade de o Executivo barrar investigações e com a tentativa de golpe do 8 de janeiro sendo apurada, mais nomes vêm à tona.

 

Transparência e isonomia

Se o envolvimento de militares no governo Bolsonaro traz para a sociedade uma imagem menos idealizada e mais real de que disciplina, hierarquia e uma dita tradição não impedem corrupção, o verdadeiro remédio que a combate precisa ser também aplicado à caserna. E aqui não se trata especificamente de punição, também necessária quando prevista em lei, e sim de prevenção.

Relatório produzido pelo grupo de transição do atual governoresponsabilizou as Forças Armadas pelo que considerou um verdadeiro apagão da transparência no governo federal durante a gestão Bolsonaro, com casos reiterados de descumprimento da Lei de Acesso à Informação. De acordo com o documento, houve uma “forte tendência de sempre ou quase sempre se considerar ‘pessoais’ informações sobre integrantes do Exército que não seriam informações pessoais para servidores civis”. Isso envolve o impedimento de se acessar, por exemplo, notas fiscais de compras públicas, documentos de pregões eletrônicos, empresas que firmaram contratos com a Força, e negativa de acesso à lista de passageiros e a custo de voos oficiais feitos pela Aeronáutica.

Por isso, mas não só, o controle civil sobre as Forças Armadas, como preconiza a Constituição, é essencial. Para garantir tratamento isonômico em relação ao resto da estrutura do Estado e garantir transparência nos atos. E, ainda mais fundamental, para não ter a democracia formal sob ameaça constante de um poder armado.

Ainda hoje existe uma tolerância muito grande à intromissão fardada em assuntos que não seriam do seu escopo. A interferência na vida pública talvez tenha tido uma de suas ilustrações mais vivas em um episódio de julho de 2021, da CPI da Covid, quando o então presidente do colegiado, senador Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que “os bons das Forças Armadas devem estar muito envergonhados com algumas pessoas que hoje estão na mídia, porque fazia muito tempo, fazia muitos anos que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo”.

Em seguida, o Ministério da Defesa chefiado por Braga Netto e os comandantes das Forças Armadas divulgaram nota oficial apontando que Aziz teria dado declarações “desrespeitando as Forcas Amadas e generalizando esquemas de corrupção”. “As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”, dizia ainda o documento.

Mesmo com Aziz destacando que havia “bons” e separando uma “banda podre”, a reação institucional foi desproporcional e em tom intimidatório. O presidente da CPI cobrou uma posição do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que no mesmo dia da nota prestou homenagem às Forças Armadas, sem citar o episódio. Aziz reagiu: “Pode fazer 50 notas contra mim, só não me intimidem. Porque quando estão me intimidando, Vossa Excelência não falou isso, estão intimidando essa Casa aqui também. Vossa Excelência não se referiu à intimidação que foi feita pela nota das Forças Armadas.”

Generais também ameaçaram outras instituições, como à época em que o general Villas-Bôas, então comandante do Exército mandou recado ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o julgamento da prisão após condenação em segunda instância. O fato de, em ambos os casos, a resposta ter sido tímida ou nula do ponto de vista institucional, evidencia o tamanho da ingerência militar e a dimensão do problema que o Brasil ainda não resolveu.

A desconstrução da imagem de um poder infalível que a participação da caserna no governo Bolsonaro trouxe para muitos é positiva, apontando que militares, em especial os de alta patente, não podem estar acima da lei. A mudança de parte da opinião pública pode ser uma oportunidade para iniciar, ao menos, um outro tipo de cenário em que cumpra simplesmente o que se prevê na Constituição, onde o papel das Forças é desenhado. Sem isso, a tutela que nasceu já na construção da própria República seguirá como fardo que impede a construção de uma real democracia.

28
Ago23

A questão militar

Talis Andrade
PRI-2808-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-2808-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)
 
 

O Imperador, D. Pedro II, tinha uma ideia de Exército baseado na experiência dos países europeus. A força terrestre deveria ser organizada para a necessidade de fazer a guerra. Depois dela, a instituição seria extinta

por André Gustavo Stumpf

Correio Braziliense

A relação dos militares com o poder civil no Brasil é tumultuada desde a Proclamação da República. Os dois primeiros presidentes foram marechais, Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. A queda da monarquia foi um golpe de estado gerado nas escolas militares que haviam descoberto as ideias de Augusto Comte, defensor de um regime forte chamado por ele de ditadura republicana. Além disso, o Imperador, D. Pedro II, tinha uma ideia de Exército baseado na experiência dos países europeus. A força terrestre deveria ser organizada para a necessidade de fazer a guerra. Depois dela, a instituição seria extinta.

Em 5 julho de 1922, houve o episódio dos 18 do forte. Foram os revoltosos reunidos no Forte de Copacabana que desafiaram o governo Epitácio Pessoa e o vencedor da eleição presidencial, Artur Bernardes. Vários deles saíram a pé para enfrentar as tropas do governo na altura da rua do Matoso, hoje Siqueira Campos. Dos revoltosos, 16 morreram, inclusive o civil Otávio Correia. Eduardo Gomes e Siqueira Campos foram gravemente feridos, mas sobreviveram. Dois anos depois os tenentes fizeram outro 5 de julho, dessa vez em São Paulo.

Chegaram a dominar a cidade, mas decidiram recuar até Foz do Iguaçu. Chamada de coluna Miguel Costa ou coluna Prestes, esse movimento militar, com apoio de civis, percorreu cerca de 25 mil quilômetros no sentido diagonal no território brasileiro desde as barrancas do rio Paraná até Natal no Rio Grande do Norte. Andaram pelas grandes capitais nordeste. Conheceram a realidade do Brasil. Mas foram duramente reprimidos. Tiveram que fugir. Parte pediu asilo no Paraguai, outros seguiram para Bolívia. O movimento cessou em 1927.

