REUTERS Crimes ambientais na Amazônia têm participação de facções, diz pesquisador
por Leandro Machado /BBC News
A atuação de facções que controlam o tráfico de drogas está cada vez mais influenciando o aumento de crimes ambientais na Amazônia, como desmatamento, grilagem,garimpo em terras indígenase extração ilegal de madeira, segundo o geógrafo Aiala Colares Couto, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Professor da Universidade do Estado do Pará (UEPA), Colares Couto até cunhou um termo para explicar essa conexão: narcoecologia.
“Há uma relação do tráfico de drogas com crimes ambientais. O narcotráfico atua como parceiro e financiador, porque percebeu que essas redes ilegais são importantes para ampliar recursos e a lavagem de dinheiro”, explicou Couto, em entrevista à BBC News Brasil no último sábado (11/3).
Um dos dados mais preocupantes da pesquisa é o aumento exponencial das mortes violentas na região amazônica. Entre 1980 e 2019, a taxa de homicídios cresceu 260% nos Estados da região Norte, enquanto no Sudeste esse índice caiu 19%.
Segundo Couto, há várias explicações para a violência, como conflitos fundiários, crescimento de mercados ilegais e, mais recentemente, a presença de facções criminosas tanto regionais como oriundas do Sudeste.
Nesse último caso, chama a atenção o crescimento do Primeiro Comando da Capital (PCC), surgido nos presídios de São Paulo, e do Comando Vermelho, do Rio de Janeiro.
Segundo o pesquisador, atualmente o PCC organiza e investe nas rotas de tráfico pela Amazônia em uma lógica empresarial - o objetivo, diz, é transportar cocaína até mercados lucrativos na Europa. Já o Comando Vermelho controla territórios e a venda de drogas em grandes cidades e regiões metropolitanas.
“A Amazônia é estratégica para o narcotráfico”, diz o professor.
Nascido no quilombo Menino Jesus de Petimandeua, em Inhangapi, no Pará, o geógrafo Aiala Colares Couto também milita no movimento negro e coordena o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade do Estado do Pará.
Leandro Machado entrevista Aiala Colares Couto
BBC News Brasil - O que significa o termo 'narcoecologia'?
Aiala Colares Couto -Narcoecologia é um conceito que eu criei como resultado de uma pesquisa realizada entre 2020 e 2021. Neste estudo, analisamos as conexões do narcotráfico com os crimes ambientais.
Percebemos que há uma aproximação do tráfico com o mercado de extração ilegal de madeira, com a grilagem de terras e com o garimpo em terras indígenas, sobretudo em Roraima.
Entendi que essa relação dinâmica da economia do tráfico contribui para o avanço dos crimes ambientais, como desmatamento, poluição e redução da biodiversidade .
Mas essa conexão também contribui para o avanço da força política do próprio narcotráfico, que compreendeu que essas redes ilegais são importantes para ampliar seus recursos ilícitos e a lavagem de dinheiro.
BBC News Brasil - Por que a Amazônia é importante para as facções como o PCC?
Colares Couto -A Amazônia é estratégica para o narcotráfico, porque é uma região de passagem da cocaína e, mais recentemente, do skunk (um tipo mais forte de maconha). Essas drogas vêm de outros países que fazem fronteira com o Brasil, como Peru e Bolívia, e atravessam a Amazônia até pontos de saída com destino à Europa.
Grupos que antes atuavam só no Sudeste, como PCC e Comando Vermelho, ganharam força na região Norte a partir de alianças firmadas dentro do sistema prisional.
A transferência de presos de um Estado para outro acabou colocando em contato membros das facções do Sudeste com integrantes de grupos regionais.
Isso levou a uma interiorização das facções para diversas regiões amazônicas, e também a uma associação desses grupos com madeireiros e garimpeiros.
O tráfico é um parceiro e financiador desses mercados. Em alguns pontos, como em Roraima, as facções expulsaram os antigos garimpeiros e se apropriaram dessa atividade.
BBC News Brasil - Você comentou que a Amazônia é uma região de passagem de cocaína que vem de outros países. Por onde essa droga sai do Brasil?
Colares Couto -Hoje, um dos principais pontos de exportação de cocaína é o Porto Vila do Conde, em Barcarena, no Pará. Essa droga vai principalmente para a Europa.
Em várias das apreensões no porto, a cocaína estava embalada junto com madeira contrabandeada. Esses grupos ganham dos dois lados, com droga e madeira.
BBC News Brasil - Mas como o PCC atua nesse transporte?
Colares Couto -Existe uma disputa pelo controle do transporte de drogas.
Uma das principais entradas da cocaína de origem peruana é o vale do Rio Solimões, que hoje é uma área disputada entre vários grupos, pois não é fácil dominar uma região enorme como essa. É uma operação bem complexa.
Antes, esse ponto era controlado pela Família do Norte, que perdeu a disputa para o Comando Vermelho. Atualmente, quem comanda parte dessa rota é um grupo chamado Os Crias, mas o PCC também se faz presente.
O que a gente percebeu é que o PCC trabalha mais com a organização dessas rotas de tráfico, tanto que ele tem membros trabalhando nos países vizinhos.
Ele tem uma atuação transnacional, em uma lógica empresarial e mais articulada, fazendo a cocaína chegar aos mercados mais lucrativos na Europa.
Com o aumento da vigilância contra o tráfico na Europa, a cocaína ficou ainda mais cara. É uma atividade ilícita que gera muito dinheiro.
BBC News Brasil - Além do PCC, há outras facções no Norte do país. Como elas se dividem no controle de atividades criminosas?
Colares Couto -Como eu disse, o PCC atua de maneira mais empresarial, principalmente em Roraima e em áreas do interior.
Mas eu diria que o grupo mais hegemônico na Amazônia é o Comando Vermelho, que controla muitos territórios em uma tática de guerrilha e de guerra urbana. Isso acontece principalmente nas grandes cidades e regiões metropolitanas, como Belém, Altamira e Parauapebas.
Aqui, a facção age como milícia, cobrando mensalidade dos comerciantes, pagando propina, mas também controlando a venda de drogas no varejo.
Em Manaus, onde a Família do Norte era mais forte, o Comando Vermelho também está se tornando hegemônico.
A Família do Norte perdeu muito espaço em Manaus depois de assassinatos e prisões de várias lideranças. Está praticamente extinta.
Mas surgiram outros grupos locais, como o Cartel do Norte, os Revolucionários do Amazonas e Os Crias, que são dissidências da Família do Norte, e que não entram em conflito com o Comando Vermelho.
BBC News Brasil - Como as facções afetam a vida dos indígenas?
Colares Couto -Já houve casos de indígenas que se envolveram com o tráfico, adquiriram dívidas e acabaram assassinados pelo Comando Vermelho.
As drogas e o alcoolismo são problemas graves nas comunidades indígenas e quilombolas.
Há muitas ameaças e pressões psicológicas, todo tipo de violência imposto por um grupo armado que controla um território.
BBC News Brasil - Implantar um sistema de garimpo em regiões remotas, como ocorreu na Terra Indígena Yanomami, não é barato. Custa muito dinheiro levar e instalar as máquinas de extração do ouro. Como as facções participam desse sistema?
Colares Couto -Em 2018, houve uma fuga do sistema prisional de Boa Vista. Os detentos se refugiaram em áreas de garimpo.
Esses pontos ficam em terras federais, onde só a Polícia Federal, o Ibama e o ICMBio podem entrar. As polícias Militar e Civil, comandadas pelos governos estaduais, não podem atuar nessas áreas.
O garimpo virou lugar de refúgio para membros e até lideranças do PCC. Foi então que integrantes da facção começaram a trabalhar com contrabando de ouro, e perceberam que era importante controlar essa atividade.
Mas não apenas.
Também passaram a controlar as casas de prostituição e a venda de drogas.
BBC News Brasil - O número de homicídios nos Estados do Norte cresceu muito nas últimas décadas. O que poderia ser feito para diminuir esse índice?
Colares Couto -A região Amazônica é um foco de disputas por terra, uma questão mal resolvida.
Um decreto da época da ditadura militar federalizou muitas dessas terras. São áreas da União, e Estados e municípios não têm poder sobre elas.
Esses territórios passaram a ser disputados por posseiros e grileiros, estabelecendo conflitos fundiários que se tornaram violentos. É um problema que precisa ser resolvido.
Outro ponto é aumentar o efetivo de segurança pública em áreas controladas por facções.
A cidade de Altamira (PA), por exemplo, historicamente tem problemas ambientais e de conflitos fundiários. E ela cresceu muito nos últimos anos, atraindo facções como o Comando Vermelho.
Outra questão é resolver o problema histórico de demarcação de terras indígenas, e afastar a exploração de garimpeiros e madeireiros.
BBC News Brasil - Parte da periferia de Belém chegou a ser controlada por milícias chefiadas por policiais e ex-agentes de segurança pública. Essa situação continua?
