“Militares atuaram em 8 de janeiro por omissão e também por ação”
Francisco Teixeira, professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e pesquisador da UFRJ
Historiador Francisco Teixeira revela que pesquisadores intercederam para governo não aprovar GLO após invasão em Brasília
Por Natalia Viana
Houve uma tentativa de insurreição, segundo conceito da ciência política – e uma insurreição que repete ações semelhantes que ocorreram recentemente da Ucrânia à Bolívia e nos Estados Unidos. Essa é a avaliação do historiador Francisco Teixeira, que estuda a relação entre civis e militares e mantém contato com oficiais. Em conversa com a Agência Pública, ele analisa os eventos de 8 de Janeiro e a não punição dos principais envolvidos.
“É um movimento caracterizado por insurreição, que geraria necessidade, então, de uma intervenção militar. E isso se afirmaria através de um golpe de Estado. É uma técnica que é perfeitamente identificada na Marcha sobre Roma de 1922, de Benito Mussolini. É um modelo da insurreição fascista”, diz.
Teixeira foi presidente do Instituto Pandiá Calógeras de Estratégia Internacional do Ministério da Defesa durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, é professor emérito do Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) e professor titular de História Moderna e Contemporânea da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Ele revela, na entrevista, como um grupo de estudiosos dos militares manteve interlocução com o PT e o governo federal durante o dia 8 para ajudar a afastar a opção de uma GLO e abrir caminho para a intervenção civil, prevista no artigo 136 da Constituição, em casos de Defesa do Estado. “Na verdade, tinha se preparado o nome de um general para assumir o controle. E assumindo o controle a devolução desse poder à República não seria fácil”, diz.
POR QUE ISSO IMPORTA?
- A entrevista revela como foram os bastidores para se impedir o decreto de uma GLO após a invasão de Brasília, que daria ainda mais poderes para militares
- A análise de Teixeira também aponta como um golpe foi impedido por pouco e que as forças militares seguem anti democráticas no atual governo
Natalia Viana entrevista Francisco Teixeira
Como o senhor analisa a participação dos militares no dia 8 de janeiro?
Os militares tiveram uma participação intensa, mas também variada, em graus diferentes. Eu acho que, para simplificar, de um lado, nós poderíamos dizer que houve uma participação por inação.
Essa inação se deu, por exemplo, no caso do coronel Fernandes da Hora, comandante da Guarda Presidencial, que não agiu. Tinha os homens, tinha os meios, tinha as formas, inclusive, de dar alerta prévio do que estava acontecendo e não fez nada do que suas funções o obrigavam a fazer.
Mas também do General Dutra, comandante militar do Planalto, que tem todo um aparelho ali, e que a gente sabe, inclusive quando tem manifestações populares, Gritos da Terra, tudo isso é colocado em funcionamento — e não foi. Aqui teve uma participação muito clara por inação, por deixar acontecer.
De outro lado, houve uma participação também por ação, e essa é ainda mais grave, se é possível, porque também deixar invadir o Palácio Presidencial é de extrema gravidade.
Isso ocorreu porque alguns elementos dentro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) e dentro das Forças Armadas, particularmente no Comando Militar do Exército, tiveram uma atuação muito clara nesse sentido.
Seja através da infiltração de homens no processo insurrecional… Na verdade, do ponto de vista estrito de ciência política, não foi golpe, foi uma tentativa de insurreição que levaria a um golpe.
Mas isso é uma questão mais técnica.
Não, é muito interessante, por favor desenvolva..
Todo o modelo, o que aconteceu em 2014 na Praça Maidan (praça central de Kiev, na Ucrânia), o que aconteceu em La Paz (Bolívia) em 2019, o que aconteceu no Capitólio, é insurreição.
É um movimento caracterizado por insurreição, que geraria necessidade, então, de uma intervenção militar. E isso se afirmaria através de um golpe de Estado.
Deu certo na Praça Maidan, deu certo em La Paz, não deu certo no Capitólio, em Washington, e não deu certo no Brasil.
É uma técnica perfeitamente identificada na Marcha sobre Roma de 1922, de Benito Mussolini. É um modelo da insurreição fascista.
Mas, voltando aqui, quer dizer, no caso da ação, ficou claro, por exemplo, que o general Arruda, então comandante do Exército, não só protegeu esses infiltrados, que depois acabaram sendo denominados de “kids pretos”, como também mobilizou, deslanchou a ação de blindados na Praça dos Cristais para proteger os insurretos, as pessoas que estavam depredando a cidade e foram procurar abrigo lá na praça, no chamado acampamento dos patriotas.
Mas não houve punição…
Isso não foi entendido assim. Naquele momento, as pessoas responsáveis pelas cobranças que deveriam ser feitas, principalmente o general Gonçalves Dias (chefe do GSI) e o ministro José Múcio Monteiro, eles não entenderam isso.
Múcio vinha já há dias e dias dizendo que não era para mexer nos acampamentos, que tinha, inclusive, amigos e familiares e que todos eram patriotas. E o Gonçalves Dias tinha a ilusão de que ele estava no controle da máquina, o que se mostrou que não era verdade e que ele, ao não afastar os elementos golpistas militares dentro do GSI, cavou a própria tumba. [continua]