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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

15
Ago23

Um novo lugar para a agricultura

Talis Andrade
Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Marcello Casal Jr/Agência Brasil
A Marcha das Margaridas é realizada desde 2000 e acontece sempre em Brasília e marca a morte da trabalhadora rural e líder sindicalista Margarida Maria Alves

 

 

Contribuições para o desenvolvimento

da agricultura familiar

 

por Jean Marc von der Weid 

A Terra É Redonda

- - -

Introdução

Um esforço de planejamento de um programa para a promoção do desenvolvimento da agricultura familiar tem que ir além da identificação de políticas de curto prazo e pensar em mecanismos para prepararmos o futuro próximo ou remoto. Para isto, é necessário diagnosticar as ameaças ambientais, econômicas, sociais, financeiras e políticas que possam existir pairando sobre o presente e o futuro desta categoria social. A partir desta avaliação das condições externas é preciso fazer outro diagnóstico sobre as condições atuais da agricultura familiar para finalmente estudar o efeito das políticas públicas aplicadas nas últimas e sua relação com este último diagnóstico.

É o que vou tentar fazer como contribuição para os companheiros e companheiras do atual Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Para evitar cansar os interlocutores será uma série de artigos que eu tentarei manter tão curtos quanto possível.

 

As ameaças

Estamos vivendo, aqui e no resto do mundo, sob a ameaça de uma série de crises que se aceleram e que se alimentam umas às outras. Sem querer estabelecer ordens de importância ou de causalidade, me limito a afirmar quais são estas crises: ambiental, que pode ser subdividida em aquecimento global, perda de biodiversidade, destruição de recursos naturais como solo e água, poluições de solo, águas e ar, e outros; energética; alimentar; sanitária e financeira.

Todas estas crises já estão impactando a vida (e provocando a morte), tanto humana como animal e vegetal no planeta. E estão em processo de aceleração acentuada, algumas chegando ao que os cientistas chamam de “não retorno”, ou seja, elas provocaram mudanças em suas dinâmicas que retroalimentam a evolução em curso, independentemente da ação humana.

É importante, em primeiro lugar, lembrar que este conjunto de fenômenos que alteram as condições de vida do planeta não fazem parte de uma evolução natural, como foram outras grandes mudanças em eras geológicas passadas. O que estamos vivendo é resultado da ação humana e seus impactos sobre as condições ambientais. Por isto mesmo alguns geólogos já denominaram a era atual de antropoceno ou a idade da ação humana. Outros analistas deram outro nome à era em que vivemos: capitaloceno, ou era do capitalismo.

E como estão atuando estes fenômenos? O aquecimento global já nos levou a um aumento da temperatura média do planeta de 1º C, desde o início da revolução industrial no século 18. Este número foi alcançado em 2015 e está se aproximando de 1,5º C muito mais rapidamente do que previsto pelos cientistas do IPCC. Nos relatórios anteriores, se apontava um cenário onde tal índice seria alcançado em meados do século, se tudo continuasse igual do ponto de vista da emissão de gases de efeito estufa.

Ocorre que a previsão era otimista (o que sempre acontece nos relatórios do IPCC, por mais que estejam anunciando tragédias) e, por outro lado, as condições pioraram, com uma aceleração do aumento de emissões de GEE acima do esperado, com exceção do breve hiato provocado pela pandemia da COVID. A data para batermos o limite definido no acordo de Paris para o aumento de temperatura, ultrapassando os 1,5º C, passou a ser meados dos anos 2030, sendo que os cientistas mais pessimistas ou mais realistas, já apontam para o ano de 2030, daqui a pouco mais de seis anos.

Os efeitos do aquecimento já estão sendo vividos na forma de grandes diferenciais de temperatura, com verões quentíssimos (como agora nos EUA e na União Europeia, onde os termômetros neste verão estão batendo um recorde atrás do outro e chegando nos 53º C) e com invernos gelados, também com recordes negativos.

