Diversos líderes e chefes de Estado da América Latina comemoraram a vitória de Lula (PT), candidato da coligação Brasil da Esperança, por terminar o primeiro turno das eleições presidenciais, neste domingo (2), à frente de Jair Bolsonaro (PL). Lula teve 48,43% (57 milhões) dos votos válidos.
O presidente do México Andrés López Obrador, o AMLO, foi um dos primeiros a parabenizá-lo. “Parabéns, irmão e companheiro Lula. O povo do Brasil demonstrou mais uma vez sua vocação democrática e, principalmente, sua inclinação para a igualdade e a justiça”.
Felicidades, hermano y compañero Lula. El pueblo de Brasil demostró una vez más su vocación democrática y, en especial, su inclinación por la igualdad y la justicia.
O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, também felicitou Lula. “Parabenizo Lula pela vitória no primeiro turno. Felicito o povo brasileiro por sua enorme participação eleitoral”, escreveu em seu Twitter.
Felicito a Lula por su victoria en primera vuelta. Felicito al pueblo brasileño por su enorme participación electoral https://t.co/RiCnpW2lyh
Luis Arce, presidente da Bolívia, sublinhou que a democracia é o único caminho para o progresso e a paz social e reconheceu o esforço político que o povo brasileiro fez durante as eleições. “Parabenizamos o irmão Lula que venceu o primeiro turno das Eleições no Brasil e saudamos o povo brasileiro que demonstrou que a democracia é a única forma de construir sociedades justas, inclusivas e com paz social. #Força Lula”.
Felicitamos al hermano @LulaOficial que ganó la primera vuelta de las Elecciones en #Brasil y saludamos al pueblo brasileño que demostró que la democracia es el único camino para construir sociedades justas, inclusivas y con paz social. #FuerzaLulapic.twitter.com/psibBdwyE1
— Luis Alberto Arce Catacora (Lucho Arce) (@LuchoXBolivia) October 3, 2022
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, também compartilhou mensagem de felicitações. “Parabenizo meu querido Lula por sua vitória no primeiro turno e estendo meu sincero respeito ao povo do Brasil por sua profunda expressão democrática”, disse.
Felicito a mi querido @LulaOficial por su triunfo en primera vuelta y hago llegar mi sincero respeto al pueblo de Brasil por su profunda expresión democrática. pic.twitter.com/wZTBXvt99B
Pedro Castillo, presidente do Peru, saudou nesta segunda-feira as eleições gerais “exemplares” realizadas neste domingo no Brasil. “Saudamos o povo brasileiro por sua vocação democrática e suas instituições eleitorais pela condução exemplar das eleições gerais.”, escreveu o líder peruano.
O Grupo Puebla comemorou os resultados obtidos por Lula no primeiro turno das eleições presidenciais brasileiras e exortou o povo a consolidar a justiça e a unidade.
“Com profunda alegria e esperança, o Grupo Puebla comemora o resultado eleitoral de Luís Ignácio Lula da Silva no primeiro turno das eleições brasileiras. Depois de ter sido vítima de uma das mais aberrantes operações de guerra jurídica que conhecemos, hoje Lula recebeu o reconhecimento de seu povo, renovando seu apoio e confiança em grande parte.”, dizia a nota.
“Conclamamos as forças democráticas e cidadãs a trabalharem juntas para que, no segundo turno, consolide-se o triunfo da esperança pelo qual a maioria dos brasileiros votou”, acrescentou o grupo político e acadêmico latino-americano que conta com a participação de 49 líderes políticos progressistas de 15 países.
O documento indicou ainda que, no dia 30, a decisão será “entre o futuro e o retorno ao passado; justiça social e império dos privilégios; entre um país respeitado internacionalmente, que lidera a integração latino-americana, e um concentrado em um falso nacionalismo, que não defende a pátria, mas a arruína”.
“Estamos certos de que, com Lula, triunfarão a esperança, a justiça e a unidade regional defendida pelo Grupo Puebla. Viva Lula! Superar!” conclui a declaração.
A eurodeputada da Alemanha, Anna Cavazzini, do Partido Verde, também parabenizou Lula e afirmou que é o momento de alcançar os não-votantes e eleitores de outros candidatos, para que o ex-presidente amplie sua liderança contra Jair Bolsonaro.
“Parabéns a @LulaOficial por ganhar de longe o maior número de votos nas #brasileleições! Isso dá esperança para a 2ª rodada em 30 de outubro. No entanto, mais de 43% dos brasileiros votaram em Bolsonaro, apesar de seu histórico devastador de políticas e seu fascismo aberto. Isso é preocupante.”, escreveu no Twitter.