Colares Couto -As milícias estão mais camufladas agora, não aparecem tanto como antes, mas ainda existem.
No bairro do Guamá, por exemplo, temos a presença de sete milícias dividindo o território. É o único bairro na periferia de Belém onde não há pichações do Comando Vermelho proibindo roubos na comunidade.
As milícias também se espalharam para cidades da região metropolitana de Belém, como Ananindeua, Santa Bárbara, Benevides e Castanhal.
NPC Mineradora obteve duas licenças em 2019 para pesquisas em Monte Alegre do Piauí, um ano após ser citada na Operação Zelotes; empresa está registrada em nome de um dos denunciados e no da mulher de Augusto Nardes, ministro do TCU, autor de áudio golpista
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PorAlceu Luís Castilho, Tonsk Fialho e Mariana Franco Ramos
A NPC Mineradora e Incorporadora Ltda, ligada à família de João Augusto Ribeiro Nardes, conseguiu quatroautorizaçõespara pesquisar diamantes em uma área de 1.260 hectares na região de Monte Alegre do Piauí (PI), no sul do estado. As duas últimas foram concedidas em 2019, já na gestão de Jair Bolsonaro (PL), de quem o ministro e ex-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU) é próximo.
Augusto Nardes e a esposa, Adriane Freder, dona da NPC
Nardes voltou aos holofotes (22/11/2022), após a divulgação, pelaFolha, de um áudio de teor golpista contra o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no qual dizia a interlocutores do agronegócio haver “movimento forte nas casernas” e que o “desenlace” ocorreria em breve. No dia seguinte aovazamento, ele primeiro tentou se retratar e depois protocolou um pedido de licença médica de suas funções.
Os sócios da NPC são Adriane Beatriz Freder, esposa do ministro, eIgor Alexandre Copetti, réu naOperação Zelotes, que investigou um esquema de corrupção no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Carlos Juliano Nardes, sobrinho do magistrado, também foi denunciado, acusado de corrupção ativa e passiva, além de lavagem de dinheiro.
Bolsonarista ferrenho, Copetti é uma espécie de operador das propinas recebidas no âmbito da Zelotes, conforme a denúncia do Ministério Público Federal (MPF). Ele compõe o quadro societário de diversas empresas ligadas ao clã, como a Administradora de Bens Ltda, compartilhada com o ex-deputado federal Cajar Onesimo Ribeiro Nardes (Pode-RS), irmão mais novo do ex-presidente do TCU.
Cajar chegou a ocupar, a convite do sojeiro e ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi (PP-MT), a Secretaria do Meio Ambiente do Mato Grosso, onde João Augusto possui umafazendanão produtiva. Na ocasião, o caçula dos irmãos Nardes foi responsável pelo recadastramento de todo o setor madeireiro do estado e por implantar o projeto-piloto que originou o Cadastro Ambiental Rural (CAR).
EMPRESA RECEBEU CINCO MULTAS ANTES DE OBTER NOVOS ALVARÁS DA ANM
A NPC está registrada no mesmo escritório da Progresso Participações, em Brasília, cujo sócio majoritário é o próprio ministro do TCU, egresso de um clã gaúcho que cresceu a partir do agronegócio. Segundo as investigações da Zelotes, as empresas eram utilizadas por ele para lavar valores recebidos ilegalmente quando se deu a sua participação no esquema de corrupção.
De acordo com a denúncia, a mineradora foi usada como intermediária para o repasse depropina do Grupo RBS, filiado à Rede Globo no Rio Grande do Sul, terra natal de Augusto Nardes, em troca da atuação do ministro a favor da anulação de dívidas tributárias.
O alvará não foi o primeiro concedido à NPC. Em janeiro de 2015, dois meses antes do início da operação, a Agência Nacional de Mineração (ANM) já havia autorizado a empresa a pesquisar diamantes por três anos na mesma área de 1.260 hectares e em outracomplementar, de 468 hectares, também em Monte Alegre.
Desde então, a NPC passou a colecionar multas pelo não pagamento da Taxa Anual por Hectare (TAH) – que incide sobre os requerimentos de pesquisa mineral – e por problemas na apresentação do relatório de pesquisa. Segundo o Diário Oficial da União (DOU), a companhia foi autuada cinco vezes de agosto de 2017 a setembro de 2021.
Nardes com o presidente do TJMG, Gilson Lemes, na inauguração do Espaço Lapidar (Foto: Mirna de Moura/TJMG)
MINISTRO DEFENDE GARIMPO E PEDE PRESSSA PARA REGULARIZAÇÕES NO TCU
Filiado ao Partido Progressista, que integra a base aliada de Bolsonaro no Congresso, Augusto Nardes iniciou sua carreira política em 1970, na Arena, legenda de sustentação da ditadura iniciada em 1964. Ele foi vereador em Santo Ângelo (RS), entre 1973 e 1977.
Antes de entrar no TCU, em 2005, exerceu dois mandatos de deputado estadual e três de deputado federal. Em 1998, recebeu do então presidente Fernando Henrique Cardoso a Ordem do Mérito Militar no grau de Comendador especial. Anos depois, em 2007, foi condecorado pelo Exército Brasileiro, em Brasília, com a Medalha do Pacificador.
A relação do ex-parlamentar com a mineração de pedras preciosas vai além da NPC. Ele apresentou cinco emendas à medida provisória 125/2003, que institui no Brasil o sistema de Certificação do Processo Kemberley (SCPK), relativo à exportação e à importação de diamantes brutos. Foi o segundo deputado que mais interveio no processo, à época.
As propostas modificam a Lei 10.684/2003, que altera a legislação tributária e dispõe sobre parcelamento de débitos junto à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Ele é autor, ainda, de uma série de projetos que beneficiam militares, como as Propostas de Emenda à Constituição (PEC) 580/2006 e 378/2005. A primeira permite a eles se afastar para concorrer a cargos eletivos, independentemente do tempo de serviço, podendo retornar caso não sejam eleitos. A segunda, de teor parecido, garante o retorno também ao fim do mandato.
No TCU, Nardes sucedeu outro arenista, Humberto Souto, e rejeitou as contas de Dilma Rousseff (PT) por “pedaladas fiscais”. Cinco anos mais tarde, em 2020, voltou a “advogar em causa própria”, ao pressionar por menos morosidade nas autorizações para mineração, conforme o próprioportal do Tribunal.
Ex-presidente do TCU atuou a favor de garimpeiros de Roraima. (Foto: Divulgação/TCU)
Ele mencionou notícias veiculadas na grande imprensa sobre o garimpo ilegal em Roraima, em especial em Terras Indígenas (TI’s). E argumentou que, embora o estado possua “conhecidas reservas de minerais valiosos e úteis para diversos segmentos”, essa riqueza seria “pouco explorada legalmente, não trazendo benefícios à população”.
Na realidade, o estado tem sido palco de uma explosão de crimes cometidos contra comunidades indígenas, sobretudo durante os anos de governo Bolsonaro. No comunicado ao plenário, porém, o ministro destacou o fato de que quase metade do território de Roraima está demarcada como reserva. E justificou que a atuação do TCU seria relevante porque, “segundo estimativas da Polícia Federal, movimenta R$ 1 bilhão (garimpos ilegais), sem considerar os prejuízos ambientais”.
IRMÃO DESMATOU ÁREA INDÍGENA NO MATO GROSSO
Em 2013, Nardes escreveu um livro contando a saga do trisavô, o bandeirante Pedro Ribeiro Nardes, que no século 19 “guerreou” contra indígenas na região que hoje abrange o município de Bauru (SP). Em entrevista ao jornal JCNet, quando do lançamento da publicação, o ex-arenista defendeu o legado controverso de seu antepassado: “Ele foi dado como morto, inclusive em uma carta destinada ao então governador, porque sumiu depois do confronto com os indígenas”, afirmou.
Livro narra a trajetória bandeirante dos antepassados de Nardes
A tendência ao conflito com os povos originários continua no DNA da família. Nardes é irmão do produtor de soja José Otaviano Ribeiro Nardes, um dos principais líderes ruralistas de Primavera do Leste (MT). Ex-presidente do Sindicato Rural da região, ele encabeçou um plano prevendo o desmatamento de 11 mil hectares de cerrado na TI Sangradouro, em Poxoréu (MT).
O “projeto”, como denomina, teve apoio de Bolsonaro e do presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier. “Sem o apoio do presidente da República e da Funai, nós não teríamos conseguido”, disse José Nardes à coluna de Rubens Valente, então no UOL. “A Funai em Brasília é uma extensão do nosso projeto”. O fazendeiro pretendia plantar soja, arroz e milho no local.
