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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

08
Out23

Os presídios brasileiros

Talis Andrade
Imagem: Ron Lach
 

por Marcelo Aith 

O problema da superlotação carcerária brasileira é estrutural e sistêmico, e o Poder Judiciário é um dos grandes responsáveis pelo encarceramento em massa no Brasil

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, no último dia 3 de outubro, o julgamento da Arguição de descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347/SP, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que aponta como razão de pedir o estado de coisas inconstitucionais dos presídios brasileiros.

A petição inicial do PSOL, acompanhada de robusta prova, destaca que as pessoas presas são submetidas a celas superlotadas, imundas e insalubres, com proliferação de doenças infectocontagiosas, além de temperaturas extremas, falta de água potável e de produtos higiênicos básicos; relata, ainda, que são fornecidas comidas intragáveis, muitas vezes estragadas e vencidas; ressalta, ademais, os homicídios frequentes, espancamentos, tortura e violência sexual contra os custodiados, praticadas tanto por outros detentos quanto por agentes do Estado.

A questão da superlotação carcerária é latente há tempos no Brasil. Segundo informações do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), com dados até 30 de junho de 2023, temos uma população de 839.672 pessoas com restrição da liberdade, sendo que 649.592 estão celas físicas de presídios superlotados, em condições sub-humanas e 190.080 em prisão domiciliar. Porém, o total de vagas nos estabelecimentos prisionais, em 30 de junho de 2023, é de 482.875. Portanto, há contabilizados cerca de 35% a mais de presos do que a capacidade instalada para os recepcionar.

Qual o resultado desse aterrorizante cenário? Prisões superlotadas, condições sub-humanas para os encarcerados, descontrole disciplinar, constantes rebeliões com mortes, sem contar, que os presídios são dominados por facções criminosas que ditam as regras internamente.

O problema da superlotação carcerária brasileira é estrutural e sistêmico. Estrutural porque resulta do mau funcionamento crônico do sistema penitenciário, sendo certo que em duas décadas a população presa passou de 232.775 (2000) para aproximadamente 649.592 (junho de 2023), sendo que a capacidade instalada não atende às necessidades. O problema é sistêmico, haja vista que perpassa por todos os Estados brasileiros, ou seja, não é uma questão pontual ou local, mas sim está presente no sistema penitenciário como um todo.

Marcello Bortoloto pontua que a superlotação é “causa e efeito de políticas esquizofrênicas que produzem encarceramento e depois buscam meios de repará-lo, que proclamam a tolerância zero e reivindicam a certeza da pena, mas não promovem nem liberdade, nem legalidade, nem segurança”. Para Marcello Bortoloto, a superlotação não nasce do crescimento da criminalidade, mas sim do crescimento da criminalização.

Já Rodrigo Duque Estrada Roig destaca que “a imposição de qualquer forma de tratamento desumano ou degradante – tal como o encarceramento em condições de superlotação – é ato que transcende a simples privação da liberdade, tornando a prisão ilegal”. Ressalta, ainda, que “o encarceramento em condições atentatórias à dignidade humana afetaria a própria pretensão de punir do Estado, tornando-a carente de legalidade”.

Longe de buscar culpados para essa nefasta situação, não há como deixar de reconhecer que o Poder Judiciário é um dos grandes responsáveis pelo encarceramento em massa no Brasil. Tal afirmação pode ser corroborada pela enorme quantidade de pessoas presas provisoriamente no país. Dados atualizados em junho de 2023, o Brasil conta com 180.167 pessoas presas provisoriamente, ou seja, sem sentença penal condenatória transitada em julgado, portanto, juridicamente inocentes.

Dentre os princípios informadores da execução penal temos o princípio do numerus clausus (número fechado), sem sombra de dúvidas desrespeitado pelas autoridades públicas das três esferas de poder. Explica-se.

O princípio do numerus clausus, basicamente, determina que o número de presos deve corresponder, necessariamente, ao número de vagas no sistema penitenciário, ou seja, a cada novo ingresso de uma pessoa no sistema carcerário deve, necessariamente, corresponder, ao menos, a uma saída, de forma que a proporção presos-vagas se mantenha sempre em estabilidade. No entanto, conforme os dados apresentados acima, nem de longe é adotada no Brasil.