Anna Cavazzini também se mostrou preocupada com o avanço do bolsonarismo no Brasil. “É preocupante que mais de 43% dos eleitores tenham votado em Bolsonaro, apesar de sua política de coroa e seu fascismo exibido abertamente. Isso mostra que o bolsonarismo agora está firmemente ancorado na sociedade brasileira.”
Besorgniserregend ist, dass mehr als 43 % der Wähler*innen für Bolsonaro gestimmt haben, trotz seiner Corona-Politik & seines offen zur Schau gestellten Faschismus. Das zeigt, dass der Bolsonarismo jetzt fest in der bras. Gesellschaft verankert ist.“ https://t.co/cujl0b9Qsz
Quem já trabalhou com a jornalista brasileira Juliana Dal Piva, 36 anos, diz que ela dorme e acorda pensando em reportagem, seus olhos brilham com uma boa história e que ela não desiste fácil quando encontra dificuldades durante uma apuração.
Foi essa persistência que fez com que a jornalista ganhasse diversos prêmios. Entre eles, o prêmio Relatoría para la Libertad de Expresión (RELE), da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, pelo trabalho “Em 28 anos, clã Bolsonaro nomeou 102 pessoas com laços familiares”, com a equipe do Jornal O Globo, em 2019, e o prêmio Cláudio Abramo de jornalismo de dados, em 2021, pelo conjunto de reportagens “Anatomia da Rachadinha”, com a equipe do núcleo investigativo do portal UOL.
Dal Piva começou a investigar, em 2018, as suspeitas de que assessores do atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e de seus três filhos que possuem mandatos legislativos (Flávio, Eduardo e Carlos), não atuavam, de fato, como assessores parlamentares. Na época, ela trabalhava nas redações integradas do jornal “O Globo” e revista “Época”.
“Em 2018, eu fui à uma missão especial no México junto com a Cruz Vermelha para fazer uma matéria sobre a crise dos desaparecidos no país, e foi uma experiência muito importante para mim. Eu já tinha feito meu Trabalho de Conclusão de Curso da faculdade sobre trabalho escravo na Bolívia, além dos meus estudos sobre América Latina. Eu vi questões no México que estavam conectadas com as coisas que estavam acontecendo na campanha eleitoral brasileira”, contou Dal Piva.
Segundo Dal Piva, o conhecimento sobre a América Latina é essencial para compreender melhor o Brasil. Formada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), na região sul do Brasil, a jornalista também estudou História Argentina e História Social Latino-Americana, na Universidade de Buenos Aires. De volta ao Brasil, fez seu mestrado pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getulio Vargas, onde analisou as investigações sobre a morte do deputado Rubens Paiva no período da ditadura militar.
Para mim, foi muito marcante o período que passei em Buenos Aires, porque a questão da ditadura militar e da memória do que aconteceu é muito presente. Então, quando eu voltei para o Brasil, esse tema estava muito forte porque sempre lidamos muito mal com o nosso passado. O Brasil tem uma ideia de esquecimento, de virar a página, como se fosse possível deixar para trás aquilo que aconteceu sem justiça, sem verdade, sem memória. E isso tem consequências que, inclusive, estamos vendo hoje”, conta a jornalista.
Em 2010, quando Dal Piva estava iniciando sua carreira, o Brasil estava para julgar uma possível revisão sobre a chamada Lei da Anistia, uma lei aprovada em 1979 que concedeu a anistia a todos que cometeram crimes políticos ou eleitorais e àqueles que sofreram restrições em seus direitos políticos. A lei protegeu os agentes da ditadura contra qualquer responsabilização pelos crimes cometidos contra opositores do governo.
Entre os beneficiados pela Lei da Anistia estava o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou, entre 1969 e 1973, um centro de tortura no extinto Doi-Codi (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna), órgão de repressão da ditadura militar. O presidente do Brasil já afirmou que considera Ustra um “herói nacional” e concedeu honrarias ao torturador.
Durante a gestão da presidente Dilma Rousseff, em 2011, o Estado criou a Comissão Nacional da Verdade (CNV) que, até 2014, investigou os casos de torturas, mortes, desaparecimentos e ocultação de cadáveres durante a ditadura. Dal Piva, então, se debruçou na cobertura dos trabalhos da CNV em todos os veículos onde trabalhou.
“O que me levou a cobrir Bolsonaro [que foi eleito presidente em 2018] foi o trabalho que eu fiz cobrindo a ditadura, porque eu conhecia muitos militares do entorno dele”, afirma a jornalista.
Em 2019, Dal Piva publicou no jornal “O Globo” a reportagem “Entrevistados em filme pró-ditadura reconhecem que houve golpe em 64”, sobre o documentário “1964: O Brasil entre Armas e Livros”, da produtora com viés conservador Brasil Paralelo. Foi a primeira vez que recebeu ameaças por seu trabalho.
