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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

28
Set22

Fake news sobre perseguição a evangélicos chegam a milhões via filhos e aliados de Bolsonaro

Talis Andrade

 

'Percebemos oportunismo de muitos políticos ligados ao bolsonarismo para usar os ambientes de troca de informação dos evangélicos para ganhar confiança, disseminar desinformação e angariar votos', diz pesquisadora

BBC
por Julia Braun /BBC News 
 
 
 (crédito:  Getty Images)
(crédito: Getty Images)

 

Filhos e aliados próximos do presidente Jair Bolsonaro foram peça-chave no compartilhamento a milhões de brasileiros de desinformação sobre perseguição a cristãos durante a campanha eleitoral.

As mensagens — compartilhadas não apenas por políticos influentes como também por usuários comuns — associam candidatos de esquerda, principalmente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a falsos projetos para proibir pregação de pastores, criminalizar a fé evangélica e até retirar o nome de Jesus da Bíblia.

Outras fazem referência a casos reais de violência contra comunidades religiosas em países da América Latina, Ásia e África e alardeiam que isso pode ocorrer no Brasil.

 

 

"No cenário eleitoral e político brasileiro atual, isso se traduz em uma representação de Lula como um anticristão, enquanto que o Jair Bolsonaro é representado como um grande Messias", afirma Débora Salles, professora da Escola de Comunicação da UFRJ e uma das pesquisadoras do NetLab responsável pelo relatório 'Evangélicos nas redes'.

O relatório monitorou perfis de influenciadores com grande alcance no segmento evangélico entre janeiro e agosto de 2022 e identificou os macro-influenciadores e perfis mais relevantes no terreno da desinformação de fundo religioso.

Entre eles, personalidades com ampla base de seguidores nas redes como o senador Flávio Bolsonaro (PL), o deputado Eduardo Bolsonaro (PL) e o vereador Carlos Bolsonaro (PL); os deputados Marco Feliciano (PL) e Carla Zambelli (PL); e o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo.

A BBC News Brasil analisou as redes sociais dessas seis figuras expoentes entre 6 de agosto e 6 de setembro e encontrou pelo menos 85 mensagens que usavam o temor de perseguição para "demonizar" adversários como Lula e Ciro Gomes.

Foram identificadas 14 postagens nas páginas do senador Flávio Bolsonaro, 11 nas do deputado Eduardo Bolsonaro, 2 na do vereador Carlos Bolsonaro, 8 nas de Carla Zambelli e 3 na do pastor Silas Malafaia no período. O campeão de postagens, porém, foi Marco Feliciano, com um total de 47 em apenas um mês.

Desse total, três mensagens chegaram a ser proibidas pelo TSE por "deturpar e descontextualizar" notícias a fim de gerar a "falsa conclusão no eleitor".

"Percebemos oportunismo de muitos políticos ligados ao bolsonarismo para usar os ambientes de troca de informação dos evangélicos para ganhar confiança, disseminar desinformação e angariar votos", diz a professora Rose Marie Santini, fundadora do NetLab, laboratório vinculado à Escola de Comunicação da UFRJ dedicado a estudos de internet e redes sociais.

"As pessoas estão mais informadas em relação ao perigo das fake news do que estavam em 2018, quando muitos foram pegos de surpresa. Mas certamente esse tipo de desinformação com fundo religioso terá grande impacto no resultado", diz Magali Cunha, doutora em Ciências da Comunicação, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (Iser) e editora-geral do Coletivo Bereia, especializado em checagem de notícias falsas com teor religioso.

Presidente Jair Bolsonaro
Getty Images. Segundo pesquisadora, responsáveis pela produção e disseminação de desinformação com fundo religioso se aproveitam do crescimento da população evangélica para angariar votos

 

'Banir a religião cristã'

 

Uma das fake news compartilhadas nos perfis monitorados pela BBC News Brasil afirma que Lula editou um decreto para "banir a religião cristã" em 2010.

Trata-se de um vídeo que combina reportagens da Band e da TV Globo sobre o decreto conhecido pela sigla PNDH-3 (Programa Nacional de Direitos Humanos), de 2009.

Foto de postagem no Instagram do senador Flávio Bolsonaro
Reprodução / Instagram. Vídeo afirma falsamente que decreto assinado por ex-presidente Lula visava a "banir a religião cristã"

 

Antes do vídeo, uma narração faz a seguinte pergunta: "Você sabia que em 2010 o presidente Lula assinou o decreto PNDH-3 para censurar a imprensa e banir a religião cristã e dar direito de posse da terra a invasores? Mas o projeto foi barrado pelo Congresso. Acha que se ganhar a eleição, ele não vai tentar novamente?".

A alegação é falsa. O documento assinado por Lula não cita qualquer tipo de banimento da religião cristã. O decreto, que ainda está em vigor, propõe justamente o inverso: incentivar a liberdade religiosa e combater a discriminação.

O documento também não prevê censura à imprensa ou dar o direito de posse de terra a invasores. O vídeo foi compartilhado em diversas redes sociais. No TikTok, uma das postagens tem quase 100 mil visualizações.

Ele também foi compartilhado pelo senador Flávio Bolsonaro em suas páginas no Facebook e Instagram no dia 19 de agosto e retuitado pelo deputado Eduardo Bolsonaro a partir de outro perfil no Twitter em 25 de agosto.

A BBC News Brasil entrou em contato com os dois filhos do presidente, mas eles não responderam aos pedidos de comentário até a publicação desta reportagem.

Nas postagens do senador Flavio Bolsonaro, entre comentários de 'Lula nunca mais' e '#bolsonaro2022', uma usuária escreveu: "Isso precisa ser divulgado em todas redes sociais". Uma outra versão da mesma notícia falsa foi postada pelo deputado Marco Feliciano no Facebook e Instagram em 20 de agosto.

Em 19 de agosto, Eduardo publicou no Twitter, Facebook e Instagram uma montagem afirmando que "Lula e PT apoiam invasões de igrejas e perseguição de cristãos". Na mesma imagem, há recortes de notícias sobre a perseguição de religiosos na Nicarágua e de declarações do PT e de Lula sobre o presidente Daniel Ortega.

Após um pedido da campanha do petista, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) determinou no início de setembro a remoção das publicações, que não estão mais no ar, por "deturpar e descontextualizar quatro notícias a fim de gerar a falsa conclusão, no eleitor, de que o ex-presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores apoiam invasão de igrejas e a perseguição de cristãos".

