Binho Galinha foi o segundo deputado mais votado de Feira de Santana, maior cidade do interior baiano, nas eleições de 2022. Ele e mais 14 investigados são suspeitos de agiotagem e outros crimes.
A operação da PF foi deflagrada dia 7 último e, além do parlamentar, outras 14 pessoas são investigadas - entre elas, três policiais militares que seriam o responsáveis por formar o "braço armado" da milícia. O trio está na Coordenadoria de Custódia Provisória, à disposição da Justiça, conforme a corporação.
👉 Nascido na cidade de Milagres, a 245 km de Salvador;
👉 Morador de Feira de Santana há pelo menos 31 anos;
👉 Se intitula como empresário;
👉 Ganhou o apelido "Binho Galinha", porque já trabalhou em um abatedouro entregando aves;
👉Também já trabalhou como carroceiro e pintor;
👉 Tem imóveis na cidade de Feira de Santana e outros municípios vizinhos;
👉 Em 2022 foi eleito pela primeira vez como deputado estadual, pelo partido Patriota;
👉 Recebeu 49.834 votos e foi o segundo mais votado na cidade;
👉 No site da Assembleia Legislativa da Bahia (Alba), o estado civil dele aparece como solteiro.
👉 Após ser eleito, em 2023 o deputado se tornou vice-líder do bloco parlamentar dos partidos MDB/PSB/Patriota/PSC/Avante.
Entenda o caso
Binho e outras 14 investigados tiveram mais de R$ 200 milhões das contas bancárias bloqueadas nesta quinta-feira (7), quando foi deflagrada a operação da Polícia Federal em parceria com outros órgãos e instituições, incluindo o Ministério Público da Bahia (MP-BA).
Segundo a PF, o grupo é investigado por lavar dinheiro de jogo do bicho, agiotagem, receptação qualificada, desmanche de veículos e outros crimes.
Ao longo das investigações, ainda foram apontados que os suspeitos tinham:
👉 inconsistências fiscais;
👉 movimentação financeira incompatível;
👉 propriedade de bens móveis e imóveis não declarados;
👉 indícios de lavagem de dinheiro.
Além dos R$ 200 milhões, outros bens foram bloqueados e mandados de busca e apreensão foram expedidos - inclusive em fazendas e outros imóveis do deputado. Confira:
👉 bloqueio de 26 propriedades urbanas e rurais;
👉 10 mandados de prisão expedidos;
👉 35 mandados de busca e apreensão expedidos;
👉 suspensão das atividades econômicas de seis empresas.
VÍDEO Reportagem de Aguirre Talento mostra que operação deflagrada pela Polícia Federal teve como alvo uma organização criminosa armada liderada pelo deputado estadual da Bahia Kléber Escolano, o Binho Galinha (Patriota). Segundo a PF, o grupo age como uma milícia, explorando o jogo do bicho e praticando agiotagem. Também cobrava dívidas com ameaças de morte e vendia peças de veículos roubados.
O assassinato da Ialorixá Mãe Bernadete Pacífico, do Quilombo Pitanga de Palmares no município de Simões Filho, na Bahia, cidade da Região Metropolitana de Salvador, no dia 17 de agosto, alertou sobre a segurança dos ativistas que lutam pela terra e seus direitos. A Polícia Civil baiana concluiu o inquérito de investigação do assassinato com cinco suspeitos denunciados.
No dia 04 de setembro deste ano, em artigo no Portal Brasil247, onde sou colunista colaborador, publicamos com o título, “Evidências, revelações e teses. - Mãe Bernadete e seu filho assassinados. Será que na Bahia teremos uma Marielle? Hoje,16 de novembro, a Polícia Civil da Bahia apresentou detalhes da conclusão do inquérito sobre o homicídio da ialorixá, em coletiva de imprensa realizada nesta quinta-feira (16) em Salvador.
Fruto de um trabalho de investigação sério, cinco foram denunciados por homicídio qualificado por motivo torpe, de forma cruel, com uso de arma de fogo e sem chance de defesa. Um sexto envolvido foi indiciado em outro inquérito, já concluído pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
Mãe Bernadete Pacífico, do Quilombo Pitanga de Palmares, foi assassinada no município de Simões Filho, na Bahia, cidade da Região Metropolitana de Salvador, no dia 17 de agosto. Seis anos antes, seu filho Flávio Gabriel Pacífico, conhecido como “Binho do Quilombo”, também foi assassinado. Mãe e filho eram pretos. Defendiam suas terras e os direitos de seu povo.
Segundo a delegada Heloísa Brito, o indiciamento dos cinco suspeitos é resultado de um trabalho meticuloso e colaborativo entre as diversas áreas da polícia, onde foram denunciados Arielson da Conceição Santos, Josevan Dionísio dos Santos, Marílio dos Santos, Sérgio Ferreira de Jesus e Ydney Carlos dos Santos de Jesus. Foram identificados como responsáveis pela morte da vítima, cuja principal motivação foi à retaliação de um grupo responsável pelo tráfico de drogas naquela região.
O coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal, André Lavigne, informou em coletiva com a imprensa, que a partir da conclusão do inquérito policial e do oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, os cinco indivíduos, dois mandantes, dois executores e um partícipe, e um sexto envolvido, vão responder a uma ação penal, onde os procedimentos já foram encaminhados a justiça.
Vemos com muita preocupação os sucessivos casos de desrespeito aos Direitos Humanos, a insegurança pública e as crescentes ocorrências de letalidade praticada pela Polícia, onde está sendo acompanhada pela representação na Bahia da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e demais órgãos de Direitos Humanos, Nacional e Internacional.
Morte de Quilombolas, Indígenas, Negros, Pobres, Mulheres e Crianças inocentes, às vezes sem identificação dos criminosos, crescimento da milícia no estado, que vem desde 2019, além do crescimento do crime organizado, crimes absurdos e desrespeitos às comunidades mais amenas, quando é dever do Estado a garantia de segurança pública prevista pela Constituição Brasileira. Pelo menos, na Bahia, não teremos uma Marielle.
Milícia- Vem sendo denunciada, por diversos setores da sociedade, em documentos sigilosos, a existência da atuação de milicianos, na Bahia, desde 2003, e esse modelo empresarial de grilagem de terras; expulsão de moradores de aluguel; domínios de bairros inteiros, para exploração imobiliária; crescimento alarmante de grupos de extorsão e extermínio nos bairros mais pobres, além de alianças ao crime organizado terem sido ampliadas logo após a eleição do presidente Jair Bolsonaro, em 2019. O modelo miliciano carioca chegou à Bahia, depois da vinda, para o Estado, de milicianos como Adriano da Nóbrega, entre outros. (morto na Bahia em 2020).
A Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro, tem sido apontados como os piores no quesito da segurança pública por instituições de monitoramento. No governo de Jair Bolsonaro, os órgãos de defesas e de proteção sofreram diminuição de orçamento, falta de compromisso e dedicação aos mecanismos de proteção aos ativistas ameaçados. Isso sem falar na facilidade de obter armas.
A preocupação com essa crescente escalada de violência em todo o Brasil, deve ser um sentimento compartilhado por todos nós. Requer ações mais enérgicas por parte das autoridades governamentais e do Poder Judiciário de modo a solucionar esse grave problema que tem atingido toda a sociedade.
Esperamos que continuem sendo firmes as investigações na Bahia. Que identifiquem os criminosos, os milicianos, e prendam urgente, pois há “peixe” grande nessa bacia. Ou estará nítido a incompetência, omissão e negligência do Estado.
Termino este artigo com a indignação a flor da pele, com tanto absurdo, mentiras e perseguição a pessoas inocentes. Para o crime, só a punição é o remédio. Cadeia!
