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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

21
Mar22

A medalha no lugar errado

Talis Andrade

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por Cristina Serra

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Com a campanha eleitoral na porta, Bolsonaro vai empregar, cada vez mais, estratégias da guerra de comunicação que ele sabe manejar como poucos, é preciso admitir. Deve-se a isso a medalha do mérito indigenista que ele e alguns puxa-sacos receberam. Sendo o presidente o maior inimigo dos povos indígenas, dar a ele essa honraria equivale a premiá-lo pela excelência no combate à pandemia no Brasil.

Esse tipo de provocação captura a agenda do debate público, dispersa o foco, ocupa as instituições, que precisam responder aos seguidos abusos. É forçoso manifestar nossa indignação contra o escárnio, como bem fez o indigenista Sydney Possuelo, que devolveu a mesma medalha, por ele recebida há 35 anos.

Possuelo é um desses brasileiros gigantes, descendente direto da linhagem que começa com o marechal Rondon, passa pelos irmãos Villas-Bôas e chega ao médico Erik Jennings. Ex-presidente da Funai, ao tempo em que a instituição defendia os indígenas, Possuelo foi quem idealizou a política de respeito ao isolamento voluntário de algumas etnias.

A ira santa que o fez devolver sua medalha – esta, sim, merecida – deve nos servir de guia e inspiração. Precisamos lembrar e falar, o tempo todo, do que realmente importa. E o que importa? A fome, o desemprego, a miséria, o aumento da gasolina e do gás, o PIB minguante, a inflação crescente, a carne trancada a cadeado na geladeira do supermercado. E o crime maior: o genocídio de 660 mil brasileiros. Mudar a classificação de pandemia para endemia não diminuirá a torpeza do delito.

Importam ainda a devastação da Amazônia, a expansão das milícias, a sociedade intoxicada de armas e violência, as negociatas da família presidencial, da base corrupta no Congresso e dos generais malandros, as rachadinhas e a pergunta: quem mandou matar Marielle? Vital é também resistir aos ataques contra a democracia e eleições limpas. O resto é truque de distração da cartilha extremista.

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04
Fev22

Bolsoporco: Bolsonaro pensa que pobre é igual a ele, que não sabe comer com educação

Talis Andrade

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O Sujismundo do Planalto acha que ser pobre é sinônimo de maus modos à mesa. Isso tem nome: preconceito de classe

 

 

Desesperado com a forte rejeição à sua reeleição entre as camadas mais pobres da sociedade, sobretudo no Nordeste (61%, segundo o último Datafolha), Jair Bolsonaro fez um vídeo neste domingo, 30 de janeiro, onde come frango com as mãos, derramando farofa em cima de si mesmo e no chão. A intenção do presidente era se mostrar um cara simples, do “povão”, e assim tentar reduzir esta rejeição.

O tiro saiu pela culatra. Compartilhado por Fabio Faria, o vídeo rendeu ao presidente a tag #Bolsoporco no twitter e acabou excluído pelo ministro das Comunicações, mas confirmou a impressão geral de que, para Bolsonaro, os pobres são iguais a ele, que não sabe se comportar à mesa. Isso tem nome: preconceito de classe.

Não é a primeira vez que o Sujismundo do Planalto tenta, à Janio Quadros –famoso por colocar talco sobre os ombros para fingir que era caspa–, encenar a imagem de “homem do povo” utilizando imagens em que se alimenta como um animal, com perdão aos animais. Ainda na campanha eleitoral, o então candidato do PSL divulgou uma fotografia onde comia pão com leite condensado sem utilizar prato, com migalhas e líquido espalhados sobre a mesa.Em maio do ano passado, no dia em que o Brasil ultrapassava a triste barreira dos 10 mil mortos pelo coronavírus, Bolsonaro saiu para andar de jet ski no lago Paranoá como se nada estivesse acontecendo e apareceu comendo cachorro-quente numa barraquinha de rua da capital de boca aberta, com restos de mastigação à vista. Aliás, seu médico já recomendou que aprendesse a mastigar direito para não ser internado novamente com obstrução intestinal. Pelo visto o conselho não surtiu efeito. (Cynara Menezes)Image

04
Fev22

Fábrica de mentiras: Carluxo estava no “set” da grotesca cena da farofa

Talis Andrade

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Filho do presidente responsável pela tática caótica de comunicação do governo aparece em novo vídeo supervisionando a malfadada gravação do pai comendo frango assado na rua como um bárbaro

 
 

A nauseabunda cena de Jair Bolsonaro comendo frango assado com a mão e se refestelando num banho de farofa, aparentemente numa beira de rodovia do DF, no domingo (30), divulgada à exaustão por seus ministros, subordinados e bajuladoresfoi um tiro que saiu pela culatra. Chamado de “porco” e “imundo” por todos os cantos do Brasil, as imagens desagradaram até mesmo seus fanáticos seguidores, que interpretaram a performance como uma tentativa de associar hábitos simples, das pessoas pobres, com sujeira e falta de higiene.

Já nesta segunda-feira (31), o grotesco episódio do presidente soterrado por farofa, comendo como um bárbaro, ganhou um novo capítulo: a presença de seu filho Carlos, o vereador carioca que comanda toda a caótica máquina de comunicação do Planalto, aparece num vídeo feito por outro ângulo, junto à tenda onde seu pai e os guarda-costas protagonizam a cena nojenta.