A reportagem entrou em contato com a campanha de Lula, mas não obteve resposta.

Postagens de Eduardo e Flávio Bolsonaro no Twitter trazem discurso falso de que há ameaça aos cristãos no Brasil
Reprodução / Twitter. Postagens de Eduardo e Flávio Bolsonaro no Twitter trazem discurso falso de que há ameaça aos cristãos no Brasil

 

Eduardo Bolsonaro já tinha recebido ordens do TSE para tirar do ar um vídeo que, segundo o tribunal, apresentava de forma descontextualizada e editada um material cujo objetivo era dizer que Ciro Gomes, candidato à presidência do PDT, prega a desarmonia entre as religiões.

A postagem afirma, entre outras coisas, que Ciro "comparou igrejas com o narcotráfico em 2018". "Os recortes são manipulados com o objetivo de prejudicar a imagem do candidato, emprestando o sentido de que ele seria contrário à fé católica e odioso aos cristãos", escreveu o ministro Raul Araújo, do TSE, na decisão.

 

 

'Discurso de ódio para destruir as igrejas evangélicas'

 

As mensagens que fazem referência a uma ameaça de perseguição aos cristãos não estão apenas no Facebook, Instagram e Twitter. São compartilhadas também por usuários desconhecidos em aplicativos de mensagem como WhatsApp e Telegram, com muito menos controle das autoridades.

Segundo levantamento feito pelo Monitor de WhatsApp da UFMG a pedido da BBC News Brasil, a mensagem mais compartilhada nos mais de mil grupos públicos acompanhados na rede social desde o começo do ano e que contém expressões como 'cristofobia', 'destruir as igrejas' e 'intolerância religiosa' é também de ataque ao ex-presidente Lula.

A postagem diz, entre outras coisas, que o candidato "não tem apreço por pastores e militares, faz um verdadeiro discurso de ódio para destruir as igrejas evangélicas" e foi enviada um total de 19 vezes por 6 usuários distintos em 15 dos grupos monitorados pelos pesquisadores.

A segunda mais repostada, porém, também contém distorções, mas contra o presidente Jair Bolsonaro.

"O povo de Deus abandonou Bolsonaro e suas mentiras, ele é o enviado da morte, fome, desgraça e desemprego, que veio para destruir as igrejas evangélicas com política, e jogar irmão contra irmão", diz o texto, enviado 18 vezes por 3 usuários distintos em 10 grupos.

Fake news difundida no WhatsApp se refere a lei que proibiria a pregação religiosa
Bereia. Fake news difundida no WhatsApp se refere a lei que proibiria a pregação religiosa

 

 

Entre as mensagens detectadas pela UFMG há ainda uma que se refere a uma suposta "lei de proteção doméstica" em debate no Senado Federal que proibiria a pregação religiosa. Ela foi enviada um total de 68 vezes por 49 usuários distintos e apareceu em 63 grupos.

A mensagem cita uma iniciativa debatida no Senado que teria como objetivo, entre outras coisas, determinar a prisão religiosa por pregações em horários impróprios e a sanção de congregações e fiéis. Segundo o coletivo Bereia, trata-se de uma notícia falsa, e não existe Projeto de Lei em discussão denominado "Proteção Doméstica".

O texto em tramitação mais próximo ao citado é o PL 524/2015, que está parado no Senado Federal e prevê estabelecer limites para emissão sonora nas atividades em templos religiosos, sem menção à prisão religiosa, proibição de pregações ou limitação da liberdade religiosa.

 

'Um alerta à igreja'

 

Mas nem todos os posts identificados pela reportagem são imediatamente reconhecidos como fake news. Enquanto alguns usam notícias ou declarações tirados do contexto com o objetivo de desinformar, outros simplesmente reproduzem o discurso que explora o temor de restrição à liberdade religiosa.

Um vídeo em que o ex-presidente Lula aparece falando justamente do crescimento das fake news religiosas e acusa algumas pessoas de "fazer da Igreja um palanque político" foi compartilhado com frequência no final de semana de 20 e 21 de agosto e associado a um ataque a pastores e igrejas.

"Tem muita fake news religiosa correndo por esse mundo. Tem demônio sendo chamado de Deus e gente honesta sendo chamada de demônio", diz o petista na gravação feita durante um comício. Em seguida, ele afirma que, em um eventual novo governo seu, o Estado será laico. "Eu, Luiz Inácio Lula da Silva, defendo Estado laico, o Estado não tem que ter religião, todas as religiões têm que ser defendidas pelo Estado", diz

"Igreja não deve ter partido político, tem que cuidar da fé, não de fariseus e falsos profetas que estão enganando o povo de Deus. Falo isso com a tranquilidade de um homem que crê em Deus."

Getty Images. "Mais uma vez Lula zomba da fé cristã", escreveu a deputada Carla Zambelli em post compartilhado no Twitter

 

Ao ser compartilhado nas redes sociais, porém, o vídeo foi descrito como uma demonstração de ódio ou zombaria. "Mais uma vez Lula zomba da fé cristã. Desta vez, atacando o sacerdócio e a honra de padres e pastores. INACEITÁVEL!", escreveu a deputada Carla Zambelli.

A BBC News Brasil procurou Zambelli, que afirmou em nota que "existe, sim, uma ameaça à liberdade do Cristianismo no Brasil, e não podemos ignorar isso tão somente argumentando que vivemos em um país majoritariamente cristão".

"Os ataques ocorrem não apenas a templos e igrejas, mas a valores cristãos. A censura à manifestação religiosa é uma tática antiga de ideologias de esquerda, como no regime soviético, que taxou igrejas, proibiu a venda e circulação da Bíblia Sagrada e praticou diversas campanhas antirreligiosas", disse ainda a deputada, que é autora de um projeto de lei para ampliar a legislação sobre crimes contra a liberdade religiosa.

O vídeo também foi repostado por Flávio, Eduardo e Carlos Bolsonaro e pelo deputado Marco Feliciano.

Carlos Bolsonaro não respondeu ao pedido de comentário feito pela reportagem. Em nota, Feliciano afirmou que suas postagens não se tratam de fake news e que parte de "premissas incontestes" quando faz alertas sobre a ameaça à liberdade religiosa dos cristãos.

"Desavisados, manipuladores e as esquerdas atribuem às ideias conservadoras como fake news. Numa narrativa rasa dos assuntos que não lhes convém! Quando eu publico um alerta ao povo que me elegeu, cristãos evangélicos e conservadores, eu parto de premissas incontestes!", disse Marco Feliciano em nota enviada à BBC News Brasil.

