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O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

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O CORRESPONDENTE

24
Set23

A evolução do Direito de Família pelo mundo (parte 3): o poliamor

Talis Andrade
 
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Por Mário Luiz Delgado

Concluo hoje a série de colunas sobre o 18º Congresso Internacional da ISFL (International Society of Family Law), que ocorreu entre 12 e 15 de julho em Antuérpia, na Bélgica, sem esgotar sequer a menção a todos os temas tratados [1].

Por isso, inicio por convidar os nossos leitores, não apenas os interessados no Direito de Família e Sucessões transnacional, mas também aqueles que queiram conhecer a experiência e as vivências de nossa área em outros países, para se associarem à ISFL e participarem de seus próximos eventos. A ISFL promove conferências regionais abertas a não membros em várias partes do mundo e um congresso mundial a cada três anos. A próxima conferência regional ocorrerá nos EUA em 2024.

Na última coluna, aludi à tendência crescente, no cenário internacional, de inclusão, no Direito de Família e Sucessões, das entidades familiares não binárias, ou seja, grupos com mais de duas pessoas, independentemente de conjugalidade e de parentalidade, mas submetidos ao mesmo tipo de proteção legal dada aos relacionamentos conjugais de duas pessoas (casamento e união estável) ou às famílias monoparentais e anaparentais.

O chamado poliamor (polyamory) foi destaque em diversos painéis na Universidade de Antuérpia. Estou convicto de que a grande rejeição, no Brasil, à regulação e à formalização dessa modalidade de família, com recorrente invocação, por alguns autores e tribunais, de violação ao princípio da monogamia como óbice, se deve, muito mais, a um preconceito machista, e a uma curiosidade concupiscente, sobre a natureza das relações íntimas entre os seus membros, do que a qualquer outra razão jurídica [2].

Tanto é assim que, se apartarmos a discussão da questão sexual, focando, por exemplo, em uma comunidade de três amigas idosas, solteiras e sem filhos, que convivem juntas, em comunhão de vidas e de patrimônio, mas sem relações sexuais, poucos se oporiam à equiparação desse trio (e não trisal) às demais entidades familiares, em direitos e obrigações. Essa constatação me leva também a concluir pela necessidade de "dessexualização" da família, expressão inspirada nos estudos de Giselle Groeninga, sobre a qual certamente voltaremos a tratar.

O fato é que o reconhecimento dessas pessoas, como um "núcleo amoroso" e familiar, não pode estar condicionado à prática de relações sexuais entre elas. Independentemente do que ocorra entre quatro paredes, e que se acoberta sob o manto da garantia constitucional da inviolabilidade da vida privada, deve-lhes ser assegurado o direito de combinar sobrenomes, o direito aos vínculos legais de parentesco, direitos sucessórios, alimentos, regime de bens, e tudo o mais.

A professora Nausica Palazzo, da Faculdade Nova de Direito de Lisboa, comentando a decisão do tribunal de despejos da cidade de Nova York (New York City's eviction court) no caso West 49th St., LLC v. O'Neill , de 2022, objeto de nossa última coluna [3], apontou, em sua conferência, para "a inevitabilidade de expandir noções de família por meio de argumentos baseados em funções. Se o foco estiver na capacidade de um relacionamento funcionar exatamente da mesma forma que uma família tradicional, então um conjunto maior de famílias merece reconhecimento legal". O Direito de Família deve se preocupar com as características e funções reais dos membros da família, em ter pessoas cuidando e apoiando umas às outras de forma confiável e duradoura, demonstrando comprometimento e confiança. A decisão, segundo ela, considera irrelevante, para a concessão das proteções legais, a questão de saber se o relacionamento é "bom" ou mesmo "emocionalmente abusivo", muito menos se eles praticavam sexo entre si, acrescento eu. A pretendida proteção contra o despejo liminar, afirmou Palazzo, "não deve se basear em distinções jurídicas fictícias ou na história genética, mas deve encontrar seu fundamento na realidade da vida familiar".

Kaiponanea Matsumura, da Loyola Law School, de Los Angeles, observou que, se por um lado uma primazia cultural do casamento sobre outras molduras de família socialmente reconhecidas decorre de ser o casamento supostamente mais estável do que outras formas de relacionamento, e que as propostas para reconhecer relacionamentos não conjugais geralmente giram em torno do fator "estabilidade", não é menos verdade que relacionamentos poliamorosos ou plurais também podem se revelar bastante estáveis e persistirem, apesar das idas e vindas de parceiros individuais. Segundo Matsumura, "estudos sugerem que as pessoas em relacionamentos plurais não estão menos comprometidas, satisfeitas ou confiantes em seus parceiros. Na verdade, eles relatam níveis ainda mais altos de satisfação e qualidade no relacionamento" [4].

Em outros termos, se a estabilidade foi um elemento importante na aceitação social de variadas formas de conjugalidade (como ocorreu com a união estável no Brasil), também é de ser levada em conta no reconhecimento de relacionamentos plurais, com ou sem coabitação.

Um relacionamento é considerado "estável", para Matsumura, quando é: respeitável (digno), altruísta (satisfaz as necessidades dos outros), exclusivo (sem parceiros externos) [5], financeiramente seguro, emocionalmente comprometido e longevo ou com expectativa de permanência.

A lei valoriza relacionamentos "estáveis", diz Matsumura, porque eles promovem dignidade, segurança jurídica, segurança financeira, ambiente de cuidado, conexões sociais e privatização da dependência econômica, pois o suporte material, em caso de dissolução, é devido pelos respectivos parceiros.

Se o Estado, por meio do Direito de Família, incentiva os relacionamentos estáveis em detrimento dos transitórios, negar a tutela estatal e condenar à invisibilidade as formações não binárias seria reconhecer que tais relacionamentos, entre mais de duas pessoas, são inerentemente instáveis, inferiores aos relacionamentos de duas pessoas e que não são dignos de respeito, restaurando, assim, uma inaceitável hierarquização das formas de constituição de família, há muito tempo banida pelo pergaminho constitucional.

A invisibilidade estatal no tocante a essas molduras não hegemônicas de família no Brasil, além de restringir a autonomia privada e a liberdade das pessoas que convivem dessa maneira, legitima uma indevida intervenção do Estado na vida privada, em clara violação à cláusula de barreira prevista no artigo 1.513 do CCB, segundo a qual é "defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família".