Desde os primeiros momentos após a divulgação das imagens de Bolsonaro comendo com as mãos e todo sujo, os internautas já afirmavam ser aquele mais um teatro típico do estilo comunicacional de Carluxo, que tenta colar no pai o rótulo de homem simples, do povão, ainda que seu irmão mais velho more numa mansão de R$ 6 milhões, o mais novo numa outra de R$ 3,2 milhões, que seu pai organize excursões para 70 pessoas com destino a Dubai que custou R$ 3,6 milhões aos cofres públicos e que tenha torrado R$ 29,6 milhões no cartão corporativo desde que assumiu a Presidência, em 1° de janeiro de 2019.Image

 

 
04
Fev22

Política hoje mexe mais com as paixões que com argumentos, analisa pesquisadora

Talis Andrade

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A revolução causada pelas redes sociais na comunicação do mundo provocou alterações importantes no discurso político. Hoje, a política impulsionada pelo mundo digital mexe muito mais com as paixões do que com argumentos lógicos, analisa Camila Moreira César, professora da Universidade Sorbonne Nouvelle e pesquisadora de comunicação e democracia.

Nas últimas duas décadas, a forma como os políticos falam publicamente e o modo de falar sobre política mudou profundamente com a redução da importância de meios de comunicação tradicionais e de espaços institucionalmente legítimos, explica a pesquisadora.

Se antes o espaço de fala da política tinha solenidade e acontecia em uma entrevista na televisão ou em uma fala diante de um partido ou de um sindicato em cima do púlpito e com momento para começo e fim, as redes sociais e a possibilidade de transmitir toda e qualquer mensagem quebrou os códigos preexistentes.

Nas arenas digitais, “há uma dessacralização da política, um alargamento das formas de produzir, de falar, de se apropriar desta política, tanto para os atores institucionais, partidos, candidatos ou pessoas que estão em mandato, quanto para os eleitores, que agora têm em seus celulares um jeito muito simples de participar e de agir nessas disputas discursivas, ainda que de maneira passiva”.

Política da identificação

A mudança no meio provoca alterações no conteúdo. Com o acesso à cena pública fácil e horizontal, já que todos em alguma medida podem ter, os políticos falarão com o público de igual para igual, buscando criar uma identificação. “Isso faz parte do que muitos pesquisadores têm chamado de populismo 2.0, esse ponto de criar uma identificação, uma proximidade que antes era inexistente”, comenta Moreira César.

Essa identificação é criada com um discurso que busca formas específicas de falar simples, mas também em imagens feitas para serem replicadas, como a difusão de cenas da vida privada que anteriormente não seriam vistas no espaço público, como um almoço com farofa espalhada pelo chão ou uma dança sobre uma lancha no meio do mar.Image

Para aproveitar as plataformas digitais, que reúnem as pessoas por preferências e selecionam o conteúdo a ser mostrado por algoritmos, a política tornou-se o lugar preferencial das paixões. “Essa política é muito mais lacradora porque ela está mais apaixonada, ela mexe muito mais com os sentimentos, com as paixões das pessoas em detrimento do que antes era um espaço mais para os argumentos”, afirma a professora.

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Sem constrangimentos

Tentando potencializar a circulação das informações, o discurso político digital vai focar em seus seguidores já convertidos – que também serão aqueles que vão curtir e espalhar as informações. E essa fala direta para convertidos cria uma liberação da palavra que ultrapassa, por vezes, o bom senso público.

“Estamos em uma fase de polarização importante e o funcionamento destas plataformas permite este retorno a círculos mais privados de discussão, que nos deixam mais à vontade para falar coisas que antes não se falavam. E isso cria uma forma de encorajamento nas pessoas para falar coisas que antes eram constrangedoras de se dizer em público.”

O fenômeno ganhou força não só no Brasil, mas em toda América Latina, como mostra o livro recém-publicado “Discours Politiques et Médiatiques en Amérique Latine”, organizado por Camila Moreira César, Henry Hernandez-Bayter e Ailin Nacucchio. A publicação reúne pesquisas de diferentes países da região apresentadas durante um colóquio sobre discurso político realizado em 2019.DISCOURS POLITIQUES ET MÉDIATIQUES EN AMÉRIQUE LATINE - DU XXIE SIECLE,  Henry Hernandez-Bayter, Camila Moreira Cesar, Ailin Nacucchio - livre,  ebook, epub

Ainda que a forma como o discurso político mudou seja parecida, os conteúdos que vão ser usados neste discurso têm grande diferença. Se no Brasil o combate em relação a questões de gênero tornou-se central entre grupos religiosos e conservadores, o tema não mobiliza, por exemplo, na Argentina, país com leis mais progressistas em relação ao aborto, cita a pesquisadora.

Apesar desta revolução das redes sociais e da entrada de novas plataformas como o TikTok, para as eleições de 2022, Camila Moreira César aposta que os termos serão mais moderados do que aqueles da última disputa presidencial brasileira. “Não acho que as coisas serão tão acaloradas como em 2018, acho que a crise que tivemos, que a gestão catastrófica da pandemia são pontos que vão pesar”, considera.

12
Mar21

Pode isso, “Dr. Judiciário”?

Talis Andrade

“A história nega as coisas certas. Há períodos de ordem em que tudo é vil e períodos de desordem em que tudo é alto. As decadências são férteis em virilidade mental; as épocas de força em fraqueza de espírito. Tudo se mistura e se cruza, e não há verdade senão no supô-la.”

Fernando Pessoa, O Livro do Desassossego

 

Era uma segunda-feira, 17 de março de 2014, quando o telefone tocou cedo. Uma operação da Polícia Federal. Nesses casos, a gente sempre espera para ver a dimensão da operação antes de aceitar qualquer cliente. Logo em seguida, 3 dias depois, foi preso Alberto Youssef. Mal sabíamos que ali seria o início da Operação Lava Jato, importante operação que viria movimentar o país, com resultados surpreendentes até virar uma operação política, conduzida por um juiz determinado a ser presidente da República, instrumentalizando o Poder Judiciário e tendo como pupilo um grupo de procuradores da República que instrumentalizavam o Ministério Público. Tudo isso com apoio da grande mídia e um forte esquema de marketing coordenando as ações e divulgações. Começava ali a maior fraude ao sistema de justiça do Brasil.