"Em todos os países em que a esquerda socialista-comunista tomou o poder à força ou pela urnas, quando não conseguiu uma Igreja subserviente, partiu para a mais atroz perseguição, como estamos assistindo na Nicarágua, que persegue a Igreja Católica expulsando freiras e fechando as emissoras de rádio cristãs, regime que tem muitos amigos por aqui (Brasil). Completo: não se trata de falso temor, mas da sabedoria popular: 'o seguro morreu de velho'".

Postagem na página no Instagram do deputado e pastor Marco Feliciano
Reprodução / Instagram. Postagem na página no Instagram do deputado e pastor Marco Feliciano

 

Mas a professora Marie Santini, da UFRJ, afirma que mensagens como as postadas pelos filhos e aliados de Bolsonaro geram desinformação e alardeiam pânico sem apresentar evidências que justifiquem esse temor.

"Entendemos fake news como algo que parece jornalismo, mas na verdade é só propaganda. A desinformação é algo mais amplo, inclui teorias da conspiração, distorção de fatos, discursos de ódio e que citam a intolerância e o ódio, por exemplo", diz Santini.

Em alguns dos vídeos compartilhados pelo pastor Silas Malafaia, a reportagem também identificou o discurso classificado como desinformativo pelos especialistas e que trata, por vezes de forma implícita, da ameaça de perseguição aos cristãos.

 

Postagem do pastor Silas Malafaia no Instagram
Reprodução / Instagram. "Ficamos chocados, estão queimando Bíblia, estão fechando igreja. Mas estamos votando em gente que apoia governos que fecham igrejas e que queimam Bíblias", diz Malafaia em vídeo.

 

Em um vídeo postado em seu canal no YouTube em 4 de setembro e compartilhado também em suas páginas no Facebook, Instagram e Twitter, o pastor faz um "alerta" à sua igreja e fala sobre um avanço "com toda força" contra os evangélicos.

"Ficamos chocados quando comunistas e ímpios rasgam a Bíblia e tacam fogo nela. E quando os crentes rasgam a Bíblia do seu coração apoiando gente que nos odeia e odeia nossos fundamentos e princípios?", diz Malafaia, no vídeo de cerca de 11 minutos.

"Eu estou dando um alerta, depois não chora. Porque meu irmão, vão vir em cima da igreja com toda força (...), porque nós somos o último guardião contra aquilo que eles creem e acreditam."

O vídeo tem mais de 150 mil visualizações no YouTube. Um trecho compartilhado no perfil de Malafaia no Instagram tem 84 mil curtidas.

A reportagem procurou o pastor Silas Malafaia, que afirmou que suas postagens não são fake news e que suas manifestações fazem parte de seu direito de expressão. "A minha fala não tem relação com perseguição. O que estou dizendo é que não podemos apoiar um candidato que é contra nossas crenças, valores e fundamentos", disse.

Como exemplos de medidas que corroboram sua visão, Malafaia citou a PLC 122/2006, que criminaliza a homofobia, como um projeto cujo objetivo era "botar padre e pastor na cadeia que impedisse que gays dessem beijo no pátio da igreja" e que foi apoiado pelo PT.

Em sua redação final aprovada na Câmara dos Deputados, antes de ser enviado ao Senado, a proposta citada pelo pastor não mencionava padres ou pastores. Um dos artigos previa pena de reclusão de dois a cinco anos para quem impedisse ou restringisse a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público por discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. O projeto, porém, foi arquivado.

Malafaia disse ainda que, durante seu governo, a ex-presidente Dilma Rousseff "promoveu através do secretário Rachid da Receita Federal perseguição às igrejas". "Eu sou um que sofreu perseguição e multas violentas, de pura maldade", disse à BBC News Brasil.

Getty Images. "Mais uma vez Lula zomba da fé cristã", escreveu a deputada Carla Zambelli em post compartilhado no Twitter

 

'Cristofobia'

O uso do tema da perseguição a cristãos pela esquerda, porém, não é novo. O discurso remonta às eleições de 1989, quando o PT lançou Lula candidato pela primeira vez e apoiadores de Fernando Collor de Mello usaram o imaginário da ameaça comunista relacionada ao PT e o discurso de que ele fecharia as igrejas para apoiar sua campanha.

A narrativa foi retomada com mais força mais recentemente, nas eleições municipais de 2020, sob o rótulo do termo "cristofobia". Dentro das esferas evangélicas, o termo tem sido usado para se referir a perseguições sofridas por adeptos do cristianismo em diversos países, principalmente em locais onde eles são minoria. Bolsonaro usou a expressão em discurso na ONU naquele ano.

"Há alguns anos, eram mais comuns as postagens que identificavam casos de perseguição a cristãos no Oriente Médio, na China e em países ligados ao comunismo. As mensagens criavam um certo pânico em torno disso e chamavam os cristãos brasileiros para que tivessem solidariedade", afirma Magali Cunha.

"Mas de 2020 para cá, temos observado que se está trazendo para a realidade do Brasil esse tipo de abordagem."

Postagem do vereador Carlos Bolsonaro em seu canal no Telegram
Reprodução / Telegram. Postagem do vereador Carlos Bolsonaro em seu canal no Telegram

 

O antropólogo Flávio Conrado é assessor de campanhas do grupo de pesquisa Casa Galileia e coordena um projeto de monitoramento de perfis cristãos nas redes sociais.

Segundo ele, a narrativa de perseguição religiosa tem objetivo de atingir especialmente os grupos evangélicos, mas em muitos momentos também acaba por chamar a atenção de católicos mais conservadores.

"Algumas das vozes por trás das postagens usam uma estratégia de se associar aos católicos e passam a falar em nome dos cristãos como um todo", diz. Para Conrado, o objetivo por trás da campanha de desinformação é usar o temor de um ambiente de perseguição para atrair votos.

De acordo com Débora Salles, o discurso de ameaça à liberdade religiosa dos cristãos também se mistura de forma intensa com uma outra narrativa que vem sendo difundida com frequência nas redes sociais — a de que existe uma "guerra" de valores morais entre evangélicos e a esquerda.

"Essas narrativas se baseiam em uma lógica populista em que tenta se criar a ideia de que há uma guerra político cultural em que os evangélicos deveriam se juntar pela defesa dos seus valores, que estão ameaçados por uma esquerda associada a instituições democráticas, à mídia tradicional e a figuras importantes do cenário cultural", explica a pesquisadora

Em alguns de seus vídeos para as redes sociais, o vereador mineiro Nikolas Ferreira (PL-BH) dá voz a esse discurso.