 - - -

[1] A profusão de temas discutidos nos quatro dias do congresso da ISFL é digna de nota. Menciono, a seguir, apenas os títulos de alguns painéis, para que se tenha a dimensão da grandiosidade desse evento: Justiça algorítmica para disputas familiares; Prevenindo a violência de gênero e familiar por meio da Inteligência Artificial: uma perspectiva multidisciplinar; O caso do 'contato herdado’ entre o direito à privacidade e o direito ao sucesso; Inteligência Artificial e Algoritmos no Direito de Família; Famílias Queer; Maternidade, gravidez de substituição e as novas famílias decorrentes; O que é um Parceiro: Relações Platônicas; Vida Humana Não Nascida ; Aborto e Direitos Reprodutivos; Autodeterminação Reprodutiva; Lei e intimidade; Análise jurídica dos direitos reprodutivos do pai, especificamente em matéria de aborto; Biotecnologias e "crianças perfeitas": como proteger o melhor interesse da criança quando os pais querem escolher as características genéticas de seus filhos?; A justificativa das medidas de proteção à criança durante a gravidez; Os direitos das crianças são suficientes?; A autonomia parental e os direitos e interesses dos filhos à luz das responsabilidades parentais; O direito de brincar: um direito dos menores, mas não um direito dos menores; Repensando a responsabilidade parental à luz dos direitos fundamentais das crianças na era digital; Reprodução medicamente assistida e o direito de conhecer as próprias origens; O direito da criança a conhecer as suas origens — existe um fosso entre a legislação e a prática jurídica?; O significado dos genes ; Os significados interdisciplinares das origens genéticas na concepção dos doadores; Guarda Física Compartilhada e Alto Conflito Interparental; Compreendendo as obrigações alimentares dos filhos: uma perspectiva ética relacional; Alienação Parental: Efeitos de Longo Prazo de Ordens Judiciais. Entre muitos outros.

[2] Não se pode equiparar qualquer relação íntima entre várias pessoas com a figura da poligamia, que pressupõe a existência de vários casamentos (poly/gammus). O princípio da monogamia, por sua vez, está implícito no ordenamento e é extraído a partir da interpretação do art. 1.566, inc. I, do CC, ao consagrar o dever de fidelidade recíproca entre os cônjuges, durante o casamento e desde que não haja separação de fato, entendida como causa de rompimento dos deveres. Em outras palavras, a monogamia refere-se à proibição expressa ao segundo casamento de quem ainda não dissolveu o anterior e à proibição à constituição de união estável de quem já é casado e ainda não se separou de fato.

[3] https://www.conjur.com.br/2023-jul-30/processo-familiar-isfl-evolucao-direito-familia-mundo-parte

[4] Segundo o conferencista de Los Angeles, "o casamento não surgiu como resultado de um movimento político, uma doutrina religiosa ou qualquer outra força motriz da história mundial, mas para atender a uma necessidade vital: garantir que as crianças são concebidas por uma mãe e um pai comprometidos em criá-los nas condições estáveis de um relacionamento vitalício".

[5] A exclusividade aqui não se confunde com a monogamia, no sentido de relações exclusivas entre duas pessoas. Mas relações exclusivas entre aqueles que integram o relacionamento plural.

 
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11
Ago23

A quem interessa criminalizar os movimentos sociais?

Talis Andrade
Imagem: Plato Terentev

 

Assistir a “CPI do MST”, presidida pelo deputado gaúcho tenente-coronel Zucco e relatada pelo deputado Ricardo Salles, chega a dar náuseas

 

"Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”

(Paulo Freire)

 

por Pedro Benedito Maciel Neto

A Terra É Redonda

Escrevo em homenagem à memória da paraibana Margarida Maria Alves, sindicalista e defensora dos direitos humanos, assassinada há quarenta anos com um tiro de espingarda calibre 12, no rosto, na frente de sua casa, em Alagoa Grande, Paraíba, a mando de latifundiários incomodados com a luta de Margarida, durante a ditadura.

Seu nome e sua história de luta inspiraram a Marcha das Margaridas que acontece desde 2000.

 

A CPI do MST

Assistir a “CPI do MST”, presidida pelo deputado gaúcho tenente-coronel Zucco e relatada pelo deputado paulistano Ricardo Salles, chega a dar náuseas.

Por quê? Bem, o tal tenente-coronel Zucco, por exemplo, tem seu mandato manchado pela lógica do trabalho escravo, pois, ele recebeu doação do fazendeiro Bruno Pires Xavier, condenado por manter trabalhadores em condições degradantes em Mato Grosso; Zucco também é apoiado pela Farsul, que minimizou trabalho escravo em vinícolas e quer punições mais brandas para trabalho infantil.

E a atuação de Ricardo Salles, relator da CPI, representa o que há de pior na política brasileira; ele é malcriado e debocha dos congressistas da esquerda, especialmente das mulheres, o que revela todo machismo, misoginia, racismo e homofobia.

Ricardo Salles é tão ruim que não serviu nem para o bolsonarismo; foi exonerado por Bolsonaro, após acusações de suposto envolvimento em esquema de exportação ilegal de madeira do Brasil para o exterior (talvez tenha esquecido a lógica da “rachadinha”).

 

Alguns registros históricos

Com a revolução francesa ocorreu a primeira grande reforma agrária que se tem notícia. Ela contemplou tanto a burguesia, quanto camponeses que adquiriram pequenas propriedades confiscadas da nobreza e do clero.

Nos EUA, a reforma agrária aconteceu ainda no século XIX, 1862, privilegiando a pequena propriedade rural.

No México, a reforma agrária aconteceu a partir de 1910, com a Revolução Mexicana, liderada por Emiliano Zapata e Pancho Villa, latifúndios foram divididos e oferecidos, a agricultores menores com cartas de crédito que permitiam a sua compra.

Mas no Brasil a reforma agrária é vista pela elite agrária e seus vassalos como “coisa de comunista”, apesar de o Estatuto da Terra, uma das primeiras leis elaboradas pela ditadura militar, declarar que o Estado tem a obrigação de garantir o direito ao acesso à terra para quem nela vive e trabalha.

Ou seja, a história mostra que a construção de uma nação de verdade começa com a reforma agrária. Mas Zucco e Salles defendem o latifúndio, são contra a urgente revisão e redistribuição de terras no país, pois ela representaria maior democratização do acesso à terra e ao reconhecimento do valor social da terra.

Feita essa introdução passo à reflexão sobre o tema “criminalização dos movimentos sociais”.

 

Sobre a criminalização dos movimentos sociais

O país testemunha o processo de criminalização contra movimentos sociais e os militantes dos direitos humanos, com o objetivo de manter distante a revisão e redistribuição de terras no país. Frear essa criminalização é necessário, mas são será fácil, pois ela ocorre num momento de inflexão à ultradireita e de forma articulada com outras estratégias, tudo com cooptação e violência, com vistas a bloquear as lutas sociais por direitos.

As estruturas do Estado têm natureza conservadora e violenta; essa natureza colide com a natureza libertária dos movimentos sociais, imponto prisões, inquéritos policiais, ações criminais, ameaças, Comissões Parlamentares de Inquérito, tomadas de contas, fiscalização “dirigidas” por órgãos de fiscalização e controle como o Tribunal de Contas da União-TCU e a Controladoria Geral da União-CGU.