“Eu fiz uma matéria simples depois de assistir ao filme. Eles queriam combater um fato histórico consolidado – que é a existência de um golpe militar -, e apresentar uma visão como se a existência da ditadura e do golpe estivessem em discussão. Só que, no meio do filme, os próprios entrevistados faziam referência à data como o golpe. A produtora criou uma situação em cima da minha matéria para divulgar o filme e eu comecei a receber milhares de xingamentos. Foi um linchamento virtual. Recebi mensagens no meu Twitter falando que eu ia morrer. Aquilo me fez muito mal, eu fiquei assustada. E uns dias depois disso fizeram um trote, ligaram na casa dos meus pais dizendo que eu tinha sido sequestrada”, contou a jornalista.
Na época, Dal Piva diz que não conseguiu fazer uma queixa formal. “Eu fui lidando como a gente lidava antigamente, que é simplesmente deixar passar. Mas a experiência me assustou e eu me fechei muito, não falava sobre isso. Até porque também estava no início das minhas investigações sobre o gabinete do Bolsonaro e seus filhos”.
Foto: Lucas Lima/UOL.
A jornalista lembra que recebeu importante apoio de duas colegas que também tinham sidoameaçadas por apoiadores do governo Bolsonaro,Patrícia Campos Melloe Constança Rezende. “A Patrícia nos deu coragem para não tratar aquilo como normal, que ignorar não é a melhor maneira. Ameaça é crime, essas pessoas não podem fazer isso e ficar impunes”.
Ainda em 2018, Dal Piva, em conjunto com outros jornalistas de “O Globo”, publicou a reportagem “Em 28 anos, clã Bolsonaro nomeou 102 pessoas com laços familiares“. De grande repercussão, a investigação mostrou um padrão de nomeação de funcionários nos gabinetes parlamentares da família Bolsonaro na Câmara dos Deputados, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e na Câmara dos Vereadores do Rio com indícios do esquema conhecido como “rachadinha”, a entrega ilegal de grande parte do salário do assessor para o parlamentar.
A ameaça mais grave sofrida por Dal Piva ocorreu em 2021, após a publicação do último episódio do podcast “UOL Investiga – A vida secreta de Jair”, também de grande repercussão.
“Quando eu fui convidada para trabalhar no portal UOL, eu entendi que, depois de anos abordando diferentes informações em diferentes reportagens, era preciso fazer uma reunião de todo esse material para contar a história toda para as pessoas compreenderem melhor o entorno do presidente Bolsonaro. Para mim, era muito claro que as pessoas não tinham entendido a essência e o papel de alguns dos personagens centrais envolvidos”. Assim nasceu o podcast que foi produzido por Dal Piva junto com a equipe do portal.
Um dos personagens da produção é Frederick Wassef, que atua como advogado do presidente e de seus filhos em alguns casos. Em 2020, Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, amigo do presidente e policial militar da reserva, foi preso dentro do sítio de Wassef, durante a investigação do esquema de “rachadinha”. Queiroz ficou escondido no local por um ano e meio.
“O Wassef já tinha uma relação difícil com vários colegas jornalistas e comigo há algum tempo. Ainda na época do Globo, durante meses, negociamos uma entrevistas. No entanto, ele recusava. Depois, marcava e não aparecia. Para o podcast, eu usei uma entrevista que tinha feito em março de 2021 e, quando precisamos complementar com ele, foi ok. Passou uma semana com o material sendo publicado e ele não me procurou para falar nada. Nem para reclamar. Quando estreou o 4º e último episódio do podcast, numa sexta-feira, no fim do dia, ele me mandou aquela mensagem no Whatsapp”, conta Dal Piva.
“Faça lá o que você faz aqui no seu trabalho, para ver o que o maravilhoso sistema político que você tanto ama faria com você. Lá na China você desapareceria e não iriam nem encontrar o seu corpo. (…) Por que não experimenta primeiro na sua pele o que é a esquerda, para depois lutar tanto para atingir o presidente de seu país e trazer o comunismo para o meu amado Brasil? Você é inimiga da pátria e do Brasil. (…) A esquerda te paga??? Você está feliz e realizada por atacar e tentar destruir o Presidente do Brasil, sua família e seu advogado?????”, escreveu o advogado à jornalista por aplicativo de mensagens.
Não foi a primeira vez que o advogado ameaçou algum/a jornalista durante o exercício da profissão.
