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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

24
Ago23

Amiga de Michelle está na mira do STF

Talis Andrade

 

por Altamiro Borges

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O site Metrópoles postou nesta terça-feira (22) uma notinha que deve ter preocupado bastante Michelle Bolsonaro – também apelidada de Micheque, Misheik, Miscash e Mijoias... –, que já está toda enrolada com o escândalo da venda ilegal de joias nos EUA. Segundo a matéria, “Rosimary Cardoso Cordeiro, a amiga que emprestava um cartão de crédito emitido em seu nome para a então primeira-dama durante o governo de Jair Bolsonaro, está na mira das investigações tocadas pelo ministro Alexandre de Moraes no Supremo Tribunal Federal”. 

Rosi, como é conhecida, conhece bem os segredos de Michelle Bolsonaro – a “santa do pau oco”, segundo a ironia da deputada Gleisi Hoffmann, presidenta nacional do PT. Ela trabalha há anos como funcionária comissionada do Senado Federal. Durante as trevas bolsonarianas, ela esteve lotada no gabinete do então senador Roberto Rocha (PTB-MA), fiel aliado do governo fascista. Atualmente, a amiga da ex-primeira-dama está acomodada no gabinete da também bolsonarista Damares Alves (Republicanos-DF). 

Cúpido de Michelle e Jair Bolsonaro

Conforme apimenta o site Metrópoles, “Rosi, que a ex-primeira-dama trata carinhosamente pelo apelido de Chuchu, se apresenta como a responsável por ter aproximado Michelle de Jair Bolsonaro, nos tempos em que as duas trabalhavam juntas na Câmara e ele era deputado. Ao longo do governo passado, ela acompanhou Michelle Bolsonaro em algumas viagens, inclusive ao exterior. Em uma visita do próprio Jair Bolsonaro ao Maranhão, ela chegou a integrar a comitiva oficial, com direito a voar a bordo do jato presidencial”. 

Ainda segundo a notinha, as faturas do cartão emitido em nome de Rosimary Cordeiro que Michelle Bolsonaro usava para suas despesas pessoais eram pagas com recursos providenciados pelo tenente-coronel Mauro Cid, o ex-faz-tudo do presidente. “Não era só isso, porém. Para além do cartão, outro dado que chamou a atenção dos investigadores envolve indícios de que Rosi enviava, com regularidade, envelopes com dinheiro para Michelle no Palácio da Alvorada. Funcionários a serviço da Presidência eram encarregados de buscar as encomendas”. 

Já uma reportagem do jornal Estadão de maio passado demonstrou que a “ex-primeira-dama utilizou por cerca de 10 anos o cartão de crédito da amiga. Na época em que pegou o cartão emprestado, Michelle já era casada com Jair Bolsonaro. No governo do ex-presidente, o salário de Rosi subiu de R$ 6,4 mil para R$ 17 mil. Rosi conheceu Michelle quando a ex-primeira-dama também trabalhava no Congresso. As duas foram assistentes do deputado Vanderlei Assis (2004-2006). Michelle ainda trabalhou para Marco Aurélio Ubiali (2006-2007) e para a liderança do PP (2007) – então partido de Bolsonaro – e, ainda, no próprio gabinete do então deputado e hoje ex-presidente (2007-2008)”. 

A inclusão de Rosimary Cordeiro nas investigações do STF poderá ajudar a esclarecer as tenebrosas transações financeiras do casal Bolsonaro.

Homem bomba de Damares pega 6 anos de prisão

 
 
28
Jul23

Em 2020 Gavin Adams previa a senha Selva dos acampados golpistas de 8 de janeiro de 2023 em Brasília

Talis Andrade
28
Jul23

Condomínio Rei do Gado desagrada Michelle

Talis Andrade
Charge: Duke

 

Por Altamiro Borges

A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro – também apelidada carinhosamente de Micheque e de Misheik – não gostou do nome dado pelos internautas ao condomínio de luxo em que ela e o marido residem: “Rei do Gado”. Ela reclamou da lacração no Google Maps e a plataforma já alterou para o nome original: Solar de Brasília. 