Além da violência institucional, há uma campanha de desmoralização e satanização dos movimentos sociais, priorizam-se as falas criminalizatórias e manipulam informações e fatos referentes às manifestações sociais, sem garantir-lhes um espaço de fala.

Mas e a constituição federal? Salles e Zucco dão de ombros à Constituição, eles são agentes da desigualdade social no campo e na sociedade brasileira, tendo como um dos seus pilares a concentração da terra e da renda, com 46% das terras nas mãos de 1% dos proprietários.

A CPI do MST está empenhada em desinformar a sociedade sobre o que é movimento social e no fortalecimento do modelo de desenvolvimento de cunho neoliberal, que é: socialmente excludente, concentrador de renda e ambientalmente predatório; um modelo que tem bloqueado o fim das desigualdades sociais, políticas, econômicas, culturais.

Salles e Zucco buscam criminalizar os movimentos sociais e, como membros do congresso e da CPI, praticam violência institucional na medida em que se utilizam de suas prerrogativas e funções para atribuir uma natureza essencialmente criminosa às manifestações sociais organizadas.

Eles por certo não ignoram que o movimento social é essencial ao processo civilizatório e ao aperfeiçoamento do Estado de Direito; eles também sabem que os movimentos orientam-se pela erradicação da pobreza, da marginalização e das desigualdades sociais, que são objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, conforme o artigo 3º da Constituição de 1988; eles sabem que a Corte Interamericana de Direitos Humanos já declarou que a criminalização do MST é violação de direitos humanos, mas nada disso importa, pois eles precisam dar satisfação aos seus financiadores.

A criminalização do MST avança no Brasil com apoio, por exemplo, da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária – CNA, que financia eventos de associações da magistratura e ministério público. Ou seja, usa seu poder econômico e consequente prestígio social, para influenciar o judiciário e o ministério público.

Os movimentos sociais, dentre eles o MST, fazem uma luta coletiva e em benefício de todos, pois, como afirmava Paulo Freire, “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”.

Os Movimentos Sociais garantem o necessário aperfeiçoamento de toda a institucionalidade e a sua criminalização interessa apenas àqueles que não tem compromisso com a nação.

06
Ago23

Misoginia contra seis deputadas progressistas na Câmara Federal

Talis Andrade

Vídeo: Tássia Rabelo responde a questionamento sobre violência política de gênero e políticas de acesso das mulheres à política.

 

Tássia: Maioria dos casos de violência política de gênero contra parlamentares mulheres é arquivada

 

Professora Bebel

 

O presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira, inverteu a ordem das solicitações de abertura de processos no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar daquela Casa para que fossem iniciados os solicitados pelo PL — partido do ex-presidente Jair Bolsonaro — contra seis deputadas federais progressistas. São elas: Célia Xakriabá (PSOL-MG), Érika Kokay (PT-DF), Fernanda Melchionna (PSOL-RS); Juliana Cardoso (PT-SP), Sâmia Bonfim (PSOL-SP) e Talíria Petrone (PSOL-RJ).

O pretexto para os processos contra essas seis deputadas é que supostamente teriam quebrado o decoro parlamentar por protestarem durante a votação do marco temporal para demarcação de terras indígenas. Porém, como alegam as próprias deputadas, os deputados homens presentes no mesmo protesto não estão sendo processados, evidenciando a discriminação contra elas.

O machismo e a misoginia são características estruturais da sociedade brasileira, marcada pelo patriarcado, discriminação e violência contra a mulher. Na política, como no mundo do trabalho e no comando de empresas e instituições, as mulheres abrem caminho com luta e dificuldade e vêm obtendo vitórias ao longo do tempo, apesar do combate desigual.

O golpe contra Dilma Rousseff – e contra o Brasil – foi também resultado do machismo e da misoginia, que se agravaram ainda mais com a chegada de Jair Bolsonaro ao governo. Não por acaso, as grandes mobilizações contra os desmandos de seu governo contaram com participação massiva das mulheres. As mulheres criaram o movimento “Ele não” e tiveram participação muito importante na vitória do Presidente Lula na eleição de 2022.

Pela sua combatividade e pela sua capacidade de promover e participar de mudanças fundamentais para o país, combatendo o atraso da extrema-direita e apontando novos caminhos, as mulheres que ocupam cargos estratégicos no governo federal, nos governos estaduais e municipais e nos parlamentos, são vítimas constantes de ataques desses extremistas. Não são poucos os casos de assédio e investidas contra os mandatos de vereadoras, deputadas estaduais, deputadas federais e senadoras, vítimas de processos injustificados em conselhos de ética, ameaçadas de perderem os mandatos para os quais foram eleitas pelo voto popular por ousarem ir além do papel que homens brancos, ricos e reacionários querem a elas destinar.

Como sindicalista, deputada ou, simplesmente, mulher, já sofri manifestações de machismo e misoginia. Como tantas outras mulheres, não me deixo abater, nem recuo um passo, porque meu objetivo é conquistar mais direitos para as mulheres e para os demais segmentos oprimidos. Por mais fira e revolte, nós, mulheres que temos consciência do nosso papel político e social, não abandonaremos nossas lutas, porque é exatamente isso que querem aqueles que nos atacam.

Tenho a honra e a satisfação de ter sido reeleita para a função de Procuradora Especial da Mulher na Assembleia Legislativa de São Paulo. Nessa condição, tenho acompanhado e apoiado mulheres que sofrem assédio, perseguições e violências, algumas delas parlamentares. No caso presente, das deputadas federais, externei minha solidariedade a elas, assim como me coloco, como procuradora, à inteira disposição para que esses processos sejam arquivados, pois não descabidos.

Ainda em relação a esse tema, meu mandato tem proposto iniciativas para a proteção de mulheres vítimas de violência doméstica. Entre eles considero muito importante o projeto de lei 226/2020 que cria o Programa Rede Segura, de combate à violência doméstica no Estado.

Nós, mulheres, somos maioria da sociedade brasileira, mas apenas ocupamos apenas 18% das cadeiras na Câmara dos Deputados, como destaca a revista digital Brasil de Fato. A realidade não é muito diferente nas demais casas legislativas. Isso precisa mudar. E rápido.

Vídeo de Tássia Rabelo: Em entrevista realizada por Cibelly Correa discuto a exclusão histórica das mulheres da política institucional, a baixa presença feminina nos Legislativos e nos governos brasileiros e como a violência política de gênero compromete a democracia. Abordo ainda os diversos mecanismos utilizados pelos partidos políticos para burlar a política de cotas e a centralidade do enfrentamento à impunidade.