Ainda assim, o ex-presidente do TCU foi uma das personalidades anti-indígenas homenageadas em março pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, por supostamente atuar em defesa dos povos originários. Bolsonaro foi outro homenageado. A portaria nº 47 concedeu ainda a “medalha ao mérito indigenista” a dez ministros e a outras catorze pessoas, entre servidores da Funai, da Polícia Federal e de outros órgãos públicos: “Não é só Bolsonaro: veja o histórico de outros homenageados por “mérito indigenista”“.
NARDES ALEGA QUE EMPRESA, ATIVA, NUNCA TEVE MOVIMENTAÇÃO
O observatório entrou em contato com o ministro nesta segunda-feira (21), por meio da assessoria de imprensa do TCU, para questionar possíveis conflitos de interesse envolvendo as empresas da família e sua atuação no Tribunal. A reportagem recebeu como resposta que a NPC “consta como ativa, mas nunca teve movimentação desde que foi constituída”.
Mais tarde, o ministro pediulicença médicado TCU. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) pede oafastamentodo ministro e sua convocação para depor nas comissões de Direitos Humanos e de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor.
Nardes enviou também a nota na qual “lamenta profundamente” a interpretação que foi dada sobre o que chamou de “áudio despretensioso, gravado apressadamente e dirigido a um grupo de amigos”. Ele acrescentou que “repudia peremptoriamente manifestações de natureza antidemocrática e golpistas” e reiterou sua “defesa da legalidade e das Instituições republicanas”.
Nesta quinta-feira, 1º de setembro, o Tribunal Permanente dos Povos vai divulgar a sentença do julgamento do presidente Jair Bolsonaro por crimes contra a humanidade e violações cometidos por ele e seu governo durante a pandemia de Covid-19.
A leitura da sentença acontece a partir das 10h, na Sala dos Estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no Largo São Francisco, centro de São Paulo.
O julgamento da denúncia contra o presidente Bolsonaro foi realizado em maio deste ano, simultaneamente no Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e em Roma, na Itália, sede do Tribunal Internacional.
O órgão acusa o presidente de ter recorrido à máquina pública para propagar intencionalmente a pandemia de Covid-19 no país, gerando morte e o adoecimento de milhares de pessoas, além de promover genocídio dos povos indígenas pela ausência de políticas públicas para a proteção dos indivíduos e seus territórios.
Durante o julgamento, a CNTS, FNE e CNTSS foram convocadas como testemunhas das graves violações dos direitos dos trabalhadores da saúde durante a pandemia. As entidades relataram os problemas que os profissionais enfrentaram durante este período, como a falta de equipamentos de proteção de segurança adequados, falta de treinamento, más condições de trabalho, jornadas de trabalhos exaustivas, que acarretou em 872 mortes de profissionais da Enfermagem reportados junto ao Cofen.
A denúncia foi feita em conjunto pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Coalizão Negra por Direitos e a Internacional de Serviços Públicos (PSI).
Sobre o Tribunal – Criado em Roma em 1979, o Tribunal Permanente dos Povos – TTP é considerado um sucessor do Tribunal Russell, que foi estabelecido em 1967 para investigar crimes de guerra no Vietnã. Ainda que não tenha efeito condenatório do ponto de vista jurídico, constitui um alerta para que graves situações não se repitam e uma referência na formulação de legislações nacionais e internacionais.
Rascunho de sentença de tribunal condena Bolsonaro pela gestão da covid
Um rascunho da sentença do Tribunal Permanente dos Povos aponta que Jair Bolsonaro será condenado por graves violações de direitos humanos e que, em algumas instâncias, os fatos poderiam ser considerados crimes contra a humanidade.
Ao tratar da questão da pandemia da covid-19, a decisão poderá ampliar a pressão internacional contra Bolsonaro. O órgão internacional, criado nos anos 70, não tem o peso do Tribunal Penal Internacional e nem a capacidade de tomar ações contra um estado ou chefe de governo. Mas uma eventual condenação é considerada por grupos da sociedade civil, ex-ministros e juristas como uma chancela importante para colocar pressão sobre o Palácio do Planalto e expor Bolsonaro no mundo.
Depois de uma audiência e de troca de informações ao longo dos últimos meses, a corte marcou a leitura de sua decisão para esta quinta-feira, dia 1º de setembro. Uma reunião entre os juízes está marcada para ocorrer um dia antes, na quarta-feira, para que se possa bater o martelo sobre a sentença.
Três fontes diferentes da corte, na Europa, confirmaram que um primeiro rascunho sobre a decisão já foi elaborado. Mas o processo ainda envolve uma reunião na quarta-feira para que todos os juízes possam apresentar seus argumentos e votar.
Diante de uma gestão sem precedentes, os juízes tinham de tomar uma decisão sobre o que fazer com Bolsonaro. Dentro do Tribunal, não existe dúvida de que ele será condenado. Mas o debate é sobre como encaixá-lo.
Segundo o UOL apurou, o rascunho que será submetido aos demais juízes aponta para "graves violações de direitos humanos" e, em algumas ocasiões, atos que poderiam significar crimes contra a humanidade.
Não há, pelo menos por enquanto, uma indicação de que os crimes de Bolsonaro devam ser considerados como genocídio. Apesar da opção ter ficado de fora do rascunho, o conceito pode ainda voltar a ser debatido. Alguns dos membros da corte mantém uma postura favorável à consideração também dessa classificação de crime.
A denúncia contra Bolsonaro foi apresentada pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, a Internacional de Serviços Públicos, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e a Coalizão Negra por Direitos.
Os grupos acusaram Bolsonaro de ter, "no uso de suas atribuições, propagado intencionalmente a pandemia de covid-19 no Brasil, gerando a morte e o adoecimento evitáveis de milhares de pessoas, na perspectiva de uma escalada autoritária que busca suprimir direitos e erodir a democracia, principalmente da população indígena, negra e dos profissionais de saúde, acentuando vulnerabilidades e desigualdades no acesso a serviços públicos e na garantia de direitos humanos".
A acusação foi liderada pelos advogados Eloísa Machado de Almeida, Sheila de Carvalho e Maurício Terena.
A denúncia esteve concentrada em demonstrar que houve uma prática de incitação do genocídio, principalmente contra os povos indígenas e movimento negro.
O que é o Tribunal
Com sede em Roma, na Itália, e definido como um tribunal internacional de opinião, o TPP se dedica a determinar onde, quando e como direitos fundamentais de povos e indivíduos foram violados. Dentro de suas atribuições, instaura processos que examinam os nexos causais de violações e denuncia os autores dos crimes perante a opinião pública internacional.
Embora seja um tribunal de opinião, cujas sentenças não são aplicadas necessariamente pelos sistemas de Justiça oficiais dos Estados, os vereditos do TPP são relevantes. Eles indicam o reconhecimento de crimes e deveres de reparação e Justiça que, de outra forma, sequer seriam considerados pelos sistemas legais oficiais.
Outra de suas funções é embasar processos penais, servindo de subsídio para a elaboração de leis e tratados internacionais, com o objetivo de coibir a repetição dos crimes.
Um exemplo de sua relevância remete à sessão sobre a Argentina, na década de 1980, quando foi apresentada a primeira lista de desaparecidos políticos do regime militar no país.
Criado em novembro de 1966 e conduzido em duas sessões na Suécia e na Dinamarca, o tribunal pioneiro foi organizado pelo filósofo britânico Bertand Russell, com mediação do escritor e filósofo francês Jean-Paul Sartre e participação de intelectuais da envergadura do político italiano Lelio Basso, da escritora Simone de Beauvoir, do ativista norte-americano Ralph Shoenman e do escritor argentino Julio Cortázar. Na ocasião, o tribunal investigou crimes cometidos na intervenção militar norte-americana no Vietnã.
Nos anos seguintes, tribunais semelhantes foram criados sob o mesmo modelo, investigando temas como as violações de direitos humanos nas ditaduras da Argentina e do Brasil (Roma, 1973), o golpe militar no Chile (Roma, 1974-1976), a questão dos direitos humanos na psiquiatria (Berlim, 2001) e as guerras do Iraque (Bruxelas, 2004), na Palestina (Barcelona, 2009-2012), no leste da Ucrânia (Veneza, 2014).
Essa não é a primeira vez que o tribunal irá lidar com o Brasil no período democrático.
Em 1989, ele realizou uma audiência dedicada ao tema da impunidade nos crimes de lesa-humanidade na América Latina. Naquele momento, ele colocou em evidência a falta de punição dos responsáveis por violações cometidas durante a ditadura militar brasileira e a negação do direito à memória coletiva como condição para evitar novas formas de autoritarismo.
A situação de crianças e adolescentes na sociedade brasileira e a questão carcerária no país foram temas tratados em 1991. A sessão sobre a Amazônia, no ano seguinte, mostrou a trágica distância entre realidade e direitos preconizados pela Carta de 1988, no manejo do território e nas garantias de autonomia dos povos locais.