Dos três clientes que me procuraram, optei por advogar para Alberto Youssef. Já sabia quem ele era, bem como tinha conhecimento de quem eram Moro e seus pupilos procuradores, pois eu havia atuado na Operação Sundown, impingindo ao grupo de Curitiba a maior derrota que eles até então haviam sofrido. Conhecia a indigência intelectual e moral do grupo, que fazia tudo pelo poder. Mas agora, a briga seria muito maior. Os caipiras estavam com poder midiático de fogo e queriam ainda mais poder. A qualquer custo.

Não demorou para eu deixar a advocacia de Youssef pois, em setembro daquele ano, os procuradores, com medo de uma derrota, exigiram que Youssef desistisse de um habeas corpus lque impetrei para tratar da liberdade. Atitude canalha e covarde dos procuradores que se aproveitaram do momento de fragilidade de um cidadão preso. Ali, comecei a ver e a sentir os abusos daquela República de Curitiba que, cega pela mídia, se julgava salvadora da pátria. Escândalo anunciado e tragédia certa. Mas ainda não imaginávamos o estrago que seria causado à credibilidade da justiça brasileira. A grande Cecília Meirelles sempre nos salva:

“O rumor do mundo vai perdendo a força
E os rostos e as falas são falsos e avulsos.
O tempo versátil foge por esquinas de vidro, de seda de abraços difusos.”

Sentindo o cheiro dos abusos, vendo e ouvindo os personagens lúgubres que coordenavam o circo, criando fortes laços com a barbárie e com um golpe ao estado democrático, resolvi resistir. Eram muitos os absurdos: excessos de prisão, estupro das delações premiadas, achaques, juiz com jurisdição nacional, juiz parcial, enfim, o caos.

Um grupo de advogados resolveu debater, questionar, enfrentar o que já se anunciava como um bando de delinquentes. Sem maiores acessos à grande mídia, que até assessorava a gangue, resolvi cair no mundo e, 2 ou 3 vezes ao mês, ao longo dos últimos 5 anos, corri o Brasil de norte a sul para discutir o direito, a Constituição, as garantias, sempre recitando poesia depois dos debates para ridicularizar os bárbaros. Eles têm medo da literatura. Tive plateias de 4000 pessoas, outras de 200, pouco importava. Sem ser dono da verdade, seguia falando e desmontando esse grupo de golpistas, incultos, banais. Em cada cidade, após as palestras, sempre surgia um convite para entrevistas nos jornais locais, rádios, programas de TVs. Se era para apontar o esquema criminoso engendrado pela “gangue de Curitiba”, eu aceitava o convite.

E o bando se especializou em fraudar não só o sistema de justiça, mas em vender uma imagem de salvadores da pátria. Em 9 de setembro de 2015, escrevi um artigo na Folha de São Paulo, “QUE PAÍS QUEREMOS?”. Já em 2015, afirmei que não admitia que absolutamente ninguém, juiz, procurador ou policial, pudesse dizer que quer o combate à corrupção mais do que eu, mais do que qualquer cidadão sério. Mas, repetia eu um conceito que se transformaria num mantra: esse combate tem que ser dentro das garantias constitucionais, do devido processo legal e com a ampla defesa assegurada. A resposta a essa pergunta está no voto do Ministro Gilmar Mendes, proferido no julgamento da última terça-feira.

Muitas vezes, sentia o peso avassalador dos grandes interesses querendo nos esmagar. A verdadeira guerra travada na discussão que levou à vitória da presunção de inocência, no Supremo Tribunal, mostrou que o Brasil não é um país para amadores.

A força econômica, a grande mídia, o punitivismo exacerbado, a criminalização da política, a substituição de parte da política por uma proposta de não políticos, o controle da narrativa por parte dos medíocres de Curitiba, a falsa crença de que nós éramos contra o combate à corrupção e a favor da impunidade fizeram com que andássemos pelo País em busca de um sonho que a realidade insistia em negar.

Mas o debate e a palavra têm uma força devastadora quando nós sentimos a justiça do nosso lado, mesmo que grupelhos se apoderem inescrupulosamente da narrativa simbólica entre os “maus e os homens de bem.” Bando de medíocres que não se vexaram em brincar e zombar com a liberdade e as garantias constitucionais em nome de um projeto de poder. Lembro-me de Mário de Sá-Carneiro, no poema A Queda:

“E eu que sou o rei de toda esta incoerência,
Eu próprio turbilhão, anseio por fixá-la

Peneiro-me nas sombras- em nada me condenso…
Agonias de luz eu vivo ainda entanto.
Não me pude vencer
mas posso me esmagar.
– Vencer as vezes é o mesmo que tombar-

Tombei …
E fico só esmagado sobre mim.”

Na sina, na busca incessante por um mundo mais livre, mais justo e igual, começamos a ver cair os pilares de um projeto hipócrita, com viés fascista e demolidor, de um direito que representa a dominação e o obscurantismo. No julgamento da parcialidade do juiz e da força-tarefa de Curitiba, parecia que passava um filme dos melhores momentos dos últimos anos. Algumas frases dos votos nos remetiam a plateias espalhadas, ao longo de 5 anos, pelo imenso Brasil. Eu me reconheci ali naquelas frases, naqueles votos.

A decisão do Ministro Fachin anulando os processos por uma chapada incompetência do juiz nos remete às centenas de críticas feitas à jurisdição nacional ou universal de Curitiba. Nunca o óbvio demorou tanto a vir à tona. Mas veio, e lembrei-me do poeta: “é tarde, mas ainda é tempo”.