Em 1930, Getúlio Vargas assumiu o poder, depois de derrubar o presidente Júlio Prestes, amparado pelos mesmos tenentes que fizeram a coluna. Eles, afinal, chegaram ao poder. E ficaram ao longo de todo o período da ditadura de Vargas, inclusive quando ele além de reprimir as liberdades individuais, criou o departamento de censura. E ficaram com ele na dúvida entre optar pelos fascistas que nos anos quarenta estavam ganhando a guerra e os comunistas que enalteciam um regime ditatorial em nome de promover a igualdade entre seus cidadãos.

Getúlio balançou entre um lado e outro, mas optou por um terceiro depois que Força Expedicionária Brasileira, a FEB, lutou na Itália contra os fascistas ao lado das forças do Exército norte-americano. Esse grupo, com suas ramificações no país, faria o golpe de 1964. O presidente brasileiro se reuniu com Franklin Roosevelt em Natal e permitiu que os norte-americanos construíssem em 1942 a base aérea em Parnamirim. Foi a maior base militar dos Estados Unidos fora do país antes da invasão da Europa.

Está claro, para todos os analistas e observadores da política nacional, que o ex-presidente Bolsonaro tentou realizar um golpe por intermédio dos militares. Ele é um inconsequente, não é um político. Nada garante que ele seria guindado ao poder se o golpe tivesse sido vitorioso. A disputa entre os generais é feroz. Em 1964, quem assumiu o poder, não foi aquele que colocou as tropas na rua. O duelo entre os liberais e a linha dura dentro da instituição não economiza adjetivos, nem poupa reputações. É luta pesada.

Diante de tudo o que aconteceu na política brasileira com relação a atuação dos militares este é o momento ideal de rever tudo isso. Na Espanha, depois da democratização, os governos civis trataram de modificar o currículo das escolas do meio militar. Acabou o conceito de inimigo interno, uma vez que as forças armadas visam defender o país de eventual ameaça externa. Suas capacidades não devem ser utilizadas como poder de polícia. Jamais seus chefes devem se envolver em assuntos políticos. No caso brasileiro, é importante modificar a redação do famoso artigo 142 da Constituição Federal. E reformular tanto o Exército, quanto a Marinha e a Aeronáutica. São forças que têm grandes gastos com pessoal e possuem reduzida mobilidade.

Este é um aspecto muito pouco discutido no Brasil. Não há plano nacional de defesa. A Marinha de Guerra atende o Rio de Janeiro. Há muitos anos se especula sobre a criação da Segunda Armada, cuja sede ficaria em Belém ou em São Luís do Maranhão. A costa norte do país é completamente desprotegida, paraíso de piratas e contrabandistas de vários matizes. A Aeronáutica está em todo território nacional. Mas só agora descobriu o poder de ação de drones na guerra moderna. E o Exército precisou de um hacker para tentar descobrir segredos da Justiça Eleitoral. Mostrou não ter competência para executar o serviço, nem respeitar as leis do Brasil.

26
Ago23

O Brasil de 2023 precisa se tornar a Argentina de 1985. Aqui, pizza, de novo, não!

Talis Andrade

À esquerda, tempos de glória e poder do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel do Exército Mauro Cid. À direita, cena dos militares no banco dos réus, durante julgamento, no filme Argentina 1985; Foto: Alan Santos/PR Jair divulgação do documentário

 

No quesito julgamento e prisão de golpistas, o Brasil está atrasado quase três décadas

 

por Ângela Carrato

As revelações do hacker Walter Delgatti à CPMI dos atos golpistas aproximaram ainda mais o ex-presidente Jair Bolsonaro do banco dos réus e da prisão.

Delgatti, que possui em seu currículo ter invadido trocas de mensagens entre o ex-procurador federal Deltan Dallagnol e membros da Operação Lava Jato, deixando a nu ilegalidades e sujeiras cometidas por esta turma, contou que antes das eleições teve encontro com o próprio Bolsonaro e que, por determinação dele, se encontrou também com a cúpula das Forças Armadas.

As reuniões aconteceram no Palácio da Alvorada e no Ministério da Defesa e o objetivo era que desmoralizasse as urnas eletrônicas a fim de impedir que as eleições acontecessem.

O encontro de Delgatti com Bolsonaro foi articulado pela deputada Carla Zambelli (PL-SP) que, apavorada, horas antes do depoimento do hacker, internou-se num hospital “para tratar de diverticulite”.

Já a senadora bolsonarista Damares Alves (Republicanos-DF) ameaçou Delgatti durante o depoimento na CPMI. Muito nervosa, dirigiu-se a ele dizendo que “a vida dá volta e é a tua vida que está em risco”, numa típica fala miliciana.

Se os depoimentos de Delgatti (dois na Polícia Federal e um na CPMI) foram uma bomba para Bolsonaro, seus dissabores nos últimos dias não pararam aí.

A cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal foi presa na última sexta-feira, por deixar de agir para impedir os atos golpistas de 8 de janeiro, devido ao alinhamento ideológico com Bolsonaro.

Também na sexta-feira, a revista Veja divulgou entrevista com o advogado Cezar Bitencourt, que representa o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

Nela, é dito que o militar entregou para Bolsonaro ou para a ex-primeira-dama Michelle, dinheiro referente à venda de um relógio rolex, avaliado em cerca de R$ 253 mil. O relógio é uma das joias que Bolsonaro tentou se apropriar, uma vez que a legislação brasileira é clara sobre o assunto.

Mauro Cid está preso preventivamente em função das falsificações no cartão de vacina do ex-chefe e de sua filha. Desde então ele vinha se mantendo em silêncio, mas, de acordo com seu advogado, agora estaria disposto a falar.

Um ajudante de ordens é simplesmente a memória do que fez aquele para qual prestava serviços. No caso de Cid, a proximidade com Bolsonaro era tamanha, que ele o tratava por “tio”.

Receber indevidamente parte do salário de funcionários (as “rachadinhas”), falsificar cartões de vacinação, negligência durante a pandemia, apropriação indébita de objetos que pertencem ao Estado brasileiro são algumas das acusações que Bolsonaro já enfrenta. Mas nenhuma delas está tão perto de levá-lo ao banco dos réus como as revelações de Delgatti.