Embora assustador, o comportamento de Wassef, infelizmente, não surpreende: em 1º de outubro de 2019, ele foi até a porta do Supremo Tribunal Federal e me coagiu a entrar no carro dele para reclamar de uma matéria. Não é fato isolado. Minha solidariedade à incrível repórter Juliana Dal Piva”, publicou a repórter do jornal “Valor Econômico”, Luísa Martins, em seu Twitter na ocasião.
As ameaças também atingiram a família de Dal Piva. Após aconselhamentos, inclusive do Comitê para a Proteção de Jornalistas, a jornalista teve que alterar sua rotina por um período de tempo, além de adotar medidas de segurança no ambiente virtual.
“Quando eu li a mensagem com um monte de xingamento, a questão do seu corpo desaparecendo, de ser inimiga da pátria, vai um tempo até entender o quão problemático é tudo aquilo”, confessa.
A jornalista entrou com ação civil e criminal contra Wassef. O primeiro depoimento sobre o caso, no entanto, ocorreu apenas em março deste ano, oito meses depois da abertura do processo.
“É muito difícil fazer um processo judicial, ter que reviver tudo isso e, ao mesmo tempo, não ter garantia de nada. A Patrícia [Campos Mello] me aconselhou muito nesse caso e foi muito importante para mim. Estou fazendo um caminho parecido com o dela na Justiça. É preciso passar um recado de que é necessário respeitar o trabalho da imprensa e que eles passaram do limite. É preciso nos respeitarmos como seres humanos. Foi importante ouvir a Patrícia e outras pessoas que foram ameaçadas como eu”.
Dal Piva tem contado com o apoio do escritório de advocacia Carvalho Siqueira, da organização não governamental de direitos humanos Artigo 19 e, também, do portal UOL. As eleições presidenciais deste ano no Brasil a preocupam.
“Os últimos episódios de jornalistas acompanhando, sobretudo, o presidente Jair Bolsonaro, são episódios que envolvem agressões. Acredito que precisamos criar um grupo que possa treinar colegas para que auxiliem quando acontecer esses episódios. Tanto para acolher, quanto para prestar os primeiros aconselhamentos jurídicos. Quando acontece, a gente fica sem saber exatamente o que fazer. É muita coisa para pensar e não estamos preparados para enfrentar essa situação”, afirma.
No entanto, como persistência é uma das principais características da jornalista, as ameaças não a desanimam de fazer seu trabalho.
“Nós, jornalistas, temos que fazer nosso trabalho, mas nunca perder a noção de que a história é a protagonista e que a gente contribui para esse primeiro rascunho da história. Todas essas dificuldades mexem com a nossa vida, mas minha motivação é ajudar a construir conhecimento, sobretudo histórico. Não importa o que aconteça, o presidente Bolsonaro já faz parte da história do Brasil e acho que as pessoas não o conheciam realmente antes da eleição. Depois de muito trabalho meu e dos meus colegas, nós sabemos melhor quem ele é”, ressalta Dal Piva.
Ao longo da história republicana a Colômbia jamais havia tido um presidente declaradamente de esquerda. E menos ainda um ex-guerrilheiro.
No máximo até agora o que aconteceu foi um revezamento entre presidentes efetivamente liberais – Ernesto Samper e Juan Manuel Santos são os exemplos mais recentes – e outros muitos, que mais que conservadores foram francamente reacionários sem remédio.
E mais: nem em seus mais tenebrosos pesadelos a parte conservadora, racista e misógena imaginaria uma vice-presidente mulher e, para elevar ainda mais a já vulcânica temperatura, negra e de origem muito pobre.
Pois foi exatamente uma dupla desse teor que saiu vitoriosa das urnas colombianas no domingo 19 de junho: Gustavo Petro, ex-guerrilheiro, e Francia Márquez, que antes de se tornar uma ativista social de alto calibre trabalhou como diarista e faxineira para poder dar de comer aos filhos.
A vantagem de Petro sobre seu adversário, o populista de extrema-direita Rodolfo Hernández, pode até parecer apertada: 50,45% dos votos válidos contra 47,30%.
Muito mais que por escassos três pontos, porém, essa vitória significa algo que até há pouco tempo ninguém se animaria a prever.
E mais: significa também a possibilidade concreta de abertura de novos tempos não apenas na Colômbia, mas em toda a América Latina.
Depois de Brasil e México, a Colômbia tem a terceira economia mais importante do continente latino-americano.
E algumas das medidas que integram o programa de governo defendido por Petro certamente serão aplicadas em outros países governados pela esquerda, como a taxação das grandes fortunas e a decisão de adotar políticas sociais que tenham por objetivo superar diferenças históricas, a começar por saúde e educação.