Agora, o projeto de poder desse grupo que procurou deslegitimar a política, que criminalizou os políticos e a advocacia, que corrompeu o sistema de Justiça e abalou a crença em um poder Judiciário justo, começa a ser realmente desnudado. O juiz e seus asseclas, os procuradores, delegados e advogados de araque que lhe eram submissos, devem também ser responsabilizados.

Não é hora de comemorar, pois estamos no pior momento deste horror da crise sanitária. O grupo fascista e orientado pela necropolítica, que cultua a morte, foi eleito e é filho legítimo da gangue de Curitiba, responsável pela dimensão da catástrofe. A visão covarde, canalha e negacionista levou o país a inacreditáveis 2.349 mortos em um só dia. Números oficiais, pois a subnotificação é brutal. Mais de 270 mil mortos. A banalização da morte, a ridicularização da dor da perda dos que sofrem, o sadismo e falta de empatia são a marca desses desalmados. Uma enorme e densa nuvem cegou a todos os que queriam ver. Uma nuvem que nos abraça, não o abraço da solidariedade, mas o que nos imobiliza e nos sufoca. Que tira nosso ar. Que, de tão densa, nos esmaga e não permite que a esperança saia e respire.

Mas, o enfrentamento dos abusos dessa operação fajuta e criminosa, que é o que se tornou a Lava Jato, há de ser um alento para o cidadão que viu a liberdade ser manietada, a dignidade ser usurpada e sentiu que um Judiciário corrompido politicamente consegue uma morte da cidadania tão angustiante como a morte física pela falta de ar. A irresponsabilidade que fez faltar o ar nos hospitais e nos pulmões é irmã siamesa da irresponsabilidade que sufocou o sistema de justiça. Escondo-me em T.S. Eliot:

“Súbito num dardo de luz solar
Enquanto a poeira se move
Aflora o riso oculto
Das crianças na folhagem
Depressa agora, aqui, agora, sempre
-Ridículo o sombrio tempo devastado
Que se estende antes e depois.”

 
 
 
 
 
 
26
Fev21

Com a palavra o MP e o Supremo

Talis Andrade

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por Antônio Carlos de Almeida Castro /PRERRÔ

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“Bate-me à porta, em mim, primeiro devagar.
Sempre devagar, desde o começo, mas ressoando depois, ressoando violentamente pelos corredores e paredes e pátios desta própria casa que eu sou.
Que eu serei até não sei quando.
É uma doce pancada à porta, alguma coisa que desfaz e refaz um homem…”

Herberto Helder, poemas completos.

Um dos grandes riscos que corremos nesta sociedade midiática é o da banalização do absurdo. Com a proliferação de notícias, discussões feitas por whatsapp, a substituição da leitura de livros por textos com, no máximo, um número tal de caracteres, a tendência é que as análises acabem ficando na superfície, dignas de uma reunião ministerial do atual governo.

É quase humanamente impossível, especialmente para quem tem uma vida intensa e plena, acompanhar, por exemplo, os vazamentos das mensagens com pencas de possíveis crimes e de abusos da chamada “gangue de Curitiba”. Ao que parece do que foi revelado, é uma espécie de crimes em série, como se fosse um serial killer, mas com raro requinte de crueldade. Ficamos meio que anestesiados com a quantidade de informações que brotam como se tivessem vida própria.

Difícil acreditar do que a mente humana é capaz quando deturpada e corrompida pelo poder, como o que estamos vivenciando com esse grupo que foi coordenado pelo ex-juiz Sérgio Moro. A mais absoluta falta de limites e de vergonha mesmo, como o próprio Dallagnol confessa nas mensagens. São tantos e tamanhos os absurdos que parece realmente um grande romance de mau gosto. Uma lástima que seja real. Eles prostituíram de tal maneira a realidade que, às vezes, preferimos imaginar uma peça de realismo fantástico. Mas, infelizmente, até pela mediocridade reinante no bando, o que existe é mesmo uma realidade manipulada, deturpada, falsa, canalha. Valho-me de Carlos Drumond, no poema Os ombros suportam o mundo:

“Chega um tempo em que não se diz mais: Meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.

E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Ficas-te sozinho,
A luz apagou-se,
Mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza,
Já não sabes sofrer.

….

Teus ombros suportam o mundo
E ele não pesa mais do que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue
E nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
Preferiram (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação. ”

É necessário entender que o excesso de poder e, principalmente, a expectativa de um poder ainda maior fizeram com que o bando perdesse a noção do risco, do perigo, da dignidade mínima dos cargos que ocupam e ocupavam. Ao instrumentalizarem o Poder Judiciário e o Ministério Público, eles deram um tapa na cara de milhares de juízes e procuradores sérios do Brasil afora. Jactavam-se donos da verdade e vestais da moralidade. Neste momento de tristeza e recolhimento, com a falta de ar e a angústia que nos acomete a todos, a sociedade ainda tem que conviver com esse verdadeiro ataque ao sistema de justiça e, por consequência, ao estado democrático de direito, promovido por esse bando.

O projeto de poder do ex-juiz e dos procuradores, seus liderados, teve uma primeira vitória ao eleger o atual presidente negacionista. Boa parte dos 250 mil mortos e da dor dos familiares e amigos ronda e assusta esses siderados pela responsabilidade evidente do bando. Agiram sem limites, embriagados pelo poder. E ainda induziram em erro os Tribunais Superiores, os quais recebem os processos com a prova encartada e não analisam, processualmente falando, a origem das provas. É claro que o princípio que norteia o Judiciário é o da boa-fé. Não se podia imaginar que os processos continham tantos vícios de inconstitucionalidade, de ilegalidade, incontáveis abusos de poder, quebras de imparcialidade. É hora do desnudamento pleno dessas manipulações, abusos e falsidades.