Jesser Marques Fidelix, o Capixaba, de 30 anos, apontado pela polícia como suspeito de fornecer armas a traficantes [Um homem com tanto prestígio pelos quartéis não precisa aplicar pequenos furtos em Copacabana, principalmente no 7 de Setembro. Golpe tem que ser cousa grande. Golpe de estado. O golpe militar de 64 pariu bicheiros que fizeram estórias no Rio de Janeiro e outras praças]
Jesser Marques Fidelix, de 30 anos, é apontado pela Polícia Civil e pelo Exército como fornecedor de drogas e armas para traficantes (uma fábrica de fazer dinheiro). Jesser, o errante, foi investigado pela Polícia Federal, no Mato Grosso do Sul, e pela polícia do Rio por aplicar golpes em Copacabana.
De acordo com as investigações, Jesser é chamado de Capixaba em um vídeo enviado para traficantes do RJ.
Na gravação, um homem, ainda não identificado, pergunta a ele como embalar as "armas de guerra".
Matuto de facção
A Polícia Civil do RJ aponta Jesser como "matuto" - fornecedor de drogas e armas - do Comando Vermelho. Na verdade, um dos criminosos que abastecem a facção carioca.
Mas a ficha policial de Capixaba já é conhecida das polícias Civil e Federal. Com base em São Paulo, Jesser foi investigado pela PF por estar utilizando um veículo roubado, em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul.
Na ficha dele [de errante] consta ainda uma investigação por estelionato, no Leme, e casos de receptação. Com endereços no Espírito Santo e em Macaé, no Norte Fluminense, Jesser já foi preso duas vezes, mas foi posto em liberdade dois dias depois, segundo apurou o g1.
Mais duas metralhadoras encontradas
Nesta madrugada de quarta-feira (1), a Polícia Civil seguiu os passos de "Capixaba" até a casa de sua sogra, na Zona Oeste do Rio.
Exclusivo: militares desligaram intencionalmente rede elétrica do quartel do Exército de onde 21 metralhadoras foram roubadas — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução
O CMSE não tinha fornecido detalhes sobre onde foi feita a apreensão desta quarta e nem se alguém tinha sido preso até a última atualização desta reportagem. Também não havia sido confirmado se as3 armas na mira da Polícia Civil são as encontradas desta quarta.
Além dessas duas, outras 17 armas já tinham sido reintegradas em outubro após operações conjuntas do Exército com as polícias do Rio de Janeiro e São Paulo.
1 de novembro: 2 metralhadoras .50 do arsenal do Exércitona mala de um carro na Praia da Reserva. Ao lado dessas metralhadoras, estava 1 fuzil calibre 7,62 que não tinha sido contabilizado no roubo.
Sergio Moro espionou para os Estados Unidos, comandando uma quadrilha de procuradores da liga da justiça da Lava Jato. Vide tags
PRF, militares e governos de 9 estados contrataram serviços de empresa de espionagem Cognyte, agora sob investigação. E Lava Jato plantou escutas, espionou até para os Estados Unidos. A boceta de Pandora
Por Caio de Freitas Paes, Laura Scofield, Rubens Valente
O uso de ferramentas de monitoramento virtual da empresa israelense Cognyte não se restringe à Abin (Agência Brasileira de Inteligência), alvo da Operação Última Milha, desencadeada pela Polícia Federal nesta sexta-feira (20) com autorização do STF (Supremo Tribunal Federal)
A operação cumpriu 25 mandados de busca e apreensão em cinco unidades da Federação, prendeu dois servidores da Abin e levou ao afastamento de outros três servidores, entre os quais o atual “número três” da agência, Paulo Maurício Fortunato. A PF investiga se o programa FirstMile foi utilizado contra críticos e opositores do governo Bolsonaro.
Governos estaduais principalmente do campo da direita, como os de Goiás, São Paulo, Amazonas e Mato Grosso, a PRF (Polícia Rodoviária Federal), então na gestão do bolsonarista Silvinei Vasques, e setores das Forças Armadas também compraram ou renovaram contratos para obtenção de produtos da empresa nos últimos cinco anos.
A ponta do iceberg está na edição do Diário Oficial da União de 1º de dezembro de 2017, na qual consta oprimeiro registrode contratação do programa pelo governo federal – ainda no mandato do então presidente Michel Temer (2016-2018), do MDB. A compra foi feita pela Abin por R$ 9 milhões.
Em 2017, a fabricante do FirstMile integrava o grupo israelenseVerint Systems Inc.– que tinha Caio Cruz como seu representante comercial no Brasil. Trata-se do filho do então secretário nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça, o general da reserva do Exército Carlos Alberto dos Santos Cruz, que depois integrou o governo Bolsonaro e com ele rompeu.
O filho de Santos Cruz cuidou das vendas da filial brasileira da Verint até fevereiro de 2021, quando a empresa desmembrou seu setor de inteligência para uma nova empresa, aCognyte Software Ltd. De acordo com seuperfilna rede profissional Linkedin, consultado pelaAgência Públicanesta sexta-feira (20), Caio Cruz seguia ligado ao grupo Cognyte no Brasil, atuando no setor de vendas em Brasília.
Em 2017, a primeira compra do governo federal de ferramentas do grupo israelense se deu junto à revendedora oficial da Cognyte no Brasil, então chamada de Suntech S/A.
Sediada em Florianópolis, a Suntech também trocou de nome e hoje se chamaCognyte Brasil S/A. A filial brasileira é creditada como uma das “principais estruturas” da companhia israelense no mundo, conforme declarações do grupo para a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC) – à qual presta contas por negociar ações no mercado financeiro.
O primeiro contrato com o governo foi assinado, sem licitação, a pedido do ex-secretário de Planejamento e Gestão da Abin Antônio Augusto Muniz de Carvalho, então responsável pelas compras do órgão, e do ex-diretor-adjunto da Abin Franck Márcio de Oliveira.
Na época, a companhia tinha vendido menos de R$ 2 milhões em produtos para o poder público no país. Dali em diante, a Cognyte acumulou mais de R$ 57 milhões em novos contratos, segundo um levantamento inédito daAgência Pública.
Contratos milionários em um terço dos estados
Secretarias de segurança de nove estados fecharam negócio com o grupo israelense no período apurado pela reportagem. Além de Mato Grosso, São Paulo, Amazonas e Goiás, apuração daPúblicaidentificou que outros cinco estados fizeram contratos com a Cognyte desde 2017, de acordo com publicações nos diários oficiais: Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Pará, Espírito Santo e Alagoas.
Em agosto, a Pública já havia divulgado com exclusividade na coluna “Entrelinhas do Poder” a existência de outro contrato, uma compra secreta de mais de R$ 4 milhões feita pela Comissão do Exército Brasileiro em Washington (EUA) para a “renovação de licenças de interesse” dos militares nos Estados Unidos.
A compra foianunciadaem 20 de janeiro passado, último dia de comando do general Júlio César de Arruda – destituído do cargo pelo governo Lula no dia seguinte em meio à crise com o Alto Comando do Exército após os episódiosdo 8 de janeiro.
Há registro de outra compra militar, feita pelo Comando daForça Aérea Brasileira na Europa. Um termo aditivo de um contrato firmado em 2022 foi assinado em 2023, já no governo Lula, relativo a um “sistema de sensoriamento de frequências UHF aerotransportado” para “integração e expansão da plataforma de OSINT (Open Source Intelligence), atualmente em uso pelo Comando da Aeronáutica”.
O diretor da Abin durante o governo Bolsonaro e hoje deputado federal pelo Rio de Janeiro, Alexandre Ramagem (PL-RJ), foi procurado pelaAgência Pública. Ele lembra que o sistema First Mile foi adquirido em 2018, antes do governo Bolsonaro e que, em 2019, promoveu uma auditoria formal de todos os contratos e que o referente ao sistema teve correição instaurada na corregedoria, mesmo tendo passado por prova de conceito técnico e de ter parecer favorável da Advocacia-Geral da União (AGU) quanto à sua aquisição. “O referido sistema não faz interceptação, mas demonstrava fazer localização. A operação de hoje só foi possível com esse início de trabalho de austeridade promovido na nossa gestão na ABIN.”, afirmou.
De acordo com o deputado, “a Direção-Geral da ABIN não possuía senha ou gestão do sistema. Ficava a cargo com exclusividade e discricionariedade do setor de operações” e os servidores presos na operação tiveram demissão iniciada ainda em sua gestão. Por fim, declara que “há notícia de que o sistema First Mile foi adquirido por outras instituições, também passando por prova de conceito e parecer jurídico. Nossa gestão na ABIN aparenta ser a única a ter apurado a regularidade de sua atuação.”