E, no ano passado, em sua 49ª Sessão, o tribunal acolheu denúncias de ecocídio e violação de direitos dos povos do cerrado brasileiro. A sentença, porém, ainda não foi divulgada.
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Tribunal dos Povos deve condenar Bolsonaro por crimes na pandemia
Será uma condenação simbólica, é verdade, uma vez que o Tribunal Permanente dos Povos, desprovido de competência judicial, não pode aplicar qualquer tipo de sanção aos criminosos julgados por ele. Inspirado no Tribunal Bertrand Russell, que em 1967, também de maneira simbólica, julgou os crimes praticados pelos Estados Unidos na guerra do Vietnã, o Tribunal Permanente dos Povos foi criado em 1979 para ser um tribunal "de opinião".
"A finalidade é reafirmar a autoridade da voz dos povos quando Estados e instituições internacionais falham em proteger os direitos dos povos", declarou o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro acerca dos tribunais de opinião na abertura desta 50ª sessão, na última terça-feira (24). Segundo Pinheiro, professor titular aposentado de Ciências Políticas na USP e ministro dos Direitos Humanos no governo de Fernando Henrique Cardoso, é este o caso do Brasil.
Mesmo sem poder de sanção, uma sentença condenatória no Tribunal Permanente dos Povos terá o condão de ampliar a visibilidade sobre as violações de direitos praticadas por Bolsonaro e seu governo, bem como de incentivar novas investigações e contribuir para a adoção de políticas protetivas dirigidas aos povos por ele ameaçados.
Sobretudo, a iminente condenação de Jair Bolsonaro neste tribunal poderá constrangê-lo ainda mais no cenário internacional, ao mesmo tempo em que o amplo material reunido pela acusação ajuda a sistematizar desde já indícios, provas e testemunhos que poderão engrossar, num futuro próximo, ações movidas contra ele na Justiça comum.
Crimes contra a humanidade
Bolsonaro virou réu no Tribunal Permanente dos Povos por iniciativa de quatro instituições que representaram contra ele: a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, a Coalizão Negra por Direitos, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Internacional dos Serviços Públicos (PSI).
Duas advogadas e um advogado se revezaram na acusação: Eloísa Machado, que também é professora de Direito na FGV-SP; Sheila de Carvalho, que atua junto à Coalizão Negra por Direitos e coordena o Núcleo de Violência Institucional da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP; e Maurício Terena, advogado indígena da Apib.
O argumento central é de que o réu incorreu em graves violações de direitos humanos e praticou crimes contra a humanidade - como o homicídio, o extermínio e atos desumanos - que atingiram, de forma deliberada, a população negra, povos indígenas e trabalhadores da saúde durante o período mais delicado da pandemia de Covid-19.
Muito mais do que negligência
Os números são impressionantes. Os pronunciamentos compilados pelas entidades e reunidos num vídeo exibido durante a audiência, nauseantes. Cito alguns exemplos.
Estudos realizados em 2021 mostraram que 63% dos profissionais de saúde não tinham equipamento de proteção individual adequado para atuar na linha de frente da Covid, parte deles nem sequer máscaras cirúrgicas. Foi preciso cobrar na Justiça para que o EPI começasse a chegar.
Em março daquele ano, entidades de classe computaram a morte de um profissional de saúde a cada nove horas no país.
Houve hierarquização de vidas na distribuição de vacinas aos profissionais de saúde num amplo conjunto de unidades: primeiro vacinavam-se os médicos e médicas; se sobrassem vacinas, eram aplicadas nas equipes de enfermagem. Nas raras vezes em que havia excedente, imunizavam-se profissionais de serviços gerais, atendimento, limpeza.
O governo decidiu deliberadamente suspender a contagem dos casos de contágio e de óbito após os primeiros meses, o que obrigou veículos de imprensa a organizar um consórcio a fim de sistematizar os dados que o governo se negou a sistematizar.
Faltou oxigênio em Manaus. Quando chegou oxigênio, não havia medicamentos essenciais para a sedação. Para tentar salvar a vida dos pacientes, enfermeiros precisaram amarrá-los nas macas e intubar sem sedação, ato equivalente à tortura.
Com 2,7% da população mundial, o Brasil somou 11% das mortes por Covid.
Não houve testagem ampla, sobretudo nas classes mais baixas. Pessoas com renda acima de quatro salários-mínimos fizeram testes de Covid quatro vezes mais vezes, em média, do que cidadãos com renda de até meio salário-mínimo. Mais da metade da população brasileira jamais testou.
Pelo menos 120 mil mortes poderiam ter sido evitadas apenas no primeiro ano da pandemia somente com medidas não farmacológicas, ou seja, com lockdown, distanciamento, uso de máscaras e uma política de busca ativa e testagem em massa.
Necropolítica
Enquanto isso, Jair Bolsonaro não dizia apenas que a Covid era uma gripezinha, mas envidava esforços reiterados para demover a população das três coisas que mais poderia salvar vidas: o distanciamento, as máscaras e as vacinas. Mais do que isso, sempre segundo a acusação: pressionou pelo uso de medicamentos ineficazes, protelou a aquisição de imunizantes a despeito das muitas ofertas feitas por laboratórios que já começavam a produzir comercializar vacinas no segundo semestre de 2020, e fez o que pôde para levar adiante o projeto perverso de buscar a imunidade de rebanho induzindo o contágio de muitos.
Aglomerações promovidas por Bolsonaro, na terra ou no mar, sempre sem máscaras - chegando ao cúmulo de abaixar a máscara de uma criança de colo com a qual fazia uma selfie - completam a extensa lista de ações ora catalogadas como indícios de uma ação deliberada de espalhar a doença e a morte.
"Bolsonaro impõe a todos nós desde 1º de janeiro de 2019 um governo de morte e destruição", afirmou Eloísa Machado, da acusação. "O que ele fez foi encontrar na pandemia uma oportunidade de levar esse projeto a cabo." Entre outras ações, incitou o descumprimento das medidas sanitárias e boicotou a vacina de todas as maneiras que possíveis. Declarou, por exemplo, que a vacina poderia alterar o código genético - e transformar a gente em jacaré, quem lembra? - e transmitir o vírus da Aids.
"O surgimento da pandemia foi algo repentino, imprevisível, é claro", acrescenta Eloísa. "Mas aqui o que estamos destacando não é a resposta imediata, mas toda a gestão, a forma com que ele lidou com a doença ao longo de mais de dois anos".
Para Deisy Ventura, da Faculdade de Saúde Pública, um extenso e cuidadoso trabalho de levantamento de todas as medidas provisórias, portarias, decretos e vetos presidenciais deflagrados nos últimos dois anos com algum impacto na saúde revelou que a atuação de Bolsonaro na gestão da pandemia não pode ser chamada de negligente ou de equivocada, apenas.
"O que houve foi um projeto deliberado para impedir a adoção de medidas de contenção da doença e promover seu alastramento", diz Deisy. "Isso aconteceu de diversas formas, mas principalmente por meio de campanhas de desinformação e perseguição, inclusive judicial, a governos estaduais que adotaram medidas de proteção mais restritivas. Imunização por rebanho nada mais é que um outro nome para assassinato em massa".
Genocídio negro
A população negra foi particularmente impactada por esse extermínio deliberado, segundo a denúncia, o que pode ser constatado quando se faz um recorte de raça e cor na relação das vítimas.
Profissionais do sistema de saúde sem equipamento de proteção individual, últimos a receber vacina, eram majoritariamente negros.
A população de Manaus, onde a imunidade de rebanho foi particularmente encorajada e onde a população ficou sem oxigênio e sem sedação, num cenário apocalíptico que acabou merecendo ampla divulgação na imprensa, é 75% parda e preta, segundo o IBGE: uma das capitais mais negras do país.
Na visão da advogada Sheila de Carvalho, a má gestão dos impactos da pandemia na população negra é reflexo da desumanização do povo negro que Bolsonaro promove desde antes de ser eleito, quando já circulavam vídeos em que ele se referia ao peso dos negros em arroba (unidade utilizada para calcular o peso de animais, em particular do gado bovino).
Wania Sant'Anna, da Coalizão Negra por Direitos, lembrou que a primeira vítima fatal da Covid no Brasil foi uma emprega doméstica que contraiu o vírus dos patrões. "Não é à toa que uma das primeiras pressões governistas foi buscar caracterizar o trabalho doméstico como essencial", ela diz. "O STF não deixou".
Genocídio indígena
O terceiro grupo especialmente impactado pelas violações de direitos praticadas pelo réu durante a pandemia - uma vez que o tribunal dos povos elege como cerne de sua atuação a defesa dos direitos coletivos de grupos específicos - é formado pelo conjunto dos povos indígenas: 305 em todo o Brasil, segundo o advogado indígena Maurício Terena, um dos três responsáveis pela acusação.