Vídeo: A última sessão da CPI do MST antes do recesso parlamentar foi marcada por uma briga entre deputados governistas e de oposição. Após uma votação relâmpago, um bate-boca que envolveu a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e o relator do colegiado, Ricardo Salles (PL-SP), fez com que o presidente Coronel Zucco (Republicanos -RS) ameaçasse interromper a sessão, caso a parlamentar não permitisse que os demais falassem. Um dos alvos de Sâmia, General Girão (PL-RN) pediu a palavra para fazer a sua defesa e disse que a deputada "se vale de ser mulher para silenciar os demais e se vitimizar, quando lhe convém". Ao final do seu discurso, entretanto, Girão disse que respeitava todas as mulheres "por serem responsáveis pela procriação e pela harmonia da família". A fala gerou revolta nas demais mulheres presentes no plenário. A confusão começou após o deputado Éder Mauro (PL-PA) ter dito que Sâmia e Talíria Petrone (PSOL-RJ) faziam parte do "chorume comunista" e solicitado a retirada das notas taquigráficas, nas quais ele é acusado de tortura. O deputado também as acusou de financiamento de invasões.

Éder Mauro é um perigo até para deputados homens. É preciso muita coragem pessoal e cívica discordar de um assassino. Bate boca com Glauber Braga

05
Ago23

Deputado safado tumultua cpis para agradar golpistas e terroristas

Talis Andrade

O jurista Walter Maierovitch analisa falas e atitudes desrespeitosas de deputados durante a CPI do MST e a CPMI do 8 de janeiro. O descaso vai desde a defesa da ditadura militar até deputados comendo melancia e fazendo analogias durante a sessão.

 

Durante a sua fala na CPMI do 8 de janeiro, o deputado federal Duarte Júnior (PSB-MA) afirmou ter sido interrompido por gestos pelo deputado Abilio Brunini (PL-MT).

Imediatamente, o presidente da Comissão, Arthur Maia (União Brasil-BA), repreendeu o deputado.

“Abilio, essa CPI não é lugar de brincadeira. Peço que leva a sério essa CPI, leve a sério o trabalho de todos nós, não podemos admitir um negócio desse. O deputado falando e você com um dedo apontando”. O dedo em forma de arma.

Maia afirmou que Abílio "envergonha a CPI" e pediu que o deputado levasse a sério o trabalho do colegiado.
 
A discussão começou após Duarte Júnior iniciar os questionamentos para Saulo Moura da Cunha, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que depôs nesta terça. Abilio Brunini, que não integra a CPMI, mas é presença constante nas reuniões, começou a apontar o dedo em direção ao deputado do PSB, a fim de aparecer na transmissão em vídeo.
 
Duarte Júnior parou de falar e solicitou que Maia tomasse uma providência sobre a intervenção de Brunini. O presidente da comissão afirmou que o deputado do PL não costuma prestar um papel "condizente a de um parlamentar" e que a comissão "não é lugar de brincadeira".
 
"Eu peço que Vossa Excelência leve a sério essa CPI, leve a sério o trabalho de todos nós. Nós não podemos admitir um negócio desse. Pelo amor de Deus, o senhor está sendo visto aqui pelo Brasil inteiro. O deputado está falando e Vossa Excelência com o dedo apontando para aparecer no vídeo com a cabeça do deputado", disse Maia.
 
Depois de ser repreendido por Maia, o deputado do PL, que estava atrás de Duarte Júnior, se levantou e se mudou para a cadeira ao lado do parlamentar do PSB.
 
Duarte Júnior insistiu que Abilio Brunini fosse retirado da comissão, o que não foi atendido pelo presidente da CPMI. Maia subiu o tom e chamou as ações do aliado de Bolsonaro de "palhaçada". "Eu vou exigir que Vossa Excelência se comporte."
 
"Isso é inadmissível. Vossa Excelência reiteradamente tem feito um papel aqui que não é condizente com o papel de um parlamentar, e Vossa Excelência está envergonhando essa CPI. E, realmente, se Vossa Excelência continuar com esse tipo de atitude, eu vou ter que tomar uma medida contra Vossa Excelência, o que não é de maneira nenhuma o meu desejo", disse o presidente da comissão.
Antes de prosseguir com os questionamentos ao ex-diretor da Abin, Duarte Júnior disse que Abilio Brunini "se comporta feito um moleque" e disse que o colega de plenário não se comporta como um parlamentar "eleito pela força do voto popular". "Em um colégio, um aluno que faz isso em sala de aula vai para a secretaria, é advertido, é suspenso", afirmou.

15
Jun23

Deputadas denunciam sexismo explícito na Câmara e Jullyene detalha as agressões que sofreu e sofre

Talis Andrade
 
 

por Ana Dubeux e Carlos Alexandre de Souza

As mulheres formam a maioria do eleitorado no Brasil, mas são alvo de fortes ataques na Câmara dos Deputados. Em uma ação fulminante, o Conselho de Ética instaurou representações contra seis deputadas: Célia Xakriabá (PSol-MG), Sâmia Bomfim (PSol-SP), Talíria Petrone (PSol-RJ), Erika Kokay (PT-DF), Fernanda Melchionna (PSol-RS) e Juliana Cardoso (PT-SP). As representações, de autoria do PL, têm como motivo a participação das parlamentares na aprovação do marco temporal, em 30 de maio. Segundo a denúncia, as acusadas quebraram o decoro parlamentar ao protestar contra a aprovação da proposta.

As parlamentares ficaram indignadas e denunciam perseguição à atividade parlamentar. “Misoginia escancarada! Se chegamos até aqui é porque nunca ousamos nos calar, isso não acontecerá agora!”, protestou Kokay. A decisão da Conselho de Ética provocou reações fora do legislativo federal, e não apenas de mulheres. O ex-senador Eduardo Suplicy se solidarizou com as parlamentares, segundo ele, “vítimas de perseguição política motivada por sexismo”. “É triste a tentativa de calar quem luta por direitos das mulheres e de minorias sociais”, comentou o petista.

PL Mulher, presidido por Michelle Bolsonaro, com o mando de Valdemar da Costa Neto, pretende afastar seis mulheres da Camara dos Deputados, e isso com o apoio de Arhur Lira outro machista, presidente da casa.
 
Duas figuras do patriarcado, da Casa Grande, com historias de violencias contra as mulheres.
 

A equipe do ICL Notícias e o economista Eduardo Moreira comentam a entrevista exclusiva ao ICL Notícias, nesta terça-feira (6), de Jullyene Lins, ex-mulher do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). De acordo com ela, "malotes de dinheiro" chegavam com regularidade para Lira. Jullyene também detalha como o esquema era operado e as agressões que sofreu e sofre.