Seria difícil até para roteiristas de cinema imaginar crimes com tamanha magnitude.

 

 


Depois das revelações, Bolsonaro e sua turma ficaram sem voz, possivelmente perplexos com o que julgavam que nunca chegaria ao conhecimento público.

Em seguida, o ex-presidente se fez de vítima e até chorou em encontro com apoiadores. Na sequência vieram os desmentidos de praxe e novas ameaças.

Para provar o que disse, Delgatti deu detalhes minuciosos dos encontros e também dos locais onde foram realizados. Disse ainda que para convencê-lo de que poderia atuar sem riscos, Bolsonaro garantiu-lhe que se algum juiz o prendesse, ele prenderia o juiz, numa referência implícita ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, responsável pelo processo das Fake News.

Possivelmente pressionado pelos bolsonaristas, o advogado de Mauro Cid tentou um recuo, acusando a revista Veja de ter distorcido suas declarações. Desde então, vem mudando a versão a cada nova entrevista, especialmente depois que Bolsonaro mandou uma espécie de recado cifrado para Mauro Cid.

Ao definir o comportamento do ex-ajudante de ordens como “kamicaze”, parece ter embutido aí uma ameaça. Um kamicase é aquele que para atingir o alvo também morre.

A etapa seguinte nas investigações cabe à Polícia Federal, que deverá checar tudo o que foi denunciado por Delgatti. Uma vez comprovadas as acusações, o que não parece difícil, o caminho é colocar Bolsonaro e todos os militares e civis que participaram da tentativa de golpe em 8 de janeiro no banco dos réus. (continua)

21
Ago23

A farra verde-oliva

Talis Andrade
 
Imagem: Manifesto Coletivo
 
 

O tempo presente vem desnudar o véu da persistente e violenta estrutura escravista brasileira, viva e atual, dispondo de métodos mais sutis de construção de golpes civil-militares híbridos

 

por Alexandre Aragão de Albuquerque 

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Braço forte, mão leve, cara lisa. Em 11 de julho o tenente-coronel do Exército brasileiro, Mauro Cesar Barbosa Cid (Mauro Cid), ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro e filho do general Mauro Cesar Lourena Cid, preso desde maio por ser objeto de oito investigações pelo Supremo Tribunal Federal (STF), apresentou-se fardado para prestar depoimento na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), que apura o atentado golpista de Estado perpetrado no dia 08 de janeiro contra a democracia brasileira.

Esse evento, denominado pelos arruaceiros criminosos de “Festa da Selma”, ocupando e depredando os prédios dos Três Poderes, uma turba coordenada e alimentada ao redor dos quartéis em diversas partes do Brasil, desde o final do pleito de outubro de 2022, demonstrava publicamente o grau de comprometimento daquela força militar com a quadra tenebrosa vigente com a chegada do bolsofascismo ao poder executivo central. Fardado naquela sessão da CPMI, o tenente-coronel Mauro Cid apresentava-se não como uma pessoa individual, mas como uma pessoa coletiva, um representante da instituição.

Para ajudar na compreensão da enorme assimilação de Jair Bolsonaro no Exército, é preciso olhar para a Academia Militar Agulhas Negras (Aman), principalmente para a turma de 1977. Se sua reabilitação naquela força terrestre já havia ocorrido exemplarmente na formatura dos cadetes em 2014, ou seja, bem antes das eleições de 2018, esse processo foi coroado com a chegada, ao topo do poder militar, de seus contemporâneos da Aman. Quando assumiu a presidência do Brasil, quatro dos seus colegas de turma exerciam o posto máximo da carreira: os generais Mauro Cesar Lourena Cid (pai do tenente-coronel Mauro Cid), Carlos Alberto Neiva Barcellos, Paulo Humberto Cesar de Oliveira e Edson Leal Pujol haviam sido promovidos a generais de exército (quatro estrelas).

Edson Leal Pujol, como se sabe, foi nomeado comandante do Exército. Lourena Cid foi nomeado Chefe do Escritório da Agência Brasileira de Promoção de Exportações (Apex), em Miami – EUA. Paulo Humberto virou presidente da Postalis, fundo de pensão dos funcionários dos Correios. E Neiva Barcellos assumiu, em Genebra – Suíça, o posto de conselheiro militar junto à representação do Brasil na Conferência do Desarmamento na ONU.

Mas, além disso, as boas relações dos integrantes da turma da Aman 1977 com o Executivo Federal (Jair Bolsonaro) se estenderam para além do seleto grupo de generais quatro estrelas. Para ficar num único exemplo, o general de brigada (duas estrelas) da reserva Cláudio Barroso Magno Filho atuou como lobista ativo de mineradoras brasileiras e canadenses com interesses em exploração em áreas indígenas, tendo sido recebido pelo menos dezoito vezes no Planalto. (Cf. VICTOR, Fábio. Poder camuflado, Companhia das Letras).

Visando mensurar a dimensão do fenômeno de cessão de integrantes das Forças Armadas para exercer funções de natureza civil no governo Bolsonaro, entre 2019 e 2022 foram produzidos inúmeros levantamentos. Coube ao Tribunal de Contas da União (TCU), a pedido do ministro Bruno Dantas, uma dessas investigações, identificando a presença de 6.157 (seis mil, cento e cinquenta) militares exercendo funções civis na administração pública federal em 2020.

Como atesta o pesquisador Fábio Victor, os benefícios, privilégios e agrados dos mais variados a integrantes das Forças Armadas foram um dos fortes sintomas da militarização da gestão pública federal sob o bastão de Bolsonaro, mostrando abertamente que não se tratava apenas de um governo de militares, mas também para militares. Um dos fortes sinais desta situação pode ser facilmente constatado pela manobra autorizada pelo ministério da Economia de Paulo Guedes, garantindo supersalários para vários militares em altos postos na Esplanada. Generais palacianos como Augusto Heleno (o pequeno), Braga Netto e Luís Eduardo Ramos começaram a ganhar R$60 mil por mês, acima do teto máximo constitucionalmente permitido equivalente ao vencimento dos ministros do STF (op. cit.).