Com efeito, é inequívoca a deslegitimação do sistema penal brasileiro para impingir privação da liberdade a uma pessoa, diante do estado de coisas inconstitucional. Um sistema hostil, seletivo, perverso e desumanizante. Verdadeira fábrica de delinquente, cuja única finalidade é impor uma retribuição a uma pessoa, diga-se de passagem, absolutamente desproporcional na grande maior dos casos, por conta de uma lesão causada por ela a um bem juridicamente protegido.

Há como minorar essa ofensa a dignidade dos presos do sistema penitenciário brasileiro, utilizando-se para tanto da legislação vigente e da experiência internacional com instrumentos que abreviam o tempo no cárcere, ou até mesmo possibilitam o não encarceramento? Acredito que sim.

Destaco alternativas penais extraídas do arcabouço normativo brasileiro, as quais, adequadamente utilizadas, poderiam ajudar, sensivelmente, na redução da população carcerária, são eles: indulto e a comutação da pena; suspensão condicional da pena; aplicação de penas pecuniária em substituição a privativa de liberdade; aplicação de penas restritivas de direitos em substituição a privativa de liberdade; remição de pena e; livramento condicional.

Um exemplo do descumprimento da norma vigente foi trazido no Relatório de Informações Penais – RELIPEN, da Secretaria Nacional de Políticas Penais – SENAPPEN, que aponta que há 9.712 presos em regime fechado que progrediram e aguardam transferência para o semiaberto, sendo que a Súmula Vinculante nº 56/STF determina que ninguém pode permanecer preso em regime mais gravoso.

Para além disso, há outros mecanismos que podem reduzir a superlotação dos presídios brasileiros: (a) conversão dos regimes semiaberto e aberto, que ainda remanescem em celas físicas durante o repouso noturno, por monitoramento eletrônico; (b) revisão, a cada 90 dias, de forma obrigatória, das prisões provisórias; (c) Liberdade vigiada para os presos condenados por crimes apenados com detenção; (d) Liberdade aos presos com enfermidades graves: uma questão de dignidade; (e) Processo de desencarceramento das mulheres gestantes e com filhos menores de doze anos; e (f) Justiça restaurativa para os sem violência ou grave ameaça a pessoa.

Por obvio são mecanismos que podem minorar esse estado de coisas dos presídios brasileiros, mas nem de longe resolver a situação vigente. Para alcançar o ideal, demanda um esforço conjunto de todos os envolvidos, Poder Judiciário, Executivo, Legislativo, Ministérios Públicos, além de uma intensa conscientização da sociedade, que o cárcere não recupera quase ninguém, mas contribui, sensivelmente, para formar um exército de delinquente.

O Supremo caminha para o reconhecimento, em definitivo, do estado de coisas inconstitucionais. Oxalá que a decisão produza seus regulares efeitos, melhorando a desumana, cruel, degradante situação em que vivem as pessoas presas no Brasil.

19
Mai23

Jurisprudência rigorosa acompanha excessos da própria Lei da Ficha Limpa

Talis Andrade

justiça ficha limpa .jpg

Deputados serial killers gritam "Selva"

 

Por Danilo Vital /ConJur

A Lei da Ficha Limpa estabelece uma quantidade excessiva de hipóteses de inelegibilidade, algumas totalmente desvinculadas de critérios judiciais. Assim, não surpreende que sua aplicação rigorosa tenha servido para levar à cassação até mesmo de um deputado federal que passou a carreira no Ministério Público Federal buscando formas de defendê-la, segundo especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico

Segundo os eleitoralistas, é questionável a linha argumentativa segundo a qual Deltan Dallagnol (Podemos-PR) foi alvo de uma grande inovação do Tribunal Superior Eleitoral, no julgamento que cassou seu mandato na última terça-feira (18/5). De fato, não há na jurisprudência da corte outro caso de aplicação da regra que derrubou o ex-chefe da "lava jato", criada pela Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010).