Com a quantidade de hipotéticos crimes diários possivelmente cometidos pela República de Curitiba, revelados pela mídia, e estando o país parado sem uma política de combate ao vírus, o que se imaginava seria um arrefecimento do filme de terror que é estrelado por esse bando. Sempre tem um lavajatista disposto a discutir e encontrar desculpas para tudo. Insinuam que não há crime no relacionamento de subserviência entre procurador e juiz, ou no prejulgamento dos réus, ou nos vazamentos criminosos, enfim, tentam encontrar desculpas para todos os fatos claramente ilegais.

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Mas agora surge um dado constrangedor na relação possivelmente criminosa do bando. Não satisfeitos em promover uma verdadeira destruição de alguns setores, de banalizar a preventiva, de estuprar o instituto da Delação, de pregar a necessidade de prisão antes do trânsito em julgado, logo após o julgamento em segunda instância, eles agora querem acabar de vez com a credibilidade do sistema: ficou constatado que a Delegada de confiança do ex-juiz e dos procuradores simplesmente forjava depoimento que nunca existiu. E a falsidade era de pleno conhecimento do bando, conforme as mensagens demonstram, mas deixaram para lá, omitiram-se em seu dever ético, moral e legal de apontar o crime e cuidar de investigá-lo. Não fizeram, para satisfazer interesse pessoal. Prevaricaram?

Opa! Vamos repetir, é isso mesmo, pelo teor dos diálogos, a delegada de estimação do bando fazia, criava, inventava depoimentos para ajudar e agradar aos chefes da operação. Dá uma profunda decepção, desalento mesmo, ao perceber que esse grupo vivia em um submundo com suas trevas, ocultando ações que destroem a credibilidade do sistema de justiça.

É inimaginável e indefensável que procuradores da República mantenham o seguinte diálogo:

Dallagnol (25/01/2016): “Como expõe a Erika: ela entendeu que era pedido nosso e lavrou termo de depoimento como se tivesse ouvido o cara, com escrivão e tudo, quando não ouviu nada… dá no mínimo uma falsidade… DPFs são facilmente expostos a problemas administrativos”.

Orlando Martello: “Podemos combinar com ela de ela nos provocar diante das notícias do jornal para reinquiri-lo ou algo parecido. Podemos conversar com ela e ver qual estratégia ela prefere. Talvez até, diante da notícia, reinquiri-lo de tudo. Se não fizermos algo, cairemos em descrédito. O mesmo ocorreu com padilha e outros. Temos q chamar esse pessoal aqui e reinquiri-los. Já disse, a culpa maior é nossa. Fomos displicentes!!! Todos nós, onde me incluo. Era uma coisa óbvia q não vimos. Confiamos nos advs e nos colaboradores. Erramos mesmo!”

Dá nojo de ver o grau que chegou a manipulação em busca de um projeto de poder!

São inúmeras as ações que devem ser investigadas. Uma leitura rápida da troca de mensagens nos deixa a impressão que ocorreram outros depoimentos forjados, falsos. Há que se apurar se esses depoimentos falsos foram usados em condenações. Imagine o que significa fabricar um depoimento, “com escrivão” e tudo, e depois usar esse depoimento como prova para condenar! E a menção da “confiança” que os procuradores depositavam nos advogados e delatores, o que significa? Os advogados e delatores sabiam, ajudavam a produzir tais documentos? Isso tem que ser investigado. Quem são os advogados, quem são os delatores?

Há anos sou um crítico ferrenho do que a República de Curitiba fez com o instituto da delação. Sempre com a ressalva que se trata de um importante instituto para o enfrentamento do crime organizado, eu apontei dezenas e vezes a verdadeira prostituição da delação. Sempre alertei da necessidade de se apurar possíveis prisões para forçar delação, acordos sem base legal, quebra da espontaneidade, venda de segurança, coação, extorsão, ameaça, conluios. Uma verdadeira usina de mercancia das delações. Servia para proteger criminosos e atingir inimigos. Sim, como o grupo tinha propósitos políticos, eles, os membros, escolhiam inimigos e instrumentalizavam o sistema de justiça contra esses “inimigos”. Um escárnio! Lembro-me de Manuel Bandeira, em Noite Morta:

“Noite morta.
Junto ao poste de iluminação
Os sapos engolem mosquitos.
Ninguém passa na estrada.
Nem um bêbado.
No entanto há seguramente por ela uma procissão de sombras.
Sombras de todos os que passaram.
Os que ainda vivem e os que já morreram.
O córrego chora
A voz da noite….
– Não desta noite
Mas de outra maior-.”

E é como sempre afirmo, ao final, não só os juízes e os procuradores devem ser responsabilizados, mas também os delatores de ocasião e de aluguel e os advogados que se prestaram a essa farsa. Agora, com a notícia de que podem ter forjado depoimentos e os procuradores podem ter prevaricado e protegido, sem investigar, urge que se entenda o que isso realmente significa. Qual a extensão da manipulação dos processos por esse bando. Constata-se que induziram os Tribunais Superiores, até mesmo o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, em erro. Provas inventadas chegaram aos Tribunais como se válidas fossem. Uma ousadia que abalou a confiança do cidadão no Poder Judiciário.

Com o apoio da pesada estrutura de marketing, esse grupo subverteu todas as garantias que representam um sistema de justiça digno desse nome. E esbofetearam a grande maioria dos juízes e procuradores que são sérios e probos. Cabe ao Poder Judiciário e ao Ministério Público uma resposta à nação e ao povo brasileiro. A manipulação tem que ser desmascarada. Com a palavra, o Procurador-Geral e o Supremo Tribunal Federal.