Estas temperaturas elevadas são acompanhadas de uma enorme instabilidade climática, com chuvas diluvianas, tempestades de neve e granizo arrasadoras, tufões, ciclones e outras manifestações ambientais ocorrendo com maior intensidade e maior frequência. As ondas de calor provocam incêndios devastadores, mesmo sem a colaboração humana (e ela existe por todo lado, intencionalmente ou não), com destruição da biodiversidade e a intensa poluição do ar, às vezes muito longe dos locais onde eles são originados. Os incêndios há umas poucas semanas no meio oeste do Canadá, com a fumaça contaminando todo o nordeste dos EUA, de Chicago a Nova Iorque, são um bom exemplo. Outro foi a fumaça das queimadas da Amazônia fechando aeroportos em São Paulo, há dois anos.

Um outro efeito de altíssimo impacto é menos perceptível para o comum dos mortais, menos para aqueles que moram em ilhas com baixas altitudes: o aumento do nível dos oceanos. Pequenos países insulares estão desaparecendo, sinistro prenúncio do que vai ocorrer nas áreas costeiras do planeta.

Da última vez em que a Terra viveu com as atuais concentrações de GEE, o nível dos mares alcançou quase 10 metros a mais do que o nível atual. Por que não estamos com estes níveis mais altos agora? É só questão de tempo, infelizmente. O aumento da concentração de GEE não tem reflexo imediato no aumento da temperatura média do planeta, há um delay enquanto as grandes massas de terra e de água vão se aquecendo e as geleiras se derretendo.

Ou seja, mesmo se interrompermos as emissões totalmente e imediatamente, o aquecimento vai continuar por um tempo e o impacto no aumento do nível dos oceanos também. Para impedir este processo seria necessário não só parar de emitir GEE como conseguir retirar GEE da atmosfera. E muito. Mesmo nessa hipótese superotimista, os cientistas calculam que os mecanismos postos em marcha com o atual aquecimento não serão revertidos rápido o suficiente para que cidades como Nova Iorque, Cidade do Cabo, Marselha, Alexandria, Rio de Janeiro, Salvador, Recife e muitas outras escapem da inundação.

E enormes regiões de costas baixas na Índia, China, Bangladesh, Filipinas, Indonésia, entre outras menores, seriam alagadas, deslocando perto de um bilhão de pessoas. E quanto mais GEE for emitido daqui para frente, mais as temperaturas subirão e mais cidades e áreas costeiras desaparecerão. E mais áreas agricultáveis serão inutilizadas. E mais destruição será provocada por mais e mais potentes ciclones e tufões e incêndios.

É uma visão trágica para o futuro, mas já é horrível no presente de muita gente.

Não vou me estender sobre quem é culpado pelas emissões de GEE. Todo mundo sabe que o CO2emitido pela queima de combustíveis fósseis é o principal responsável do aquecimento global, sendo que Estados Unidos, União Europeia, China e Rússia tem a maior responsabilidade nestas emissões. E que o uso para movimentar carros, aviões, navios é a maior fonte de emissões. Mas é preciso lembrar que muito CO2 é emitido em vários outros empreendimentos, já que o petróleo é utilizado em quase todas as atividades industriais, quer como combustível quer como matéria prima para produtos plásticos, cosméticos, farmacêuticos, alimentares, informáticos e muitos outros.

É importante notar que a agricultura convencional, a do agronegócio, também emite CO2 em grandes quantidades, sendo uma das maiores fontes de emissões de CO2 fora dos combustíveis fósseis, isto porque ela é responsável pelo desmatamento em larga escala. Neste quesito, o Brasil e a Indonésia são os maiores responsáveis, colocando-os como quinto e sexto entre os maiores emissores de CO2.  Finalmente, a agricultura é a principal responsável pela emissão do segundo gás mais importante na geração do efeito estufa: o metano. Há menos metano sendo emitido e se acumulando na atmosfera, mas ele tem um poder aquecedor 300 vezes maior do que o etano. É ainda a agricultura a responsável pelo terceiro em importância dos gases de efeito estufa, o óxido nitroso.