"Esse vídeo é um alerta para abrir os nossos olhos para a guerra silenciosa que estamos vivendo", diz ele em um vídeo de março, em que fala sobre uma "doutrinação" nas escolas e universidades e cita a criação de um exército pelo que define como "o inimigo" dos cristãos.

Em outra postagem, associa a campanha do ex-presidente Lula à ditadura da Nicarágua e à invasão de igrejas. "Essa galerinha de esquerda gosta de invadir uma igreja né? Imagina quantas igrejas não serão invadidas se o Lula estiver no poder?", diz no vídeo, que tem mais de 500 mil curtidas.

O vereador de 26 anos tem uma grande comunidade de fãs nas redes, com 3,1 milhões de seguidores no Instagram e 1,4 milhão no TikTok.

Nikolas Ferreira, enviou a seguinte nota à reportagem: "Eu não me baseei em achismo ou levantei meras suposições, mas expus fatos que evidenciam igrejas sendo invadidas, imagens sendo quebradas e profanadas nos países da América Latina. A perseguição já existe. Inclusive, o amigo do Lula, Daniel Ortega, está fechando rádios católicas e perseguindo fiéis na Nicarágua. Desinformar é dizer o contrário."

Segundo o antropólogo Flávio Conrado, também são comuns os conteúdos desinformativos que, por exemplo, associam o PLC 122/2006, projeto de lei chamado informalmente de "projeto anti-homofobia", apresentado em 2001 para punir criminalmente discriminação de gênero e de orientação sexual, com a perseguição a pastores e o fechamento de igrejas.

A proposta foi arquivada no final de 2014, mas em junho de 2019 o STF decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia, com a aplicação da Lei do Racismo (7.716/1989).

Em um vídeo compartilhado no início de agosto, o deputado Marco Feliciano afirma que pastores de todo o Brasil estão sendo perseguidos e processados por se recusarem a celebrar casamentos entre pessoas do mesmo. "A liberdade de consciência e crença está em jogo. A Igreja precisa resistir!!!", escreveu na legenda.

 

Mas há ou não perseguição a cristãos no Brasil?

 

Todos os anos, a ONG internacional Portas Abertas, que auxilia cristãos que sofrem opressão por conta de sua religião, produz um ranking dos 50 países onde seguidores do cristianismo são mais perseguidos por causa de sua fé.

O estudo é feito a partir de relatos de incidentes de violência. Na edição de 2022 do ranking, os únicos países da América Latina citados como localidades onde há perseguição severa são Colômbia (30ª posição), Cuba (37ª) e México (43ª).

Há ainda uma lista de países em observação, que engloba outras 26 nações — entre elas estão Nicarágua (61°), Venezuela (65°), Honduras (68°) e El Salvador (70°). O ranking é elaborado anualmente e a edição atual foi feita entre setembro de 2020 e outubro de 2021, o que significa que a classificação de alguns países pode mudar na próxima publicação.

O governo da Nicarágua, citado em muitos dos conteúdos desinformativos identificados pela reportagem, tem sido, de fato, denunciado por repressão à Igreja Católica no país. A tensão entre o Executivo do presidente Daniel Ortega e a instituição cresceu desde que o clero forneceu abrigo a estudantes envolvidos nos protestos de 2018.

Mas desde que a lista do Portas Abertas começou a ser feita, há quase 30 anos, o Brasil não aparece no ranking e é classificado como livre de perseguição.

Segundo o sociólogo Clemir Fernandes, pesquisador do Instituto de Estudos da Religião (Iser) e pastor da Igreja Batista, o discurso em torno da cristofobia sequer faz sentido em um país como o Brasil, onde 86,8% da população se identifica como cristã, entre católicos e evangélicos, segundo dados do censo de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

"Não é possível falar de perseguição a um grupo que não só é majoritário numericamente, como também tem grande representação nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e na cultura brasileira", diz.

Ainda de acordo com o pesquisador, o ambiente de confiança criado em torno das igrejas evangélicas e os laços formados entre os fiéis facilita a difusão dos conteúdos falsos nesse ambiente.

"Muitas pessoas podem julgar as informações passadas nos grupos evangélicos como verdadeiras porque não verificam a sua veracidade, mas também porque elas foram repassadas por irmãos de fé", diz Clemir Fernandes.

Pastor Silas Malafaia e outras lideranças evangélicas rezam ao redor do presidente Jair Bolsonaro e da primeira-dama Michelle Bolsonaro na Marcha para Jesus no Rio de Janeiro
Getty Images. Pastor Silas Malafaia e outras lideranças evangélicas rezam ao redor do presidente Jair Bolsonaro e da primeira-dama Michelle Bolsonaro na Marcha para Jesus no Rio de Janeiro

Mas há preconceito?

 

Embora não haja evidências de perseguição concreta a cristãos no Brasil, pesquisadores afirmam que há "arrogância" e "preconceito", especialmente por parte da elite de esquerda, ao falar sobre evangélicos.

No segundo turno da eleição de 2018, o então candidato do PT à Presidência, Fernando Haddad, chamou o pastor Edir Macedo, fundador da Igreja Universal, de "representante do fundamentalismo charlatão".

Para o historiador e antropólogo Juliano Spyer, isso custou votos a Haddad e deu munição a segmentos evangélicos que defendiam um apoio formal de suas igrejas a Bolsonaro.

"As camadas médias e altas do Brasil têm uma visão fora de foco do Brasil popular e ignoram esse fenômeno [evangélico]. Isso é problemático, porque generaliza a imagem de um grupo de brasileiros com imensa importância cultural, econômica e política", diz Spyer, que é autor do livro O Povo de Deus: Quem são os evangélicos e por que eles importam.

"Ao tratar os evangélicos de forma desrespeitosa, arrogante, desinformada e com uma série de críticas por serem religiosos, estamos abrindo mão do diálogo com as pessoas que têm valores conservadores".

 

'Realmente acho que pode acontecer aqui no Brasil'

 

Luciana Casa Grande, de 40 anos, frequenta uma Igreja Batista em São José dos Campos, São Paulo. Assim como muitos outros evangélicos no país, ela vem sendo exposta nas redes sociais a conteúdos que alardeiam uma ameaça à liberdade religiosa dos cristãos.