Aqui, o que está em análise é a ação deliberada do governo federal em torno de decisões, investiduras e movimentos que têm como meta ou como resultado o desaparecimento desses grupos - tanto por meio de políticas de extermínio quanto por meio de pressões incontornáveis para que deixem de existir enquanto grupo étnico, linguístico, cultural.
Dinaman Tuxá, coordenador da Apib, destacou que a política de genocídio teve início no primeiro dia de mandato, quando o presidente empossado confirmou sua decisão de descumprir a Constituição Federal. Segundo a Carta Magna, é obrigação do Estado demarcar terras indígenas, coisa que Bolsonaro prometeu não fazer, nem um centímetro, até o fim de seu governo. Por isso uma de suas primeiras ações foi tirar da Funai a prerrogativa de demarcar terras indígenas e entregá-la para o Ministério da Agricultura, agora nas mãos do agronegócio, personificado na figura da ministra Tereza Cristina.
Bolsonaro cumpriu a promessa.
O advento da pandemia de Covid logrou multiplicar o ímpeto devastador do presidente. O plano nacional de imunização apresentado pelo Ministério da Saúde em dezembro de 2020, por exemplo, colocou a população indígena como prioritária, mas considerou apenas os moradores de terras homologadas. Ao deixar de fora os indígenas que viviam em áreas ainda não homologadas ou em cidades, o plano desprezava metade da população indígena total.
Antes das campanhas de vacinação, missões evangélicas foram denunciadas por entrar em terras indígenas, com a proteção e o incentivo do presidente, para difundir ali o mesmo discurso negacionista e anticientífico divulgado por Bolsonaro em suas lives. Espalhavam que tomar vacina era arriscado e que as máscaras eram ineficazes. Que eram todos fortes demais para se importar com uma "gripezinha". E que medicamentos como a cloroquina eram capazes de curar causando menos riscos que a vacina.
Os resultados foram catastróficos. Algumas etnias, como os korubos, tiveram mais de 70% de sua população contaminada, por agentes de saúde, missionários, ou, em muitos casos, pela presença cada vez mais próxima e intensa de garimpeiros, madeireiros e pecuaristas. "Não há nenhuma política de Estado que tenha como objetivo a proteção dessas comunidades", diz Dinaman.
Segundo o advogado Maurício Terena, a formação de uma barreira sanitárias nas aldeias foi uma reivindicação da Articulação dos Povos Indígenas garantida por imposição judicial, mas que nunca chegou a ser feita. "Nem sequer o fornecimento de água potável às aldeias o governo cumpriu", diz.
O acusador lembra também que os 305 povos indígenas que vivem no território brasileiro praticam cerca de 170 línguas diferentes e que parte dos indígenas não compreende o português. "Nenhuma comunicação oficial sobre as medidas sanitárias ou as campanhas de imunização foi feita nessas terras nas línguas próprias dos indígenas", diz.
Há, nesse interim, o risco iminente da devastação de povos isolados. Do povo Piripkura, há apenas dois sobreviventes. Do povo Tanaru, apenas um. "Perdemos para a Covid 19 o último Juma que havia no Brasil", lamenta Maurício Terena, com a voz embargada. Aruká Juma morreu aos 86 anos em fevereiro de 2021.
A ausência de barreiras nas aldeias e os constantes ataques oficiais à política de restrição de acesso, por um governo que insiste em dizer que os indígenas são vagabundos e que eles devem ser todos incorporados às cidades e aderir ao modo de vida "ocidental", apenas potencializa o risco.
Num testemunho emocionante, a indígena Auricélia Fonseca, do povo Arapiun, no Pará, falou de sua revolta ao precisar viajar até Brasília em abril de 2021, no auge da pandemia com cerca de 3 mil mortes diárias. "Tivemos de ir porque não podíamos permitir que nos matassem", ela diz. "Eram vários os projetos de morte, não apenas a Covid. Garimpo, marco temporal, agrotóxicos, desmatamento, o envenenamento dos mundurucus e ianomâmis por mercúrio, nossas crianças mortas pelas dragas nos garimpos, as mulheres estupradas. Estão nos matando de muitas formas. A boiada passou e continua passando."
Sentença
Todos os fatos e números apresentados nos dois dias de audiência estão consolidados na peça de acusação encaminhada ao Tribunal Permanente dos Povos. Eles se apoiam em farto material de pesquisa.
O Governo Federal não enviou representantes. Paulo Sérgio Pinheiro, a quem coube presidir essa sessão, afirma que recebeu uma reposta oficial segundo a qual o Governo considerou que não lhe cabe dar satisfação, uma vez que esse tribunal não está previsto em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Ficou sem advogado de defesa e sem testemunhas.
O júri é formado por doze membros, de nacionalidades distintas, com trajetória reconhecida no âmbito do direito ou nas áreas de ciências sociais e saúde. O presidente do júri é o ex-juiz e eminente jurista italiano Luigi Ferrajoli, referência mundial em Direitos Humanos.
O delegado Alexandre Saraiva, da Polícia Federal (PF), ecoou, nesta segunda-feira (25/7), uma hashtag com pedido de prisão contra a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP). O assunto é um dos comentários registrados pelo Twitter.
A declaração ocorre após a congressista ter ameaçado o policial sobre um possível processo judicial por ter sido incluída na lista de parlamentares que ele considera “bandidos” e “marginais” por apoiarem, segundo ele, atividades ilegais na Amazônia. Ex-superintendente da PF na região, Saraiva deu declaração, em junho, durante entrevista à GloboNews.
“Se a Carla Zambelli me processar vou colocar este fato no meu currículo Lattes, algo como: ‘Processado por Carla Zambelli por chamá-la, em programa de grande audiência, de marginal e bandida.’ O que vocês acham? #zambellinacadeia”, provocou.
Em Roraima, Amapá, Pará e Mato Grosso, garimpeiros não ficaram de quarentena e lançaram-se em nova corrida pelo ouro. Uma corrida que nunca termina. "Estas pessoas transformarem nos transmissores do coronavírus para os 180 povos que há milênios vivem na Amazônia", diz Danicley de Aguiar. Contaminam as pessoas e os rios. Os rios com mercúrio.
A presença de milicianos ligados ao garimpo ilegal e o contrabando de riquezas já deveriam ser sinal de alerta para ação rápida de fiscalização. Não é o que se vê. Apenas 20% do ouro extraído vem da mineração legal.
Sem poder contar com fiscalização contra o desmatamento, garimpo ilegal e contrabando de riquezas, indígenas têm pedido um plano de emergência para proteger povos da floresta.
Pedem ESVAZIAMENTO DOS GARIMPOS com urgência. De setembro do ano passado até março deste ano de 2020, são mais de 16 mil alertas de desmatamento registrados pelo INPE.
Saiba mais:
"Indígenas na Amazônia denunciam aumento de garimpo ilegal durante pandemia" - Deutsche Welle Brasil, 01/04/2020: https://p.dw.com/p/3aJbh
"Grileiros, madeireiros e garimpeiros não fazem home office" - UOL, 31/03/2020: https://bit.ly/2xM906B
"Sem esperar governo, indígenas fecham estradas e expulsam garimpeiros contra coronavírus" - Folha de São Paulo, 03/04/2020:
"O que há no projeto que libera a exploração de terras indígenas", NEXO, 08/02/2020: https://bit.ly/39DxlZh
Carlos Jordy bolsonarista aprova sangreira de negro pobre
Deputado bolsonarista Carlos Jordy, que é ligado ao Bope do Rio, não exatamente se fez de rogado para esfregar na cara do Ministério Público, STF, TSE e favelas cariocas (“serve de aviso”) o que foi que aconteceu no Alemão.
Antes do massacre no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro, neste ano de 2022, a chacina mais recente que tinha sido promovida pelo Bope no Alemão também aconteceu em ano eleitoral, em 2020.
Na época, o site Ponte chamou atenção para que o Bope produzira 13 mortos para apreender oito fuzis. Nesta quinta, no mesmo Alemão, foram uma metralhadora, duas pistolas e quatro fuzis apreendidos e 19 cadáveres no chão – ainda contando, incluindo um policial e igualando o número de mortos da tragicamente emblemática chacina policial no Alemão durante os jogos Pan-Americanos de 2007.
Quando aconteceu a chacina de 2020, Wilson “mirar na cabecinha” Witzel ainda era governador. Hoje, Marcelo Freixo é pré-candidato, e forte, ao governo do estado do Rio, e seu principal adversário é Claudio Castro, o ex-vice de Witzel que agora tenta a reeleição.
Com tantos crimes a serem apurados na comarca fluminense, os Bolsonaro não gostariam nada de ver Marcelo Freixo eleito governador.