Voltando um pouco na história, importante relembrar que, na véspera do julgamento do Habeas corpusem 04 de abril de 2018, para garantir liberdade ao então ex-presidente Lula, autorizando-o a concorrer à eleição presidencial daquele ano, o general quatro estrelas, da reserva, Luís Gonzaga Schroeder Lessa, que fora comandante militar do Leste e da Amazônia, rosnou numa entrevista concedida ao jornal golpista O Estado de São Paulo: “Se acontecer [o habeas corpus], aí eu não tenho dúvida de que só resta o recurso à reação armada. Aí é dever da Força Armada restaurar a ordem” (Supremo pode ser indutor da violência. O Estado de S. Paulo, 03 de abril de 2018).

Às 20h39, do mesmo dia 03 de abril, o general três estrelas Otávio Rego Barros (que viria a ser porta-voz da presidência na gestão Bolsonaro), auxiliar direto de Eduardo Villas Bôas, disparou o tuíte, na página oficial do seu superior, a ameaça do então comandante do exército ao Supremo Tribunal Federal: “Asseguro à Nação que o exército brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social, à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”. Resultado já sabido, no dia seguinte, o STF negou o Habeas corpus ao então ex-presidente Lula. Jair Bolsonaro chegou ao poder executivo central com sua companhia de militares, a partir do histórico emparedamento do Supremo por generais do exército. O autoritarismo seria o traço desta gestão presidencial.

No dia 02 de janeiro de 2019, na cerimônia de posse de cargo do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, o já presidente Bolsonaro discursou: “General Villas Bôas, o que já conversamos morrerá entre nós. O senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui”. Em resposta a Jair Bolsonaro, no dia 11 de janeiro, na transmissão do comando do exército para Pujol, Villas Bôas disse: “A nação brasileira festeja os sentimentos coletivos que se desencadearam a partir da eleição de Bolsonaro”.

Pergunta-se: que sentimentos seriam? A exacerbação da violência social e estatal, da discriminação, da elevação do autoritarismo, da subserviência ao poder estadunidense, da perda da credibilidade internacional do Brasil, do desmonte e entrega do patrimônio público ao capital privado, da propagação indiscriminada de fake news, do ataque sistemáticos às urnas eletrônicas e aos Tribunais Superiores, do descaso pelas pautas populares, da insensibilidade diante da miséria a que o povo brasileiro esteve submetido durante os quatro anos do governo passado? Este foi o projeto militar bolsonarista?

O tempo presente, depois do retorno à democracia com a reeleição do Presidente Lula em 2022, vem desnudar o véu da persistente e violenta estrutura escravista brasileira, viva e atual, dispondo de métodos mais sutis de construção de golpes civil-militares híbridos, cínicos, como ocorreu em 2016 e aprofundou-se em 2019, com o objetivo de manter a concentração de renda e poder nas mãos de pouquíssimos privilegiados, avessa a qualquer horizonte democrático alicerçado na liberdade e na igualdade substantivas, bem como na justa distribuição dos bens produzidos socialmente.

Mas agora o ditador está nu e precisa ser combatido tenazmente por toda a sociedade democrática. A nudez do ditador faz lembrar aquele conhecido poema colegial: “Um coleguinha me deu a cola / Eu a distribuí com a tropa / Dos mais argutos aos mais carolas / Todos chafurdaram gatunamente nas pedrarias / A farsa repetindo-se pela histórica e reincidente malandragem da companhia”.

 
 
17
Jun22

Os fracassos da geração dos generais de Bolsonaro

Talis Andrade

Charge: quem vai interceder pelo carioca agora é um general do Exército -  Jota A! - Portal O Dia

 

 Da intervenção militar no Rio de Janeiro à militarização da Amazônia: as mortes de Marielle Franco, Bruno Pereira e Dom Phillips

 

por Moisés Mendes

 

A elite militar que trabalha para Bolsonaro pode ter feito, pela avaliação de entendidos, boas gestões de quartéis e de planejamento tático e estratégico das suas atividades estritamente castrenses.

Mas essa elite fracassou, e fracassou muito, quando se meteu em áreas que nem os marechais e generais e seus gênios civis da ditadura dominavam.

Os generais fracassaram junto com as missões do Brasil em nome da ONU no Haiti. Fracassaram com Braga Netto na intervenção militar no Rio.

Fracassaram com o desastre de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde e fracassaram com Hamilton Mourão no comando da Amazônia.

Os generais fracassaram já no lançamento, em 2020, do que deveria ter sido o Programa Pró-Brasil, apresentado como um arremedo dos planos desenvolvimentistas da ditadura.

Esses são os militares do entorno de Bolsonaro, muitas vezes vistos não como subalternos do sujeito, mas como seus tutores desde o início do governo.

Bolsonaro está cercado de gente fardada que não conseguiu fazer o básico nas empreitadas assumidas. São oficiais de alta patente que comandam, ao lado de civis, mais de 6 mil colegas das três armas, muitos em postos de chefia, da Educação à Funai.

Sob outro ponto de vista, pode-se dizer também que, ao contrário da percepção de fracasso, eles conseguiram tudo o que desejavam fazer. E assim teriam sido bem sucedidos, e muito mais agora sob as ordens de Bolsonaro.

Mas é difícil aceitar que a sabotagem das medidas contra a pandemia e a vacinação e que a entrega da Amazônia à bandidagem tenham sido projetos pensados com método e racionalidade pelos militares.

Vamos ao exemplo da Amazônia. Na quarta-feira, a Globo News exibiu uma das mais constrangedoras entrevistas concedidas por um general brasileiro.

O general vice-presidente Hamilton Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia, confessou seu fracasso com uma sinceridade de recruta.

Admitiu não ter poder, não ter autoridade para mandar, não ter gente, não ter verbas e não ter chefia que o liderasse com firmeza no comando da Amazônia.

E no final confessou: talvez tenha sido incompetente para fazer o que deveria ter sido feito em defesa do território, dos povos e da floresta.