"Leio com frequência postagens e notícias nas redes sociais que falam sobre invasões, incêndios e atentados em igrejas ou assassinatos de cristãos na África e em outros lugares", afirmou a arquiteta à BBC News Brasil. "Pela intolerância que vejo, principalmente dos partidos de esquerda ou daqueles que se autodenominam socialistas ou comunistas, realmente acho que pode acontecer aqui no Brasil."

Luciana afirma acompanhar com frequência o perfil de alguns dos aliados de Jair Bolsonaro citados pela reportagem, como Nikolas Ferreira e a vereadora Sonaira Fernandes (PL-SP), outra aliada de Jair Bolsonaro que dá voz ao discurso desinformativo de perseguição religiosa.

Em um post na página do Instagram de Fernandes, em que a vereadora que se autodenomina cristã fala sobre a possibilidade de ataques ao cristianismo no Brasil a partir de um vídeo de uma homilia de um bispo católico, Luciana expressou sua apreensão: "Deus é maior! É hora dos cristãos se posicionarem e se colocarem à disposição de Nosso Senhor Jesus Cristo!", escreveu a paulista nos comentários.

Em nota enviada à reportagem, a vereadora Sonaira Fernandes disse que é cristã "antes de ser qualquer outra coisa, e tenho todo direito de expressar minhas convicções religiosas, conforme prevê a Constituição".

"Diz o filósofo Luiz Felipe Pondé que o único preconceito ainda socialmente aceito no Brasil é contra evangélicos e católicos. Isso fica evidente quando uma declaração minha, que reflete minha cosmovisão cristã, é demonizada e criminalizada", afirma.

Postagem da vereadora Sonaira Fernandes no Instagram
Reprodução / Instagram. 'Precisamos estar vigilantes e defender a fé cristã contra seus inimigos', escreveu a vereadora na legenda do vídeo

 

Luciana já tem seu candidato à presidência definido: "Vou votar no Bolsonaro, principalmente porque ele defende as coisas em que eu acredito", diz.

"Gosto da defesa que ele faz pelo fim da sexualização das crianças. A questão do aborto também, eu sou contra o aborto".

Algumas informações que circulam nas redes sociais sobre o ex-presidente Lula também influenciaram Luciana no momento de escolher seu candidato. "Temos ouvido falar que o Lula vai colocar os padres e os pastores em seu devido lugar. Sempre faz um ataque nesse sentido", diz a arquiteta.

"Vi na internet e em cortes de vídeos, mas não me lembro onde exatamente. Leio muita coisa, não fico catalogando."

 

19
Set22

Feministas evangélicas unidas contra o fundamentalismo religioso

Talis Andrade

 

Foto: Fernando Tatagima

 

 

Mulheres que romperam com o conservadorismo, mas permanecem na fé, conciliam política e feminismo

 

 

 

A população evangélica é formada em boa parte por mulheres. E, ainda que as denominações sejam muitas e tenham suas diferenças, historicamente várias igrejas reproduzem a ideia de que mulheres não devem ocupar os mesmos lugares e nem ter os mesmos direitos que os homens. Então o que significa ser evangélica e lutar por igualdade de gênero? A Revista AzMina ouviu essas mulheres e a íntegra da matéria pode ser lida a seguir.

Thayô Amaral, 28 anos, foi expulsa da igreja Cristã Evangélica do Brasil, mas não desistiu da vida religiosa que marcou toda sua infância e juventude. Nas reuniões de família, sempre havia um louvor, um testemunho ou alguém da liturgia, fazendo parte das conversas.  “Eu nasci no que a gente chama de lar cristão.” Uma minoria em 1994. Hoje, o DataFolha registra que são 30% de evangélicos no Brasil, e eles são alvo de disputa pelos políticos nas eleições de 2022.

Ainda nos primeiros anos, Thayô estudava em uma escola no fundo da comunidade de fé, na cidade de Goiânia, em Goiás. Durante os cultos, o pastor sempre separava um trecho do discurso para dizer que os fiéis não deveriam se sentar na roda dos escarnecedores. Para os adultos, esse era o lembrete de que eles eram diferenciados e, por isso, não deveriam se misturar com pessoas que não pertenciam à comunidade. Para as crianças, o escárnio estava até mesmo nos aniversários infantis que tocavam a música da Xuxa, febre nos anos 90. “Era a demonização do que eles chamam de mundo”. 

Essa separação do “bem” contra “o mal” e do “nós” contra “eles”, comum em algumas igrejas, foi usada por Jair Bolsonaro para se eleger em 2018, e segue sendo estratégia para insistir no cargo em 2022 com a ajuda da primeira-dama, Michele Bolsonaro. Desenhando inimigos imaginários, como a ideologia de gênero, e falando que precisa proteger os valores tradicionais da família, ele mira nas mulheres evangélicas – que são 60% dos brasileiros que professam essa fé, de acordo com o DataFolha. A publicitária Thayô está entre elas, mas está longe de ser a eleitora que o candidato à reeleição espera. 

 

A construção do movimento

 

Foi em 2018, com a eleição de Bolsonaro e dois anos depois da presidente Dilma Rousseff ser retirada do cargo executivo, que boa parte do movimento feminista evangélico brasileiro começou a se organizar em coletivos. “Rolou uma explosão de manifestações, uma resposta ao fundamentalismo”, diz a antropóloga Simony dos Anjos, secretária executiva da Rede de Mulheres Negras Evangélicas. Na época, muito se falava sobre o impeachment ter ocorrido porque Dilma era mulher e as discussões sobre gênero começaram a ganhar o cenário com força. “A esquerda entendeu que precisava conversar com a ala evangélica”, destacou Simony.

Às vésperas de uma nova eleição presidencial (2022), Simony acredita que Michele Bolsonaro é a pessoa que tem conseguido se comunicar mais diretamente com a base evangélica. “Ela [Michele] diz que ora todo dia na cadeira do marido para ele ser um homem melhor e isso é exatamente a mesma coisa que a mulher evangélica faz pelo companheiro”, exemplifica Simony. Assim, além da identificação com a atual primeira-dama, o voto em Bolsonaro seria, também, um “gesto de fé.”, explica a antropóloga. É como se, ao ver que a oração de Michele foi atendida, convertendo Bolsonaro em um homem bem-sucedido e bom, essa mulher religiosa também pudesse crer que as preces dela, em relação ao próprio companheiro, também seriam.