Computando todas as fontes de GEE, alguns cálculos apontam para a agricultura como o setor com as maiores emissões, direta ou indiretamente, algo perto de 35%. O setor agroalimentar como um todo, envolve (além da agropecuária propriamente dita) a produção dos insumos, a industrialização dos produtos agrícolas e seu transporte e a formação de lixo orgânico derivado das sobras da alimentação caseira, em restaurantes ou nos mercados, lixo esse que, lançado em rios ou em depósitos ao ar livre, emite toneladas gigantescas de metano. Segundo alguns cálculos, o conjunto dos impactos diretos e indiretos do setor agroalimentar como um todo chega a pouco mais de 50% das emissões de GEE, bem acima das emissões provocadas pelo uso de gasolina e óleo diesel nos transportes terrestres, aéreos e marítimos.

O aquecimento global impacta a agropecuária de forma brutal. Cada grau Celcius a mais na temperatura média do planeta tem repercussões muito significativas nas áreas cultivadas e de pastagens. Lembremos que a temperatura média planetária significa um balanço entre temperaturas muito baixas nos polos e muito altas nos trópicos. Uma temperatura média anual de 17,5º C no planeta implica em uma temperatura média de até 40º C nos verões das áreas mais quentes dos trópicos. Nas zonas produtoras tropicais ou temperadas, 1º C de aumento médio anual derruba a produtividade das culturas em valores que vão de 10 até 25% segundo o produto e a região. Isto sem levar em conta os efeitos indiretos do aquecimento, gerando instabilidade na oferta hídrica e na ocorrência de fenômenos atmosféricos como ciclones, tufões, geadas, secas e inundações.

Em um planeta com perto de 1 bilhão de pessoas passando fome, estas mudanças provocadas pelo aquecimento serão dramáticas. Sim, há cálculos que indicam que haverá um aumento de produção nas zonas mais frias, mas há um acordo que ela não compensará as perdas nas áreas mais quentes.

Tomando o Brasil como exemplo, podemos esperar que os impactos serão totalmente negativos pois nos encontramos inteiramente dentro da zona tropical ou subtropical. Já estamos vivenciando este processo, com os impactos cada vez maiores dos verões mais quentes em todo o território. Por outro lado, estamos muito ameaçados pelo processo de desmatamento na Amazônia, que se aproxima perigosamente do momento em que a floresta ainda existente perde as condições de se reproduzir e inicia uma degradação “natural” no caminho de tornar-se uma savana seca ou mesmo uma zona desértica (como acontece no Saara ou no Atacama, desertos que estão na mesma latitude da Amazônia).

A destruição da floresta Amazônica não tem apenas (e já é muito) um impacto no aquecimento global, ela vai anular o fluxo da umidade gerada por este ecossistema e que irriga naturalmente toda a nossa agricultura do centro-oeste, do sudeste e do sul. Já o desmatamento do Cerrado está impactando o fluxo de água nos grandes rios gerados nesse bioma e que se dirigem para o norte, o Tocantins e o Araguaia, com efeitos significativos na geração de energia elétrica.

Saindo da ameaça representada pelo aquecimento global caímos na ameaça da crise energética. Os combustíveis fósseis que tanto contribuem para a geração de GEE estão em processo acelerado de desaparição. Não vou me estender neste tópico, que tratei em outros artigos, limitando-me a apontar para a crise anunciada para meados desta década (nos próximos dois a três anos!), quando os preços do petróleo e do gás deverão voltar aos patamares dos anos 2000, que levaram à crise financeira de 2008. Se precisamos chegar rapidamente a zerar as emissões de GEE, a crise da produção de petróleo poderia ser uma boa notícia. Entretanto, o mundo não se preparou para uma queda brusca na oferta de petróleo que será acompanhada por um aumento também brusco dos preços desta oferta residual. O choque da crise do petróleo vai se fazer sentir em toda a cadeia produtiva mundial, além de impactar os meios de comunicação.