APúblicatentou falar com a Cognyte no Brasil, por meio de e-mail a uma de suas funcionárias e inúmeros telefonemas para a sede da empresa, em Florianópolis, nenhum atendido. Nenhum dos representantes e assessores de comunicação da empresa foi localizado.
Suspeita de exploração ilegal das redes de telefonia
Segundo oCódigo de Processo Penal brasileiro, o “acesso ao conteúdo da comunicação de qualquer natureza” – previsão na qual se encaixariam, segundo especialistas, programas como o FirstMile – “dependerá de autorização judicial”. Sem isso, a vigilância sobre qualquer indivíduo por ferramentas de espionagem se torna ilegal, segundo o entendimento de especialistas.
No exterior há um rastro de abusos ligados a governos que já recorreram a ferramentas de espionagem da companhia.Reportagemdo jornal israelense Haaretz revelou que a Cognyte vendeu softwares de localização de alvos em tempo real via GPS para o governo de Mianmar um mês antes de um violento golpe de Estado no país. De acordo coma Anistia Internacional, o governo do Sudão do Sul também usou produtos do grupo israelense para perseguir e violar direitos de opositores políticos.
De acordo com umaanáliseda Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde), o First Mile permite o rastreamento em tempo real de aparelhos móveis, como telefones celulares, e é capaz de “gerar alertas sobre a rotina de movimentação dos alvos de interesse” – ou seja, avisos sobre a localização de pessoas vigiadas por meio do programa. Segundo a Abimde, o software de espionagem israelense usa sensores táticos e plataformas analíticas próprias para tratar os dados coletados – que, conforme o jornal O Globo divulgou em março passado, poderiam vir de até 10 mil números de celular vigiados simultaneamente pelos agentes da Abin.
Uma das suspeitas de ilegalidade no uso do First Mile vem da possível exploraçãodo protocolo SS7, criado para facilitar a conexão de redes móveis por operadoras de telefonia no mundo.
Através de brechas de segurança neste protocolo usado por operadoras no Brasil e exterior, ferramentas espiãs podem interceptar a íntegra de mensagens de texto e chamadas de qualquer usuário, além de sua posição em tempo real, pois obtêm, sem consentimento dos usuários, informações da localização e do conteúdo de dados armazenados nos dispositivos monitorados.
No Brasil, porém, a extração de dados e localização em tempo real de aparelhos telefônicos – via falhas no protocolo SS7, por exemplo – depende de autorização judicial, o que não teria ocorrido no uso do First Mile pela Abin.
Segundoofícioenviado ao Ministério Público Federal (MPF) pela ONG Data Privacy, organização não-governamental que atua com direito digital no Brasil, falhas neste protocolo são geralmente exploradas da seguinte forma: “O atacante, no caso, configura o número do alvo e obtém, por meio dessa troca de informações no protocolo SS7, a informação de localização da estação rádio-base [das redes de telefonia no Brasil]”.
Ainda segundo a ONG, a exploração de falhas no SS7 configura uma “clara violação de privacidade” dos cidadãos vigiados.
“Atividade secreta e uso dissimulado” em Mato Grosso
Os contratos da companhia israelense com o poder público brasileiro não se referem apenas ao programa First Mile. Há uma rumorosa compra, sem licitação, do governo Mauro Mendes (União Brasil) em Mato Grosso junto ao grupo estrangeiro. Por meio da Secretaria de Segurança Pública, a Polícia Civil fechou um contrato de R$ 4,6 milhões em junho de 2022.
Obtido pelaPública, o documento revela o poderio de uma ferramenta adquirida chamada de GI2S – que opera de modo a “não revelar para as operadoras de telefonia celular que a rede está sendo monitorada”, “permitindo atividade secreta e uso dissimulado do aparelho” que esteja sob monitoramento dos policiais civis.
Em março passado, ojornal A Gazeta Digitalrevelou a aquisição do produto, o que levou Emanuel Pinheiro, adversário político do prefeito de Cuiabá, Mauro Mendes, a solicitar uma investigação sobre a compra.
O caso ficou com o Ministério Público Estadual, que arquivou sua apuração meses depois, em agosto. Documentos obtidos pelaPúblicamostram contradições entre o que o governo informou sobre o potencial uso do GI2S e a real capacidade do aparelho de espionagem – poderio descrito pela própria gestão Mauro Mendes no contrato assinado com a Cognyte.
A Polícia Civil opera o produto israelense GI2S, que usa uma técnicapatenteadahá mais de dez anos pela Cognyte chamada IMSI Catcher. A sigla IMSI refere-se a um número com 15 dígitos que todo telefone celular possui, uma espécie de identidade do aparelho. De posse desse número, o produto é capaz de invadir telefones sem que seus donos notem, rastreando qualquer um que use os aparelhos durante a operação.
O governo Mauro Mendes comprou a ferramenta israelense sem licitação – uma manobra comum no mercado de tecnologias de espionagem, conforme apurado pelaPública. A descrição da Secretaria de Segurança Pública do Mato Grosso para justificar a compra do aparelho é reveladora.“Utilizaremos todas as tecnologias necessárias e disponíveis para rastreamento e localização de alvos, com ações ativas e passivas, permitindo desde o acompanhamento de movimentos do alvo, com respectivos alertas pré-programados, até o uso de tecnologias para localização precisa e captura do mesmo”, de acordo com o anexo do contrato, obtido pela Pública.
A falta de um pregão público para a aquisição é algo relevante no caso. Sem uma licitação, o governo Mauro Mendes precisou relatar exatamente o que buscava com a compra, inclusive com detalhes técnicos, para que a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) de Mato Grosso aprovasse o negócio. Descritas no anexo do contrato, tais informações revelam a verdadeira capacidade do GI2S.
Operando de modo a “não revelar para as operadoras de telefonia celular que a rede está sendo monitorada”, a ferramenta pode extrair os números de série do chip e do telefone dos alvos, obtendo a “distância aproximada entre o sistema [GI2S] e o aparelho [vigiado] em metros”, “permitindo atividade secreta e uso dissimulado do aparelho” pelos policiais mato-grossenses.O hackeamento também se torna possível porque a ferramenta da Cognyte permite invasões ativas, via “entrega automática de um SMS predefinido para qualquer telefone que seja capturado”. Este é um ponto relevante, pois o governo de Mato Grosso defendeu sua compra perante o Ministério Público (MP) Estadual alegando que o aparelho GI2S era uma “ferramenta passiva”.
A entrega de SMS para captura de telefones celulares remete ao chamadophishing, que é o envio de comunicações fraudulentas de modo a parecer que vêm de fontes confiáveis, invadindo proteções do aparelho com um pretenso consentimento do usuário – por exemplo, quando a pessoa interage ao clicar em links maliciosos enviados via SMS.
APúblicaapurou que o GI2S é constituído por duas partes. Uma é física, um aparelho móvel que pode ser colocado em uma maleta e levado a um presídio durante uma rebelião ou dentro de um automóvel para uma tocaia, por exemplo, permitindo “à equipe de campo operações de maneira encoberta”. A outra parte é virtual, um programa que controla o aparelho móvel à distância e pode ser instalado em computadores, laptops e smartphones.
Por meio do “software de comando” do GI2S, quem o opera pode “varrer as frequências da região e mostrar uma lista com todos os dispositivos de comunicação detectados no raio de alcance” do produto. Assim, são coletados os números de série dos aparelhos, a operadora e a frequência de internet usada pelos alvos durante a operação, a posição GPS dos alvos, entre outros dados sensíveis, sem que os usuários dos telefones hackeados saibam.
A ferramenta ainda é capaz de criar mapas de calor com a movimentação dos alvos, mostrando “as áreas de maior probabilidade da localização do alvo” aos operadores.
O GI2S também possui a função de “operação programada”, por meio da qual é possível criar coletas automatizadas de dados de “modo não supervisionado” – permitindo aos policiais colocarem o aparelho “em um local oculto para uma operação prolongada sem ter que controlá-lo”.