Nesta quinta, enquanto corpos ainda esfriavam em caçambas, o deputado federal
Nesta quinta, enquanto corpos ainda esfriavam em caçambas, o deputado federal bolsonarista Carlos Jordy, que é ligado aos Bolsonaro e ao Bope do Rio, não exatamente se fez de rogado para esfregar na cara do Ministério Público, STF, TSE e favelas cariocas (“serve de aviso”) o que foi que aconteceu no Alemão, além de chacina: um ato de campanha, estadual e nacional.
Jordy jamais condenou o genocídio da pandemia, a estratégia de propagação, para obter a imunidade de rebanho, vide o atraso na vacinação e o morticínio de Manaus, e o kit cloroquina me engana.
Jordy jamais condenou o genocídio de jovens negros. O racismo policial contra pobres, negros, favelados. Sempre condenou as câmaras de filmagem acopladas aos uniforme dos militares em serviço.
Jordy jamais condenou o genocídio dos povos indígenas, as terras invadidas pelos grileiros, madeireiros, garimpeiros, caçadores, pescadores, a Amazônia sem lei dos traficantes nacionais e internacionais.
É piada de mau gosto Freixo querer ser Governador do RJ sendo do partido q acionou o STF p/ impedir operações policiais contra o tráfico. O confronto no Complexo do Alemão serve de aviso: quanto menos operações, mais os criminosos se estruturam. Freixo e Lula têm o mesmo projeto!
, que é ligado aos Bolsonaro e ao Bope do Rio, não exatamente se fez de rogado para esfregar na cara do Ministério Público, STF, TSE e favelas cariocas (“serve de aviso”) o que foi que aconteceu no Alemão, além de chacina: um ato de campanha, estadual e nacional.
É piada de mau gosto Freixo querer ser Governador do RJ sendo do partido q acionou o STF p/ impedir operações policiais contra o tráfico. O confronto no Complexo do Alemão serve de aviso: quanto menos operações, mais os criminosos se estruturam. Freixo e Lula têm o mesmo projeto!
Jordy é uma piada. Jamais condenou o tráfico de armas, de ouro, de pedras preciosas, de dinheiro (os doleiros), de madeira nobre, de produtos florestais, de minérios estratégicos, principalente o nióbio. Jamais condenou o desmatamento da Amazônia, pela grilagem de terra. Jamais condenou o tráfico internacional de coca, que passa pelo Vale do Javari, terra indígena, supostamente protegida pela Funai, tríplice fronteira abandonada pela Polícia Federal e pelas forças armadas.
Um povo que aprova chacina, em um país que não existe pena de morte, é um povo cruel, que aplaude assassinatos quando praticados por ricos, pelos militares, pelos policiais como acontecia no Coliseu dos imperadores romanos. Um povo que se alegra com a morte no circo eleitoral (panem et circum)
Não é segredo que a Fundação Nacional do Índio (Funai) parece ignorar sua principal missão – a proteção aos povos indígenas – durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Não à toa, após o assassinato do indigenista licenciado Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips os servidores da pasta se rebelaram contra a atual diretoria: a categoria lançou, junto ao Instituto de Estudos Socioeconômicos, um dossiê com mais de 200 páginas, uma espécie de radiografia do atual desmonte da Funai, e iniciou uma greve nacional pela saída de Marcelo Xavier da presidência do órgão.
No fim das contas, o brutal crime ocorrido no Vale do Javari (AM) fez com que alguns indigenistas rompessem a mordaça. A maioria dos entrevistados na ativa da Funai relatou em detalhes à AgênciaPública parte da rotina de assédios, intimidações e ameaças de morte que tem sofrido nos últimos quatro anos.
Servidores da Funai afirmam sofrer assédios, intimidações e ameaças
“Assim, não precisa nem contratar pistoleiros para nos matar”
Daniel Cangussu foi o único indigenista do grupo ouvido pela Pública a não pedir anonimato, dada sua notória insatisfação com a presidência de Marcelo Xavier. Ele atua há mais de dez anos na Frente de Proteção Etnoambiental (FPE) Madeira-Purus, uma das regiões mais ameaçadas da Amazônia, onde se especializou na localização e no contato com povos isolados.
“Com o desmonte [da Funai], ficamos desmoralizados na ponta… acabamos ‘isolados’ também. Os invasores sabem que não temos porte de arma regulamentado, nem forças de segurança ao nosso dispor. As intimidações são constantes”, afirma o indigenista.
Sua rotina de trabalho envolve tanto o planejamento e a realização de expedições em busca de vestígios de indígenas como também a proteção dos isolados contra grileiros, madeireiros e pistoleiros que cercam as terras monitoradas pela Funai.
“No fim de 2021, uma pessoa abordou a gente, eu e minha equipe, em nosso trajeto de trabalho, nos alertando do perigo que estávamos enfrentando. Meses depois, descobrimos que aquela mesma pessoa estava armando uma emboscada para nós”, diz.
O servidor conta que a descoberta ocorreu quase que por acaso, vinda de alguém convidado a participar do ataque. “Quando recebemos ameaças, o relato vem primeiro pela boca dos outros. Receber ameaças [de morte] virou algo comum, infelizmente. Dizem que são ossos do ofício, quando não deveria ser”, afirma.
Cangussu narra ainda o avanço de invasores em áreas indígenas entre o Amazonas e o Pará durante o governo Bolsonaro. “Por exemplo: na calha do [rio] Madeira, houve um aumento de atividades criminosas, especialmente desmatamento e grilagem. Nas idas a campo, virou comum passarem caminhões cheios de invasores armados, de pistoleiros, circulando nas áreas indígenas – onde é proibido.”
Ouvido antes da confirmação das mortes de Bruno Pereira e Dom Phillips, Cangussu afirmou ainda que “há diversas formas de ‘contratar’ a morte de indigenistas e jornalistas que atuam na Amazônia”. De acordo com ele, “uma delas é desmontar a estrutura de apoio e proteção da Funai, outra é passar a impressão que os servidores são os culpados quando algo dá errado. Assim, não precisam nem contratar pistoleiros para nos matar”.
“Muitos te olham com desconfiança, com ódio. É muito difícil”
Outro indigenista que atua na Amazônia e pediu para não ser identificado deu uma amostra da segurança fornecida pela gestão de Marcelo Xavier aos que vão a campo em terras indígenas com povos isolados. “Temos menos de cinco coletes à prova de balas, todos vencidos, o que não dá para todos se estivermos em campo.”
O mesmo servidor relata como as promessas de invasões armadas têm chegado aos seus companheiros de trabalho nas bases mais avançadas na Amazônia. “Normalmente, a ameaça chega pela fofoca e pelo burburinho dos moradores na região, logo depois surgem os avisos – que ‘[eles] vão invadir a base e matar’ a gente”, afirma.
“Infelizmente, toda a economia daqui gira em torno do ilegal. Tem quem trabalha cortando toras de madeira, quem opera máquinas, quem conserta motores destas máquinas na cidade. Muitos te olham com desconfiança, com ódio. É muito difícil”, diz o indigenista.
“E ainda passamos por tudo isso sem receber qualquer adicional de periculosidade pela função, sem porte de arma, ganhando apenas meia diária extra quando estamos nas bases avançadas, em uma escala perversa de, às vezes, trabalhar por 30 dias ininterruptos”, afirma o mesmo servidor.
“Faço o que acredito, mas às vezes parece que estou numa guerra”, diz.
“Serei o próximo?”
Entre os indigenistas ouvidos pela reportagem, há quem atue no mesmo setor onde Bruno Pereira fez seu nome, a Coordenadoria-Geral de Índios Isolados e de Contato Recente (CGRIIC). Ocorreram diversas mudanças na chefia da CGRIIC ao longo do governo Bolsonaro, especialmente após a saída de Bruno Pereira da Funai, em 2019.
“A saída do Bruno [do cargo de chefia da CGRIIC] foi um inferno para nós. Primeiro, destacaram o ‘missionário’ [Ricardo Lopes Dias], que atrapalhou muito nosso trabalho, e os que vieram depois seguiram a mesma toada”, afirma outro servidor, também lotado no arco do desmatamento na Amazônia.
Esse indigenista relata que, gradualmente, a Funai mudou seu próprio entendimento quanto aos indícios de presença de povos isolados na floresta, dificultando a proteção aos indígenas.
“Temos vestígios contundentes de presença [indígena] por aqui há anos, com pegadas, fios de cabelo, cultura alimentar [restos de alimentos consumidos pelos indígenas] e outros elementos que provam sua existência, mas tudo segue desacreditado pela diretoria. Afinal, se reconhecerem, eles terão de demarcar a área, obrigatoriamente”, diz.
Servidores denunciam insegurança fornecida pela gestão de Marcelo Xavier aos que vão a campo em terras indígenas com povos isolados
O servidor relata também a ofensiva de invasores nos arredores da base onde atua. “Já fizemos denúncias sobre o avanço de mineradoras – que têm até usado explosivos nas proximidades – e de outros invasores, como pescadores ilegais, mas ninguém nos dá retaguarda”, afirma.