Para completar este cenário crítico é preciso lembrar da ameaça representada pela paulatina desaparição das reservas de fósforo e de potássio em todo mundo. Estes elementos são essenciais para a vida das plantas. No modelo do agronegócio eles são aplicados no solo ou nas folhas sob a forma de adubos químicos solúveis. Este procedimento é de imensa ineficiência, pois calcula-se que menos de 50% dos insumos sejam aproveitados pelas culturas, enquanto o resto é levado pelas águas de chuva ou de irrigação e vão parar em rios, lagos, aquíferos e lençóis freáticos ou mar, com enorme impacto na eutrofização destas reservas hídricas.

Implicações destas ameaças para a agricultura

A ação destes diferentes fenômenos sobre a produção e distribuição de alimentos no mundo (e no Brasil) vai ser a de reduzir a oferta global de alimentos e torná-los mais caros pelo aumento dos custos de adubos, agrotóxicos e transportes, além do efeito da lei da oferta/procura. Avalia-se que o comércio internacional vai ser reduzido, quer porque muitos países vão priorizar o abastecimento interno frente à escassez, quer porque o custo do transporte vai ficar muito mais elevado. É um movimento de contra-globalização, revertendo uma tendência dominante desde o pós-guerra mundial.

No caso brasileiro, já temos problemas com o abastecimento interno de alimentos, já que somos, cada vez mais, um país centrado na produção e exportação de milho e soja (para ração) e carnes. Importamos muito do que consumimos e estamos em pleno processo de mudança dos hábitos alimentares entre os consumidores de menor renda, abandonando produtos como arroz e feijão, milho (fubá) e mandioca e aderindo ao consumo de processados e ultra processados, com base no trigo (pão e massas). Do ponto de vista de uma dieta recomendável estamos muito mal na fita e os efeitos sobre a saúde pública são pesados.

Com as crises citadas se abatendo sobre nós teremos dificuldades de importar o necessário, tanto para a dieta ideal como para a atual dieta deletéria predominante. Teremos que fazer uma brutal conversão da nossa agricultura tanto no direcionamento dos produtos para o mercado interno como no modo de produzi-los.

Vai ser necessário controlar os desmatamentos, não só da Amazônia e do Cerrado (os ecossistemas mais ameaçados e com efeitos mais devastadores), mas em todos os biomas. Esta não só vai ser a nossa principal contribuição para conter o acúmulo de GEE na atmosfera, como pode ser importantíssimo para retirar GEE da atmosfera, se adotarmos a política de reflorestamento maciço. E, é claro, para manter em atividade os “rios voadores” que garantem a nossa produção nas áreas mais importantes da nossa agricultura.

A mudança no modo de produzir vai se impor, tanto pelo aumento do custo dos insumos industriais (adubos químicos e agrotóxicos, quase tudo importado atualmente) como pela necessidade de conter a emissão dos GEE emitidos pelo agronegócio (além do CO2), o metano e o óxido nitroso. Resta saber se vamos nos antecipar às crises e organizar uma transição à tempo ou se vamos esperar que tudo desabe para ver como resolver.

Mas como produzir de forma sustentável no formato das mega plantações que hoje dominam a agricultura brasileira? A alternativa conhecida para o modelo agroquímico e motomecanizado é a agroecologia. O agronegócio pode adotar esta proposta? Dificilmente, já que a característica do modelo agroecológico é o uso da biodiversidade, tanto a agrícola como a natural, para substituir o uso de insumos químicos externos e controlar pragas, doenças e invasoras restabelecendo o equilíbrio ambiental. Substituir plantações em monocultura de soja, para dar um exemplo, ocupando dezenas de milhares de hectares, por sistemas diversificados com vários produtos agropecuários dividindo os espaços produtivos inibe o uso de maquinário em grande escala. E é nesta super produtividade do trabalho que reside o lucro do agronegócio.