Quem se lembra de Maria Christina Mendes Caldeira

14
Jun23

Arthur Lira aceita pedido do PL Mulher presidido por Michelle Bolsonaro e abre processo de cassação contra 6 deputadas progressistas

Talis Andrade
 
Deputadas denunciam tentativa deliberada de intimidar o trabalho das mulheres na Câmara - Pablo Valadares / Câmara dos Deputados


(Videos) Violência de gênero dos presidentes da Câmara e do PL Homem Valdemar da Costa Neto afasta mulheres da política partidária no Brasil

 

 
por Valmir Araújo
Brasil de Fato 

 

As mulheres ocupam apenas 18% das cadeiras na Câmara dos Deputados, porém representam 63% dos parlamentares que enfrentam processos de cassação de mandato no Conselho de Ética. Apenas na última semana seis deputadas progressistas foram parar no Conselho de Ética depois que o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), aceitou o pedido do PL protocolado dias antes, mesmo havendo pedidos mais antigos contra parlamentares homens, que estão parados na Mesa Diretora.

A representação do PL tem como base os discursos das deputadas com críticas aos colegas durante a votação do PL 490, que trata sobre marco temporal para demarcação de terras indígenas. Foram incluídas as deputas Célia Xakriabá (PSOL-MG), Érika Kokay (PT-DF), Fernanda Melchionna (PSOL-RS); Juliana Cardoso (PT-SP), Sâmia Bonfim (PSOL-SP) e Talíria Petrone (PSOL-RJ). Juliana e Tarília já respondiam a processos no Conselho por críticas que tinham feito aos deputados do PL.

:: Mulheres na berlinda: a violência política de gênero e o alcance dos casos no Brasil do ódio ::

As deputadas alegam que há uma tentativa deliberada de intimidar o trabalho das mulheres na Câmara dos Deputados.

“A representação do PL é uma nítida e ineficaz tentativa de nos intimidar e tem um forte componente sexista. Nós não vamos recuar e seguiremos ainda mais fortes na defesa dos direitos dos povos indígenas e de todo o povo brasileiro”, destacou Érika Kokay.

A parlamentar do Distrito Federal lembrou que o PL, autor da representação que pede cassação dos mandatos, é o partido do ex-presidente Jair Bolsonaro que foi denunciado na Organização das Nações Unidas (ONU) por crimes contra os povos indígenas.

“Foi com indignação que reagi à representação do PL pedindo a cassação do meu mandato por denunciar o genocídio indígena que representa o projeto do novo Marco Temporal”, acrescentou a deputada.

:: Mães na política: luta vem mudando cenário de dificuldades históricas ::

Além das seis deputadas do campo progressista outra parlamentar com processo no Conselho de Ética é Carla Zambelli (PL-SP). Por outro lado, quatro homens enfrentam pedidos para cassação de mandato: Eduardo Bolsonaro (PL-SP), e José Medeiros (PL-MT), Márcio Jerry (PCdoB-MA) e Nikolas Ferreira (PL-MG).

O Brasil de Fato DF entrou em contato, por e-mail, com a Assessoria de Imprensa da Câmara dos Deputados para saber sobre a tramitação e motivos da celeridade na aceitação dos pedidos, mas até o fechamento desta matéria não obteve resposta. O espaço está aberto para futuras manifestações.

 

Cassação coletiva

 

Esta é a primeira vez nos últimos vinte anos que foi apresentado no Conselho de Ética da Câmara um pedido de cassação coletiva. No entanto, na segunda-feira (12), o PL solicitou a retirada da tramitação do pedido de cassação coletiva e apresentou seis pedidos de perda de mandato individuais contra as parlamentares. A solicitação também foi atendida pelo presidente da Casa, Arthur Lira.

“Agora, querem entrar individualmente contra cada uma de nós. A coletividade os assusta. Seja individual ou coletivo, seguiremos juntas, nos apoiando e ecoando nossas vozes”, afirmou a deputada Célia Xakriabá após a mudança, em suas redes sociais.

"O que é inusitado é que a Câmara acaba dando uma celeridade maior a esses processos do que a outros que estão lá há muito tempo de pessoas que nitidamente cometeram crimes. A peça, se você espremer, essa representação que eles fizeram, só sai dali misoginia, só sai dali violência política de gênero e violência contra os povos indígenas", destacou Érika Kokay.

 

Violência de gênero

 

Para a professora e pesquisadora do Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (Ipol/UnB), Michelle Fernandez, o episódio pode ser classificado como violência de gênero. “Me parece um caso de violência de gênero sim, com o claro intuito de desestimular a participação de mulheres nas esferas de poder”, analisou a cientista política.

A pesquisadora lembrou que o parlamento brasileiro tem uma das menores taxas de representação feminina da América Latina e classificou a política partidária do Brasil como “hostil para as mulheres”.

“Não é nenhuma novidade que nós temos um legislativo que desestimula a participação de mulheres e que oferece esse tratamento machista”, afirmou Michelle Fernandez. Segundo ela essa tentativa de cassação se caracteriza por um ímpeto silenciar as mulheres que é muito comum nos espaços de poder do Brasil.

12
Jun23

Ataques às mulheres e ao "gênero" no Congresso e os avanços necessários

Talis Andrade
 
 
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DIREITO ELEITORAL

As mulheres parlamentares e seus direitos vêm sendo alvo de ataques misóginos

por Nicole Gondim Porcaro e Monike Santos

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Desde o início da nova legislatura as mulheres parlamentares e seus direitos vêm sendo alvo de ataques misóginos. Com destaque para o último 8 de março, em pleno Dia Internacional da Mulher, no qual diversos deputados federais proferiram discursos machistas, misóginos e transfóbicos na tribuna em sessão da Câmara, eivados de ódio e intolerância. Um dos objetivos de tais posturas indecorosas foi obviamente agredir a bancada feminina mais diversa já vista [1], em especial as deputadas federais trans eleitas na nova legislatura — Duda Salabert (PDT/MG) e Erika Hilton (PSOL/SP) —, o que causa indignação por evidenciar mais um exemplo de violência política de gênero.

A violência política de gênero [2] é considerada uma das principais causas da sub-representação das mulheres na política, e pode ser caracterizada como todo ato com o objetivo de excluir a mulher do espaço político, impedir, obstaculizar ou restringir seu acesso ou induzi-la a tomar decisões contrárias à sua vontade. E que se agrava quando direcionada um grupo de mulheres especialmente vulnerabilizadas, uma vez que, segundo a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), 80% das mulheres trans eleitas relatam falta de segurança no exercício do cargo [3], em um país que lidera o ranking de assassinatos dessa população.

Tal realidade exige uma atuação comprometida do Estado para proteger e garantir o exercício de seus direitos políticos, não devendo tais discursos serem acobertados pela imunidade parlamentar, considerando que a transfobia foi equiparada pelo STF ao crime de racismo (ADO 26 e MI 4733, j. 13.06.2019).