Irritada, a presidenta do PL Mulher postou: “Uns moram no ‘Condomínio rei do gado’, outros, no ‘Palacete do Ex-Presidiário’”, numa referência leviana ao presidente Lula. Ela só não levou em conta que seu maridão em breve poderá ir para a cadeia. Ele já foi declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral e tem mais 15 processos em análise no mesmo TSE, outros cinco inquéritos do Supremo Tribunal Federal, ações no Tribunal de Contas da União e várias denúncias em organismos internacionais. 

Em nota, a plataforma esclareceu que “o objetivo do Google Maps é fornecer informações precisas e úteis sobre lugares ao redor do mundo. Consultamos uma variedade de fontes para determinar o nome de um lugar ou um recurso na plataforma... A contribuição dos usuários ajuda as pessoas a basear suas decisões sobre onde ir e o que fazer em um mundo em constante mudança. Quando há imprecisões, nós trabalhamos para removê-las o mais rápido possível”. O nome “Condomínio Rei do Gado” era até apropriado – e hilário – mas já foi deletado. 

Lata de leite condensado personalizada

Como lembra o jornal O Globo, “após deixar a Presidência, Bolsonaro se mudou para o condomínio em março, assim que retornou de seu autoexílio nos Estados Unidos. A residência em que vive com Michelle tem 400 metros quadrados de área construída. De acordo com a revista Veja, o aluguel custa R$ 12 mil mensais. Além do ex-presidente, o Solar de Brasília tem cerca de quatro mil moradores, divididos em 1.220 casas. Em abril, Bolsonaro chegou a ganhar um café da manhã de boas vindas de seus vizinhos. Na ocasião, recebeu uma lata de leite condensado personalizada com os dizeres ‘nosso eterno presidente desde 2019’”. Coisa típica do gado fascista!

Caso Marielle e o desespero de Bolsonaro

 
 
27
Jun23

PL presididos por Michelle Bolsonaro e Valdemar pagou R$ 1,1 milhão a instituto que produziu parecer contra urnas eletrônicas

Talis Andrade

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Mediante cinco parcelas de R$ 225 mil, o Instituto Voto Legal elaborou um documento que defendia a invalidação de votos registrados em 279 mil urnas no segundo turno da segunda derrota de Jair Bolsonaro

 

247 - Um levantamento recente trouxe à tona novas informações sobre a polêmica envolvendo as urnas eletrônicas e o Instituto Voto Legal, em meio aos desdobramentos que apontam para a inelegibilidade de Jair Bolsonaro (PL). Segundo Lauro Jardim, do jornal O Globo, o PL, presidido por Valdemar Costa Neto e Miichelle Bolsonaro, despendeu a quantia significativa de R$ 1,1 milhão nesse processo. O Instituto Voto Legal foi contratado para produzir relatórios acerca da segurança das urnas eletrônicas, porém, seu parecer gerou controvérsias. [Foi um parecer safadoso, que Bolsonaro foi derrotado no primeiro turno, que elegeu Lula da Silva presidente, senadores, deputados federais, governadores, deputados estaduais, e derrotado no segundo turno, que elegeu Lula e governadores. Bolsonaro foi derrotado nos dois turnos, como indicavam as pesquisas]

Ao custo de cinco parcelas de R$ 225 mil, totalizando R$ 1,125 milhão, o instituto elaborou um documento que defendia a invalidação de votos registrados em 279 mil urnas no segundo turno. No entanto, essa solicitação foi prontamente rejeitada pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, que não apenas o classificou como falso, mas também impôs uma multa de R$ 22,9 milhões ao partido por litigância de má-fé. Nenhuma irregularidade nas urnas eletrônicas foi comprovada.

Vale ressaltar que o julgamento no TSE que poderá resultar na inelegibilidade de Bolsonaro e afastá-lo das urnas por oito anos não aborda diretamente a contratação do instituto nem os relatórios produzidos. A questão em pauta refere-se ao episódio em que Bolsonaro, durante um discurso no Palácio da Alvorada diante de diversos embaixadores, atacou o sistema eletrônico de votação e acusou a Justiça Eleitoral de fraudar eleições. 