APúblicaacessou, via lei de acesso à informação, o contrato entre a Polícia Civil do estado do Pará e a Cognyte, firmado em outro de 2021. De acordo com os arquivos, um outro software, o Clarian Advanced, foi comprado pelo governo de Helder Barbalho (MDB-PA) com inexigibilidade de licitação e também prevê à “interceptação, análise e solução p/ telefonia (sic)”. O contrato custou R$ 7,8 milhões ao estado.
Pontas soltas na investigação
O GI2S já estava em posse da Polícia Civil à época em que ocorria um supostoesquema de vigilância e perseguição contra jornalistas críticos à gestão de Mauro Mendes, conformereveladopelaPúblicaem janeiro passado.
Há um histórico de casos similares no meio político no estado, como um escândalo que envolveu supostas escutas telefônicas ilegais concedidas por juízes entre 2014 e 2017 durante o mandato do ex-governador Pedro Taques (Solidariedade), na chamada “Grampolândia Pantaneira”.
O recente pedido de arquivamento da investigação do MP de Mato Grosso sobre a Cognyte foi assinado no dia 18 de agosto pelo então subprocurador-geral de Justiça do estado Marcelo Ferra de Carvalho. Com base em documentos oficiais ligados à mesma compra, a Pública encontrou pontas soltas na investigação.
Em nenhum momento de sua argumentação para decidir pelo arquivamento do caso, o subprocurador-geral mencionou informações contidas no anexo do contrato da Cognyte com o governo – onde estão descritos a verdadeira capacidade do aparelho e o que a gestão de Mendes buscava com a compra.
Nodocumento, o subprocurador-geral cita um ofício do então coordenador de Inteligência Tecnológica do governo do estado, delegado Eduardo Rizzoto de Carvalho, que teria relatado que o aparelho da Cognyte seria uma “ferramenta passiva”.
Porém, no anexo do próprio contrato assinado com o grupo israelense consta a seguinte descrição da Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso: “Utilizaremos todas as tecnologias necessárias e disponíveis para rastreamento e localização de alvos, com ações ativas e passivas”.
Ainda no pedido de arquivamento, o subprocurador-geral descreveu como a Procuradoria-Geral do Estado (PGE/MT) investigou a compra do aparelho de espionagem após a denúncia na imprensa local.
O uso de ferramentas de monitoramento virtual da empresa israelense Cognyte não se restringe à Abin (Agência Brasileira de Inteligência), alvo da Operação Última Milha, desencadeada pela Polícia Federal nesta sexta-feira (20) com autorização do STF (Supremo Tribunal Federal).
A PGE apenas se reuniu com a delegada-geral da Polícia Judiciária Civil, Daniela Silveira Maidel, ainda em março (quando o caso veio à tona), “para que fossem esclarecidas as polêmicas em torno do assunto”, e consultou o coordenador da área de inteligência da polícia, que “consignou que o aparelho não é capaz de realizar interceptação telefônica, telemática ou de dados”.
Antigos aliados de Bolsonaro usam programas da Cognyte
Mato Grosso não é o único estado que adquiriu o programa GI2S. O Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa de São Paulo também o utiliza, conforme apurado pelaPública.
O governo paulista adquiriu o programa da Cognyte pela primeira vez ainda em2017e, o atual governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), outro ex-ministro de Jair Bolsonaro (PL), renovou seu uso – de acordo com o Diário Oficial do Estado.
O contrato de R$ 8,9 milhões trata da “aquisição de sistema de radiofrequência para Polícia Militar do Estado de São Paulo” e foi assinado em 9 de março passado, ou seja, cinco dias antes darevelaçãodo caso First Mile pelo jornal O Globo. A compra foianunciadano Diário Oficial de São Paulo no dia 13 de abril, mais de um mês após a assinatura do contrato.
O Diário Oficial mostra que a gestão de Ronaldo Caiado (União Brasil) em Goiás foi um dos primeiros governos estaduais, ainda em 2020, a adquirirem ferramentas da Cognyte após a compra inicial da Abin.
Não foi divulgado, porém, quanto o antigo aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e fundador da União Democrática Ruralista (UDR)gastouno “acréscimo de hardware, infraestrutura e licenças adicionais” do grupo israelense. APúblicapediu esclarecimentos sobre o contrato ao governo Caiado, via Lei de Acesso à Informação, mas o pedido foi indeferido.
Meses após a compra pelo governo Caiado, a PRF gastou R$ 5 milhões com produtos da Cognyte. Em 21 de setembro de 2021, a gestão do hoje preso Silvinei Vasques assinou ocontrato, válido por cinco anos, para “a contratação de serviços de manutenção, suporte, migração do sistema Verint [antigo nome da matriz da Cognyte] Web Intelligence e realização de treinamento oficial” para uso da ferramenta – segundoo Portal da Transparência.
Quase um ano depois, em julho de 2022, o governo de Wilson Lima (União Brasil), no Amazonas, também adquiriu produtos da empresa israelense. Aocustode R$5,9 milhões, a Polícia Civil do estado fechou a compra de um “equipamento satelital para identificação, rastreamento, monitoramento e interceptação de indivíduos em atividades relacionadas ao tráfico de drogas em ambiente urbano e florestal” para o Departamento de Investigações sobre Narcóticos (DENARC). [Falta somar os gastos do Brasil com espionagem política. Toda polícia desconhece o comando e ações das milícias e, notadamente, do tráfico de moedas, de armas, de drogas, de ouro, de pedras preciosas, de madeira nobre, de minérios, de produtos florestas, as pistas de pouso clandestinas, o fogo nas florestas, os rios envenenados (os nomes dos incendiários e traficantes de mercúrio) Edição: Ed Wanderley.
Assim como no México, no Brasil a espionagem ilegal foi amplamente usada, na operação Lava Jato, com tecnologia de última geração. Agora, isso precisa ser analisado pela Justiça, a partir de denúncia da defesa do ex-presidente Lula. Víde27 de jul. de 2021:
Roubo na Lava Jato! Deputado Renato Freitas explica espionagem na Petrobrás feita por Jorge Hardt
Recebi essa mensagem de um policial civil do Rio de Janeiro, que já trabalhou em São Gonçalo, Campos dos Goytacazes e Macaé, cidades com grande densidade demográfica e altos números de homicídios.
“Nesse tempo todo, nunca vi grupo de traficantes, narco-milicianos ou milicianos descendo de carro, com pistolas, ainda mais supondo que um inimigo (o alvo) estivesse com seus seguranças.
Bandido de facção, ou milícia, nesse caso, atira de fuzil, varre a área e depois desce, quando é o caso para conferir.
Outra coisa foram as informações que foram se acumulando, como se montassem uma versão: primeiro Dino disse que poderia ser o parentesco com deputados do PSOL, e depois, a tese do engano.
Essa tese foi abraçada pela mídia (como no caso Bodega e Escola Base) e todo mundo agora segue atrás, inclusive os milicianos e traficantes, que na guerra entre eles, buscam dominar a narrativa para causar danos aos inimigos.
E aí, seguem “conferências” entre bandidos, tribunais do tráfico, e milagrosamente, sem que ninguém pudesse identificar nas imagens do vídeo quem eram, salvo por um áudio que vazou de um processo sigiloso, que não diz nada, os caras aparecem mortos.
Pois bem, lembra do Sérgio Cortes, INTO e máfia das próteses? Lembra que teve caso semelhante no hospital da FAB? Eu não afirmaria que as vítimas, ou uma, ou duas delas estavam envolvidas em falcatruas, mas podem ter descoberto algo, e aí sim, seus algozes, com medo de que seus laços com parlamentares projetassem essas notícias, resolveram dar o recado…
Outra coisa engraçada, disseram todo tempo que os caras são amadores, atiraram a esmo, é mentira: eram quatro alvos, e eles três acertaram os 4, e três foram atingidos com disparos agrupados, o que é raro, e não houve bala perdida, e dado o ambiente, isso é muito difícil, ou seja, quem atirou sabia o que fazia, e atirou 9 mm, todos, o que indica que são policiais ou ex-policiais, e não são do Rio.