O ocorrido revela ainda uma falha na redação da Lei nº 14.192/2021, que tipificou o crime de violência política contra a mulher nos códigos Eleitoral e Penal, ao usar a expressão "sexo" em vez de "gênero", que afeta diretamente a garantia dos direitos das pessoas trans.

Toda a literatura e produção legislativa internacional sobre o tema utiliza o termo "violência política de gênero", mas no Brasil se optou por "contra as mulheres". Na verdade, se observa hoje uma grande cruzada contra o termo "gênero" em qualquer circunstância na política brasileira.

Portanto, antes de avançar o debate sobre a violência política de gênero, é necessário compreender o conceito de gênero, em contraste com o conceito de sexo. Enquanto este está relacionado aos aspectos biológicos/orgânicos, nos quais os seres humanos são divididos ao nascer em uma oposição binária entre corpos de "fêmeas" e "machos" [4], "gênero" compreende as características naturalizadas como femininas ou masculinas, porque tratam-se de constructos sociais a respeito dos papéis que lhe são atribuídos [5] e, por tal razão, podem sofrer modificações de sua percepção, conforme as diferentes culturas e períodos históricos.

Essa dualidade entre feminino e masculino expressa valores contrastantes de fragilidade e força, gerando indevidas subordinações [6]. Beauvoir [7] trouxe à lume a construção de uma perspectiva em que a mulher deixava de ser limitada ao seu corpo, e a limitação da presença do feminino no espaço público passou a ser atribuída a uma construção social que vai para além da biologia.

O conceito de gênero expõe, portanto, que as categorias homem e mulher não tratam de diferenças sexuais, mas demarcam relações de poder que reproduzem hierarquias sociais, conferindo ao homem a posição de mando e à mulher, a situação de submissão, além de determinar formas de violência específica contra mulheres.

A categoria "gênero" é um instrumento [8] empregado desde os anos 80 para entender as desigualdades, violências e dinâmicas de poder entre homens e mulheres — privilegiando o princípio da igualdade. Usado tanto como categoria histórica, como categoria de análise central na pesquisa acadêmica, nos encontros institucionais, nos tratados internacionais e no ativismo pela igualdade e direitos das mulheres.

Falar em políticas públicas com perspectiva de gênero é diferente de políticas públicas para mulheres por direcionar a ação governamental à superação das desigualdades baseadas nas hierarquias criadas pela estrutura patriarcal, visando a transformação do papel da mulher na sociedade: mais autonomia e equidade, menos vulnerabilidade e dominação masculina — fortalecendo as mulheres como grupo, sempre como sujeitos e nunca objetos, e tendo como horizonte a justiça social.

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Em movimento oposto, observa-se uma reação neoconservadora à agenda de igualdade de gênero e da diversidade sexual, que se diz em "defesa da família" e "anti-gênero". A noção de "ideologia de gênero" surge então como um espantalho, uma estratégia política para servir à atuação conjunta de atores políticos conservadores e fornecer novos recursos para a mobilização popular [9].

Isto porque, para uma visão conservadora, a natureza é determinante nas aptidões e papéis de homens e mulheres, prevalecendo sobre as dinâmicas sociais. A noção de gênero desafia tal crença e desorganiza a ordem patriarcal, por exemplo, ao levantar questões como autonomia reprodutiva e direitos sexuais, que deslocam a maternidade como destino da mulher e a reprodução como finalidade da união conjugal e formação da “família tradicional”.

Na conjuntura atual, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que tipificou a violência doméstica, a mais conhecida forma de violência de gênero, provavelmente não teria sido aprovada como foi. A lei define violência doméstica como "qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial" (Lei 11.340/2006 em seu artigo 5º). A evidenciação que tal legislação trouxe ao contexto, valendo-se do conceito de gênero, fez compreender que esse tipo de violência contra as mulheres se estrutura em relações íntimas de afeto e poder que vão além de agressões por parte do cônjuge, o que inclui ex-parceiros, namorados e até mesmo outros familiares.

Importa dizer que a Lei Maria da Penha é um marco legal que trouxe luz a outras modalidades de violência sofridas pelas mulheres, trazendo ao debate público o quanto isso impacta na sua participação igualitária na sociedade. No Brasil, foi essa movimentação legislativa que contribuiu para iniciar um processo de desnaturalização da violência doméstica, notadamente porque deixou de ser tratada como algo de caráter privado, no qual o Estado não deveria ter interferência. Esse processo de desnaturalização, no entanto, ainda não foi capaz de atingir efetivamente a violência política de gênero.

Nos últimos anos, houve um aumento no número de mulheres políticas na sociedade, mas essa inclusão também veio acompanhada de uma ampliação e replicação de agressões sofridas por aquelas que ousaram fazer parte dessa realidade social. Essa violência atinge mulheres de todo o espectro ideológico, e pode ser física, sexual, psicológica, econômica ou simbólica, mas tem como vítimas preferenciais aquelas mulheres atravessadas por outros tipos de opressão, como o recorte étnico-racial e de identidade de gênero.

Aqui, a identidade de gênero é termo que decorre do conceito de gênero, e pode ser compreendida como a "forma que cada pessoa se reconhece, vivencia e nomeia sua própria existência e/ou subjetividade num contexto social generificado, isto é, marcado por relações e dinâmicas de gênero" [10]. No que toca à pessoa transgênero, explica Jaqueline de Jesus [11], autora transgênera e especialista no tema, que o termo "transgênero" é utilizado para se referir às pessoas que não se identificam, em diferentes graus e de diferentes formas, com os papéis de gênero que correspondem à designação que lhes foi atribuída no nascimento pela comunidade. Desse modo, a autora define a transexualidade como uma questão de identidade e explica que uma pessoa transexual é aquela que reivindica o reconhecimento como mulher ou homem, dependendo da identidade de gênero com a qual se identifica. Em outras palavras, a transexualidade não se baseia na orientação sexual, mas sim na identificação de gênero de uma pessoa.

E a compreensão do gênero como orientador necessário da violência política contra as mulheres é tão importante que, no primeiro caso concreto relacionado à Lei nº 14.192/2021 julgado no Brasil, decidiu-se que a norma deve ser aplicada à mulher trans como vítima [12], seguindo entendimento da 6ª Turma do STJ sobre a aplicação da Lei Maria da Penha à violência contra mulher trans. A primeira decisão sobre o crime previsto no artigo 326-B do Código Eleitoral foi tomada no dia 23 de agosto de 2022 no âmbito do processo nº 0600472-46.2022.6.19.0000 pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Rio de Janeiro, recebendo denúncia contra parlamentar que proferiu discurso transfóbico em face da vereadora Benny Briolly (PSOL-RJ) na Assembleia Legislativa.