25
Jun23

Nota de solidariedade às deputadas federais perseguidas por rechaçar o Marco Temporal

Talis Andrade

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Seis parlamentares enfrentam perseguição machista após se posicionarem contra o Marco Temporal. Misoginia de Arthur Lira e do PL Mulher de Michelle Bolsonaro

 

O SINASEFE registra irrestrita solidariedade às deputadas federais Célia Xakriabá (PSOL-MG), Érika Kokay (PT-DF), Fernanda Melchionna (PSOL-RS), Juliana Cardoso (PT-SP), Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e Talíria Petrone (PSOL-RJ). As seis parlamentares enfrentam perseguição machista após se posicionarem contra o Marco Temporal.

O Partido Liberal (PL), partido de Bolsonaro, presidido por Michelle Bolsonaro, apresentou uma representação ao Conselho de Ética da Câmara, atacando simultaneamente as deputadas combativas.

A representação contra as deputadas federais choca, pois foi aceita em 24h após o pedido do partido de oposição. A argumentação da extrema direita é de que as parlamentares ofenderam o deputado Zé Trovão (PL-SC) durante a votação do catastrófico Marco Temporal, que ocorreu na semana passada, e foi aprovado por 283 votos a favor e 155 contrários. O Projeto de Lei (PL nº 490/07) restringe a demarcação de terras indígenas, exigindo a comprovação de que aqueles povos indígenas já habitavam o local para demarcação antes de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição federal atual.

O SINASEFE se solidariza com as companheiras parlamentares, denunciando a sanha machista e misógina do PL. É inaceitável que em pleno ano de 2023 o machismo e a violência política de gênero ainda se manifestem desta maneira no legislativo brasileiro.

Seguimos e seguiremos ostensivamente em defesa dos mandatos populares das mulheres de luta. Estas companheiras são mulheres trabalhadoras (que apoiam o movimento popular, o movimento sindical, o MST e o MTST) e por isso são perseguidas por homens misóginos ligados ao latifúndio e ao agronegócio da morte.

Basta de machismo e violência de gênero!

Direção Nacional do SINASEFE

Clique aqui e confira a nota acima no timbre oficial do SINASEFE.

Petição

As parlamentares organizam uma petição virtual de apoio aos seus mandatos. “Nos ajude a derrotar esse ataque e dar um recado à eles, ASSINE E APOIE A MOBILIZAÇÃO em defesa de nossas lutas e contra os golpistas. Seguiremos firmes, juntas e venceremos” explicam.

Fonte: SINASEFE.

O Conselho de Ética da Câmara instaurou no dia 14 de junho processos para apurar a conduta das deputadas Célia Xakriabá (Psol-MG), Sâmia Bomfim (Psol-SP), Talíria Petrone (Psol-RJ), Erika Kokay (PT-DF), Fernanda Melchionna (Psol-RS) e Juliana Cardoso (PT-SP). Todas as representações foram apresentadas pelo PL presidido por Michelle Bolsonaro. O partido diz que as deputadas quebraram o decoro parlamentar durante a votação do projeto do marco temporal de terras indígenas (PL 490/07) no Plenário da Câmara no fim de maio.

O processo foi aceito por Arthur Lira, que foi alvo de críticas

12
Jun23

Ataques às mulheres e ao "gênero" no Congresso e os avanços necessários

Talis Andrade
 
 
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DIREITO ELEITORAL

As mulheres parlamentares e seus direitos vêm sendo alvo de ataques misóginos

por Nicole Gondim Porcaro e Monike Santos

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Desde o início da nova legislatura as mulheres parlamentares e seus direitos vêm sendo alvo de ataques misóginos. Com destaque para o último 8 de março, em pleno Dia Internacional da Mulher, no qual diversos deputados federais proferiram discursos machistas, misóginos e transfóbicos na tribuna em sessão da Câmara, eivados de ódio e intolerância. Um dos objetivos de tais posturas indecorosas foi obviamente agredir a bancada feminina mais diversa já vista [1], em especial as deputadas federais trans eleitas na nova legislatura — Duda Salabert (PDT/MG) e Erika Hilton (PSOL/SP) —, o que causa indignação por evidenciar mais um exemplo de violência política de gênero.