Em um momento de gravidade ímpar no qual o país, à deriva, vê inacreditáveis 250 mil mortos pelo vírus, milhões de famílias entregues à dor da perda ou a angústia da falta de perspectiva, nosso único foco deveria ser a vacina. O Supremo Tribunal não tem faltado ao brasileiro no enfrentamento da urgência do combate à pandemia. Mas essas revelações não podem ser tragadas pela tragédia da crise sanitária. No seu tempo, têm que ser enfrentadas.

A instrumentalização do sistema de justiça é como a falta de ar para o infectado. A prisão injusta usada como projeto de poder significa a retirada do ar que alimenta a dignidade da pessoa.  Sem o ar as pessoas morrem sufocadas pelo vírus, sem a dignidade o homem morre pela falta de capacidade de acreditar na justiça. O mal que esse bando fez é como um vírus que foi inoculado, dolosamente, e corroeu a crença em um Judiciário justo e imparcial.

Uma pesada nuvem, densa e tóxica, de desesperança desceu sobre as pessoas e obstruiu a visão, calou a voz, sufocou pela angustiante falta de ar e aniquilou o espírito com a revolta das injustiças perpetradas. A vacina é uma investigação profunda e a responsabilização desses verdadeiros vírus, que ousaram subverter, em nome de um poder a ser alcançado a qualquer custo, todo o nosso sistema de justiça. Recorro-me ao eterno Miguel Torga, no livro Penas do Purgatório no poema Reminiscência:

“Prossegue o pesadelo
Feliz o tempo, que não tem memória!
É só dos homens está outra vida
Da recordação.
E são inúteis certas agonias
Que o passado distila no presente!
Tão inúteis os dias
Que o espírito refaz e o corpo já não sente!
Continua a lembrança dolorosa
Nas cicatrizes.
Troncos cortados que não brotam mais.
E permanecem verdes, vegetais,
No silêncio profundo das raízes.”

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25
Jul20

República de canalhas

Talis Andrade

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Advogado analisa foro especial

E distorções que instrumento causa

por ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO /Poder 360

“Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).”
“Só uso as palavras para compor meus silêncios”
Manoel de Barros

 

É interessante notar que, vez ou outra, o tema do foro especial por prerrogativa de função se apresenta, ainda que de maneira indireta. Um exemplo claro de tentativa canhestra de burlá-lo se deu agora com o Delta quando ele optou por escrever uma petição, de maneira a escamotear os nomes completos dos presidentes do Senado e da Câmara. O intuito de não demonstrar que as autoridades citadas tinham foro no Supremo ficou mais evidente pela desculpa esfarrapada no sentido de que os nomes não cabiam no papel. O grande Elio Gaspari expôs o ridículo do argumento:

“(…) foram apanhados pelo repórter Leonardo Cavalcanti chamando Rodrigo Maia de “Rodrigo Felinto” e David Alcolumbre de “David Samuel” numa planilha oficial. Esse golpe é velho, usado por delegados e procuradores que tentam confundir juízes. Justificando-se, a equipe do doutor Martinazzo disse que os nomes completos não cabiam no espaço. Contem outra, doutores. Pode-se fazer tudo pela Lava Jato, menos papel de bobo. O nome Rodrigo Felinto tem 15 batidas, Rodrigo Maia cabe em doze.”

É o que eu sempre afirmei: esta turma da Lava Jato possui um excelente setor estruturado de marketing, pois juridicamente são bem fraquinhos. Eticamente, inexistentes. E, se forem expostos, certamente vão dar vexame se explicando. Eles me lembram o velho rabugento Bukowski: “Posso viver sem a grande maioria das pessoas. Elas não me completam, me esvaziam”.

É claro que a maior de todas as falsidades se deu, inúmeras vezes, pelo então verdadeiro chefe da força-tarefa de Curitiba, o ex-juiz, ao burlar incontáveis vezes o princípio do juiz natural e se autodeclarar juiz universal, com competência e jurisdição em todo o território nacional. Juiz de todas as causas em que o interesse político do grupo que representava estivesse presente. Juiz ad hoc. Muito mais do que juiz parcial. Juiz com definição de interesse específico. O que estivesse no radar do projeto político do grupo passava a ser de competência restrita do magistrado. Essa é uma das importâncias de se discutir a dimensão do que representa o juiz natural. Não apenas por ser um requisito constitucional, mas também por poder afastar os interesses políticos de grupos que não se intimidam em instrumentalizar o Ministério Público e o Poder Judiciário.

Com a espetacularização do processo penal, grupos inescrupulosos viram, na seara do Judiciário, um meio fértil para fortalecer projetos de poder. A discussão sobre o juiz natural sempre foi relevante no direito brasileiro, especialmente quando ocorre tentativa clara de burlar os Tribunais Superiores. Um caso clássico foi o do ex-senador Demóstenes Torres. O Ministério Público, a polícia e um juiz de 1º Grau tentaram burlar a competência constitucional do Supremo Tribunal –afinal, Demóstenes era senador– e fizeram uma investigação sem poderes para tanto. À época, eu era advogado do senador e me vi obrigado a me socorrer ao Supremo Tribunal, com um HC, e, por unanimidade, retirar dos processos todas as provas obtidas de maneira ilegal, com artimanhas e desprezo à Constituição. O resultado foi a anulação, ao final, de todos os procedimentos e processos contra o senador.