O TRE-RJ entendeu que "não se tratou de injúria genérica, mas de agressões verbais centradas na condição de mulher transgênera e negra de Benny Briolly", evidenciada a "intenção de dificultar o exercício do mandato da vereadora trans". Citou-se como fundamento "os prismas do reconhecimento e da não discriminação, bem como à definição estatuída no Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero editado pelo Conselho Nacional de Justiça".

Voltando aos ataques performados na Câmara dos Deputados no último 8 de março, em fala no evento "Elas querem igualdade na política" [13] realizado na Câmara no dia 14 de março de 2023, a deputada federal Erika Hilton (PSOL/SP), mulher trans, fez uma fala muito importante:

"A gente espera que nenhum ato de ódio, de violência, de preconceito, de discriminação contra qualquer grupo social passe impune dentro dessa casa, porque a impunidade do Congresso Nacional corrobora com a impunidade em toda a sociedade e não só corrobora, incentiva, legitima, legaliza, e nós não podemos mais tolerar."

A reiterada violência embutida pela certeza de que o corpo e a identidade trans — e de todas as mulheres — podem ser objetos de ditames afrontosos e intolerantes, persegue uma linha desqualificadora da convivência plural de uma Casa política. É um recurso para manutenção da política como um espaço masculino cisheteronormativo, uma ofensiva contra o movimento pela inclusão das mulheres nos espaços decisórios em sua diversidade, e uma forma de controlar a liberdade da mulher política.

Os discursos misóginos e transfóbicos proferidos por parlamentares em pleno Dia Internacional da Mulher, além de infringir o código de postura concernente à atuação decorosa exigida, são atos de violência política de gênero, e eles devem ser responsabilizados. É preciso que se solidifique o entendimento de que o discurso não é inofensivo, ele também pode ser violento e não está sempre protegido pela liberdade de expressão. Não existe liberdade no discurso que incita a discriminação do outro.

A compreensão do gênero como orientador da violência política contra as mulheres é crucial para evidenciar que discursos como os proferidos no Dia da Mulher são uma ameaça à inclusão das mulheres, em sua diversidade, nos espaços decisórios, e limitam sua autonomia na atividade política, além de poderem influenciar outras agressões ainda mais graves. A tolerância de discursos de ódio e discriminatórios em plena Casa Legislativa incentiva e legitima essas práticas em toda a sociedade.

Nesse sentido, é necessário um esforço coletivo por parlamentares para analisar como a violência contra as mulheres é tratada na Câmara, e incluir dispositivos específicos contra a Violência Política de Gênero no Regimento Interno. A proteção e garantia do exercício dos direitos das mulheres parlamentares depende da conscientização e da tomada de medidas assertivas por partes de todos os agentes públicos e políticos. O Estado não será plenamente democrático enquanto for permissivo diante da violação pública e notória de suas próprias cidadãs eleitas.

- - -

[1] JOTA Info. O tímido avanço da representatividade dos grupos minorizados nas eleições 2022. Bianca Maria Gonçalves e Silva, Emma Roberta Palú Bueno e Bárbara Mendes Lôbo Amaral. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/elas-no-jota/representatividade-das-mulheres-e-minorias-nas-eleicoes-de-2022-17112022  

[2] Ver canais de denúncia em: https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/secretarias/secretaria-da-mulher/violencia-politica-de-genero-a-maior-vitima-e-a-democracia

[3] Disponível em https://antrabrasil.files.wordpress.com/2021/01/dossie-trans-2021-29jan2021.pdf.

[4] BENEVIDES, Caio P; POLETTI, Enrico Martins J. Sexo Biológico. In: Dicionário Jurídico do Gênero e da Sexualidade / Marcelo Maciel Ramos, Márcia F. Ribeiro da C.Valentin, Pedro Augusto Gravatá Nicoli (orgs.). 1ª ed. Salvador, BA: Devires, 2022. P. 633-638.

[5] ÁLVARES, Maria Luzia Miranda. "A questão de gênero e a violência doméstica e sexual". AmazôniaIPAR — Revista Teológico-Pastoral, Belém-PA, p. 25-30, 2003. Disponível em http://www.ufpa.br/projetogepem/administrator/questaodegenero.pdf. Acesso em 15/03/2023.

[6] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero — 2021. P. 16.

[7] BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Tradução de Sérgio Milliet. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

[8] TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil e outros ensaios. São Paulo: Alameda, 2018.

[9] BIROLI, Flávia; MACHADO, Maria das Dores C.; VAGGIONES, Juan Marco. Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2020.

[10] BENEVIDES, Caio P. Identidade de gênero. In: Dicionário Jurídico do Gênero e da Sexualidade / Marcelo Maciel Ramos, Márcia F. Ribeiro da C.Valentin, Pedro Augusto Gravatá Nicoli (orgs.). 1ª ed. Salvador, BA: Devires, 2022. P. 473-482.

[11] Jesus, Jaqueline Gomes de. Orientações sobre identidade de gênero: conceitos e termos / Jaqueline Gomes de Jesus. Brasília, 2012.

[12] https://www.tre-rj.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Agosto/colegiado-do-tre-rj-aceita-denuncia-contra-deputado-estadual-rodrigo-amorim

[13] Disponível em: https://www.camara.leg.br/evento-legislativo/67213

 
 
 
Lafa
@UltraLafa
Lembrei daquele turismo sexual maroto que Mamãe Falei fez em zona de guerra. 
 
 
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12
Jun23

PL Mulher de Michelle Bolsonaro ê machista pediu a Arthur Lira a cassaçao de seis deputadas federais

Talis Andrade
 
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Seis deputadas do PSOL e PT foram denunciadas ao Conselho de Ética da Câmara pelo Partido Liberal (PL), presidido por Valdemar Costa Neto e Michelle Bolsonaro, que pede pela cassação de Sâmia Bomfim (SP), Talíria Petrone (RJ), Célia Xakriabá (MG), Fernanda Melchionna (RS), Érika Kokay (PT-DF) e Juliana Cardoso (PT-SP).

No pedido de cassação, o PL Mulher, presidido por Michelle Bolsonaro, declarou que as parlamentares extrapolaram a imunidade do cargo e buscaram a “hostilização” de seus pares que fazem oposição ao governo. Para o partido, trata-se de uma “severa agressão”. Se condenadas, todas poderão perder o mandato.

Na prática, o PL Mulher e. machista. Inclusive por motivos religiosos, Michelle é uma pessoa machista. Acredita que homens e mulheres têm papéis distintos na sociedade, que a mulher não pode ou não deve se portar e ter os mesmo direitos de um homem ou que julga a mulher como inferior ao homem em aspectos físicos, intelectuais e sociais.