“Não autorizam nenhuma operação para desmontarmos as invasões, não dá para enfrentar [os invasores] assim, correndo risco de tomar bala no peito. Teve o caso do Maxciel em 2019, o do Bruno agora, e a gente fica se perguntando: ‘Serei o próximo’?”, diz o indigenista.
“Minha família já pediu diversas vezes para eu repensar, para sair daqui, mas o trabalho não pode parar. Dói muito pensar no Bruno, que era meu amigo pessoal, dói saber que ele não volta mais. Mas essa força há de gerar mudanças”, afirma o indigenista.
A “turma da PF”
Marcelo Xavier
Se nas áreas mais cobiçadas da Amazônia o risco é de morte, nos corredores da sede da Funai em Brasília há outros tipos de ameaça aos indigenistas críticos à gestão de Marcelo Xavier. “Internamente, funciona assim: tudo o que a diretoria não gosta, ela classifica como ‘ideológico’ – é só ver o caso de Ituna-Itatá, com aquele relatório assinado pelo diretor na época”, disse à Pública um servidor lotado em Brasília.
César Augusto Martinez
O indigenista se refere a Cesar Augusto Martinez, delegado da PF tal como Marcelo Xavier, que comandou o setor responsável pela área de proteção a povos isolados, a Diretoria de Proteção Territorial (DPT), entre julho de 2020 e junho passado. Martinez deixou o cargo logo após o desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips, alegando, porém, que sua saída não tinha relação com o crime no Vale do Javari.
O delegado ganhou destaque com a polêmica sobre a derrubada da interdição da Terra Indígena (TI) Ituna-Itatá, no Pará, um caso que se arrasta desde 2020.
Como mostrado pelo portal InfoAmazonia, a posição dos servidores é que existem fortes indícios da presença de povos isolados nos limites do território, o que manteria a interdição do local, mas Martinez, na condição de diretor responsável, contestava. A Folha de S.Paulo reportou que o delegado da PF teria assinado um despacho qualificando o relatório dos servidores sobre Ituna-Itatá como “irregular, ideológico e imprestável”.
“Sobre a presença de isolados, nenhum perito da PF tem capacidade de avaliar de forma ‘técnica’ os relatórios, porque toda a metodologia foi construída por décadas, pelo aprendizado com indígenas, mateiros, sertanistas, gente que ‘engrossou o couro’ de tanto andar no mato”, disse um dos servidores à Pública. Sua posição crítica ao delegado e ex-diretor da Funai ecoa em outros relatos colhidos pela reportagem.
“O Martinez e a ‘turma da PF’ usaram um suposto método científico para desacreditar os relatórios sobre povos isolados, e fizeram isso como se fossem ‘legalistas’”, afirma um dos servidores, enquanto outro indigenista diz que “as partes da lei sobre direitos humanos são ignoradas pela ‘turma da PF’, mas o direito à propriedade privada é ‘cláusula pétrea’, é sagrado”.
Outro lado
A Pública procurou a Funai e os nomes citados, mas não houve resposta até a publicação.
O presidente da Funai “pediu minha cabeça”, denuncia servidor
O indigenista e servidor Guilherme Martins, na Funai desde 2018, contou em entrevista exclusiva à repórter Alice Maciel, da Pública, que o coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC), Geovânio Pantoja Katukina, foi omisso nas buscas pelo colega Bruno Pereira e pelo jornalista Dom Phillips.
Ele diz que houve retaliação direta ao seu trabalho na TI Ituna-Itatá (Pará). “Eu era ponto focal nessa região do médio Xingu há quatro anos, mais ou menos. A gente fez uma expedição lá, achamos vestígios dos indígenas isolados na região, eu elaborei um relatório contextualizando a presença dos índios isolados na região, denunciando o esquema criminoso de grilagem, desmatamento, de esbulho territorial na terra indígena. Em retaliação a esse meu trabalho, um dia eu chego na minha mesa na CGIIRC para trabalhar e o Geovânio Pantoja, meu coordenador, me avisa que eu não trabalho mais lá, que eu fui removido de ofício, sem a minha anuência, sem ter acesso anterior ao processo. Eu não fiquei sabendo de nada. Quando ele me chamou, o processo da minha remoção já estava pronto, assinado pelo coordenador da CGIIRC, e eu fui transferido para o setor de RH, de folha de ponto. Quando eu fui pedir explicações sobre o motivo dessa transferência, o então coordenador-geral da CGIIRC disse explicitamente que foi em retaliação ao meu trabalho em Ituna-Itatá que o presidente da Funai “pediu minha cabeça”. Leia reportagem de Alice Maciel aqui
Qual o papel do agronegócio no governo atual e qual o papel do Congresso — e de seus principais líderes — no que acabou ficando conhecido como “boiada”?
A “boiada” defendida pelo então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, em uma reunião ministerial, a destruição de leis socioambientais, tem uma face parlamentar e tem líderes ruralistas entre seus artífices. Antes deles, seus financiadores.
Vamos juntos barrá-los em outubro. Assista ao vídeo, e acompanhe nossa cobertura eleitoral: https://bit.ly/3n8ZuAU.
O Congresso faz uma ofensiva inédita contra os povos do campo, o ambiente e a alimentação saudável. Os deputados e senadores da Frente Parlamentar da Agropecuária ameaçam os territórios indígenas e camponeses, absolvem grileiros, trabalham para madeireiros, espalham agrotóxicos e beneficiam os grandes investidores nacionais e internacionais.
Os ruralistas aceleram a tramitação de projetos que implodem direitos e garantias, como o PL do Licenciamento Ambiental, sob relatoria do fazendeiro mato-grossense Neri Geller (PP-MT), que cria o "autolicenciamento". Ou o PL da Grilagem, de autoria do pecuarista Zé da Silva (SD-MG).
Ambos aprovados pela Câmara. E ainda temos pela frente o PL 6.299/2002, do Veneno, o PL 490/2007, que impossibilita a demarcação de terras indígenas, e a reforma do imposto de renda que isenta proprietários de terras. Saiba o que mais planejam os ruralistas acompanhando série De Olho no Congresso!
O Tribunal de Justiça/SP decidiu que não é aceitável o presidente da República ofender, usando insinuação sexual, uma jornalista. Parece óbvio, mas nos tempos em que
vivemos se faz cada vez mais necessário reafirmarmos o justo. Parabéns à Patrícia
GOVERNO INIMIGO DAS MULHERES! Agora é o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, que responde por assédio sexual. Funcionárias denunciam os abusos sofridos durante o trabalho. Os relatos são enojantes!
Que orgulho! Sideral é o "Melhor Curta Internacional" do Festival Internacional de Curtas de Palm Springs!
Somos o "Melhor Curta Internacional" do Palm Springs — Festival Internacional de Curtas! O Palm Spring é o mais importante festival de curtas dos Estados Unidos e é um forte indicador de filmes que podem chegar à reta final do Oscar! Por aqui estamos vibrando de felicidade!
Mais de 33 milhões de brasileiros passam fome e quase 60% população do país está com alguma dificuldade para se alimentar. Não é hora de jogar pessoas na rua!
O legado do governo Bolsonaro para a população é a volta da fome, mais pobreza e a maior queda de renda desde 2012.
Enquanto o presidente é investigado pelos gastos milionários no cartão corporativo, vive de motociatas e passeios de jet ski, mais de 200 mil pessoas não tem um teto para morar. São 33 milhões de pessoas passando fome!
Fernando Haddad
Bolsonaro é sinônimo de destruição e morte.
Rayane Andrade
Até quando povos originários e indigenistas serão vitimas de garimpeiros e latifundiários? Toda solidariedade às famílias de Bruno Pereira e do jornalista Dom Philips. Queremos justiça! Precisamos saber quem são os mandantes! Esse crime é fruto do golpe de 16 e do bolsonarismo!
JUSTIÇA POR GENIVALDO Não podemos deixar que esse crime bárbaro caia no esquecimento e que seus assassinos não respondam devidamente.
Encontrados os corpos do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira. Causa muita indignação saber que o governo brasileiro nada fez para proteger as vidas, pedir agilidade nas buscas e apoiar a família. Mais um duro crime que recai sobre o governo da morte
Uma CRIANÇA de 11 anos, grávida após ser vítima de estupro, está sendo induzida criminosamente pela justiça de Santa Catarina a evitar que interrompa a gestação. Querem submetê-la à segunda violência de ter um filho de um estuprador. Que a menina tenha seus direitos respeitados!