 

Feminismo e direitos humanos sem intermediários

 

Olhar para as igrejas como uma realidade à parte da sociedade, segundo Simony, foi um dos erros que o movimento político de esquerda cometeu. “O evangélico é trabalhador, ele estuda, ele precisa de UBS (unidade básica de saúde). Qualquer discussão social e política vai ter efeitos na igreja”. Diferentemente do que por muito tempo se acreditou, os temas políticos ganham os púlpitos e pautam o comportamento das diferentes comunidades de fé. “A igreja não é uma bolha”. Não à toa, Simony ressalta que a Rede de Mulheres Negras e Evangélicas nasce em 2018, mesmo ano em que Bolsonaro se elegeu.  

 

Caminhos de diálogos

 

Várias das principais bandeiras da campanha de Bolsonaro, como a flexibilização do uso de armas, não convencem as evangélicas. “Muitas perderam seus filhos assim [assassinados]”, aponta Simony. Então, é preciso dizer que quando ela vota no Bolsonaro, ela está votando a favor das armas.” 

Quando o assunto é cuidado e proteção à família, a Covid escancarou os problemas na gestão da saúde pública, que levaram os pobres e pretos a morrerem mais. As demandas por atenção e sobrevivência estão represadas nessa população e, por isso, a fome e o próprio desrespeito às mulheres também são portas de entrada para conversar com a comunidade evangélica que é diversa e não representa um voto único. 

Simony dos Anjos é a candidata do PSOL à prefeitura de Osasco - Correio  Paulista

Simony dos Anjos, secretária executiva da Rede de Mulheres Negras Evangélicas, concilia fé e feminismo.

A Rede de Mulheres Negras Evangélicas se articula formando lideranças que sejam capazes de levar o feminismo para dentro de seus territórios. “Eu preciso que essa mulher entenda que Deus é mãe, porque se Deus fosse pai, no contexto brasileiro, seis milhões de pessoas não têm o nome do pai na certidão”, afirma Simony. E respeitar a fé dessas mulheres é fundamental para que o diálogo seja efetivo. “Quando essa mulher, negra, sozinha vai reconhecer o corpo baleado no IML, quem tá com ela lá? Deus.” 

 

 

 

Desinformação nos grupos religiosos

 

Dentre as coisas que assombraram as mulheres evangélicas nas últimas eleições, Simony recorda a ameaça de que a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva levaria ao fechamento das igrejas, uma notícia falsa criada por grupos bolsonaristas, repetida exaustivamente. E esse é o tipo de coisa difícil de desconstruir quando espalhada em massa. “Nós somos 70 mulheres negras que estão nos seus territórios nas cinco regiões do País se comunicando com as suas bases.” O movimento é potente, mas precisa de apoio. “Enquanto nós temos um grupo de WhatsApp, o Edir Macedo tem uma TV, né?”.

Há uma produção de desinformação em andamento para atingir especialmente mulheres evangélicas, afirma Magali Cunha, pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião e editora geral do Coletivo Bereia – Informação e Checagem de Notícias. As notícias falsas, focadas nesse público, tendem a se concentrar em ideologia de gênero nas escolas, erotização de crianças e perseguição religiosa a cristãos – a chamada “cristofobia”. Além disso, o já conhecido “kit gay”.  “A ideia é impactar essa mulher que quer salvar a família”, explica Magali. 

O trabalho do Coletivo, no combate às fake news religiosas, se intensificou no fim de agosto de 2022, na mesma intensidade que o volume desse conteúdo aumentou. “A transmissão vem, principalmente, por parte de lideranças evangélicas e católicas de grupos conservadores aliadas ao bolsonarismo.” Mas não é só o compartilhamento que gera preocupação. “Na produção vemos algumas lideranças: o deputado Marco Feliciano, a pastora e ex-ministra Damares Alves e o pastor Silas Malafaia”, conta. 

Olhar para isso é importante porque para 13,2% dos evangélicos, os pastores e irmãos representam a fonte mais confiável de notícias. É o que indica um estudo publicado em 2021 sobre desinformação e evangélicos, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da qual Magali participou. Foi a partir dessa pesquisa que o “Coletivo Bereia” nasceu. Entre os evangélicos entrevistados, 77,6% afirmaram que já receberam notícias falsas em grupos relacionados a sua igreja. 

Diante desse cenário, o grupo analisa notícias que circulam em mídias religiosas, assim como conteúdos voltados à religião, e carimba os fatos com avisos de: verdadeiro, impreciso, enganoso, inconclusivo e falso. “Projetos [jornalísticos] de checagem existem muitos no Brasil, mas nenhum voltado para o que circula sobre religião em ambientes religiosos”, destaca Magali. 

 

Igreja curvada ao bolsonarismo

 

A historiadora Agnes Alencar, 34 anos, se considera feminista e evangélica, mas rompeu com a igreja Batista depois da eleição de Bolsonaro. “Vi todos se curvarem diante dele.” Ao não se encontrar mais naquele espaço, decidiu produzir o EBDcast – Escola Bíblica Dominical -, um podcast para contar histórias da Bíblia em que mulheres são protagonistas. Um dos primeiros episódios traz a história das parteiras que aparecem em Êxodo, no antigo testamento. “Elas fizeram um movimento de desobediência civil, porque o Faraó mandou matar os primogênitos e elas não só não mataram como inventaram desculpas”, conta Agnes. 

Para ela, as evangélicas feministas precisam ser vistas como parte importante da luta das mulheres. “Ela pode nunca ter lido Simone de Beauvoir e, ainda assim, entender que o marido dela não tem direito de bater nela, que o corpo é dela”, aponta Agnes, que vive a experiência religiosa desde a infância. “Eu sou a quarta geração de evangélicos.” 

Para escrever os episódios do podcast, Agnes se inspira na teologia feminista, que tem a missão de fazer a leitura de textos sagrados, entre eles a Bíblia, a partir de uma perspectiva feminista. “Quando você é criado na igreja, você aprende a ler a Bíblia como seu pastor te ensina. Certamente, eles não têm uma leitura neutra.”  

Agnes Alencar (@agnesalencar) / Twitter

A historiadora Agnes Alencar defende uma leitura da Bíblia, a partir da história das mulheres.

 

Se dentro do universo eclesiástico, Agnes costumava comentar esses assuntos para uma turma de até dez pessoas, no podcast as reproduções chegam a 5.000. A maior parte dos ouvintes é de mulheres. Agnes não foge de assuntos como homofobia, racismo e igualdade de gênero, e o foco não está em quem está fora da igreja, mas dentro dela. “Quero que elas escutem o episódio e construam com a gente uma outra forma de ler a Bíblia, porque isso influencia como eu vou agir politicamente no mundo”.