Outro ponto importante é o fato de, pela primeira vez, há um cordão de governos de esquerda na América do Sul, e não apenas dois ou três governos: além da Colômbia, temos a Argentina, a Bolívia, o Chile, o Peru (embora uma esquerda titubeante) e a Venezuela.
A provável vitória de Lula nas eleições presidenciais de outubro traçaria um panorama inédito.
Se lembrarmos que o México tem um presidente de esquerda, André López Obrador, e que a pequena e tão maltratada Honduras elegeu uma presidenta de esquerda, Xiomara Castro, veremos que de verdade são tempos novos em nossas comarcas.
Um aspecto da vitória de Petro na Colômbia que nos diz respeito: daqui até o primeiro dia de 2023, ou seja, enquanto Jair Messias continuar na poltrona presidencial, o isolamento do Brasil não fará mais que crescer e se solidificar.
Dentro da Colômbia, Petro encontrará, como já foi dito, dois obstáculos importantes para governar.
Um, o empresariado sempre beneficiado tanto pelos liberais autênticos quando pelos reacionários de todo tipo. O setor, porém, poderá mostrar mais pragmatismo e negociar acordos aceitáveis tanto para os donos do dinheiro como para o governo.
Já o outro obstáculo está cada vez mais envolvo por nuvens de dúvida e apreensão: as Forças Armadas, normalmente violentas e reacionárias.
Ele terá de encontrar núcleos de profissionalismo entre os militares e também no setor procurar um pacto de interesse comum.
Seja como for, não resta dúvida: a Colômbia ganha nova luz própria e terá papel especialmente relevante no cenário novo que se desenha não só na América do Sul, mas em todo o continente latino-americano.
Joana
@joanadipaoli
Sofia, filha do presidente eleito da Colombia Gustavo Petro, votou com a camiseta de Marielle Franco
Cientista política diz que instituições até agora têm conseguido frear o golpismo do presidente, mas alerta: “há sempre risco de ruptura, pois temos um presidente que gostaria de destruir a democracia”
O presidente Jair Bolsonaro aumentou suas investidas contra a democracia, mas, até agora, as instituições, sobretudo o Supremo Tribunal Federal, vêm conseguindo frear o golpismo do mandatário de extrema direita. É o que opina cientista política e socióloga Maria Hermínia Tavares de Almeida (São Paulo, 1946), professora titular aposentada da USP e pesquisadora do Cebrap, em entrevista por escrito ao EL PAÍS. Porém, alerta ela, “há sempre risco de ruptura, pois temos um presidente autoritário que não preza a democracia e gostaria de destruí-la”.
Membro da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, Almeida vê o desfile das Forças Armadas como “mais uma provocação” e afirma que o voto impresso é ”um factoide para alimentar a desconfiança, açular os grupos mais radicais e criar caos político”. Por esse motivo, tem uma visão menos negativa sobre sua tramitação em plenário, também programada para esta terça-feira, mesmo após a rejeição que sofreu na comissão especial. “Não vejo como não colocar na pauta a proposta do voto impresso. Se o presidente não conseguir aprovar, a derrota será gigantesca. Deixará Bolsonaro sem chão e sem bandeira”, opina.
Felipe Betim entrevista Maria Hermínia Tavares de Almeida
Pergunta. Em que estágio a crise política se encontra?
Resposta. Essas coisas são difíceis de medir e nós cientistas políticos não temos bons indicadores objetivos para medir a temperatura de uma crise política. O presidente escalou em suas investidas contra instituições, especialmente ao STF, multiplicou as ameaças de abandonar a Constituição e alardeia que tem apoio das Forças Armadas para isso. Mas, por enquanto, não passou de discurso, de ameaça verbal. A sensação que dá é de um som estridente que se repete e se repete cada vez mais alto, mas sem efeito, a não ser o de criar crispação política. Houve retrocessos imensos em várias áreas que dependem muito do Governo Federal: na atuação internacional do país, no meio ambiente, na educação, na proteção das populações indígenas. Isso é péssima política reacionária, mas é diferente de retrocesso democrático.
P. O risco de uma ruptura democrática aumentou?
R.Há sempre risco de ruptura, pois temos um presidente autoritário que não preza a democracia e gostaria de destruí-la. E a democracia, especialmente no país, está longe de ser indestrutível. Mas, não sei se o risco é maior hoje do que em abril do ano passado, ou em qualquer outro momento em que Bolsonaro ameaçou romper as regras.
P. Em fevereiro, você avaliou que as instituições estavam conseguindo conter Bolsonaro com eficácia. Ainda possui a mesma percepção?