Ao longo da vida, advoguei para 4 presidentes da República, mais de 90 governadores, dezenas de senadores, ministros, deputados e sempre os alertei, todos eles, que eu era contra o foro especial por prerrogativa de função. E mais, que eu entendia ser o foro uma “armadilha” contra os réus. Menos à época em que nem sequer havia os processos, as denúncias, mas essa é outra história…

Sempre afirmei que, em um sistema republicano, o foro especial por prerrogativa de função deveria ser extinto. O caso conhecido como mensalão é uma prova cabal do risco que ele representa. O processo foi julgado pelo plenário do Supremo e, antes do espetáculo midiático da Lava Jato, era, até então, o maior sucesso de mídia no Judiciário brasileiro. Com uma massiva campanha pela condenação, com uma mídia opressiva e determinada, o julgamento foi se afastando de qualquer rigor técnico.

Para conseguirem as condenações, os ministros fizeram uma vergonhosa subleitura da teoria do domínio do fato. Alguns por não dominarem a teoria; outros por uma definição prévia de condenação. Fico à vontade para analisar, pois meus clientes, Zilmar e Duda Mendonça, foram absolvidos. Ainda que, como resultado da excessiva exposição midiática, mesmo absolvidos, inocentados, eles, por anos, continuaram no imaginário popular como “mensaleiros”, ou seja, foram condenados. Mas, pelo menos, mesmo condenados pela opinião pública, livraram-se soltos.

Os efetivamente condenados não tiveram como recorrer exatamente em razão do foro “privilegiado”. Julgamento midiático em única e última Instância, tudo que não pode ocorrer em um Estado que se pretenda democrático. Numa República, não há justificativa para foros diferentes, porque a regra é que somos iguais, todos, em direitos e deveres. E a expectativa é um Judiciário independente, rápido, aparelhado para aplicar e fazer cumprir a Constituição.

Proponho uma reflexão sobre a hipótese de manter o foro no Supremo Tribunal somente para os presidentes dos Três Poderes e o procurador-geral da República. As demais autoridades que hoje detêm o foro especial por prerrogativa de função seriam julgadas por um juiz de 1º Grau, com uma relevante inovação: toda e qualquer medida restritiva de direito (prisão, busca e apreensão, afastamento do cargo e quebra de sigilos, enfim, o afastamento de qualquer garantia constitucional) só poderia ser feita por um colegiado de 3 ou 5 desembargadores. O processo seguiria o rito normal com um juiz de 1ª Instância que julgaria o caso, mas as medidas restritivas teriam que ser colegiadas.

Não é salutar um juiz apressado mandar prender o ministro da Fazenda, o presidente do Banco Central ou uma autoridade cuja detenção abale para muito mais das hostes individuais. Esta é uma discussão que cabe fazer neste país onde a velha e a surrada frase “sabe com quem está falando” pula de boca em boca. Ora está na boca de um desembargador; ora, na de um encastelado dos Jardins ou da zona sul, que ainda se sentem melhores do que os demais cidadãos. Como se existissem cidadãos de 1ª e de 2ª classe. É contra esta prepotência, esta pobreza de espírito, esta forma de racismo enraizado, este autoritarismo enrustido que eu proponho esta reflexão.

Assim, quando uma “autoridade” ou um idiota qualquer que se esconde atrás de uma montanha de dinheiro ou de poder sacar um argumento de falsa autoridade, nós poderemos responder: “Não sabemos quem é você atrás desta arrogância, mas aqui é a República”. Parafraseando o cartunista Rafael Corrêa: “E agora, o que faremos? Poesia, esses canalhas não suportam poesia”. Talvez com uma dose de humildade, de humanidade, até mesmo estes pobres de espírito da autointitulada República de Curitiba possam entender o que é República, numa visão humanista e igualitária. Pode não significar nada, mas pode ser um começo. Como ensina a nossa Clarisse Lispector: “E, antes de aprender a ser livre, tudo eu aguentava, só para não ser livre”.

 

10
Jul20

"Lava jato" de São Paulo atua como uma "unidade de distribuição" de processos

Talis Andrade

 

 

A "força-tarefa" é quem decide se os feitos serão distribuídos ou não, contrariando o princípio do promotor natural

 

Por Tiago Angelo e André Boselli

ConJur - Os esquemas e ilegalidades escondidos por baixo do rótulo da "lava jato" estão gradativamente sendo revelados. Embora tenha sido concebida para fornecer auxílio a procuradores naturais, a "força-tarefa" em São Paulo atua como uma unidade que concentra e distribui processos. É o que revela um ofício assinado pela procuradora Viviane de Oliveira Martinez enviado ao PGR, Augusto Aras, em 18 de maio deste ano. 

O documento reafirma que os feitos que geram manchetes e munição para subjugar figurões da República escapam da livre distribuição e são centralizados nas mãos de um grupo lavajatista — conforme revelado pela ConJur nesta quinta-feira (9/7).

No documento enviado ao PGR, Martinez narra que, desde que assumiu a chefia do 5º Ofício Criminal da Procuradoria da República de São Paulo, em 13 de março de 2020, constatou que "há um contingente muito grande de processos que foram remetidos à FTLJ-SP (força-tarefa da "lava jato" em São Paulo) sem passar pela livre distribuição, dos quais muitos não são conexos na forma estabelecida na PR-SP e deveriam ser livremente distribuídos". 

A força-tarefa, que funciona de modo autônomo no 5º Ofício Criminal, foi criada para prestar auxílio aos procuradores naturais sorteados para atuar nos casos envolvendo a "lava jato". Desde 2018, no entanto, os processos com a grife "lava jato" são enviados diretamente à força-tarefa que, segundo critérios próprios de conexão entre os casos, retém ou distribui os feitos aos procuradores do 5º Ofício. 

O simples fato dos processos estarem sendo enviados diretamente aos procuradores lavajatistas fere os preceitos constitucionais da isonomia, impessoalidade e do promotor natural, representando violação ao artigo 129, parágrafo 4º, combinado com o artigo 93, XV, da Constituição. E o fato de a força-tarefa estar distribuindo processos viola os próprios motivos pelos quais ela foi concebida. 