Mourão se desculpava o tempo todo porque nunca teve um cargo executivo. Mas não soube dizer por que as Forças Armadas, e não só o seu conselho, fracassaram na defesa da Amazônia, diante das ameaças externas e dos bandidos internos que mataram Bruno Pereira e Dom Phillips. Soube apenas se desculpar.

Mourão não mandava em ninguém, como admitiu, e se ressentia de um líder. Disse que alguém deveria ter exercido uma liderança agregadora na Amazônia, dando a entender que essa pessoa não seria ele.

E se despediu da conversa como um subalterno que se pune em público por sua submissão a um trabalho nobre que se transforma em algo quase sem sentido.

Um general não conseguiu impor sua autoridade de general e de vice-presidente na região mais problemática do país e a mais exposta aos olhares do mundo todo.

Mourão não mandava e não apitava na Amazônia, onde grileiros, garimpeiros, contrabandistas, mineradoras, traficantes de outros países e assassinos de índios, de jornalistas e de indigenistas mandam e desmandam.

Foi uma omissão deliberada? Por ordem de Bolsonaro compartilhada com os militares? Ou por ser parte do projeto dos militares, encampado pelo poder político de Bolsonaro?

O certo é que essa elite militar, que fracassou em missões internacionais, sabotou a imunização contra a Covid, abriu caminho para gangues de vendedores de vacinas dentro do governo, não enfrentou os bandidos da Amazônia e, bem antes, não ofereceu nenhuma saída para a guerra civil no Rio, essa é a elite ao redor de Bolsonaro.

Não é razoável pensar que esse grupo, muito bem identificado com os projetos de Bolsonaro, pretenda mesmo levar adiante o blefe de um golpe.

Todos os golpes liderados por militares fracassaram nas últimas décadas na América do Sul. As experiências recentes da elite militar brasileira não credenciam esse grupo a organizar, aplicar e manter um golpe liderado por Bolsonaro.Image

Joaquim de Carvalho
A entrevista de Bolsonaro a Leda Nagle é abjeta. É preciso considerar que, ao atacar Dom de forma vil, tenta tirar o foco de Bruno Pereira, q era da Funai e foi perseguido pelo próprio governo por lutar contra o genocídio dos povos isolados. Ele lutava contra aliados de Bolsonaro

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Por que Bolsonaro e Moro têm responsabilidade no que aconteceu com Bruno e Dom. Joaquim de Carvalho diz que Bruno Pereira foi exonerado após participar de ações legais contra interesses de quem viola leis ambientais e proteção aos indígenas



 
 
 
 
 
 
 
13
Abr22

Forças Armadas reservaram R$ 546 mil para comprar botox

Talis Andrade

Best Botox GIFs | Gfycat

 

247 - O escândalo dos gastos das Forças Armadas não acaba. Depois dos 35 mil comprimidos de Viagra, o Ministério da Defesa vai ter que explicar o empenho de R$ 546 mil para a compra de botox entre os anos de 2018 e 2020. As informações estão no Painel de Compras do governo federal. Não há informação sobre compra em 2021 no painel. Os dados foram reveladas pelo jornalista Guilherme Amado, do Metrópoles.

A toxina botulínica, popularmente conhecida como botox, é famosa por ser usada em procedimentos estéticos, mas também tem outras aplicações. Segundo o Exército, a compra foi destinada para “tratar algumas patologias neurológicas como distonia, doença de parkinson, espasmo miofacial, espasticidade, enxaqueca crônica e neuralgia do trigêmeo, além de queixas odontológicas como distúrbio da articulação temporomandibular”. A Força acrescentou que “não realiza compras desse material para fins estéticos”.

Somente o Hospital das Forças Armadas (HFA) comprou seis frascos em 2018, 15 em 2019, seis em 2020 e, em 2021, estimou que precisaria de 50 frascos da toxina. Isso equivale a cinco mil aplicações, já que há 100 doses em cada frasco.Image

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07
Fev22

O fracasso dos militares

Talis Andrade

Carapuça  dos crimes contra o brasil dos militar

 

A nova geração de militares “neoliberais” aprofundou a vassalagem aos EUA e trocou o Estado pelo mercado

 
por José Luís Fiori e William Nozaki /Brasil de Fato
 
- - -

Existe uma psicologia bem compreendida da incompetência militar [...]. Norman Dixon argumenta que a vida militar, com todo o seu tédio, repele os talentosos, deixando as mediocridades, sem inteligência e iniciativa, subirem na hierarquia. No momento em que alcançam cargos importantes de tomada de decisão, essas pessoas tendem a sofrer alguma decadência intelectual. Um mau comandante, argumenta Dixon, nunca quer ou é incapaz de mudar de rumo quando toma a decisão errada.

Ferguson, N. Catástrofe. Editora Planeta, São Paulo, 2022, p. 184

 

Qualquer pessoa de bom senso – dentro e fora do Brasil – se pergunta hoje como foi que um segmento importante dos militares brasileiros chegou ao ponto de conceber e levar adiante um governo militarizado e aliado a grupos e pessoas movidas por um reacionarismo religioso extremado e por um fanatismo econômico e ideológico completamente ultrapassados, todos “escondidos” atrás de um personagem grotesco e um “mau militar”, como afirmou o Gal.

Ernesto Geisel em outro momento? O historiador britânico Niall Ferguson defende a tese da incompetência universal dos militares e aponta algumas razões que explicariam tal incapacidade a partir da própria vida interna dos quartéis e da carreira militar. No caso específico da geração atual de militares brasileiros, há um contingente que vem se dedicando, há três anos, a desmontar aquilo que seus antecessores do século passado mais prezavam: o setor energético brasileiro.

Os militares brasileiros sempre tiveram uma visão elitista e caricatural do país, imaginando um país sem cidadãos e onde as classes sociais próprias do sistema capitalista são vistas com desconfiança e como uma ameaça à ordem social definida por eles segundo critérios ancorados, em última instância, na sua vassalagem internacional. Dentro dessa concepção, de um país sem sociedade civil, eles sempre se consideraram os verdadeiros responsáveis pela moral pública e pela definição do que fosse o “interesse nacional” dos brasileiros. 