Daí a presença do terceiro atirador, de bermuda, ao contrário dos demais , esse sim atira a esmo, e parece ser o único que destoa, e de fato, ele deve ter sido recrutado pelos paulistas para vigiar os alvos e mostrar a cidade.
O carro usado não é comum de ser roubado, um Nissan Kicks…na verdade, em setembro e outubro só 4 foram roubados, 3 na área da 16ª DP, e um na área da 38ª DP (Barra da Tijuca e Brás de Pina, respectivamente)…
É possível que os paulistas já estivesse na cidade e ali perto, e seria o caso de checar os hotéis próximos…e claro, eles vieram de carro legalizado…
Usaram pistolas porque era difícil trazer fuzil clandestino de carro.
Três policias com armas curtas e de porte não causam problemas, mesmo que a arma seja fria.
Para você ter um exemplo: essa noite, um grupo de traficantes se deslocou de Macaé e atacou um bar, atiraram a esmo, na cidade de Rio das Ostras, e o fizeram como vingança pela morte de seus comparsas por traficantes daquele bairro atacado. Dois carros, armas usadas, pistolas, fuzis…Dois mortos e três feridos… Ou seja, quando esses grupo saem de “bonde” em território adversário ou para atacar inimigo, eles não vão de pistola e um carro apenas…
Vai ser mais um caso Marielle, onde todo mundo quis fazer palanque com a morte, incluindo a família, e os Bolsonaro, que imaginavam que iam colocar terror nos demais, e não se chegou a lugar algum, e ela estava mexendo com a máfia do transporte público e seus vínculos promíscuos com o setor público.
Quando trabalhei em escutas, quando os telefones não eram smartphones, e nem havia plataformas criptografadas, o normal é o seguinte:
– Colocamos plantonistas que monitoram (ouvem os alvos) ao vivo, quando as chamadas eram desviadas (desvio duplo) e quando havia algum crime para ser cometido, como entrega de drogas, a gente mandava uma equipe, e na maioria das vezes pedia à PM, para não levantar suspeitas nos alvos, e materializava a prova que havia sido mencionada no meio de prova (escuta).
– Pois bem, quando era um homicídio a gente ia para prevenir o crime, e nem se preocupava que a operação fosse revelada.
No caso dos médicos, a mídia disse que a polícia ouviu um áudio dos assassinos, e a polícia nada fez? Como assim? Não pediram a uma equipe da PM para passar no local?
Nas escutas da PF eles sempre dão os flagrantes para a PM, por exemplo, no nosso caso, a maioria das vezes a gente vai pela disputa entre as polícias, mas como eu disse antes, às vezes tem que ser com PM mesmo, e isso acontece muito no interior, onde a Civil quase não tem ninguém.
Na Capital, operação contra milícia que já dura meses, e não tem equipe de pronto emprego? E a mídia engole e não pergunta nada?
Então, Nassif, eu posso estar alucinado, não ouso dizer que estou certo, mas acho que essas perguntas têm que ser feitas…”
Concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucas famílias interfere no noticiário sobre a operação
Daniel Giovanaz
O artigoConsiderações sobre a mani pulite, escrito por Sérgio Moro em 2004, é um elogio à operação Mãos Limpas, investigação judicial que aconteceu na Itália na década de 1990. Principal inspiração da Lava Jato, a Mãos Limpas teve um resultado desastroso sob os pontos de vista político e econômico: a Itália tem um dos índices de corrupção mais altos da Europa, e o PIB é praticamente o mesmo de 12 anos atrás.Naquele texto, o juiz paranaense afirma que a mídia teve um papel decisivo durante a operação: “minar” a imagem dos réus junto à opinião pública, deslegitimando os argumentos da defesa. “A investigação damani pulite[Mãos Limpas] vazava como uma peneira. Tão logo alguém era preso, detalhes de sua confissão eram veiculados noL’Expresso, noLa Republicae outros jornais e revistas simpatizantes”, descreve Moro na terceira página do artigo. “Os vazamentos serviram a um propósito útil. O constante fluxo de revelações manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva. (...) O processo de deslegitimação foi essencial para a própria continuidade da operaçãomani pulite”.
Olhos abertos A exemplo do que Sérgio Moro constatou sobre a operação Mãos Limpas, a imprensa brasileira também contribui para o avanço da operação Lava Jato. Ao alimentar boatos sem a devida checagem, promover vazamentos seletivos e “condenar” os réus antes mesmo da sentença judicial, o noticiário brasileiro têm sido um prato cheio para pesquisadores especializados em ética jornalística. Professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal Fluminense (UFF) aposentada em 2016, Sylvia Moretzsohn estuda as relações entre a ética e os dilemas do jornalismo. Segundo ela, é natural que os interesses das empresas de comunicação interfiram nas coberturas, mas os jornais deveriam preservar o senso crítico e a checagem rigorosa das informações. “O jornalismo não se justifica se não defender causas. O problema é como as defende, se é panfletário ou não. É preciso conciliar isso com uma postura rigorosa na apuração, na divulgação, e não é isso que a gente está vendo”, analisa a pesquisadora. “A mídia passou a reproduzir a ideia de que ‘nunca se roubou tanto’ quanto nos governos PT. E a intenção foi clara: derrubar o governo [Dilma] e fazer um acordo em favor de interesses [econômicos] que estavam sendo suavemente contrariados”, completa.
Superficialidade Questionada sobre a cobertura da Lava Jato após o golpe de 2016, Moretzsohn afirma que a “fórmula” é a mesma desde 2005, quando veio à tona o caso Mensalão. “É a partir daí que a coisa começa a degringolar de maneira escandalosa: a espetacularização da Justiça, a proeminência do Judiciário como ator político”, critica. “O Mensalão já tem a figura do juiz ‘salvador da pátria’, que foi o Joaquim Barbosa, mas a Lava Jato radicaliza isso, principalmente devido ao juiz de primeira instância, que mais de uma vez optou por condenar sem provas – como no caso do [José] Dirceu. Ele [Moro] está seguindo rigorosamente o script que descreveu no artigo em 2004, de usar a mídia em favor da operação”. Em meio ao “fla-flu” ideológico, a pesquisadora lamenta que o jornalismo brasileiro apenas reforce o senso comum, apostando em colunistas políticos que associam a Lava Jato a uma luta “do bem contra o mal” – que supostamente levaria ao fim da corrupção. “A responsabilidade de qualquer jornal que não seja fascista é não dar espaço a essas vozes superficiais, que só reproduzem ódio”, acrescenta a pesquisadora. “O respeito à ética é importante, mas não temos um conselho de ética com poder efetivo. Seria interessante se houvesse uma legislação de imprensa que garantisse a liberdade e punisse gravemente essas práticas, que se avolumam na nossa história recente”. OObservatório da Ética Jornalística(ObjETHOS), vinculado ao Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), possui uma equipe de vinte pesquisadores, responsáveis por publicar dossiês, artigos e comentários semanais sobre a cobertura da imprensa brasileira e internacional. A operação Lava Jato é um tema recorrente no portal do Observatório, justamente por ocupar a maior parte do noticiário político do país desde 2015. Um dos professores responsáveis pelo ObjETHOS, Rogério Christofoletti afirma que os jornais brasileiros estão “perdidos” na cobertura da Lava Jato. “O tempo da mídia é diferente do tempo do Judiciário. A checagem dos fatos, das informações, é algo que atrasa a publicação. Mas essa é a função do jornalismo”, ressalta. “A mídia precisa questionar o que são provas e o que são indícios, precisa questionar o porquê de todos esses vazamentos”.