R. Continuo achando o mesmo e sei que essa não é uma percepção consensual entre os analistas. Bolsonaro foi contido pelas regras da federação, que tornam importantes os governos subnacionais. Basta ver a reação à pandemia. Se dependesse do presidente, os brasileiros estariam morrendo com a cloroquina na mão e não haveria vacinação. Ele foi derrotado nessa frente, ainda que sua conduta tenha elevado de forma absurda e desnecessária o preço em vidas pago pela população. O STF impôs uma série de derrotas importantes ao chefe do Executivo e, neste momento, ele é objeto de investigação da Corte Suprema. Mesmo o Congresso, onde uma base de apoio —obtida sabemos como— impede o andamento dos muitos pedidos do impeachment, lhe impôs derrotas. O auxílio emergencial, com a dimensão que teve, foi obra do Congresso. Nem Bolsonaro, nem Guedes foram responsáveis por ele. É bem possível que a PEC do voto impresso seja enterrada na Câmara. Por outro lado, toda a grande imprensa escrita lhe faz oposição dura e livremente. A ela se soma a rede Globo, que ainda é poderosa. Finalmente, a sociedade civil organizada tem feito sua parte na contenção dos arroubos autoritários do presidente. Ele teve que se livrar de seus ministros mais afinados com seus propósitos e discurso: Ernesto Araújo [Relações Exteriores], Ricardo Vélez [Educação], Abraham Weintraub [Educação], Eduardo Pazuello [Saúde], Ricardo Salles [Meio-Ambiente].
P. O que mudou desde então?
R. Bolsonaro parece estar perdendo apoio entre empresários e grupos de alta renda que nele votaram. Muito lentamente, sua base de apoio na opinião pública parece estar diminuindo, ou no mínimo está estacionada entre 25 e 30%. Claramente não cresceu. Não há qualquer evidência de que tenha ganho força social ou política. Foi contido. Agora, o custo é grande. Um enorme esforço de contenção, enquanto poderíamos estar dedicando forças para enfrentar os muitos problemas que temos.
P. Bolsonaro quis se aproveitar de uma manobra militar nesta terça para se exibir com tanques em Brasília, no dia em que o plenário analisa o voto impresso. O que isso representa?
R. Eu continuo achando isso. Bolsonaro, Chavez, Maduro [presidente da Venezuela], Lopez Obrador [presidente do México], Orbán [primeiro-ministro da Hungria], Modi [primeiro-ministro da Índia] são frutos da mesma árvore, do populismo autoritário. Se ele não for permanentemente contido e, de preferência, derrotado no ano que vem, o perigo continuará. Eu não sei qual a extensão do apoio que lhe dão as Forças Armadas. Chavez introduziu mudanças muito profundas: na formação, nas regras de promoção na carreira militar, no controle de seu serviço secreto sobre militares dissidentes. Até onde sabemos isso não aconteceu aqui. Por outro lado, a ocupação de posições de mando por militares se parece com o que o chavismo promoveu na Venezuela. E isso é ruim para as Forças Armadas e para a democracia. Só observo que golpe não depende apenas da iniciativa e participação dos militares. No passado, ele ocorreu com grande mobilização de setores da população que foram às ruas em número bem maior do que o pessoal das motociatas, dependeu do apoio da grande imprensa, de uma parcela importante dos políticos, das elites empresariais, de apoio internacional. Parece-me que a situação hoje não é essa.
P. Como vê o aparecimento de tantos líderes populistas?
R. O populismo autoritário está instalado hoje em muitos países grandes de desenvolvimento médio que, para além de suas histórias muito diferentes, têm muita pobreza e muitas desigualdades: México, índia, Turquia, Venezuela. É algo que temos que levar em conta. As instituições são importantes, mas não são os únicos fatores a considerar. Líderes populistas tiram força do desencanto dos que não veem sua vida melhorar significativamente sob a democracia, dos que não acreditam que as instituições democráticas possam fazer diferença para pessoas como elas, dos que descreem de partidos, daqueles para os quais as liberdades e direitos são palavras sem significado concreto, no seu dia a dia.
P. Enxerga alguma legitimidade na desconfiança com as urnas eletrônicas?
R. Tenho uma visão menos negativa. Esse foi o Congresso mais fragmentado e, provavelmente, o mais direitista que o Brasil já teve. Se tomarmos isso em consideração, poderia ser bem pior. Não vejo como não colocar na pauta a proposta do voto impresso. Se o presidente não conseguir aprovar, a derrota será gigantesca. Deixará Bolsonaro sem chão e sem bandeira.
P. Já com relação ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), ele vem fazendo falas mais contundentes contra Bolsonaro, mas até agora não indicou algum instrumento para frear o presidente. Como avalia o papel dele na crise?