Quando a crise provocada pela queda do sistema soviético abalou a agricultura cubana a resposta do governo foi distribuir as terras das grandes monoculturas estatais de cana de açúcar em lotes atribuídos a neocamponeses familiares. Não teremos alternativa senão fazer o mesmo ou viver com uma crise gigante, social e econômica, atingindo a maioria da população. A fome é um estopim para a instabilidade social e política e, em outros países, levou a movimentos de revolta, nos idos dos anos 2000.

Exemplos em todo o mundo apontam para a agricultura familiar em pequena escala como a mais bem adaptada para incorporar os princípios da agroecologia. Mas substituir o agronegócio pela agricultura familiar agroecológica implica em radicalizar muito (e corrigir muito) o processo de reforma agrária iniciado por Fernando Henrique Cardoso e seguido nos mesmos moldes por Lula (Dilma Rousseff reduziu a reforma a quase nada, e Michel Temer/Jair Bolsonaro liquidaram a fatura). Avalia-se que foram assentados perto de um milhão de famílias entre 1994 e 2016 e que mais da metade abandonou seus lotes por falta de condições de produção e de escoamento das safras, por endividamento e falência ou por falta de infraestruturas econômicas e sociais básicas. Para preparar a agricultura do futuro precisaremos fazer muito mais e muito melhor do que no passado.

Segundo alguns cálculos, uma agricultura centrada na produção familiar agroecológica implantada em todo o espaço rural brasileiro implicaria em garantir terra e muitos outros fatores produtivos e sociais para 20 milhões de famílias dotadas com 10 hectares cada uma. É um desafio gigante para o nosso futuro, implicando em forte recampesinação da nossa população. Quando nos damos conta de que a evasão rural não foi contida pelos governos populares e que o número de agricultores familiares caiu perto de 10% entre os censos agrários de 2006 e 2017 podemos medir o tamanho do desafio.

Para nos prepararmos para estas crises temos que pensar no que é possível fazer desde já, visando mitigar os impactos quando eles ocorrerem (continua)

 

11
Ago23

A quem interessa criminalizar os movimentos sociais?

Talis Andrade
Imagem: Plato Terentev

 

Assistir a “CPI do MST”, presidida pelo deputado gaúcho tenente-coronel Zucco e relatada pelo deputado Ricardo Salles, chega a dar náuseas

 

"Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”

(Paulo Freire)

 

por Pedro Benedito Maciel Neto

A Terra É Redonda

Escrevo em homenagem à memória da paraibana Margarida Maria Alves, sindicalista e defensora dos direitos humanos, assassinada há quarenta anos com um tiro de espingarda calibre 12, no rosto, na frente de sua casa, em Alagoa Grande, Paraíba, a mando de latifundiários incomodados com a luta de Margarida, durante a ditadura.

Seu nome e sua história de luta inspiraram a Marcha das Margaridas que acontece desde 2000.

 

A CPI do MST

Assistir a “CPI do MST”, presidida pelo deputado gaúcho tenente-coronel Zucco e relatada pelo deputado paulistano Ricardo Salles, chega a dar náuseas.

Por quê? Bem, o tal tenente-coronel Zucco, por exemplo, tem seu mandato manchado pela lógica do trabalho escravo, pois, ele recebeu doação do fazendeiro Bruno Pires Xavier, condenado por manter trabalhadores em condições degradantes em Mato Grosso; Zucco também é apoiado pela Farsul, que minimizou trabalho escravo em vinícolas e quer punições mais brandas para trabalho infantil.

E a atuação de Ricardo Salles, relator da CPI, representa o que há de pior na política brasileira; ele é malcriado e debocha dos congressistas da esquerda, especialmente das mulheres, o que revela todo machismo, misoginia, racismo e homofobia.

Ricardo Salles é tão ruim que não serviu nem para o bolsonarismo; foi exonerado por Bolsonaro, após acusações de suposto envolvimento em esquema de exportação ilegal de madeira do Brasil para o exterior (talvez tenha esquecido a lógica da “rachadinha”).

 

Alguns registros históricos

Com a revolução francesa ocorreu a primeira grande reforma agrária que se tem notícia. Ela contemplou tanto a burguesia, quanto camponeses que adquiriram pequenas propriedades confiscadas da nobreza e do clero.