Problema estrutural No dia 11 de maio, Christofolettipublicou um texto crítico à cobertura do jornal paranaense Gazeta do Povosobre o depoimento do ex-presidente Lula (PT) em Curitiba. Dois dias antes de Moro receber o petista na sede da Justiça Federal, o jornal havia chamado atenção para a importância do evento que estava por vir; na edição de véspera, porém, a capa anunciava que era “muito barulho por (quase) nada”. “É muito cinismo da imprensa!”, descreve o pesquisador no título do artigo. As revistas semanais de circulação nacional também deslizaram naquela cobertura, segundo Christofoletti, estampando na capa um suposto duelo entre Sérgio Moro e o ex-presidente. A analogia é incorreta porque juiz e réu não são adversários em um tribunal. “Eu não acredito que uma revista como aVejadesconheça a função de um juiz em um processo. Mesmo assim, eles reproduzem essa lógica adversarial porque é algo que chama a atenção do público”, analisa. “Problemas técnicos muitas vezes são, também, desvios éticos”. Sylvia Moretzsohn compartilha dessa interpretação e reafirma que, desde 2005, a mídia brasileira tem violado princípios básicos do jornalismo, como a checagem das informações antes da publicação de uma manchete: “Os títulos são desmentidas pelo próprio texto. E isso não é só erro de revisão”, concorda. Para Christofoletti, “a queda da Dilma e a Lava Jato são questões conjunturais, mas o problema do jornalismo brasileiro é estrutural: a mídia brasileira é oligopolizada [está nas mãos de poucas pessoas]”. O pesquisador do ObjETHOS explica que seis famílias são donas da maior parte das empresas de comunicação do país, cujos vínculos políticos e econômicos nem sempre estão evidentes para o público: “Os meios de comunicação são atores políticos. Se a gente não esquecer disso, será bom para a democracia, bom para o jornalismo, e bom para o público”. Afinal, os interesses das empresas que apoiam a Lava Jato nem sempre coincidem com o interesse da maioria da população: “A gente não pode esquecer que, na Itália, um dos resultados da operação Mãos Limpas foi o [ex-primeiro ministro Silvio] Berlusconi, que, além da questão do autoritarismo e da corrupção, tinha uma relação muito próxima com a mídia corporativa”. Paralelamente a um processo de democratização da propriedade dos meios de comunicação no Brasil, Christofoletti aposta na transparência como compromisso ético: “O leitor precisa saber de que lado o jornal está, quais os interesses que estão jogo em uma cobertura, saber onde está pisando. Mas a mídia brasileira tem dificuldade de abandonar o discurso da isenção, mesmo que na prática as coisas se mostrem bem diferentes, como no caso da Lava Jato”.
Seis anos de oposição Em março de 2010, na sede da Fecomércio, a então diretora-superintendente da empresa Folha da Manhã S.A. – que edita o jornalFolha de S. Paulo–, Maria Judith de Brito, declarou: “Na situação atual, em que os partidos de oposição estão muito fracos, cabe a nós dos jornais exercer o papel dos partidos”. Maria Judith de Brito presidia, na ocasião, a Associação Nacional dos Jornais (ANJ). Seis anos depois, Dilma Rousseff (PT) sofreu um golpe de Estado legitimado pela mídia comercial. A pesquisadora Sylvia Moretzsohn interpreta a declaração de março de 2010 como uma síntese dos desvios éticos cometidos pelos jornais brasileiros nos últimos anos. “Isso é realmente escandaloso, porque os jornais assumem através de sua porta-voz máxima que estão fazendo oposição”, afirma Moretzsohn. “Não estão fiscalizando os três poderes, como seria até desejável dentro do conceito de ‘quarto poder’, para impedir abusos, mas se colocam na luta política como um partido”, completa. “E fazer oposição é muito diferente de fazer crítica”. In Brasil de Fato, 16 de Junho de 2017
Vídeo: "Lógica da Lava Jato era a mesma das milícias e do esquadrão da morte"
Vídeo: O jornalista e escritor Mário Magalhães disse, em entrevista ao "Jornalistas e Etc" publicada no canal UOL, que a cobertura da Operação Lava Jato foi um dos piores momentos da imprensa brasileira. "Acho que foi feito pouco jornalismo e muita propaganda. Um dos piores momentos do jornalismo brasileiro, que veio sucedido de um grande momento, que foi a cobertura da pandemia, contra um governo de comensais da morte [nome dado aos seguidores de Lord Voldemort, vilão da série Harry Potter]", analisou.
Vídeo: O ex-procurador e ex-deputado Deltan Dallagnol negociou em sigilo com as autoridades norte-americanas um acordo para dividir o dinheiro que seria cobrado da Petrobras em multas e penalidades por causa da corrupção. Procurado, Deltan não respondeu aos pedidos da reportagem, realizada em uma parceria entre o UOL e a newsletter A Grande Guerra, conta a reportagem de Jamil Chade e Leandro Demori
“Eles estão ali para matar ou morrer e essas imagens mostram que são treinados para isso. Criminosos aprendem táticas de guerrilha onde vive gente que é de paz, as maiores vítimas dessa guerra”, assim começa a narração de uma reportagem doFantásticoque tinha potencial para ser um relevante mergulho na gestão que o Estado faz sobre os ilegalismos que ele mesmo se dispõe a combater e criminalizar, mas que, apesar de tudo, acabou recorrente ao sensacionalismo barato digno da Record às 18h, na hora do café da tarde.
A matéria em questão tem 11 minutos e é trabalhada em cima de filmagens do complexo de 16 favelas da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro, captadas pelos drones da Polícia Civil do Rio de Janeiro ao longo de dois anos. As imagens mostram jovens criminosos sendo treinados mal e porcamente por alguém, que pressupõe-se serem agentes de Estado (mais sobre isso depois), para melhorar o desempenho em conflitos armados contra policiais e membros de outros grupos; além disso, fica registrado também o dia a dia das bocas de fumo e o relaxamento de membros das facções em piscinas e quadras esportivas. Ao todo, após dois anos filmando-os, a polícia decidiu indiciar 1.100 pessoas. O que a Globo fez com esse material sintetizado acima?
Um show de pânico moral
Nos primeiros minutos, eles fabricam a ilusão de que o treinamento que aqueles relés traficantes de boca de fumo estão recebendo os deixa par-a-par com as forças armadas. Afirmação não só desproporcional, como absurdamente perigosa, uma vez que passa a legitimar midiaticamente uma atuação mais violenta da Polícia. Pois veja: se todo mundo achar que o tráfico é altamente capacitado para aniquilar as forças policiais, ficará mais fácil justificar um aumento no uso de força quando houver incursões às comunidades, as ditas operações.
Desde os tempos narrados por Caco Barcellos e Misha Glenny que os traficantes do Rio recebem treinos de militares e ex-militares. Conheci até, certa vez, um rapaz que, após terminar seu período como fuzileiro naval, repassou todo conhecimento que tinha para os jovens das bocas da Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio. Um homem treinando aqui e acolá uma meia centena de rapazes que, em sua maioria, mal entraram na vida adulta versus o treinamento intenso, diário e que perdura por anos de um matador do Estado. É disso que estamos falando. Você pode por quantos treinadores for, mas um traficante nunca terá as condições de enfrentamento que as polícias têm. E isso tanto é prova que, apesar dos relatos decanos da prática de treinos de guerrilha aos criminosos, vê-se que o número de pessoas mortas pela polícia segue sendo de 6 mil em 2022 enquanto o de policiais mortos no mesmo ano foi de 171, sendo que mais da metade sequer estava em serviço. Ou seja, acontece o que acontecer, o Estado é mais bem equipado e treinado para aniquilar o outro, posto que exatamente por isso detém o monopólio da violência. Não é à toa que os entes do próprio Estado são os responsáveis por essa versão vagabunda de treinamento militar. Algo tão visivelmente vagabundo que na própria reportagem da Globo fica visível como os rapazes não conseguem fazer polichinelos ou flexões direito. Não têm pique, força ou técnica.
Outra ponto é que na irresponsabilidade de legitimar o discurso de medo e preparação para guerra que as polícias gostam de propagar aos quatro cantos, a Globo está também legitimando as chacinas e toda a longa jornada de operações que produzem o genocídio negro no Brasil. Basta ver que o Complexo da Maré foi vítima, segundo um relatório doGENI/UFF, de 23 chacinas, com 107 mortos ao todo, isso entre 2007 e 2022, configurando assim o segundo bairro da capital a mais ser afetado por chacinas policiais no Rio de Janeiro, com 107 mortos. Vítimas da violência estatal expressa nas mãos de Polícias que mais nada são do que facções legalizadas.
