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O CORRESPONDENTE

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O CORRESPONDENTE

30
Mai18

ASCENSO E MANO TEODÓSIO NO PARAÍSO

Talis Andrade

ascendo.jpg

 

1

Em uma pequena casa uma rua humilde

o corpo de Ascenso

sobrava na cama de solteiro

armada na sala de estar

para esconder das visitas

a pobreza

do quarto de dormir

 

O corpo de Ascenso

a morte veio buscar

A morte veio devagar

triturando-lhe o coração

O coração de poeta

parte fraca

covardia machucar

 

O coração de poeta

desmanchado coração

derretido coração

pelas morenas de cabelos de trança

trançados amores os corpos trementes

enroscados no verde dos canaviais

gemendo lamentos de almas penadas

desencarnadas almas

dos quilombos destruídos

a ferro e fogo e berro

por Bernardo Vieira de Melo

 

2

Mano lembrava Ascenso

o corpo gigante desajeitado

esbarrando nas mesas

e amigos

Mano lembrava Ascenso

no sorriso de menino

no abraço apertado

e imenso

 

De Mano e Ascenso a luta

em diferentes fronts e

confrontos

 

Ascenso imaginárias escaramuças

cantadas nos folhetos populares

duelos de repentistas

brigas de feira e amor

emboscada de macacos

fuga de cangaceiros

enganadora busca

do Tempo de Antes

quando o trem corria

danado pra Catende

 

Mano o sofrimento

por compreender

querer levar aos escravos

a esperança

pelos campos de catequese dos camponeses

aos estudantes o ensinamento

da guerrilha de Che

nos aparelhos clandestinos

 

3

No fígado devorado pelas águias de asas azuladas

os adivinhos buscavam decifrar números nomes

revelados pelos presos no terror

no delírio dos corpos dilacerados

 

Estava Mano deitado no áspero chão

as mãos os pés amarrados

o jovem corpo nu

bonito de ver

apesar dos hematomas

 

apareceu a potestade maior

gritando

para os subordinados

eram uns frouxos

deixassem ele sozinho

que tirava o serviço

 

Expulsos os comparsas

fechou a porta da câmara escura

a pesada porta de bronze

que tudo veda e esconde

 

Serpenteando no chão frio cinzento 

a potestade foi se aproximando

silenciosamente se aproximando

se achegando

e chegando mansamente

abocanhou o pênis de Mano

e mamou

mamou

e babou

como um frágil

inocente

bezerrinho

 

4

Mano conseguia fugir para os mais distantes recantos

correndo solto pelas ruas pelos campos

Vinham ao seu encontro os vultos de mulheres

que amou pelos verdes canaviais verdes gramados

brancas dunas macios leitos leitosas luas

Mano se transportava enlevado pelas estrelas

fachos que iluminam a noite e os bares de Olinda

 

Estava Mano deitado

os olhos vendados

as mãos os pés amarrados

os pensamentos na lonjura

na tontura

os músculos se retesaram

com o frio toque

o bote profissional

da cobra verde

 

Os músculos se retesaram

como acontecia na sessão de choques

os fios elétricos riscando com fogo a pele

Pela vez primeira Mano sentiu medo

O medo de ser castrado escureceu os olhos

 

Secos poços os olhos

As mãos

em carne viva

cavassem na rocha

os poços das lágrimas

As mãos reconquistassem a força

para quebrar as correntes

da verde cana caiana

 

Nas vascas da morte

o corpo desvencilhar-se da rede

dos reacionários

A rede de invisíveis e visíveis malhas

A rede dos terciários

que imobiliza os corpos

e enreda as almas

 

Deitado em leito de plumas

deitado em areias prateadas

despojado no cimento esponjoso

desmaiado no chão molhado

Mano ia e voltava do paraíso

Mano desfalecia e acordava

para beber uma cerveja

no inferno 

 

5

Chegado o novo tempo

pactuado na anistia

gradual geral irrestrita

Mano sentiu-se deslocado isolado

no arraial da fama camaleônica

dos antigos camaradas

a dividir o poder

com os inimigos

 

No mudado tempo

Mano nada pediu

Não pousou de herói

não virou mito

não encenou o papel

de sobrevivente

Quis simplesmente o tento de ser

o Mano de sempre

 

6

Mano fazia política

por amor

um grande amor

à marginalizada gente

que ele liderava

nas barricadas e comícios

 

Mano fazia política

como Ascenso fazia poesia

      por desvairada paixão

       mal de raiz

 

Mano se misturava com o povo

com ternura de flor

pureza de irmão

A inocência de quem tem

dos poetas e dos santos

a pobreza o coração

 

 

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