R. Lideres da Câmara e do Senado são lideranças importantes, para coordenar decisões, mas tem que tomar em consideração as forças existentes nas casas que presidem. Essa é uma legislatura na qual a direita é forte e nenhum partido é grande o suficiente para se impor aos outros.
Foto PAUL RATJE/AFP. Agente do órgão americano de Alfândega e Controle de Fronteira patrulha área no Texas pela qual costumam passar imigrantes sem documentação
O Brasil já é a sétima origem mais frequente de migrantes sem visto, à frente de Cuba e Venezuela
por Mariana Sanches /BBC News
- - -
Apenas em maio e junho de 2021, 2.857 bebês e crianças brasileiros com até 6 anos de idade atravessaram irregularmente a fronteira dos Estados Unidos com o México e acabaram detidas pelo serviço de migração.
Esses dados inéditos do órgão americano de Alfândega e Controle de Fronteira, obtidos pela BBC News Brasil, apontam que o total de menores de 6 anos apreendidos por agentes americanos em apenas dois meses já supera todo o acumulado dos 7 meses anteriores.
Destas 2.857 crianças, 12 entraram no país sem a companhia dos pais ou de algum responsável legal por elas e, no momento do encontro com autoridades americanas, foram mantidas temporariamente sob custódia do governo do democrata Joe Biden.
Uma delas é o bebê João*, de um ano e meio, cuja história a BBC News Brasil contou em detalhes há uma semana. João passou mais de um mês em um lar temporário no Estado da Virgínia depois que foi encontrado na companhia dos avós, encaminhados para deportação. A mãe dele, que conseguiu acesso aos EUA depois de atravessar a fronteira com seu outro filho adolescente, precisou comprovar não ter antecedentes criminais no Brasil para poder se reunir ao bebê. Agora, eles esperarão em território americano pelo desfecho de seu processo na Justiça migratória.
Os números da imigração brasileira irregular têm crescido a cada mês, e atraído atenção crescente do serviço migratório americano. O país já é a sétima origem mais frequente de migrantes sem visto, à frente de Cuba, Haiti, Nicarágua, Colômbia e Venezuela, países que vivem intensas crises domésticas e com histórico de remeter grandes quantidades de população ao território americano. A cifra de brasileiros detidos em 2021 ao avançar pela fronteira dos EUA sem visto (29,5 mil) é o recorde registrado em toda a série histórica, que mede tais movimentos por nacionalidade desde 2007. Há 10 anos, em 2011, apenas 472 brasileiros foram detidos na mesma condição.
A esmagadora maioria das quase 4.867 crianças de até 6 anos que chegaram dessa forma aos EUA desde outubro passado estava acompanhada dos pais. O mesmo vale para as outras 1.297 crianças brasileiras entre 7 e 9 anos e os 2.585 pré-adolescentes e adolescentes entre 10 e 17 anos que, igualmente, fizeram o trajeto no período. É o que as autoridades americanas chamam de unidades familiares: ⅔ dos quase 30 mil brasileiros já detidos pela imigração em 2021 estavam em famílias nucleares, o que inclui pais e filhos.
Essa configuração tem a ver com uma estratégia estimulada pelos coiotes, como são chamados os operadores dessas rotas ilegais. Eles incentivam a prática do "cai-cai": ou seja, a viagem de migrantes sem visto com seus filhos menores de idade para garantir que os adultos não sofram deportação imediata na chegada aos EUA, quando se apresentarem às autoridades locais.
"Acompanhei o caso recente de um homem que juntou os US$ 12 mil cobrados por um coiote e ficou furioso quando a mãe de sua filha, com quem não era casado, não aceitou que a menina de 15 anos o acompanhasse na jornada pelo México. Ele dizia que para fazer um 'investimento' tão alto, precisava ter a certeza de que não seria deportado. E isso só seria possível com a presença da adolescente, que não seria deportada nem separada de seu pai", relata a socióloga Sueli Siqueira, especialista em migração de brasileiros para os EUA da Universidade do Vale do Rio Doce.
Estratégia 'cai-cai'
Tanto autoridades brasileiras quanto americanas ouvidas pela reportagem afirmam que a estratégia "cai-cai" havia sido praticamente abandonada durante a gestão Trump, quando o então presidente republicano adotou práticas como a separação entre pais e filhos, a deportação sumária de menores de idade e a obrigatoriedade de esperar pela resposta ao pedido de asilo em território mexicano.
Famílias latino-americanas continuam contratando 'coiotes' para chegar aos EUA, em viagens arriscadas
Mas todas essas medidas restritivas foram revistas e, parcial ou totalmente, abolidas ainda na gestão Trump ou já no governo Biden, o que levou à retomada do "cai-cai".