 

Feministas cristãs

 

Quando, aos 14 anos, Thayô Amaral foi estudar em uma escola do Rio de Janeiro, encontrou um mundo diferente. Descobriu que o desconforto ao escutar que uma mulher não podia ser pastora, tinha um nome: machismo e passou a estudar sobre a luta organizada das mulheres. De volta a Goiânia, permaneceu como professora da Escola Dominical, mas foi repreendida pelo pastor por dizer ao seu aluno que ele podia brincar com uma bola rosa, pois todas as cores eram feitas por Deus. 

Sem pertencer a uma igreja, ela criou a comunidade “Feministas Cristãs” – hoje com 5.000 pessoas no Facebook. E o estalo pra isso veio quando se sentiu ofendida com um comentário sobre evangélicos dentro de um grupo de feminismo na internet. Ela conta que sentia a necessidade de afirmar, quase o tempo todo, que nem todos eram do mesmo jeito. “A gente não tem abertura nem na igreja nem no feminismo para conversar sobre as nossas faltas”, desabafa.  

Thayô Amaral on Behance

Thayô Amaral criou o grupo “Feministas Cristãs” para falar sobre a luta por igualdade com quem compartilha da mesma fé

 

Por muito tempo os temas mais discutidos no grupo das Feministas Cristãs eram: homossexualidade, submissão e sexo antes do casamento. Mas com a eleição de Bolsonaro, a situação política também tomou conta do debate. Thayô acredita que é possível desidratar as ideias do bolsonarismo com o mesmo instrumento que ele usou para se fortalecer entre as mulheres evangélicas: a bíblia. 

Parte da estratégia seria mostrar para fiéis que ainda estão ao lado do presidente as diferenças entre o Deus cristão e quem afirma representá-lo. “Jesus ficou na frente de uma mulher que ia ser apedrejada”. Ela reivindica visibilidade e o apoio de outras vertentes do feminismo para espalhar a mensagem, mas percebe que essa união ainda está longe de acontecer.  

 

Disputa por narrativas

 

É preciso lembrar também que o feminismo evangélico é um grupo heterogêneo. Há quem já esteja familiarizada com a luta das mulheres há mais tempo, assim como há fiéis que estão entrando em contato com o assunto pela primeira vez. No coletivo Evangélicas pela Igualdade de Gênero, “há quem ache que aborto é pecado, mas é a favor da descriminalização, e tem outras que já são engajadas na luta”, conta Izabel Lourenço, que faz parte da coordenação do grupo em Minas Gerais. Elas consideram importante se abrir para as diferenças, por isso investem na aproximação com essas integrantes. “A gente tem curiosidade de entender de onde vem essa mulher, sem condenar, mas trazendo fatos”, afirma Izabel.  

Quando o assunto é a teologia feminista dentro das igrejas evangélicas, Odja de Barros, 50 anos, é uma das maiores inspirações para as novas gerações. Nascida em Sergipe, aos 20 anos, ocupava um cargo de liderança dentro da Igreja Batista do estado, pertencente à Convenção Batista Brasileira. Ela já vinha estudando sobre a importância do protagonismo das mulheres na estrutura religiosa, e o impacto que isso poderia ter na própria comunidade a levou a assumir o lugar de pastora. 

Odja precisou ser estratégica para levar o feminismo ao púlpito. “Não trouxe primeiro com esse termo porque haveria uma rejeição de primeira, então comecei falando de gênero.” Na época, a direita conservadora cristã ainda não tinha inundado o debate com ‘a tal ideologia de gênero’.  “Se fosse hoje, não daria.”  

O primeiro passo que ela deu foi convidar um grupo de “fiéis” para fazer um estudo dos textos sagrados. O interesse foi geral. “Elas diziam que nunca tinham ouvido falar da Bíblia a partir das mulheres.” Em segundo lugar, com o grupo, Odja criou uma revista, escrita pelas próprias participantes, e, junto com elas, deu o nome de Flor de Manacá – uma árvore resistente, característica que Odja reconhece nas mulheres nordestinas. “Você as vê dizendo: ‘ah, eu sou uma Flor de Manacá’, e ela na verdade tá dizendo ‘eu sou feminista’, do jeito dela de dizer”, indica. 

Odja Barros: "a leitura machista da Bíblia é responsável pela cultura de  violência contra mulheres e LGBTs" - Brasil 247

Odja de Barros não se abstém de pautas como aborto e violência doméstica e leva o debate para as mulheres evangélicas

 

Doutora em teologia e pesquisadora na Igreja Batista do Pinheiro, em Maceió, no Estado de Alagoas, Odja não se abstém de pautas como direitos reprodutivos e sexuais. Mas, quando tenta espalhar a mensagem para outras comunidades de fé, ainda enfrenta muitos obstáculos. É que isso ameaça o poder de quem está usufruindo daquele espaço, daqueles privilégios, explica Odja, por isso é tão difícil acessar outros lugares.  A maioria das mulheres que compõem o seu ministério é branca e de classe média – recorte racial que predominou na maior parte dos grupos e coletivos ouvidos pela reportagem da Revista Azmina.

12
Ago22

Michelle Bolsonaro comentou post de Glória Perez homenageando Daniella 4 dias depois de almoçar com o assassino da filha o psicopata Guilherme de Pádua

Talis Andrade

www.brasil247.com - Michelle Bolsonaro e Juliana Lacerda

 

 

Pacto Brutal. Após o almoço com direitos a selfies com o assassino de Daniella Perez, primeira-dama comentou com emojis post de Glória
 
 
 
Após vir à tona através da jornalista Fábia Oliveira, em sua coluna no portal OFF, que “Jair Bolsonaro e a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, não apenas visitaram a igreja onde Guilherme de Pádua é pastor, em Belo Horizonte, no último domingo (7), como também participaram de um almoço na companhia do assassino de Daniella Perez e da mulher dele, Juliana Lacerda”, viralizou nas redes sociais um comentário feito pela primeira-dama apenas 4 dias após o almoço na capital mineira.
 
Glória Perez usou sua conta no Instagram para fazer uma homenagem à filha falecida há 30 anos e Michelle usou um emoji de choro para lamentar o fato, nos comentários da postagem em questão. 
 
 
 
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Recentemente, Michelle virou notícia ao atacar Lula usando o preconceito contra religiões de matrizes indígenas e afro-brasileiras. Ela compartilhou um vídeo de Lula recebendo um banho de pipoca de uma mãe de santo, na Assembleia Legislativa da Bahia, e classificou tal encontro como um “pacto com o diabo”.
 