"Na PR-SP, na prática, a FTLJ-SP continua sendo uma unidade de distribuição, pois os feitos são encaminhados diretamente a ela, e não ao 5º Ofício Criminal (são dois cartórios separados e estruturas físicas localizadas em diferentes andares). Como ela é composta por colegas, não é possível que eu avoque processos de lá e que decida sobre minha atribuição", prossegue a procuradora. Ela também informou que optou "por simplesmente não assinar com os colegas de lá [da força-tarefa] os feitos que não foram livremente distribuídos ao 5º Ofício Criminal". 

Buraco negro
O documento narra, ainda, que a quantidade de processos centralizados é tão grande que, se a força-tarefa continuar vinculada ao 5º Ofício, haverá um acúmulo de trabalho humanamente impossível de ser desempenhado.

Segundo a procuradora, o acervo da "lava jato" paulista é de 255 processos. O 5º Ofício, ao qual ela, em tese, está subordinada, tem 146. Os demais ofícios também têm acervos menores (o 4º Ofício, com o menor acervo, tem 140; o 6º, com o maior, tem 214).

O narrado drible às regras ordinárias de distribuição faz a "lava jato" paulista se tornar um centro gravitacional seletivo de casos, que se multiplicam em velocidade maior que as demais investigações. "Com uma autonomia investigativa própria, a FTLJ-SP, se continuar vinculada ao 5º Ofício Criminal da PR-SP, fará com que o acervo cresça em progressão geométrica", afirma.  

Mantido o ritmo, a força-tarefa em São Paulo pode se tornar uma matriz do MPF — e as demais unidades do Parquet, incluindo a PGR, passariam a ser sucursais.

"Na hipótese de Vossa Excelência ter a intenção de manter a FTLJ-SP como um órgão de atuação central dos casos da 'operação lava jato' ou um órgão destinado a investigações autônomas e inteligência, me coloco à disposição para redistribuir os feitos que não foram livremente distribuídos ao 5º Ofício Criminal da PR-SP", propõe a procuradora como solução ao acúmulo. 

A peça foi enviada a Aras em resposta a uma solicitação feita pelo PGR às forças-tarefas da "lava jato" no Paraná, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Aras pediu o compartilhamento de dados estruturados e não-estruturados das unidades.

Em sua resposta, Martinez afirma que é "inconfundível a atuação do 5º Ofício Criminal" em relação à "lava jato". Tanto é assim que, após ter pessoalmente recebido a requisição de Aras, Martinez encaminhou o pedido com "um mero 'cumpra-se'", mas foi, ato contínuo, "interceptada pelos colegas da força-tarefa", que a "lembraram que a requisição era dirigida a eles".

Representação
modus operandi dos procuradores lavajatistas foi descrito em uma representação do procurador Thiago Lemos de Andrade, enviada ao Conselho Nacional do Ministério Público em 11 de março deste ano. 

Segundo o documento, os expedientes que chegam na PR-SP com o rótulo "lava jato" são direcionados à FTLJ-SP sem a prévia distribuição na unidade, conforme as regras de organização interna aprovadas pelo Conselho Superior do MPF, mesmo quando os casos não guardam conexões entre si. 

O estratagema consistiu em inventar um "extravagante Ofício Virtual", que serve de pretexto para escapar dos preceitos constitucionais da isonomia, da impessoalidade e do promotor natural. 

Critérios próprios
decisão a respeito da representação de Lemos de Andrade veio nesta quinta-feira (9/7), pelas mãos do conselheiro Marcelo Weitzel Rabello de Souza, do Conselho Nacional do Ministério Público. Para ele, o uso de critérios próprios para a distribuição de processos relacionados à "lava jato" deve ser imediatamente cessado na Procuradoria da República de São Paulo até que eventuais irregularidades sejam devidamente apuradas pelo Conselho. 

"Entendo que restou caracterizado neste momento preambular a figura do fumus boni juris, haja vista a existência de normas próprias a reclamarem a distribuição dos feitos naquela unidade paulista, diversa da que se propôs recentemente quando relacionadas a matérias com o timbre de lava jato", afirma a decisão. 

Desta forma, o conselheiro determinou que os feitos desmembrados da "lava jato" sejam encaminhados à Procuradoria da República em São Paulo sejam distribuídos aleatoriamente, conforme a regulamentação do Conselho Superior do Ministério Público Federal.

Cifras e códigos
Ao narrar o estratagema da "lava jato" paulista, o procurador Thiago Lemos de Andrade explica como um caso criminal específico, que tramitava na 13ª Vara Federal de Curitiba e referente a um esquema de lavagem de dinheiro feito em um posto de gasolina brasiliense (que não era exatamente um lava-jato), transmutou-se na autodeclarada maior operação contra corrupção.

"À medida que o caso foi ganhando maior dimensão e fatos não conexos ao seu objeto original foram sendo descobertos, operaram-se desmembramentos que, uma vez remetidos às unidades e instâncias competentes, deram origem a novas investigações, para as quais mutirões também foram criados. Assim é que surgiram o Grupo de Trabalho da Lava Jato do Gabinete da Procuradoria-Geral da República e as Forças-Tarefa da Operação Lava Jato no Distrito Federal e nos Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Para esses mutirões, o uso da grife "Lava Jato" não passava, como ainda não passa, de puro marketing institucional", afirmou.

Já disse Carlos Drummond de Andrade: cada palavra "tem mil faces secretas sob a face neutra". E perguntou: "Trouxeste a chave?". As portas que encerravam a "lava jato" começam a ser abertas.

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