Até então, o TSE só discutiu o artigo 1º, inciso I, alínea "q" da Lei Complementar 64/1990 uma vez, justamente no caso de um companheiro de Curitiba: Sergio Moro. E em dezembro, o tribunal entendeu que o ex-juiz federal não feriu a regra segundo a qual está inelegível quem deixa a magistratura na pendência de processo administrativo disciplinar (PAD).

Para cassar Deltan, por outro lado, a corte usou a vasta tradição brasileira de combate à fraude à lei: o uso de um ato lícito para atingir uma finalidade proibida. Se não tivesse deixado o MPF antecipadamente, os 15 procedimentos dos quais era alvo no Conselho Nacional do Ministério Público, muitos de gravidade, poderiam evoluir para PADs e torna-lo inelegível.

Deltan foi alvo da Lei Ficha Limpa em sua faceta mais criticada desde que foi aprovada em 2010, a toque de caixa e a partir de grande mobilização popular: aquela que cria a possibilidade restringir de um direito fundamental — de votar e ser votado — em hipóteses que não dependem de sentença definitiva, em tese a mais criteriosa das opções.

Como as alterações promovidas na Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar 64/1990) tiveram a constitucionalidade confirmada por maioria de votos pelo Supremo Tribunal Federal em 2012, elas vêm sendo aplicadas em todo seu rigor — muitas vezes, inclusive, com o apoio do próprio Dallagnol, que ao deixar de ser pedra rapidamente se descobriu vidraça.

 

É assim mesmo


"Não houve excepcionalidade alguma", explica o advogado Rodrigo Valgas, que publicou artigo na ConJur sobre o tema. "É a reiteração de uma jurisprudência que tem aplicado duramente a Lei da Ficha Limpa. Não tem novidade para o Deltan. Isso que foi feito com ele acontece com prefeitos pelo Brasil inteiro. A jurisprudência é muito dura porque a lei também é muito dura", afirmou.

Para ele, a Lei da Ficha Limpa é uma das piores já editadas no país não apenas por fragilizar direitos fundamentais, mas também por ofender a Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário e que, segundo a Súmula Vinculante 25 do Supremo Tribunal Federal, tem status supralegal — ou seja, acima das leis brasileiras.

O problema é que, pelo texto da convenção, a única condenação que pode restringir o direito de votar e ser eleito é a do processo penal, quando feita por juiz competente. Essa previsão está no artigo 23, item 2. Logo, a Lei da Ficha Limpa é inconvencional. "E o que o Brasil faz? Nada. Ele ignora olimpicamente", critica.

Voto do ministro Benedito Gonçalves puniu Dallagnol pela prática de fraude à lei
Antonio Augusto/Secom/TSE

 

Valgas elogia a fundamentação do voto do relator no TSE, ministro Benedito Gonçalves, mas diverge da conclusão. Para ele, a artimanha usada por Dallagnol só poderia servir para torna-lo inelegível se estivesse prevista na alínea "q". Com isso, não caberia elastecer o conceito de fraude à lei para restringir um direito político fundamental.

Marcelo Aith, que também escreveu na ConJur sobre o tema, é outro a criticar a conclusão do TSE. Destaca que os processos de Deltan no CNMP estavam em fase preparatória, sob contraditório mitigado, mas foram tomados pelo TSE como se prestes a gerar PAD. "É inequívoco que há uma ofensa ao principio do estado de inocência", avalia.

A advogada Paula Bernardelli, do Neisser e Bernardelli Advocacia, cita as críticas originais sobre o tema, especialmente em relação aos muitos casos em que há a possibilidade de afastar um candidato ou cassar um mandato sem decisão judicial definitiva sobre uma acusação.

"Apesar dessas críticas, no entanto, as hipóteses de inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa foram implementadas e julgadas constitucionais há muitos anos. Assim, devem ser aplicadas igualmente à todas as candidaturas, exatamente como fez o TSE nesse caso", conclui.