Leia também: ARTIGO | O que fazer no quartel?

 

Conceito próprio de "interesse nacional" 

Num determinado momento da história brasileira, os militares entenderam que era importante para o interesse nacional que o país tivesse projetos industrializantes nos setores de metalurgia e siderurgia, ferroviário e rodoviário, petrolífero e petroquímico. No entanto, no momento seguinte, eles mesmos redefinem seu próprio conceito de “interesse nacional” brasileiro, invertem a estratégia econômica dos seus antecessores e promovem a privatização selvagem das empresas públicas, ao mesmo tempo que apoiam a desindustrialização da economia brasileira e seu retrocesso à condição primário-exportadora do início do século passado. 

Como é sabido, as Forças Armadas brasileiras tiveram uma participação ativa na construção da Petrobras, Eletrobras, Gasoduto Brasil-Bolívia, Itaipu Binacional e inúmeras outras empresas estatais em setores estratégicos para o desenvolvimento da economia nacional. Mas hoje, como já dissemos, dedicam-se ao desmonte dessas mesmas empresas e de setores econômicos, sem nenhum tipo de justificativa estratégica de mais longo prazo, sobretudo no caso do setor energético, que é peça essencial da “segurança nacional” de qualquer país do mundo. 

Veja-se o caso do Ministério de Minas e Energia (MME), por exemplo, que é um dos mais militarizados do governo Bolsonaro: além do Ministro-Almirante, o gabinete ministerial conta com a presença de mais vinte militares, da ativa ou da reserva, ocupando cargos de chefia, coordenação e assessoria. E esta situação se repete no Sistema Eletrobras, onde militares têm postos destacados em unidades como Eletrosul, Eletronorte, Eletronuclear, CHESF e Itaipu Binacional. E o mesmo se deve dizer do Sistema Petrobras, que é dirigido por militares com presença na presidência e no conselho de administração da empresa, desde onde lideram a desmontagem da própria empresa. A petrolífera brasileira vendeu a BR Distribuidora com seus postos de combustíveis, colocou à venda suas refinarias e passou a refinar menos diesel, gasolina e gás. O mercado foi aberto para a importação desses derivados, e os importadores passaram a pressionar para que o preço no Brasil fosse equivalente ao preço no mercado internacional. Assim se adotou a chamada “política de preço de paridade de importação”, que trouxe enormes lucros e ganhos para os acionistas da Petrobras, mas vem prejudicando diretamente os cidadãos brasileiros, com o aumento contínuo dos preços dos combustíveis e a aceleração em cadeia das taxas de inflação da economia. 

Da mesma forma, no caso da energia elétrica, a elevação dos preços está primariamente relacionada a mudanças no regime hidrológico, mas no caso brasileiro atual ela está diretamente vinculada ao desgoverno do setor controlado por militares, mas carente de monitoramento, planejamento, coordenação e melhorias no Sistema Eletrobras, cujos investimentos sofreram redução significativa nos últimos anos. 

:: Presença militar no governo Bolsonaro é corporativista e sem projeto, diz pesquisador ::

"Negacionismo energético"

Não há precedente, na experiência internacional, de um Estado que esteja se desfazendo de sua principal empresa de energia elétrica em meio a uma crise hidroenergética e num cenário de elevação na tarifa de luz. Mas é isso que os militares brasileiros estão fazendo ou deixando que façam. Praticando uma espécie de negacionismo energético que contraria toda sorte de fatos e dados, o Almirante Ministro das Minas e Energia afirmou que “a crise de energia, a meu ver, nunca ocorreu” (entrevista à Folha, em 01/01/2022); manifestando total despreocupação com a soberania nacional, o oficial que preside o conselho de administração da Eletrobras reiterou que “o futuro da empresa é a privatização” (declaração à imprensa em 07/01/2021); e revelando integral descaso com a noção de cidadania, o General Presidente da Petrobras endossa que “a Petrobras não pode fazer política pública” (artigo ao Estadão em 08/01/2022).

Isto está acontecendo no setor energético, mas a mesma incompetência ou desgoverno se encontra também em outras áreas do governo comandadas pelos seus militares, sejam eles velhos generais de pijama ou jovens oficiais que se especializaram rapidamente na compra e revenda de vacinas na área da saúde por exemplo, onde a incompetência militar teve efeitos mais dramáticos e perversos e atingiu a cidadania brasileira de forma extremamente dolorosa. 

E o mesmo está acontecendo fora da área econômica, como no caso da administração militar verdadeiramente caótica da ciência e tecnologia e da questão ambiental amazônica, para não falar da situação esdrúxula de um Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República que não conseguiu monitorar, e nem mesmo explicar – até hoje – o carregamento de cerca de 40 quilos de cocaína encontrado dentro de um avião da comitiva presidencial, em uma viagem internacional do próprio presidente. 

Leia mais: Coluna | Tempo ruim para os militares no governo Bolsonaro

 

A “incompetência universal” dos militares

O desempenho dos militares brasileiros e a volubilidade de suas concepções sobre o desenvolvimento nos trazem de volta à tese do historiador britânico Niall Ferguson. Ele atribui a “incompetência universal” dos militares às próprias regras funcionais da carreira dos soldados, e é possível que ele tenha razão.

Mas nossa hipótese extraída da experiência brasileira parte de outro ponto e vai numa direção um pouco diferente. 

Do nosso ponto de vista, a incompetência governamental dos militares brasileiros começa por sua subserviência internacional a uma potência estrangeira, pelo menos desde a Segunda Guerra Mundial. Uma falta de soberania externa que multiplica e agrava a fonte primordial da inabilidade e do despreparo do militar brasileiro para o exercício do governo em condições democráticas. Sintetizando nosso argumento: a maior virtude dos militares é sua hierarquia, disciplina e sentido de obediência e, portanto, para um “bom soldado”, é falta grave ou mesmo traição qualquer questionamento das “ordens superiores”.