 

 
A ignorância é a mãe de todos os males. Primeiro, o negro africano, o branco europeu não conheciam o milho, planta nativa das Américas. Portanto, não conheciam a pipoca, comida de índio. 
 

Em algumas culturas americanas, o milho era uma fonte de alimento tão importante que acreditavam que esse alimento teria uma forte vinculação às divindades que organizavam o seu mundo. De acordo com antigas tradições, o grão de milho armazenava um espírito dentro de si. Com isso, assim que o grão era aquecido no fogo, esse espírito se irritava até estourar. Essa seria uma explicação mítica para o processo de transformação do milho em pipoca.

 Veja comentário da pesquisadora Magali Cunha, do Instituto de Estudos da Religião:

 

 

Conheça as redes de interesses e o que fez do golpe de 2016 uma das manobras políticas mais torpes da história do Brasil, evidenciando os mecanismos que permitiram às elites manipular a população em benefício próprio

 

 

Pouquíssimos intelectuais e comentaristas políticos tinham tanta certeza quanto Jessé Souza de que o impeachment da presidenta Dilma Rousseff se tratava da fachada perfeita para um típico golpe de Estado à moda brasileira. Naquele momento alarmante da política nacional, Jessé Souza cumpriu uma difícil tarefa: explicar como a “cultura de golpes de Estado”, promovida historicamente pela elite contra as políticas públicas de inclusão dos mais pobres – como aconteceu com Getúlio Vargas e João Goulart -, estava em franca atuação sem que a população se desse conta disso.

O golpe de 2016 recolocou em cena o falso moralismo da classe média indignada, que se valeu do argumento do “combate à corrupção” para, na prática, manter seus privilégios diante dos mais pobres e a exclusividade da primeira fila de sustentação da elite. Essa indignação se descolou dos grandes protestos de 2013 para ganhar a representação, manipulada e inflada pela mídia, da “vontade popular” que tomou as ruas nos atos pró-impeachment, anos depois. A associação imediata desse descontentamento ao aparato jurídico-policial do Estado – que tinha a força-tarefa da Operação Lava Jato como testa de ferro e Sergio Moro como uma espécie de super-herói anticorrupção – devastou nossa jovem democracia e gerou um fenômeno reacionário e popular nunca antes visto na história da vida pública brasileira.

A herança do golpe, portanto, não é o governo Michel Temer, como primeiramente se poderia crer. A herança do golpe é o bolsonarismo, um conjunto de manipulações cognitivas e emocionais que explora a fragilidade das pessoas que não conhecem as razões de sua pobreza e humilhação. É justamente essa estratégia de dominação – fruto de uma ideologia racista, excludente e autoritária – que Jessé Souza objetiva desarmar neste livro. Uma contribuição imperiosa para entender o Brasil contemporâneo e seus desafios sociais mais emergentes.

 

Fica registrado o racismo religioso da primeira-dama. O preconceito, o fanatismo, a demonização das religiões indígenas. 
 

 
Finalmente, quem é o diabo: a negra mãe de santo ou o branco pastor assassino Guilherme de Pádua?
 
Essa estória de "pacto com o diabo" foi estória contada em livro por Rosane Malta sobre o ex-marido Fernando Collor. 
 
Rosane revela que Collor fazia rituais de magia negra. Leia aqui.
 
Collor, parceiro e amigo, é o dono dos votos que Bolsonaro pode receber nas Alagoas. 
oli ♡
@povader
Simplesmente Michelle Bolsonaro comentando o post da Glória Perez, feito para homenagear o dia do aniversário de sua filha Daniella Perez que foi assassinada por Paula Thomaz e Guilherme de Pádua, momentos depois a mesma posando ao lado da atual mulher do assassino… como pode?
Imagem
fer
@delegadagioanto
tua esposa ta perdida na persona
Blog do Noblat
@BlogdoNoblat
Jair e Michelle Bolsonaro almoçaram com Guilherme de Pádua e mulher em BH. Assassino de Daniella Perez e Juliana Lacerda estavam no encontro para convidados restritos (IG)
Image
Depois do almoço na casa de Guilherme de Pádua, Michelle foi consagrada "rainha".
Letícia Arsenio
@leticiaarsenio
Por que Bolsonaro está almoçando com Guilherme de Pádua, assassino da atriz Daniella Pérez?Image
Revista Fórum
@revistaforum
URGENTE: Bolsonaro e Michelle almoçam com Guilherme de Pádua, assassino de Daniela Perez Estava presente também a esposa do assassino de Daniela Perez, que fez uma selfie com a primeira-dama; veja aqui
 
 

Mauricio Mattar foi assediado por Guilherme de Pádua: “Ele pedia para eu mostrar meu pênis”

Mauricio Mattar fala dos bastidores da peça "Blue Jeans" em que atuou com Guilherme de Pádua

por Roberto Rodrigues /Observatório dos Famosos /UOL

Os atores decidiram tirar os fantasmas do armário e falar sobre Guilherme de Pádua, assassino da atriz Daniela Perez. O crime que aconteceu há 30 anos se transformou na série “Pacto Brutal”, lançada no streaming e com isso novas revelações sobre o estranho do ator pelos seus colegas de trabalho.

O ator e cantor Maurício Mattar que trabalhou com Guilherme no musical “Blue Jeans” de Wolf Maya, conta que o ator era “desagradável” e “compulsivo” e que quando trocava de roupas no camarim se incomodava com os olhares de desejo do assassino:

“Sempre que eu ia trocar de roupa, o Guilherme colava em mim, ficava olhando de banda e até mesmo pedia para eu mostrar meu pênis. Na época do ‘Blue Jeans’ ele vivia assediando homens, como se fosse doença, compulsivamente. Era muito desagradável. Ele contou que transava com homens desde que chegou ao Rio de Janeiro, onde acontecia a apresentação da peça. Pelo visto era bi. Ele dizia que para subir na vida transaria com quem fosse preciso”, declara o ator.

Antes de entrar no elenco da TV Globo e do teatro, Guilherme de Pádua integrou o elenco do musical “A noite dos leopardos” na Galeria Alaska no Rio de Janeiro, onde dançava e se apresentava nu para o público, na maioria gays, além da peça gay “Querelle” em que interpretava um assassino gay. Hoje é pastor evangélico, defensor do Presidente Jair Bolsonaro e tenta apagar suas manchas no passado.

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