Segundo Renato Ribeiro de Almeida, o rigor dos julgamentos envolvendo a Lei da Ficha Limpa é uma realidade que se impõe por obra do legislador. "A lei, tal como colocada, é rigorosa", avalia. E contesta os efeitos práticos. "Não vejo que a política tenha melhorado tirando tanta gente de tantos cargos. A realidade foi essa. A gente teve um monte de gente cassada."

 

Não é só o Deltan


Para além da específica hipótese da alínea "q", que trata de magistrados e membros do MP que tenham deixado o cargo na pendência de processos administrativos disciplinares, a Lei da Ficha Limpa introduziu outras inelegibilidades que não demandam um processo judicial.

Assim como quem cometeu crime ou fraude eleitoral, ficam inelegíveis por oito anos os excluídos do exercício da profissão por decisão de órgão profissional, os demitidos do serviço público e os que, no passado recente, administraram instituições financeiras que tenham se tornado alvo de liquidação judicial ou extrajudicial.

Segundo os advogados, a alínea campeã em derrubar candidaturas é a de letra "g", que pune aqueles que tiveram suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa.

Isso deu aos Tribunais de Contas brasileiros — órgãos independentes que auxiliam o Poder Legislativo a fiscalizar o Executivo — o formidável poder de, ao julgar contas, decidir também a ocorrência de improbidade administrativa sem precisar passar pelo trâmite de ação civil pública.

As conclusões tomadas nos acórdãos assinados por seus membros — que não são juízes togados, mas escolhidos pelo chefe do Executivo e pelo Legislativo — influenciam diretamente os julgamentos da Justiça Eleitoral. E quando não o fazem, a jurisprudência permite que os tribunais analisem o caso e identifiquem ou não a existência de ato doloso de improbidade.

"Não é só o Deltan", afirma Rodrigo Valgas. "Quem paga conta é o prefeito, o vereador, o deputado. Não precisa chegar em alguém famoso. É uma situação bem delicada", acrescenta.

"Em relação ao Deltan, há quem possa dizer que é injusto, que ele poderia ter feito um grande mandato", cita Renato Ribeiro de Almeida. "Assim como teriam feito muitos das centenas de ex-prefeitos, vereadores e deputados que tiveram a lei aplicada contra si desde 2010 e seus registros de candidatura negados."

- - -

Nota deste correspondente: Apesar do rigor da Lei da Ficha Limpa, jamais foram cassados os mandatos de assassinos feminicidas, de prticipantes de chacinas (genocídio de jovens negros, genocídio de povos indígenas).

Parlamentares (notadamente oficiais militares e delegados de polícia - a chamada bancada da bala), para conquistar votos, confessam que são homicidas.

Pacíficos pastores, sem nenhum pudor, ou amor cristão, convivem com deputados serial killers. Existem deputados que contam, que cantam mais de cem mortes. É uma selvageria.

Gritam: "Selva"! 

07
Abr23

Lawfare e a manipulação política da condenação de Jesus de Nazaré

Talis Andrade
 
 
 
O povo condena Jesus
 

 

por Marcelo Aith /ConJur

- - -

Semana Santa, período introspectivo para os cristãos, é uma oportunidade em que se relembra as atrocidades feitas contra Jesus, que culminaram com sua morte de cruz. Também não há como deixar de considerar que foi uma condenação de fundo eminentemente político, imposta pelos detentores do poder, que tinham receio da ascensão de Cristo como um novo líder dos judeus. Teria sido uma típica aplicação do lawfare?

Lawfare, em poucas palavras, é o uso estratégico do direito com o objetivo de aniquilar um inimigo ou adversário político. Busca-se, em síntese, a morte política daquele que se apresenta como oposição ao setor defendido pelos grupos que detém o poder.

Para entendermos a aplicação do lawfare na condenação de Jesus, há que se contextualizar o momento histórico que os fatos se passaram. Naquela época os judeus estavam vivendo sob a dominação do Império Romano. Embora tivessem alguma autonomia em suas questões religiosas e culturais, eram dirigidos por governadores romanos e obrigados a pagar impostos ao império. Jesus histórico viveu exatamente nessa época. Em um momento em que os judeus estavam subjugados aos romanos, porém alguns poucos ainda gozavam de certa superioridade política e religiosa em relação à grande massa dos excluídos.