Como consequência, a “verdade” de todo soldado é definida pelo seu superior imediato, e assim sucessivamente, até o topo e ao fim da sua carreira. Dentro das Forças Armadas, a “obediência cega” é considerada uma virtude e condição indispensável do sucesso na guerra ou em qualquer outra “situação binária” em que existam só duas alternativas: amigo ou inimigo, ou “azul” ou “vermelho”, como costumam se dividir os militares em seus “jogos de guerra”. 

Não existe a possibilidade do “contraditório” nesse tipo de hierarquia, e é por isso que se pode dizer que a hierarquia militar é por definição antidemocrática.

Mais ainda, nesse tipo de hierarquia altamente verticalizada, como é o caso dos militares, a crítica, a mudança e o próprio exercício inteligente do pensamento são proibidos ou desestimulados, e é considerado uma falta muito grave. Portanto, é a própria disciplina indispensável ao cumprimento das funções constitucionais das Forças Armadas, que os incapacita para o exercício eficiente de um governo democrático. 

:: "Bolsonaro é testa de ferro de um projeto político de militares", aponta antropólogo ::

 

Trajetória dos militares brasileiros

No caso brasileiro, esse tipo de cabeça autoritária pôde conviver, durante o período da ditadura militar – entre 1964 e 1985 – com o projeto econômico do “desenvolvimentismo conservador”, porque não havia democracia nem liberdade de opinião, e porque as prioridades do projeto já estavam definidas de antemão desde a segunda revolução industrial. A planilha era simples e ajustada para cabeças binárias: construir estradas, pontes, aeroportos e setores fundamentais para a industrialização do país. Ao mesmo tempo, essa mentalidade binária e autoritária, e distante da sociedade e do povo brasileiro, contribuiu para a criação de uma das sociedades mais desiguais do planeta, devido a sua total cegueira social e política. 

Depois da redemocratização, em 1985, essa mesma cabeça bitolada das novas gerações militares perdeu a capacidade de entender a complexidade brasileira e o lugar do país na nova ordem mundial multilateral do século XXI. A Guerra Fria acabou, os EUA deixaram de apoiar políticas desenvolvimentistas, e tudo indica que a formação militar foi sequestrada pela visão neoliberal. Como resultado, os militares brasileiros ainda não conseguiram se desfazer de sua visão anticomunista do período pós-guerra, volta e meia confundem a Rússia com a União Soviética, e ainda somam a isto uma nova visão binária, oriunda dos manuais de economia ortodoxa e fiscalista, em que o próprio Estado é tratado como grande inimigo.Humor Político on Twitter: "ONU muito tudo isso! por Marcio Vaccari #humor  #cartoon #charge #charges #comédia #Educação #Política #Violência  https://t.co/qUp4FVU32J" / Twitter

Resumindo nosso ponto de vista: a geração dos militares “desenvolvimentistas” brasileiros do século XX foi “vassala” com relação aos EUA, tinha uma visão apenas territorial do Estado e da segurança nacional, e possuía uma visão policialesca da sociedade e da cidadania, mas apoiou uma estratégia de investimentos que favoreceu a industrialização da economia até os anos 1980. Já a nova geração de militares “neoliberais” do século XXI aprofundou sua vassalagem americana, trocou o Estado pelo mercado, seguiu atropelando a democracia e os direitos sociais dos cidadãos brasileiros.

Nesse ponto, podemos voltar à tese inicial de Niall Ferguson, para complementá-la ou desenvolvê-la, porque, no caso de uma “corporação militar vassala”, e em um país periférico como o Brasil, a incompetência militar se vê agravada pela sua submissão à estratégia militar e internacional de outro país. Não se pode governar um país quando não se tem autonomia para definir quais são seus próprios objetivos estratégicos, e quais são seus aliados, competidores e adversários. Não se pode governar um país quando não se aceita o contraditório e se trata como inimigos todos os que divergem de suas opiniões. Não se pode governar um país quando se tem medo ou está proibido de pensar com a própria cabeça. Não se pode governar um país enquanto se olha para seus cidadãos como se fossem seus subordinados. Não se pode governar um país enquanto não se compreender que a obrigação fundamental do Estado e o compromisso básico de qualquer governo é com a vida e com os direitos à saúde, ao emprego, à educação, à proteção e ao desenvolvimento material e intelectual de todos os seus cidadãos, independentemente de sua classe, raça, gênero, religião ou ideologia, sejam eles seus amigos ou inimigos. 
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03
Fev22

Nara, militares e bolsonarismo (vídeos)

Talis Andrade

tortura morte ditadura ossário de bolsonaro.jpg

 

por Cristina Serra

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A entrevista do comandante da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Junior, à Folha, ofende os fatos e a lógica. Baptista repete a ladainha de que “a política não entrará nos nossos quartéis” e que os militares sempre prestarão continência “a qualquer comandante supremo das Forças Armadas”.

Para ser levado a sério, ele teria que explicar com clareza, e não com ambiguidades e recados mal disfarçados, a nota intimidatória do ministério da Defesa à CPI da Covid no Senado e o tuíte do alto comando do Exército, publicado por Villas Bôas, em 2018, com ameaças ao STF, na véspera da votação do habeas corpus de Lula.

Bolsonarista raiz, Baptista compara a presença de militares no atual governo à atuação de acadêmicos nos mandatos de FHC e à de sindicalistas na era Lula. Cinismo ou ignorância?

Para dimensionar o necessário debate sobre o papel dos fardados na democracia, trago argumentos do historiador Manuel Domingos Neto, um dos maiores estudiosos do tema no Brasil, em artigo publicado no portal “A Terra é Redonda”. O professor toca num dos nervos centrais da questão: a dependência tecnológica das nossas FAs de fornecedores de armas e equipamentos “que não defendem o Brasil, mas reforçam o poderio de potências imperiais”.

Sem romper essa dependência, o que esperar dos militares quando – e se – voltarem aos quarteis? Segue Domingos Neto: “Formar novos Bolsonaros, Helenos, Villas Bôas, Pazuellos, Etchegoyens ou coisa pior?” Continuarão os homens armados a arrogar-se a condição de “pais da pátria”, “estigmatizando os que lutaram por mudanças sociais?” Manterão suas “operações de garantia da lei, que beneficia os de cima, e da ordem, que massacra os de baixo?”