Ainda assim, independente das mortes e do fato de que os treinadores de traficantes pareçam ser pessoas oriundas do próprio Estado, a reportagem preferiu focar nos anseios e receios que os próprios policiais têm em relação ao panorama atual da criminalidade urbana. Tão afetados pelo discurso policialesco que estão que até a fonte especialista convidada a opinar sobre o fenômeno é o pesquisador Robson Rodrigues, um cientista social da UERJ conhecido por, outrora, ter pertencido às forças de matar do Estado. Este último, ao analisar as imagens dos criminosos em treinamento, não consegue pensar em resposta melhor para o problema do que a famosa ladainha do “investir em inteligência para fazermos operações mais precisas”, como se o problema não fosse a própria criminalização tácita da juventude negra periférica somado às necessidades do próprio Estado em gerar gestões eficientes para as ilegalidades que abarca sob uma tutela nunca assumida.
Jornalismo e ideologia
Por cegueira ideológica e contratos não escritos com as forças policiais — que só concordam em ceder imagens impactantes como essas contanto que não haja questionamentos à sua atuação —, a Globo vende a ilusão de um Estado, que deveria ser um agente de justiça, de um crime que é combatível sem que se modifique as estruturas sociais mais básicas, de uma política de segurança pública baseada na disseminação do medo para justificar o uso de força para algo que as próprias forças do Estado geram.
Afinal: a duas principais facções do país (PCC e CV) surgiram em reação às sistemáticas violações de direitos de presos; as milícias surgem e ainda se sustentam a partir de relações ilegais entre policiais e agentes de segurança do Estado num todo que tinham por intenção o lucro maximizado ao dominar territórios marginais da Zona Oeste; o jogo do bicho só se torna um fenômeno empresarial insuperável a partir da ditadura, quando o regime passa a ajudá-los por baixo dos panos; todos os grupos armados do Rio e do Brasil constroem relações econômicas com agentes de Polícias, seja por suborno, contrato ou sociedade em negócios comuns. Poderia citar aqui as inúmeras formas como aqueles mesmos indivíduos que alertam para o medo de um tráfico mais especializado são, na verdade, os gestores de toda a “brincadeira” que decorre no nosso território. Das fronteiras ao tráfico de armas internas, só não enxerga essa complexa teia de relações quem prefere cair no maniqueísmo de nós (bons cidadãos protegidos pela lei) versus eles (os bandidos que merecem ser mortos).
A Globo, com todas as contradições e disputas internas que ocorrem quando repórteres com diferentes visões brigam pela narrativa oficial de uma pauta, acaba por, na maior parte do tempo, produzir reiterações do mesmo discurso punitivo que só serve para derramar o sangue dos meus.
Se tivessem a boa vontade de ir além do que os policiais querem que saia, a produção do Fantástico poderia ter feito uma investigação mais relevante sobre como funciona esse mercado de treinos de táticas de guerras para criminosos, pondo de forma clara o foco de luz sobre a própria produção estatal desses “treinadores do crime”. Se mais responsáveis, poderiam ter avaliado que estão falando de um território sensível ao se falar da Maré, que é dividida entre áreas de domínio armado de milícias e das facções Comando Vermelho e Terceiro Comando Puro, o Complexo é um raro exemplo de convívio tão próximo de três grupos armados inimigos em um território tão pequeno. Talvez, justamente ao olhar para isso, conseguiriam reportar a verdadeira complexidade das relações entre facções. Certa vez, para uma reportagem que acabou saindo na Ponte Jornalismo, uma moradora da Maré me relatou que, para escapar do ex-abusivo, recorreu ao chefe do tráfico na favela em que morava para que ele mandasse um recado para o chefe da facção inimiga, que dominava o território em que morava o ex. Dito e feito, com o recado dado, o homem nunca mais a perturbou. Esse tipo de história explica muito mais do mundo do que a mesmice Global.
Mas o que esperar de uma equipe que numa reportagem de 11 minutos não soube diferenciar CV, TCP e milícias e não tratou de forma crítica o indiciamento de 1.100 pessoas, das quais, com certeza, a grande maioria ou não é diretamente envolvida com o crime ou pertence à ralé da ralé da hierarquia de suas redes criminais.
Como policiais e “donos do morro” evocam a imagem de um Deus guerreiro e conquistador para justificar violência. Textos bíblicos são usados para perseguir “inimigos” e religiões afro, beirando o fundamentalismo
Em junho de 2017, a pesquisadora Viviane Costa, que também é pastora da Assembleia de Deus em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, teve uma surpresa ao dar uma aula de teologia em uma comunidade na região de Parada de Lucas, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro. Depois que um dos alunos contou ter deixado o tráfico de drogas e se tornado pastor, um tipo de história de redenção a que Viviane estava acostumada a ouvir, um segundo aluno reagiu à história contado pelo primeiro de uma forma que ela não esperava.
O segundo aluno disse que não só continuava a atuar no tráfico de drogas, como se considerava evangélico e recebia a intervenção de Deus no combate aos inimigos. Sem saber o que fazer, Viviane encerrou com uma oração para não ter que dizer algo, percebendo que não tinha respostas a dar para aquela realidade desconhecida. Começava aí, para a pesquisadora, uma trajetória de busca por entendimento que levou a pesquisadora, formada em história pela Fiar, a estudar o fenômeno em um mestrado em ciências da religião pela Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), que deu origem ao livroTraficantes Evangélicos: quem são e a quem servem os novos bandidos de Deus, recém-lançado pela Thomas Nelson Brasil.
Para a pesquisadora, a teologia dos traficantes evangélicos não é muito diferente da “teologia perigosa, intolerante, de cerceamento de direitos e de liberdades” de grupos fundamentalistas que formam as “bancadas da Bíblia” nos parlamentos. “Conter o crescimento do fundamentalismo religioso é essencial para a garantia da liberdade de ser, existir e crer”, afirma.
Nesta entrevista, Viviane conta que iniciou sua pesquisa determinada a demonstrar que os “traficantes evangélicos” — como os que dominaram a região de Parada de Lucas e criaram ali um espaço conhecido como Complexo de Israel, comandado pelo pastor e traficante Álvaro Malaquias Santarosa, o Peixão — buscavam uma associação impossível do nome de Jesus Cristo com a violência. Ao longo de seu estudo, porém, ao seguir a trajetória de pesquisadores como Marcos Avito, autor de As Cores de Acari(2001), e Christina Vital da Cunha, autora de Oração de Traficante(2015), percebeu que as religiões sempre fizeram parte do mundo do crime e como o nome de Jesus já vinha sendo usado há muito tempo em contextos de violência, tanto por criminosos como por policiais, e como a imagem de um Cristo guerreiro, semelhante ao Deus do Antigo Testamento, responde aos anseios de quem vive aquela realidade.
Anscombe afirmava ter conhecido um “garoto católico” que ficou estarrecido com a afirmação de que civis inocentes foram mortos em Hiroshima e Nagasaki pela bomba por “um acidente.”[xiv]No Brasil, temos a constante sensação de que as populações marginalizadas continuam sofrendo “acidentes” análogos em operações policiais nos grandes centros. A morte de civis por uma bomba atômica é um “efeito colateral” de uma guerra tanto quanto a tortura e o assassinato premeditado de inocentes o são.
Sob o pretexto da “guerra ao tráfico de drogas”, operações policiais homéricas como a Operação Escudo são levadas a cabo todos os meses no país, com alto custo de vidas – para a polícia e para as comunidades. As constantes mortes de pessoas pobres e negras nessas operações deveriam ser abarcadas sob a presunção de que o Estado é responsável por homicídio sempre que não puder justificar a ameaça iminente total de morte do policial sem o uso da violência, sobretudo agora que há disponível a tecnologia das câmeras nas fardas.