Os líderes políticos judeus eram os saduceus, os doutores da lei e os fariseus. O grupo dos saduceus era formado pelos grandes proprietários rurais (detentores do domínio econômico) e pela elite sacerdotal: tinham o poder nas mãos e controlavam a administração da justiça no Tribunal Supremo (Sinédrio). O grupo dos doutores da lei eram os responsáveis pela interpretação das Escrituras (juristas da época). Já os fariseus eram os que dirigiam a vontade do povo, na medida em que impunham a eles os rigores das Escrituras e com isso ditavam as regras de comportamento.

Jesus¸ nos três anos de sua vida pública, colocou o dedo nas feridas causadas pelas mazelas impostas pelos líderes políticos judeus, contestando suas leis e formas de aplicação, bem como suas tradições e o modo segregacionista que tratavam os outros povos, como, por exemplo, os samaritanos. Os samaritanos eram um grupo étnico-religioso que habitava a região montanhosa central de Israel, entre a Judeia e a Galileia. Por terem cultura e tradições distintas dos judeus, eram frequentemente considerados impuros e hereges.

Jesus pregava uma vida mais igualitária, com a diminuição das desigualdades sociais, criticando, fortemente, o fato de que muitos líderes religiosos da época excluíam os marginalizados da sociedade, como os pobres, os doentes e as mulheres. Seus discursos enalteciam a misericórdia e o amor, o perdão e a compaixão. Jesus arrastava multidões por onde passava e isso começou a incomodar, enormemente, os grupos políticos-religiosos da época.

Os referidos líderes judeus temiam que o aumento da popularidade de Jesus pudesse abalar as suas estruturas de poder, já que muitos consideravam Jesus o "Messias esperado". A gota d'água para esses líderes foi a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém no "Domingo de Ramos". Explica-se.

Conforme se extrai dos evangelistas, no domingo anterior ao da Páscoa, Jesus, acompanhado dos seus discípulos (os apóstolos e demais seguidores), foi recepcionado pelos judeus de Jerusalém como rei. Isso mesmo, como rei dos judeus. Ao entrar na cidade muitas pessoas estenderam ao chão seus mantos para Jesus passar e outros o saudaram com ramos, prática usada para recepcionar os líderes políticos, conforme se extrai do livro do Reis (um dos livros da Bíblia que está no Velho Testamento). Esse gesto simbólico era uma forma de honrar a chegada do rei messiânico prometido, que muitos acreditavam que iria libertar o povo judeu do domínio romano.

Jesus, em síntese, ao ingressar como rei dos Judeus (Messias) confronta com o centro político da sociedade judaica simbolizada por Jerusalém e pelo Templo, sede do poder econômico, político, ideológico e religioso. Jesus traz consigo a inversão de um sistema de sociedade apoiado na violência da força militar que defende os privilegiados. O povo o aclamou como aquele que trazia o reino da verdadeira justiça e a notícia se espalhou por toda a cidade. Este fato gerou nos líderes políticos (saduceus, os doutores da lei e os fariseus) a necessidade imperiosa de sufocar a ascensão de um novo líder.

Com receio do grande apoio que Jesus teve do povo judeu, os líderes se reuniram e tramaram para prendê-lo e condená-lo. Para tanto manipularam as leis, desrespeitando os procedimentos legais e os direitos do acusado, previstos na "lei mosaica" (nítida aplicação do lawfare). Cooptaram um dos apóstolos, oferecendo propina para entregar Jesus. 

Há que se lembrar que Ele foi preso à noite, no Jardim do Getsêmani, também conhecido como Monte das Oliveiras, e levado a presença do Sumo Sacerdote (Caifás), que fez alguns questionamentos sobre seus seguidores e sua doutrina. Em resposta aos questionamentos, Jesus pontuou: "Eu falei abertamente ao mundo; eu sempre ensinei na sinagoga e no templo, onde todos os judeus se ajuntam, e nada disse em oculto. Para que perguntas a mim? Pergunta aos que ouviram o que é que lhes ensinei; eis que eles sabem o que eu lhes tenho dito". Ao responder dessa forma agiu nos exatos limites previstos da lei judaica, a qual estabelecia que todo prisioneiro, em julgamento, tinha o direito de ser confrontado com seus acusadores, fato que não foi facultado a Jesus.