A gente sabe o motivo do desespero! Toda solidariedade à companheira
Na Comissão de Direitos Humanos da Camara, há pouco o deputado José Medereiros partiu pra cima do @pauloteixeira13. Medeiros quis censurar pergunta da @taliriapetrone ao ministro da Justiça, Anderson Torres, sobre o assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips. Veja vídeo
15 JUNHO é o aniversário daquela que orgulha o RN, dessa companheira aguerrida que defende o povo com coragem e ternura. Feliz aniversário, deps! Estamos com você na defesa das coisas mais belas #EquipeNatáliaBonavides
O futuro de povos indígenas isolados está em perigo. O governo Bolsonaro e seus aliados estão tentando acabar com portarias de restrição de uso.
As restrições de uso são regulamentos que tornam ilegal a entrada de invasores nesses territórios, assim como a sua exploração por madeireiros, garimpeiros e outros. Elas são fundamentais para proteger os territórios e os povos que vivem neles até que seu processo de demarcação seja finalizado.
Sem esse regulamento, essas terras podem ser completamente destruídas – e os povos indígenas isolados que dependem delas para sobreviver podem ser exterminados.
Três terras de povos indígenas isolados estão com suas restrições prestes a expirar – Piripkura (MT), Pirititi (RR) e Ituna Itatá (PA) – e outros dois territórios estão completamente desprotegidos, sem restrições de uso – os territórios Jacareúba/Katawixi (AM) e dos isolados do Mamoriá Grande no Médio Purus (AM).
"Se matarem eles, aí não vai ter mais." Rita Piripkura, cujos parentes isolados vivem na Terra Indígena Piripkura, atualmente sob uma restrição de uso.
Envie um emailpara o governo brasileiro pedindo que assinem e renovem as restrições de uso, retirem todos os invasores e finalizem os processos de demarcação desses territórios.
Operação em 2019 desmantelou garimpo e destrói 60 balsas no Vale do Javari. Última ação da Funai para proteger os povos isolados na imensidão e abandono do Vale do Javari. A última missão de Bruno Araújo que lhe custou o emprego na Funai e a vida
por Carlos Madeiro /UOL
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Em 13 de setembro de 2019, quando ainda era coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Funai (Fundação Nacional do Índio), Bruno Araújo Pereira coordenou uma megaoperação no sudoeste do Amazonas que resultou em perdas consideráveis para o garimpo ilegal.
Quinze dias depois, Bruno foi demitido do cargo de coordenador geral. A operação foi um divisor de águas na mudança de rumo da política da Funai. O órgão não realizou mais nenhuma grande ação na região, que sofre também com invasões de caçadores e pescadores ilegais, além de madeireiros e até narcotraficantes.
Ação e reação
A operação Korubo reuniu cerca de 60 agentes da Funai, Polícia Federal e Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e enfraqueceu o garimpo na área com a destruição de 60 balsas que atuavam ilegalmente no rio Jandiatuba. A área fica dentro da Terra Indígena Vale do Javari, onde vivem 19 povos indígenas isolados —o nome Korubo faz referência a um destes povos.
Depois da operação, os garimpeiros aumentaram a pressão sobre a Funai, articulando um lobby pela demissão de servidores que estavam comandando ações desse porte na Amazônia —o que incluía Bruno e servidores de outro órgãos, como Ibama e ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
O UOL perguntou à Funai se a demissão de Bruno foi motivada pela operação, mas o órgão não respondeu. Apenas alegou que "os cargos em comissão e as funções de confiança são de livre nomeação e exoneração por parte do gestor".
Segundo entidades da região, Bruno foi exonerado do cargo de coordenador-geral por perseguição, justamente por ter atuado pela proteção ao Vale do Javari. Após deixar a função, ele reassumiu o cargo efetivo de agente de indigenismo. Ao perceber que a Funai não iria mais atuar na defesa dos indígenas da região, ele pediu licença sem vencimentos em 29 de janeiro de 2020, para atuar na proteção de indígenas fora do órgão.
Garimpeiros enfurecidos
A coluna teve acesso a vídeos dos garimpeiros da região, que reclamaram de uma suposta truculência durante a operação Korubo e da destruição dos barcos.
"Eles estão no direito deles, mas humilharam todo mundo, colocaram todo mundo quase pelado, jogaram as coisas do outro lado do rio. Tivemos de atravessar o rio nadando", conta um dos garimpeiros que perdeu a balsa queimada pelos agentes do governo.
Em outro vídeo, garimpeiros vão até o local onde as balsas foram queimadas para conferirem a destruição. O vídeo, publicado no YouTube, é repleto de mensagens de apoio aos garimpeiros.
"Muito triste ver essa cena", diz um deles. "O Brasil tem muito a aprender", diz outro. "Sonhos queimados e esperanças resumidas a cinzas", afirma um segundo usuário. "Infelizmente esse sistema corrupto assola nosso país", comenta outra pessoa.
Reuniões com o governo
Em 16 de setembro de 2019, três dias após a operação no Javari, representantes do garimpo foram recebidos pelos então ministros da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, além de outros integrantes do governo. Um segundo encontro foi marcado para o dia 8 de outubro, com a participação do então ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas.
Uma carta obtida pela coluna prova que eles iriam se reunir e até adiaram o encontro marcado pare que Freitas participasse. A coluna não conseguiu confirmar se a reunião realmente aconteceu.
Carta anuncia encontro com integrantes do governo cinco dias antes da demissão de Bruno Imagem: Reprodução
O grupo era liderado por garimpeiros da região do Tapajós, no Pará, que também tiveram maquinário destruído por atividades em terras indígenas e chegaram a fechar por quatro dias a BR 163 em protesto contra a intensificação das fiscalizações na área.
Entretanto, os pedidos dos garimpeiros foram além da área e incluíram toda a Amazônia.
Hoje, um projeto que está parado na Câmara tenta liberar as atividades em terra indígena —o que é reprovado até pela entidade oficial da mineração no país.
Sem Bruno, sem grandes ações
Depois da saída de Bruno Pereira, a coordenação dosindígenas isolados foi entregue ao pastor Ricardo Lopes Dias, que tinha trabalhado em uma missão evangelizadora americana criticada por caciques do Amazonas.
Pastor Ricardo Lopes Dias coordenar geral dos índios isolados, indicado pela ministra Damares, tomou o lugar de Bruno na Funai
Foi a partir desse momento que, segundo alegam as entidades indigenistas, o governo começou a mudar a forma de atuação na Funai. As entidades afirmam que o órgão passou a se alinhar ao discurso do presidente Jair Bolsonaro e ser permissiva à exploração de minérios na área indígena.
O MPF (Ministério Público Federal) no Amazonas, inclusive, precisou entrar com uma ação civil pública no final de 2019, cobrando o reforço às frentes etnicoambientais de proteção a isolados na região do Vale do Javari, que foram paulatinamente sendo enfraquecidas ao longo dos últimos anos. O reforço, porém, não foi feito.
Após pedir licença da Funai, Bruno passou a atuar junto com a Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) e a realizar, com a entidade, o trabalho de proteção da área e orientações de sustentabilidade ambiental com o povo que vive no entorno da terra.
Helicóptero do Ibama ajudou na operação de setembro de 2019 Imagem: Ibama
Segundo Francisco Loebens, integrante no Amazonas da equipe de apoio a povos livres do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), ligado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), a operação foi importante para mitigar a invasão de garimpeiros na TI Vale do Javari.
"A operação teve a participação ativa de Bruno na sua articulação e foi motivada sobretudo pela denúncia de um possível massacre praticado por garimpeiros contra indígenas isolados, conhecidos na região por flecheiros, que habitam essa área", afirma.
Segundo ele, a demissão causou "estranheza" porque Bruno era reconhecidamente "uma das pessoas mais qualificadas da Funai e respeitado por sua dedicação à proteção dos povos isolados".
Com a saída de Bruno, a proteção aos indígenas isolados foi reduzida, segundo Francisco e outros servidores e indigenistas ouvidos pela coluna. Um dos pontos citados é que operações como a Korubo não foram mais realizadas desde então.
Em 2019 houve, inclusive, um corte grande nos recursos para a atuação da Funai em relação aos povos indígenas isolados
Francisco Loebens, Cimi
Terra no Vale do Javari, alvo de diversos tipos de ataque Imagem: Funai
Com a entrada do pastor, diz, mudou completamente a forma como a coordenação da Funai atuava na proteção de povos isolados.
"A preocupação era com a conquista espiritual dos indígenas isolados. As bases de proteção etnicoambiental da Funai passaram a atuar em precaríssimas condições. A direção da Funai passou a agir abertamente contra os direitos indígenas —perseguição, tentativas de criminalização de lideranças indígenas e de servidores do órgão indigenista que atuavam em defesa dos direitos indígenas", diz.
A partir daquele momento, o lobby a favor do garimpo só ganhou força na região. Por várias vezes, a imprensa nacional e internacional noticiou invasão de áreas, com destaque para a terra ianomami, em Roraima.
"Houve uma omissão total na demarcação e proteção dos territórios indígenas. Enfim, a Funai passou a ser a Fundação Nacional Anti-Indígena", finaliza Francisco.