Nos EUA, a reforma agrária aconteceu ainda no século XIX, 1862, privilegiando a pequena propriedade rural.

No México, a reforma agrária aconteceu a partir de 1910, com a Revolução Mexicana, liderada por Emiliano Zapata e Pancho Villa, latifúndios foram divididos e oferecidos, a agricultores menores com cartas de crédito que permitiam a sua compra.

Mas no Brasil a reforma agrária é vista pela elite agrária e seus vassalos como “coisa de comunista”, apesar de o Estatuto da Terra, uma das primeiras leis elaboradas pela ditadura militar, declarar que o Estado tem a obrigação de garantir o direito ao acesso à terra para quem nela vive e trabalha.

Ou seja, a história mostra que a construção de uma nação de verdade começa com a reforma agrária. Mas Zucco e Salles defendem o latifúndio, são contra a urgente revisão e redistribuição de terras no país, pois ela representaria maior democratização do acesso à terra e ao reconhecimento do valor social da terra.

Feita essa introdução passo à reflexão sobre o tema “criminalização dos movimentos sociais”.

 

Sobre a criminalização dos movimentos sociais

O país testemunha o processo de criminalização contra movimentos sociais e os militantes dos direitos humanos, com o objetivo de manter distante a revisão e redistribuição de terras no país. Frear essa criminalização é necessário, mas são será fácil, pois ela ocorre num momento de inflexão à ultradireita e de forma articulada com outras estratégias, tudo com cooptação e violência, com vistas a bloquear as lutas sociais por direitos.

As estruturas do Estado têm natureza conservadora e violenta; essa natureza colide com a natureza libertária dos movimentos sociais, imponto prisões, inquéritos policiais, ações criminais, ameaças, Comissões Parlamentares de Inquérito, tomadas de contas, fiscalização “dirigidas” por órgãos de fiscalização e controle como o Tribunal de Contas da União-TCU e a Controladoria Geral da União-CGU.

Além da violência institucional, há uma campanha de desmoralização e satanização dos movimentos sociais, priorizam-se as falas criminalizatórias e manipulam informações e fatos referentes às manifestações sociais, sem garantir-lhes um espaço de fala.

Mas e a constituição federal? Salles e Zucco dão de ombros à Constituição, eles são agentes da desigualdade social no campo e na sociedade brasileira, tendo como um dos seus pilares a concentração da terra e da renda, com 46% das terras nas mãos de 1% dos proprietários.

A CPI do MST está empenhada em desinformar a sociedade sobre o que é movimento social e no fortalecimento do modelo de desenvolvimento de cunho neoliberal, que é: socialmente excludente, concentrador de renda e ambientalmente predatório; um modelo que tem bloqueado o fim das desigualdades sociais, políticas, econômicas, culturais.

Salles e Zucco buscam criminalizar os movimentos sociais e, como membros do congresso e da CPI, praticam violência institucional na medida em que se utilizam de suas prerrogativas e funções para atribuir uma natureza essencialmente criminosa às manifestações sociais organizadas.

Eles por certo não ignoram que o movimento social é essencial ao processo civilizatório e ao aperfeiçoamento do Estado de Direito; eles também sabem que os movimentos orientam-se pela erradicação da pobreza, da marginalização e das desigualdades sociais, que são objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, conforme o artigo 3º da Constituição de 1988; eles sabem que a Corte Interamericana de Direitos Humanos já declarou que a criminalização do MST é violação de direitos humanos, mas nada disso importa, pois eles precisam dar satisfação aos seus financiadores.

A criminalização do MST avança no Brasil com apoio, por exemplo, da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária – CNA, que financia eventos de associações da magistratura e ministério público. Ou seja, usa seu poder econômico e consequente prestígio social, para influenciar o judiciário e o ministério público.

Os movimentos sociais, dentre eles o MST, fazem uma luta coletiva e em benefício de todos, pois, como afirmava Paulo Freire, “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”.