A violência política de gênero [2] é considerada uma das principais causas da sub-representação das mulheres na política, e pode ser caracterizada como todo ato com o objetivo de excluir a mulher do espaço político, impedir, obstaculizar ou restringir seu acesso ou induzi-la a tomar decisões contrárias à sua vontade. E que se agrava quando direcionada um grupo de mulheres especialmente vulnerabilizadas, uma vez que, segundo a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), 80% das mulheres trans eleitas relatam falta de segurança no exercício do cargo [3], em um país que lidera o ranking de assassinatos dessa população.

Tal realidade exige uma atuação comprometida do Estado para proteger e garantir o exercício de seus direitos políticos, não devendo tais discursos serem acobertados pela imunidade parlamentar, considerando que a transfobia foi equiparada pelo STF ao crime de racismo (ADO 26 e MI 4733, j. 13.06.2019).

O ocorrido revela ainda uma falha na redação da Lei nº 14.192/2021, que tipificou o crime de violência política contra a mulher nos códigos Eleitoral e Penal, ao usar a expressão "sexo" em vez de "gênero", que afeta diretamente a garantia dos direitos das pessoas trans.

Toda a literatura e produção legislativa internacional sobre o tema utiliza o termo "violência política de gênero", mas no Brasil se optou por "contra as mulheres". Na verdade, se observa hoje uma grande cruzada contra o termo "gênero" em qualquer circunstância na política brasileira.

Portanto, antes de avançar o debate sobre a violência política de gênero, é necessário compreender o conceito de gênero, em contraste com o conceito de sexo. Enquanto este está relacionado aos aspectos biológicos/orgânicos, nos quais os seres humanos são divididos ao nascer em uma oposição binária entre corpos de "fêmeas" e "machos" [4], "gênero" compreende as características naturalizadas como femininas ou masculinas, porque tratam-se de constructos sociais a respeito dos papéis que lhe são atribuídos [5] e, por tal razão, podem sofrer modificações de sua percepção, conforme as diferentes culturas e períodos históricos.

Essa dualidade entre feminino e masculino expressa valores contrastantes de fragilidade e força, gerando indevidas subordinações [6]. Beauvoir [7] trouxe à lume a construção de uma perspectiva em que a mulher deixava de ser limitada ao seu corpo, e a limitação da presença do feminino no espaço público passou a ser atribuída a uma construção social que vai para além da biologia.

O conceito de gênero expõe, portanto, que as categorias homem e mulher não tratam de diferenças sexuais, mas demarcam relações de poder que reproduzem hierarquias sociais, conferindo ao homem a posição de mando e à mulher, a situação de submissão, além de determinar formas de violência específica contra mulheres.

A categoria "gênero" é um instrumento [8] empregado desde os anos 80 para entender as desigualdades, violências e dinâmicas de poder entre homens e mulheres — privilegiando o princípio da igualdade. Usado tanto como categoria histórica, como categoria de análise central na pesquisa acadêmica, nos encontros institucionais, nos tratados internacionais e no ativismo pela igualdade e direitos das mulheres.

Falar em políticas públicas com perspectiva de gênero é diferente de políticas públicas para mulheres por direcionar a ação governamental à superação das desigualdades baseadas nas hierarquias criadas pela estrutura patriarcal, visando a transformação do papel da mulher na sociedade: mais autonomia e equidade, menos vulnerabilidade e dominação masculina — fortalecendo as mulheres como grupo, sempre como sujeitos e nunca objetos, e tendo como horizonte a justiça social.

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Em movimento oposto, observa-se uma reação neoconservadora à agenda de igualdade de gênero e da diversidade sexual, que se diz em "defesa da família" e "anti-gênero". A noção de "ideologia de gênero" surge então como um espantalho, uma estratégia política para servir à atuação conjunta de atores políticos conservadores e fornecer novos recursos para a mobilização popular [9].

Isto porque, para uma visão conservadora, a natureza é determinante nas aptidões e papéis de homens e mulheres, prevalecendo sobre as dinâmicas sociais. A noção de gênero desafia tal crença e desorganiza a ordem patriarcal, por exemplo, ao levantar questões como autonomia reprodutiva e direitos sexuais, que deslocam a maternidade como destino da mulher e a reprodução como finalidade da união conjugal e formação da “família tradicional”.