Para ampliar a discussão, sugiro ainda a série “O Canto Livre de Nara Leão”, que resgata momento de luminosa coragem da cantora. Em plena ditadura, ela diagnosticou sem meias palavras: “Esse exército não serve para nada”. Nara, atualíssima, cinco décadas depois.

02
Fev22

Efeito Capitólio: Ministério de Defesa atua para desacreditar as eleições

Talis Andrade

Há sinais evidentes da tentativa, do lado do Ministério da Defesa de Braga Netto, de desacreditar antecipadamente o sistema eleitoral.

 

 

por Luis Nassif

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Há uma conspiração em marcha contra as eleições, liderada pelo Ministro da Defesa, Braga Netto. No artigo “Braga Neto é a maior ameaça à democracia” apontei pontos que levam à conclusão sobre a ameaça representada por ele. Há muito mais dados.

O general Braga Netto comandou a intervenção no Rio de Janeiro, na Operação de Garantia de Lei e Ordem do governo Temer. Com poderes absolutos, especialmente na área de segurança pública, teve condições de levantar todas as informações sobre as milícias, inclusive as ligações dela com a família Bolsonaro. Em seu período houve o assassinato de Marielle Franco. Coube a ele coordenar as primeiras investigações, com todas as confusões registradas na época. 

Na ocasião, o então Ministro da Justiça Raul Jungmann admitiu que havia envolvimento de poderosos na morte de Marielle. Ora, supõe-se que as informações chegavam ao Ministro da Justiça através do comandante da operação. Seja como for, nada foi apurado, nem sobre milícias, nem sobre Bolsonaro, nem sobre Marielle. Nem sobre os “poderosos” envolvidos com o assassinato.

Com a eleição de Bolsonaro, Braga Netto assumiu cargos relevantes no Palácio, inicialmente como Ministro-Chefe da Casa Civil, o Ministério mais relevante. Ou conquistou por demonstrações de fidelidade ou por poder individual sobre Bolsonaro.

Depois de uma passagem desastrosa pelo comitê da pandemia – criado para administrar a Covid -, assumiu o Ministério da Defesa, em um episódio em que o Alto Comando das Três forças recusou-se a endossar os arroubos antidemocráticos de Bolsonaro.

Hoje em dia, o Ministério da Defesa – exorbitando de suas atribuições – é o principal porta-voz do negacionismo das urnas, conforme trabalho isolado de Caio Junqueira, analista da CNN.

Dias atrás, o repórter Rubens Valente, da UOL, trouxe a informação de que os documentos, com as supostas provas de manipulação dos resultados das eleições de 2014, chegaram ao Palácio através de oficiais de inteligência – posteriormente indicados para cargos junto a Bolsonaro.

Segundo reportagem de hoje, da CNN, o Ministério da Defesa apresentou ao Tribunal Superior eleitoral (TSE) 55 questionamentos sobre o processo eleitoral brasileiro,  incluindo questões sobre a segurança da urna eletrônica.

Segundo Junqueira, é Braga Netto que tem sido o maior fator de influência sobre Bolsonaro, nos ataques às urnas.

Antes disso, segundo reportagem de 26 de novembro, o TSE realizou testes na urna eletrônica “sem apoio militar”. Apesar do comandante cibernético do Exército, General Heber, integrar o Comitê de Transparência, diz a reportagem, as Forças Armadas se limitaram a enviar alguns observadores, mas evitaram endossar formalmente os testes.

Mesmo assim, segundo reportagem de 14 de dezembro de 2021, as Forças Armadas voltaram a apresentar ao TSE o documento sigiloso, com ressalvas ao sistema eleitoral. 

Há sinais evidentes da tentativa, do lado do Ministério da Defesa de Braga Netto, de desacreditar antecipadamente o sistema eleitoral.

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19
Jan22

A campanha do ódio em ação

Talis Andrade

espionagem telefone.jpg

 

por Cristina Serra

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Reportagem de Jamil Chade e Lucas Valença, no UOL, mostra tratativas do “gabinete do ódio” para adquirir tecnologias de espionagem israelense. Uma das empresas procuradas, que atende pelo sugestivo nome de DarkMatter (em português significa “matéria escura”), desenvolveu dispositivos que podem invadir computadores e celulares, mesmo com os aparelhos desligados.

Essas movimentações prenunciam que os mecanismos de disparo em massa de mentiras por aplicativo, largamente utilizados em 2018, serão brincadeira de criança perto do que estará, agora, ao alcance das quadrilhas que apoiam o chefe miliciano. Indicam também como a campanha de reeleição de Bolsonaro poderá atuar totalmente fora do radar do TSE, deixando os concorrentes a comer poeira e as instituições a enxugar gelo.

Talvez seja a confiança de Bolsonaro em esquemas criminosos que explique seu comportamento, em alguns aspectos, pouco compatível com o de quem busca a recondução ao cargo. Ele nunca demonstra compaixão pelas vítimas de tragédias. Ao contrário, exibe frieza e desdém, como fez durante as enchentes na Bahia e em Minas Gerais e como tem feito ao longo da pandemia, chegando ao cúmulo de negar vacinas para crianças.

Bolsonaro já deu o tom da violência que vai estimular nos próximos meses. Em recente pronunciamento, ameaçou o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra com o excludente de ilicitude, uma licença para matar, a ser dada para policiais que ajam “sob violenta emoção”. A proposta foi derrotada no Congresso, mas ainda é defendida pela bancada da bala.

É tudo na mesma linha do “vamos fuzilar a petralhada toda aqui do Acre” e “petralhada, vai tudo vocês (sic) para a ponta da praia [gíria para lugar de execução de presos políticos na ditadura]”. O golpista emite sinais eloquentes de que não aceitará a derrota e de que tudo fará para tumultuar as eleições. Nossas instituições estão preparadas para detê-lo?

Gabinete do ódio negociou programa espião para usar contra opositores, diz  fonte do UOL - Hora do Povo

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