Obliterar uma cidade inteira com a arma mais destrutiva construída até 1945 pelo ser humano era definitivamente um caso de homicídio – ou de guerra injusta. Operações policiais têm de ser analisadas caso a caso, mas o princípio geral a ser aplicado na sua avaliação (pressupondo que o combate ao tráfico é uma “guerra justa”) deve ser o mesmo que Anscombe delimitou para julgar as ações dos EUA na 2ª Guerra Mundial, por uma questão de justiça: mesmo se for possível legitimar o uso da força com um fim legítimo de garantia da segurança pública, esse fim não justifica qualquer ação policial, e as circunstâncias razoavelmente previsíveis pelo Estado têm de ser levadas em conta na responsabilização dos agentes policiais.
Afinal, a presunção de inocência e o princípio penal da legalidade são questões de justiça, cujo respeito confere racionalidade à aplicação do direito. Sem isso, a autoridade jurídica degenera na imposição da mera força bruta, conduta típica de Estados policialescos e totalitários.[xv]
[iii]Ver HART, H.L.A. Prolegomenon to the principles of punishment. In: HART, H.L.A.Punishment and responsibility: essays in the philosophy of law. 2nd ed. Oxford: Oxford University Press, 2008, p. 4 e ss.
[iv]RAWLS, John. Two concepts of rules.The Philosophical Review, v. 64, n. 1, p. 3-32, 1955, p. 11-12.
[vi]“Cláudia* chegou ao protesto [contra as mortes na Operação no Guarujá] poucas horas depois de enterrar seu tio, morto pela PM na última sexta (28). Evandro da Silva Belém, conhecido na quebrada como ‘Meu bom’, tinha 35 anos. Segundo sua sobrinha, ele estava recolhendo entulho quando policiais chegaram. Alguns saíram correndo. Ele não. ‘Ele não correu porque não devia nada. Arrastaram para um beco e mataram. Ele deixou duas filhas’, contou Cláudia, mostrando o braço arrepiado ao falar do tio. ‘Quer dizer que porque a gente é pobre, tem que ser tratado desse jeito?’, se indigna. ‘Não é operação, é opressão’, resume.” MONCAU, Gabriela. ‘É vingança’: moradores do Guarujá e movimentos sociais denunciam execuções e pedem saída de policiais.Brasil de Fato, 2023. Disponível em:https://www.brasildefato.com.br/2023/08/02/e-vinganca-moradores-do-guaruja-e-movimentos-sociais-denunciam-execucoes-e-pedem-saida-de-policiais.
[vii]LIPSCOMB, Benjamin J. B.The women are up to something: how Elizabeth Anscombe, Philippa Foot, Mary Midgley, and Iris Murdoch revolutionized ethics. Oxford: Oxford University Press, 2022.
[ix]ANSCOMBE, G. E. M. Modern moral philosophy. In: ANSCOMBE, G. E. M. (Ed.).The collected philosophical papers of G. E. M. Anscombe. Vol. 3: Ethics, religion and politics. Oxford: Basil Blackwell Publisher, 1981, p. 31-33.
[x]ANSCOMBE, G. E. M. War and murder. In: ANSCOMBE, G. E. M. (Ed.).The collected philosophical papers of G. E. M. Anscombe. Vol. 3: Ethics, religion and politics. Oxford: Basil Blackwell Publisher, 1981, p. 52-53.
[xii]LIPSCOMB, Benjamin J. B.The women are up to something: how Elizabeth Anscombe, Philippa Foot, Mary Midgley, and Iris Murdoch revolutionized ethics. Oxford: Oxford University Press, 2022, p. 158-159.
[xiii]ANSCOMBE, G. E. M. War and murder. In: ANSCOMBE, G. E. M. (Ed.).The collected philosophical papers of G. E. M. Anscombe. Vol. 3: Ethics, religion and politics. Oxford: Basil Blackwell Publisher, 1981, p. 58.
Apesar dos caminhos teimarem em levar algum dos Bolsonaro na direção do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, as investigações, provavelmente, não chegarão a nenhum deles e podem aportar lá atrás, na CPI das Milícias presidida pelo então deputado estadual Marcelo Freixo de quem Marielle era assessora parlamentar.
De certo, há muitas coincidências no caso, como a do miliciano Ronnie Lessa morar em uma casa alugada no mesmo condomínio do ex-presidente, a suposta ligação afetiva entre Jair Renan e a filha de Lessa, o fato de Élcio Queiroz ter dito na portaria do condomínio que iria na casa 58, o porteiro ter mudado o depoimento e o acesso de Carlo Bolsonaro aos arquivos de visitantes da portaria do condomínio Vivendas da Barra no dia do crime.
Um ano antes do crime, Marielle e Carlos, que também é vereador, se envolveram em uma discussão nos corredores da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. O motivo da discussão, segundo testemunhas, foi Carlos ter ouvido de um assessor de Marielle que ele fazia parte de uma família conservadora que “beirava o fascismo”.
Em depoimento à Polícia Civil o assessor contou: “Ele perguntou: ‘O que você falou?’ Eu disse que apenas estava apresentando o contexto político local para duas pessoas que não eram do Rio. Aí, ele gritou: ‘Mas você me chamou de fascista’. Eu pedi desculpas e disse que só estava apresentando a minha visão. Disse que não foi com a intenção de provocar”.
Segundo o site UOL, Carlos Bolsonaro teria entrado no seu gabinete. E, em seguida, voltado para o corredor, acompanhado por assessores. Ao ouvir os gritos, Marielle também saiu, com pessoas que trabalhavam em seu gabinete.
Segundo o assessor envolvido na discussão, ela se aproximou para perguntar o que estava acontecendo. “Esse moleque está me ofendendo. Ele me chamou de fascista“, respondeu Carlos, segundo a versão apresentada pelo assessor. “Aí, a Marielle perguntou: ‘Mas vocês não nos chamam de um monte de coisa?’. Talvez tenha sido o único momento em que ela foi mais incisiva”, lembrou o assessor.
É muito provável que o mandante seja alguém muito poderoso ligado à milícia. Milícia que entrou na vida política de Jair Bolsonaro através de seu leal amigo, o então policial Militar Fabrício Queiroz.
Em todas as eleições que participou, Bolsonaro fez campanha entre militares e pensionistas de militares, defendendo, principalmente, o aumento de salários e pensões. Aproveitando a exposição, Bolsonaro estendeu seu discurso contra a ‘bandidagem’, o que lhe garantiu o selo de defensor da família não só entre vovôs e vovós, mas também entre policiais que se sentiram com a missão de exterminar o ‘mal pela raiz’.
Quando Flávio Bolsonaro foi eleito para a Assembleia Legislativa com apenas vinte e dois anos, foi vendido como o representante político e ideológico dos “guerreiros fardados” que lutavam por espaço e poder nos territórios do Rio, tendo Fabrício Queiroz como principal articulador da rede de apoio.
A relação dos Bolsonaro com a milícia foi se estreitando a ponto de condecorarem policiais por ‘serviços prestados’ à sociedade. Como foi o caso de Adriano da Nóbrega, ex-policial e chefe do escritório do crime, morto em uma emboscada na Bahia, supostamente por ‘queima de arquivo’.
Sob Jair Bolsonaro ronda uma atmosfera e herança sem mérito de fato, do falecido delegado e deputado estadual Guilherme Godinho Sivuca, membro da Scuderie Detetive Le Cocq, que tinha como objetivo a repressão ao crime, executando bandidos ao longo do tempo o que ocasionou a sigla EM, no popular, como referente a esquadrão da morte. Sivuca é o autor da lendária frase “Bandido bom é bandido morto”.
Talvez a participação de algum dos Bolsonaro no crime de Marielle e Anderson, tenha sido a influência que eles têm na polícia do Rio de Janeiro para dificultar as investigações e, posteriormente, como Presidente da República, utilizar o Ministério da Justiça, com Sérgio Moro na pasta, para aparelhar a Polícia Federal, com o intuito de proteger o seu ‘pessoal’.
Agora que as investigações estão sem as correntes que as impediam de prosseguir, o crime será finalmente solucionado e que os mandantes e executores sintam a pena forte da justiça.
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