Na conjuntura atual, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que tipificou a violência doméstica, a mais conhecida forma de violência de gênero, provavelmente não teria sido aprovada como foi. A lei define violência doméstica como "qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial" (Lei 11.340/2006 em seu artigo 5º). A evidenciação que tal legislação trouxe ao contexto, valendo-se do conceito de gênero, fez compreender que esse tipo de violência contra as mulheres se estrutura em relações íntimas de afeto e poder que vão além de agressões por parte do cônjuge, o que inclui ex-parceiros, namorados e até mesmo outros familiares.

Importa dizer que a Lei Maria da Penha é um marco legal que trouxe luz a outras modalidades de violência sofridas pelas mulheres, trazendo ao debate público o quanto isso impacta na sua participação igualitária na sociedade. No Brasil, foi essa movimentação legislativa que contribuiu para iniciar um processo de desnaturalização da violência doméstica, notadamente porque deixou de ser tratada como algo de caráter privado, no qual o Estado não deveria ter interferência. Esse processo de desnaturalização, no entanto, ainda não foi capaz de atingir efetivamente a violência política de gênero.

Nos últimos anos, houve um aumento no número de mulheres políticas na sociedade, mas essa inclusão também veio acompanhada de uma ampliação e replicação de agressões sofridas por aquelas que ousaram fazer parte dessa realidade social. Essa violência atinge mulheres de todo o espectro ideológico, e pode ser física, sexual, psicológica, econômica ou simbólica, mas tem como vítimas preferenciais aquelas mulheres atravessadas por outros tipos de opressão, como o recorte étnico-racial e de identidade de gênero.

Aqui, a identidade de gênero é termo que decorre do conceito de gênero, e pode ser compreendida como a "forma que cada pessoa se reconhece, vivencia e nomeia sua própria existência e/ou subjetividade num contexto social generificado, isto é, marcado por relações e dinâmicas de gênero" [10]. No que toca à pessoa transgênero, explica Jaqueline de Jesus [11], autora transgênera e especialista no tema, que o termo "transgênero" é utilizado para se referir às pessoas que não se identificam, em diferentes graus e de diferentes formas, com os papéis de gênero que correspondem à designação que lhes foi atribuída no nascimento pela comunidade. Desse modo, a autora define a transexualidade como uma questão de identidade e explica que uma pessoa transexual é aquela que reivindica o reconhecimento como mulher ou homem, dependendo da identidade de gênero com a qual se identifica. Em outras palavras, a transexualidade não se baseia na orientação sexual, mas sim na identificação de gênero de uma pessoa.

E a compreensão do gênero como orientador necessário da violência política contra as mulheres é tão importante que, no primeiro caso concreto relacionado à Lei nº 14.192/2021 julgado no Brasil, decidiu-se que a norma deve ser aplicada à mulher trans como vítima [12], seguindo entendimento da 6ª Turma do STJ sobre a aplicação da Lei Maria da Penha à violência contra mulher trans. A primeira decisão sobre o crime previsto no artigo 326-B do Código Eleitoral foi tomada no dia 23 de agosto de 2022 no âmbito do processo nº 0600472-46.2022.6.19.0000 pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Rio de Janeiro, recebendo denúncia contra parlamentar que proferiu discurso transfóbico em face da vereadora Benny Briolly (PSOL-RJ) na Assembleia Legislativa.

O TRE-RJ entendeu que "não se tratou de injúria genérica, mas de agressões verbais centradas na condição de mulher transgênera e negra de Benny Briolly", evidenciada a "intenção de dificultar o exercício do mandato da vereadora trans". Citou-se como fundamento "os prismas do reconhecimento e da não discriminação, bem como à definição estatuída no Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero editado pelo Conselho Nacional de Justiça".

Voltando aos ataques performados na Câmara dos Deputados no último 8 de março, em fala no evento "Elas querem igualdade na política" [13] realizado na Câmara no dia 14 de março de 2023, a deputada federal Erika Hilton (PSOL/SP), mulher trans, fez uma fala muito importante:

"A gente espera que nenhum ato de ódio, de violência, de preconceito, de discriminação contra qualquer grupo social passe impune dentro dessa casa, porque a impunidade do Congresso Nacional corrobora com a impunidade em toda a sociedade e não só corrobora, incentiva, legitima, legaliza, e nós não podemos mais tolerar."