Pelas redes sociais, as deputadas acusadas pelo PL falam em perseguição, e dizem que o partido do ex-presidente Jair Bolsonaro “odeia as mulheres”. Sâmia, além de criticar o PL, tem criticado a presidência da Câmara que permitiu a tramitação do processo no Conselho de Ética.

– Em menos de 24h, Arthur Lira permitiu tramitar a ação do PL no Conselho de Ética contra o nosso mandato e de outras deputadas. Já a ação contra bolsonaristas pelo 8 de janeiro está parada há 4 meses! – lamentou a deputada.

 
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Michelle não pega mais dinheiro da fonte do Palacio. 
Dinheiro agora sai do PL Homem para PL Mulher

09
Jun23

PL que Michelle Bolsonaro preside pediu a cassação de seis deputadas federais

Talis Andrade
Ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro assume presidência do PL Mulher, cargo interno do partido — Foto: Geovana Melo/TV Globo

Ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro assume presidência do PL Mulher — Foto: Geovana Melo/TV Globo

 

PL MULHER SUBMISSA

 

“É mais um episódio de perseguição às mulheres legitimamente eleitas e que ocupam espaços de poder e decisão”

 

 

Os ministérios da Igualdade Racial, das Mulheres, dos Povos Indígenas, dos Direitos Humanos e da Cidadania, e da Justiça e Segurança Pública emitiram nesta sexta-feira (9) uma nota em defesa das seis congressistas que enfrentam a possibilidade de cassação pela Câmara dos Deputados, presidida por Arthur Lira acusado pela ex-esposa. 

O partido de Valdemar da Costa Neto e Michelle Bolsonaro, presidenta do PL Mulher, pediu a perda de mandato de Sâmia Bomfim (Psol-SP), Célia Xakriabá (Psol-MG), Talíria Petrone (Psol-RJ), Fernanda Melchionna (Psol-RS), Érika Kokay (PT-DF) e Juliana Cardoso (PT-SP). Elas teriam chamado os deputados bolsonaristas de “assassinos” durante a votação da urgência do Projeto de Lei do Marco Temporal, ocorrida em 24 de maio.

Em nota assinada pelos cinco ministérios, o Grupo de Trabalho Interministerial de Enfrentamento à Violência Política contra as Mulheres afirma que o pedido de cassação “é mais um episódio de perseguição às mulheres legitimamente eleitas e que ocupam espaços de poder e decisão”.

 

Leia a íntegra da nota:

O Grupo de Trabalho Interministerial de Enfrentamento à Violência Política contra as Mulheres, coordenado pelo Ministério das Mulheres e composto por representantes dos Ministérios dos Povos Indígenas, da Igualdade Racial, da Justiça e Segurança Pública e dos Direitos Humanos e da Cidadania, vem a público manifestar apoio e solidariedade às deputadas federais Sâmia Bomfim (SP), Célia Xakriabá (MG), Talíria Petrone (RJ), Fernanda Melchionna (RS), Érika Kokay (DF) e Juliana Cardoso (SP), que foram alvo de um pedido de cassação de seus mandatos na Câmara dos Deputados, quando se manifestaram contrárias à aprovação do Marco Temporal.

O pedido de cassação das deputadas apresentado ao Conselho de Ética é mais um episódio de perseguição às mulheres legitimamente eleitas e que ocupam espaços de poder e decisão, estando, naquele momento, alertando a sociedade sobre a gravidade que a aprovação do Marco Temporal representa para os povos indígenas. Configura-se, portanto, como uma violência política de gênero, principalmente, pela celeridade com que foi encaminhado ao Conselho de Ética, em menos de 24 horas. Já as ações contra quatro deputados homens, acusados de estimular os atos terroristas de 8 de Janeiro, até hoje não foram encaminhadas ao mesmo colegiado. Na última sexta-feira (02/06), fez quatro meses que elas estão paralisadas na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.

Destaca-se que as mesmas tentativas de punir as deputadas não ocorreram contra aqueles parlamentares que tentaram silenciar e até mesmo impedir a fala delas, quando participavam de debates em comissões temáticas daquela Casa Política, uma vez que as mesmas são reconhecidamente atuantes na defesa dos Direitos Humanos, tornando-se alvos permanentes de uma política misógina.

O fenômeno da violência política contra as mulheres no Brasil é histórico e estrutura as bases de formação do País. Agravado pela misoginia, pelo racismo e pela LBTfobia, tem como objetivo limitar ou até impedir a participação das mulheres na vida política e partidária. Essa estratégia de invisibilização das mulheres é uma das principais causas da sub-representação dessa importante parcela da população do país, no Parlamento e nos espaços de poder e decisão. As mulheres são 53% do eleitorado, mas ocupam apenas 17,7% da Câmara dos Deputados, 18% do Senado, 17% das Câmara Municipais, 12% das Prefeituras e 7,5% dos Governos Estaduais. Quando se observa a intersecção racial,  há uma sub-representação em que apenas 1,7% das deputadas são negras, e 2,6% representam as ocupantes das câmaras estaduais e distrital.

Segundo o Mapa das Mulheres na Política 2020, feito pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela União Interparlamentar (UIP), o Brasil ocupa o 145º lugar no ranking em número de mulheres no Parlamento, de um total de 187 países.

O episódio contra as seis parlamentares federais representa o ápice de uma violência sistemática que já vem ocorrendo de norte a sul do Brasil contra vereadoras e prefeitas, colocando em risco, inclusive, não apenas seus mandatos, mas, sobretudo, a  possibilidade de suas reeleições no pleito de 2024. Afinal, a sub-representação configura um cenário de grave déficit democrático que impede o desenvolvimento de políticas públicas mais eficientes para as mulheres em sua diversidade e, consequentemente, atrasa o desenvolvimento do país.

Desde 2021, a Lei 14.192/21 estabelece regras para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher, entendida como “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher” (art. 3º). Esta legislação contempla tanto mulheres candidatas a cargo eletivo como também aquelas que já são detentoras de mandato eletivo.

Ante o exposto, solicitamos à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados que considere violência política de gênero os ataques desferidos contra as deputadas federais, e que não acate o pedido de instalação de Comissão de Ética contra elas.  

Pedimos, também, que a Câmara dos Deputados se comprometa com a garantia de ampliação do acesso de mais mulheres em todas as esferas de poder e decisão, assim como que assegure a elas que possam exercer seu mandato e permanecer na política, por meio da criação de novos mecanismos de coíbam a criminalizem os atos de violência política contra as mulheres.

 

Grupo de Trabalho Interministerial de Enfrentamento à Violência Política contra as Mulheres

Ministério das Mulheres;

Ministério da Igualdade Racial;

Ministério dos Povos Indígenas;

Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania;

Ministério da Justiça e Segurança Pública.

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