Nessa mesma noite, ao arrepio do regramento da Lei Mosaica (Lei de Moisés), que vedava a realização de julgamento a noite, Jesus foi sentenciado pelos integrantes do Sinédrio (Tribunal Supremo). Depois de uma busca incessante para achar testemunhas de acusação (os delatores daquela época), duas apareceram e apontaram como suposto crime o fato de Jesus ter dito que poderia derrubar o Templo e reconstruí-lo em três dias. Templo na verdade era uma metáfora, uma vez que Jesus se referia seria a sua ressureição no terceiro dia após sua morte. Seria crime, nos termos da lei de Moisés, fazer tal afirmação? Por certo que não.

Durante o julgamento, tendo em vista a fragilidade abissal da tese acusatória, Jesus fez uso do direito ao silêncio. Então Caifás, violando a proibição legal de exigir de alguém que testificasse em seu próprio caso, o que era permitido apenas quando o acusado desejasse fazê-lo voluntariamente e, de sua livre iniciativa, pediu uma resposta de Jesus e, também, exercendo a potente prerrogativa de seu ofício de Sumo Sacerdote, para colocar o acusado sob juramento, como se fosse uma verdadeira testemunha diante do tribunal sacerdotal. 

Uma manipulação atroz contra seu suposto inimigo político (lawfare), conforme se extrai da seguinte passagem bíblica, na qual Caifás pergunta se Jesus é filho de Deus e obtém a seguinte resposta: "Tu o disseste; digo-vos, porém, que vereis em breve o Filho do Homem assentado à direita do Poder, e vindo sobre as nuvens do céu. (...) Eu sou o que tu disseste". Diante da resposta o evangelista Lucas relata: "Então o Sumo Sacerdote rasgou as suas vestes, dizendo: Blasfemou; para que precisamos ainda de testemunhas? Eis que bem ouvistes agora a sua blasfêmia! Que vos parece? E eles, respondendo, disseram: É réu de morte". Uma manipulação odiosa das leis com escopo de atingir e aniquilar um "inimigo" político.

Não se pode olvidar, que nos casos criminais, a Lei Mosaica previa a pena de morte para crimes como assassinato, adultério e blasfêmia. No entanto, a lei exigia que o julgamento fosse justo e imparcial e que o acusado tivesse a oportunidade de apresentar sua defesa. Além disso, a lei exigia que duas testemunhas concordassem em suas acusações para que alguém pudesse ser condenado à morte. No caso de Jesus, não houve um julgamento justo e imparcial, pelo contrário, houve uma nefasta manipulação das leis e dos fatos, que vão desde a prisão de Jesus durante a noite, sem uma acusação clara e sem permitir que ele apresentasse uma defesa adequada, até a condenação à morte com base em testemunhos falsos e acusações de blasfêmia.

Embora a Lei Mosaica permitisse a imposição da pena de morte pela blasfêmia, o Sumo Sacerdote não tinha autoridade para condenar alguém à morte, dependendo da autorização do governador romano, razão a qual levou Jesus à presença de Pilatos, com escopo de obter a permissão para executá-lo. O restante dessa trágica história todos sabemos.

Jesus Cristo ("Rei dos Judeus") foi condenado e morto não por ter cometido um crime ou até mesmo uma blasfêmia contra o Deus dos judeus, mas sim por representar um risco para a establishment político. Os líderes políticos manipularam a lei para condená-lo sem provas com o objetivo de aniquilá-lo como uma nova liderança. Ou seja, os líderes judeus fizeram uso indevido dos recursos jurídicos para fins de perseguição política (lawfare).

Qualquer semelhança com alguns julgamentos contemporâneos na história recente do Brasil não são meras coincidências, o que demonstra a faceta obscura, perigosa, antidemocrática do idealismo que impera nas agências estatais de controle social do delito. Será que os integrantes dessas agências põem a cabeça no travesseiro e dormem tranquilamente após manipular os processos para condenar pessoas?