Os Movimentos Sociais garantem o necessário aperfeiçoamento de toda a institucionalidade e a sua criminalização interessa apenas àqueles que não tem compromisso com a nação.

15
Ago19

Marcha das Margaridas termina com demonstração de força e união de 100 mil camponesas

Talis Andrade

Maior mobilização de trabalhadoras rurais da América Latina evidencia a força das mulheres contra os retrocessos

Cristiane Sampaio

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Ouça o áudio:

 
A mobilização teve a participação da Marcha das Mulheres Indígenas - Créditos: Andressa Zumpano/CPT
A mobilização teve a participação da Marcha das Mulheres Indígenas / Andressa Zumpano/CPT

 

Foi com brilho nos olhos que a agricultora Maria Anecy Martins, de 45 anos, chegou a Brasília (DF) esta semana para participar da Marcha das Margaridas 2019. A mobilização reuniu mais de 100 mil mulheres camponesas e foi encerrada nesta quarta-feira (14), com um grande ato que tomou as ruas da capital. Vinda do interior do Maranhão, Anecy ela viajou durante mais de dois dias, enfrentou problemas na estrada e o cansaço físico para participar do evento, que é um símbolo da luta popular no Brasil.

Depois de décadas de trabalho na roça e na militância política, esta foi a primeira vez que a agricultora tem a oportunidade de conhecer a marcha. A ansiedade para chegar era tanta que não teve cansaço no mundo que fosse capaz de abalar a energia vibrante que a mobilizou para chegar até aqui.

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(Foto: Andressa Zumpano via Midia Ninja/Cobertura Colaborativa)

 

“Sempre quis vir e não dava certo. Nem sei se tenho uma palavra pra descrever [isso]. Quando você vê tantas mulheres assim, unidas, em busca de melhorias, de melhores políticas, chega a arrepiar. Eu venho pra participar, pra unir forças com as mulheres. Se perguntarem se eu estou cansada, não estou. Quando a gente vê isso daqui, cada conversa, a gente se arrepia. É lindo”, se emociona.  

A maranhense foi uma das cerca de 30 mil pessoas que se aglutinaram na noite de terça (13) no Parque da Cidade para celebrar a abertura oficial do evento, que aconteceu sob o lema "Margaridas na Luta por um Brasil com Soberania Popular, Democracia, Justiça, Igualdade e Livre de Violência". A comemoração reuniu caravanas de todas as regiões do país e representantes de cerca de 25 países de diferentes continentes, num verdadeiro mosaico de forças populares. Também se somaram à multidão artistas, deputados federais, senadores e outros parceiros políticos.  

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas e multidão
(Foto: Eduardo Di Napoli via Midia Ninja/Cobertura Colaborativa)

 

O evento trouxe como debate político uma plataforma que reforça a luta por direitos, como a defesa dos serviços de saúde e educação públicas, o combate à violência contra a mulher, a preservação da Previdência social, entre outros. Nesse sentido, a marcha é também uma forma de compartilhar anseios comuns e reforçar o horizonte da luta popular.

Na ocasião da abertura, diferentes vozes fizeram referência à importância da união das mulheres para combater as múltiplas formas de violência de gênero e o contexto de retirada de direitos.

“O novo vem do povo, vem do poder popular, desse povo que é mulher. É por todas que vieram antes de nós, Luizas, Dandaras, Marielles, Margaridas, e por uma geração que será livre. Só pararemos de marchar quando todas forem livres”, bradou a deputada federal Talíria Petrone (Psol-RJ).

A marcha, que ocorre a cada quatro anos, reúne, tradicionalmente, mulheres do campo, da floresta e das águas. Nesta edição, o evento contou com um reforço especial das participantes da 1ª Marcha das Mulheres Indígenas, como é o caso de Nena Funi-ô, que veio de Águas Belas, em Pernambuco.

“Eu estou me sentindo muito satisfeita com a manifestação das mulheres.Temos que lutar pelos nossos direitos porque, se não fizermos isso, não vai ter como resolver. A gente está juntas nessa luta e não vai desistir nunca”, disse.