A reiterada violência embutida pela certeza de que o corpo e a identidade trans — e de todas as mulheres — podem ser objetos de ditames afrontosos e intolerantes, persegue uma linha desqualificadora da convivência plural de uma Casa política. É um recurso para manutenção da política como um espaço masculino cisheteronormativo, uma ofensiva contra o movimento pela inclusão das mulheres nos espaços decisórios em sua diversidade, e uma forma de controlar a liberdade da mulher política.

Os discursos misóginos e transfóbicos proferidos por parlamentares em pleno Dia Internacional da Mulher, além de infringir o código de postura concernente à atuação decorosa exigida, são atos de violência política de gênero, e eles devem ser responsabilizados. É preciso que se solidifique o entendimento de que o discurso não é inofensivo, ele também pode ser violento e não está sempre protegido pela liberdade de expressão. Não existe liberdade no discurso que incita a discriminação do outro.

A compreensão do gênero como orientador da violência política contra as mulheres é crucial para evidenciar que discursos como os proferidos no Dia da Mulher são uma ameaça à inclusão das mulheres, em sua diversidade, nos espaços decisórios, e limitam sua autonomia na atividade política, além de poderem influenciar outras agressões ainda mais graves. A tolerância de discursos de ódio e discriminatórios em plena Casa Legislativa incentiva e legitima essas práticas em toda a sociedade.

Nesse sentido, é necessário um esforço coletivo por parlamentares para analisar como a violência contra as mulheres é tratada na Câmara, e incluir dispositivos específicos contra a Violência Política de Gênero no Regimento Interno. A proteção e garantia do exercício dos direitos das mulheres parlamentares depende da conscientização e da tomada de medidas assertivas por partes de todos os agentes públicos e políticos. O Estado não será plenamente democrático enquanto for permissivo diante da violação pública e notória de suas próprias cidadãs eleitas.

- - -

[1] JOTA Info. O tímido avanço da representatividade dos grupos minorizados nas eleições 2022. Bianca Maria Gonçalves e Silva, Emma Roberta Palú Bueno e Bárbara Mendes Lôbo Amaral. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/elas-no-jota/representatividade-das-mulheres-e-minorias-nas-eleicoes-de-2022-17112022  

[2] Ver canais de denúncia em: https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/secretarias/secretaria-da-mulher/violencia-politica-de-genero-a-maior-vitima-e-a-democracia

[3] Disponível em https://antrabrasil.files.wordpress.com/2021/01/dossie-trans-2021-29jan2021.pdf.

[4] BENEVIDES, Caio P; POLETTI, Enrico Martins J. Sexo Biológico. In: Dicionário Jurídico do Gênero e da Sexualidade / Marcelo Maciel Ramos, Márcia F. Ribeiro da C.Valentin, Pedro Augusto Gravatá Nicoli (orgs.). 1ª ed. Salvador, BA: Devires, 2022. P. 633-638.

[5] ÁLVARES, Maria Luzia Miranda. "A questão de gênero e a violência doméstica e sexual". AmazôniaIPAR — Revista Teológico-Pastoral, Belém-PA, p. 25-30, 2003. Disponível em http://www.ufpa.br/projetogepem/administrator/questaodegenero.pdf. Acesso em 15/03/2023.

[6] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero — 2021. P. 16.

[7] BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

[8] TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil e outros ensaios. São Paulo: Alameda, 2018.

[9] BIROLI, Flávia; MACHADO, Maria das Dores C.; VAGGIONES, Juan Marco. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2020.

[10] BENEVIDES, Caio P. Identidade de gênero. In: Dicionário Jurídico do Gênero e da Sexualidade / Marcelo Maciel Ramos, Márcia F. Ribeiro da C.Valentin, Pedro Augusto Gravatá Nicoli (orgs.). 1ª ed. Salvador, BA: Devires, 2022. P. 473-482.

[11] Jesus, Jaqueline Gomes de. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos / Jaqueline Gomes de Jesus. Brasília, 2012.

[12] https://www.tre-rj.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Agosto/colegiado-do-tre-rj-aceita-denuncia-contra-deputado-estadual-rodrigo-amorim

[13] Disponível em: https://www.camara.leg.br/evento-legislativo/67213

 
 
 
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Lembrei daquele turismo sexual maroto que Mamãe Falei fez em zona de guerra. 
 
 
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