 

11
Nov22

E agora, José? As eleições acabaram e as urnas venceram

Talis Andrade

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Por Marcelo Aith /ConJur

Motivo de grandes manifestações pelo país, com o fechamento de estradas e vias essenciais por apoiadores do atual presidente da República, Jair Bolsonaro, a lisura das eleições do 2022 foi confirmada por três importantes documentos, nos últimos dias: os relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU), do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB) e o relatório final do Ministério da Defesa. Mais importante pelo risco teria à democracia caso uma palavra mal colocada foi emprega no texto. Todos essas auditorias, que fiscalizaram o pleito do dia 30 de outubro, não encontraram quaisquer divergências nos boletins das urnas eletrônicas. 

Assim, todos os ataques sobre as ferramentas e sistemas das eleições no país naufragaram. A narrativa que questionava o pleito, encabeçada pelo presidente e candidato derrotado à reeleição, Jair Bolsonaro, foi sepultada. Principalmente, após o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, encaminhar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o relatório de fiscalização do processo de votação que não apontou nenhuma fraude eleitoral e reconheceu que os boletins de urnas e os resultados divulgados pelo tribunal são idênticos.

Esse boletins são impressos pelos mesários após o encerramento da votação e afixado na porta da seção eleitoral. O documento contém o número de votos por candidato, nulos, brancos e dados sobre o equipamento de votação. E além do Ministério da Defesa, o TCU e a OAB Federal, também no papel de fiscais do processo democrático eleitoral, não encontraram nenhum tipo de alterações ou divergência 

Vale ressaltar que o TCU, em sua análise, destacou que a atuação no trabalho de auditoria das urnas objetiva garantir a confiabilidade das informações públicas repassadas à sociedade. 

Já o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, José Alberto Simonetti, entregou um ofício ao TSE, produzido pela Comissão Especial de Direito Eleitoral da OAB, que reforçou a confiança da entidade no sistema eletrônico de votação. No documento, o presidente da OAB frisou que "evidenciou-se, ao contrário, a postura transparente da Justiça Eleitoral na preservação da lisura e da segurança". Ou seja, deixando cristalino que as eleições transcorreram sem qualquer mácula e com grande transparência.

E o relatório produzido pela Defesa, com participação das Forças Armadas, foi a pá de cal nas manifestações sobre a falta de lisura nas eleições brasileiras. Entretanto, apesar de reconhecer que o pleito ocorreu sem nenhuma evidência ou indício de fraude que possa ter surtido efeito real na votação para o cargo maior do país, os militares fizeram críticas pontuais no sistema de avaliação e fiscalização completa do processo eleitoral. Ou seja, eles não colocaram o sistema atual na parede, mas também não atestam a sua integridade em 100%.

Em uma parte do relatório, os militares avaliaram que por conta da complexidade do sistema, da falta de esclarecimentos técnicos, de acesso a programas e bibliotecas, "não foi possível fiscalizar o sistema completamente, o que demanda a adoção de melhorias no sentido de propiciar a sua inspeção e a análise completas".

Na prática, não estão dando o braço a torcer sobre a transparência da eleição. Uma vez que o código fonte ficou a disposição das autoridades públicas e dos partidos por meses. Oxalá que essa afirmação do Ministério da Defesa ao invés de acalmar os ânimos, não sirva para incentivar mais atentados à democracia.

Os apoiadores do presidente, quando exaltam e pedem a intervenção militar na porta dos quartéis, não podem se esquecer que estão a incorrer nos crimes previstos nos artigos artigos 359-L e 359-M, ambos do Código Penal, na medida em que buscam com a tomada do poder pelas Forças Armadas à abolição violenta do Estado democrático de Direito (artigo 359-L), com a imposição de golpe de estado (artigo 359-M). Que os relatórios apresentados ao presidente do TSE, que confirmam a lisura das urnas e das eleições, acalmem os revoltosos e a paz volte a reinar, minimamente, no país.

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