A imagem pode conter: 3 pessoas, pessoas sorrindo, pessoas em pé e chapéu

(Foto: Andressa Zumpano via Midia Ninja/Cobertura Colaborativa)

 

E o mar de mulheres que tomou conta de Brasília esta semana surpreendeu também a ala masculina, que fica de espectadora diante da articulação das integrantes da marcha. É o caso do professor de história Edson Cazuza, do Rio Grande do Norte. Participando do evento pela segunda vez, ele conta que se sente inspirado diante da mobilização massiva das trabalhadoras.

“Mesmo a gente vivendo um momento tão difícil, como esse dos últimos tempos no Brasil, as mulheres fazem parte da trincheira nessa luta por democracia, por justiça social, por igualdade de direitos. Eu vejo com alegria imensa”, complementa.

Empolgada com a primeira experiência na Marcha das Margaridas, a agricultura Maria Anecy conta que a vinda a Brasília serviu de aperitivo para as próximas edições do evento e também para dar oxigênio à articulação política popular nos estados.

A imagem pode conter: 1 pessoa, sorrindo, atividades ao ar livre

Marcha das Mulheres Indígenas se junta à Marcha das Margaridas. (Foto: Mídia Ninja)

 

“Venho quantas vezes for possível e eu tiver oportunidade. Além da energia boa dessas mulheres, eu vou levar um pouco de cada estado, uma conversa, a garra dessas mulheres. A gente se fortalece pro enfrentamento na nossa base, pra vida pessoal e pro movimento sindical também”, destaca.    

Na mesma linha de raciocínio, Nena Funi-ô conta que o evento deixa “um saldo muito positivo”.

“Eu faria tudo de novo. Estou cansada, cantei o dia todo, dancei. Mas, valeu a pena”.

A imagem pode conter: céu, planta, árvore e atividades ao ar livre

Marcha das Margaridas é maior marcha de mulheres da América Latina (Foto: Mídia Ninja/Cobertura Colaborativa)

20
Abr18

BALADA PARA MARGARIDA

Talis Andrade

 

 

¿Quién ha matado este hombre

que su voz no está enterrada?

Manuel del Cabral

 

É melhor morrer na luta

do que morrer de fome

Margarida Maria Alves

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Quem matou esta mulher

que sua voz não está enterrada

De onde vem esta fala

a mudar velhos costumes

Que fizeram dos meus canaviais

no lugar do ouro verde 

floresceram campos de margaridas

Onde estão os negros

os cortadores de cana

que não dão fim a esta praga

 

Temos que calar este povo

como fazia o pai do meu pai

o avô do meu avô

Temos que matar bem matado

cortar a língua quebrar os dentes

dar sumidura no corpo

para que nenhuma alma doutro mundo

apareça a cobrar o que não mereceu em vida

a assombrar o povo que deseja trabalhar

O corpo do morto adube a terra

e toda terra é pouca

para a fome de verde 

dos canaviais

 

Enterrar defunto

em sepultura de cimento

marca o lugar

Sepultura com cruz levantada

no verde dos canaviais

atrai gente para rezar

Com excelências e benditos

todo morto vira mártir

todo mártir vira santo

Não há maneira de se matar um santo

As orações ressuscitam o santo

as promessas os ex-votos ressuscitam o santo

O retrato do morto se leva em passeata

Do retrato do morto se faz uma imagem de pedra

estátua que se leva em procissão

As procissões se sucedem

a esconjurar os fantasmas do medo

a esconjurar os demônios

da escravidão e morte

 

Pra que serve minha escopeta

se o povo não teme a morte

Pra que servem os capangas

se o povo não teme a morte

Pra que serve a polícia

se não há cadeia pra tanta gente

Pra que serve a justiça

quando os longos braços da lei

não alcançam a multidão

 

 

Talis Andrade, poema revisto, in O Enforcado da Rainha, ps. 36/38

 

 

 

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