Eleito sob a promessa de tornar o sistema de migração "mais humano" e de criar um caminho de obtenção de cidadania para 11 milhões de migrantes que já vivem no país sem documentos, Biden tem encarado uma crise no assunto, com a chegada de quase 1,3 milhão de pessoas pela fronteira apenas em 2021. Dessas, 95 mil eram menores de idade sem os pais ou responsáveis.
O volume levou o atual presidente a designar a vice para gerir o problema. Em visita recente à Guatemala, Kamala Harris foi clara: "Não venham (aos Estados Unidos)".
É improvável, no entanto, que o apelo tenha efeito sobre os latino-americanos que querem tentar a vida nos EUA agora. Afundada em um misto de crise econômica e descontrole pandêmico, a região vive uma espécie de nova década perdida, que lembra os anos 1980. Não por acaso, foi nesse período que a primeira grande onda de migrantes brasileiros chegou aos EUA, em fuga do desemprego e da inflação alta. Agora, de acordo com o IBGE, o desemprego no Brasil se aproxima dos 15% e a inflação tem mostrado força especialmente em itens básicos, como alimentos.
Para a socióloga Sueli Siqueira, a "desesperança com a política e a economia do Brasil" e a "crença de que Biden vá tornar mais fácil a vida de quem vem de fora" têm alimentado o fluxo de brasileiros, que deve se manter alto ainda por muitos meses.
Ela nota ainda que as características dessa migração - majoritariamente em família - também indicam que essas pessoas estão tentando uma mudança definitiva de país, um reassentamento e recomeço de vida, e não apenas trabalhar ganhando em dólares por algumas temporadas para depois regressar ao Brasil.
Esqueça tanques e armas. As guerras do século 21 são feitas com tribunais e juízes. O ataque a inimigos políticos pela lawfare mostrou-se efetivo na Argentina, no Brasil e no Equador. Agora, o alvo é López Obrador, no México. Conseguirá resistir?
A guerra não se faz somente com armas, mas também com a lei. Na América Latina, o warfare é feito, cada vez mais, por meio do lawfare, onde se utilizam as cortes e os tribunais para eliminar os adversários políticos.
Faz alguns dias, o jornalista Glenn Greenwald e a equipe do The InterceptBrasil divulgaram o que sempre suspeitávamos: o senhor Sérgio Moro serviu como juiz e acusador no julgamento contra Luiz Inácio Lula da Silva por supostos atos de corrupção.
Como juiz, Moro teria que manter-se autônomo e independente, mas, na verdade, instruía, ensinava e assessora o advogado Deltan Dallagnol, promotor do caso. Atuou em consigna para colocar Lula na prisão e, assim, tirá-lo da disputa presidencial.
E, como prêmio pelo seu exitoso lawfare, Jair Bolsonaro nomeou Moro como seu ministro de Justiça imediatamente depois das eleições presidenciais. Mais claro que isso, impossível!
O coronel estadunidense Charles Dunlap foi quem fez a melhor definição de lawfare: “um método de guerra não convencional em que a lei é usada como um meio para se conseguir um objetivo militar”.
Isso também está acontecendo no Equador. O presidente Rafael Correa está refugiado em Bruxelas porque o governo do atual presidente, Lenín Moreno, o acusou falsamente de orquestrar, durante seu mandato, o sequestro de um jornalista na Colômbia.
O vice-presidente de Correa, Jorge Glas, já está recluso na prisão e o antigo chanceler de Correa, Ricardo Patiño, teve que abandonar o país para evitar a mesma perseguição política e judicial.
Cristiana Kirchner também se encontra sob permanente perseguição judicial na Argentina. O objetivo é tirá-la do caminho para a Casa Rosada, que concorre ao lado de Alberto Fernández nas eleições presidenciais de outubro desse ano.
No México, a oposição autoritária também já prepara seus batalhões para promover o lawfarecontra o governo de Andrés Manuel López Obrador
A primeira tentativa foi a série de processos e impugnações contra a construção do novo aeroporto de Santa Lucía.
Agora resulta que aquelas que mais atacavam López Obrador por cancelar as obras de Texcoco [projeto que era grande aposta do governo do ex-presidente Enrique Peña Nieto, rechaçado por referendo popular] querem também cancelar as de Santa Lucía!
Mas o México não necessitava “modernizar” sua infraestrutura e “abrir-se” ao mundo?
A agenda é clara. Não se busca defender o meio ambiente ou o povo de Santa Lucía, mas, simplesmente, bloquear, por meio da via judicial, qualquer projeto de López Obrador.
Os adversários estão zangados pelo cancelamento de sua rede de corrupção em Texcoco e querem separar-se e derrotar o presidente mexicano a qualquer preço.
Felizmente, López Obrador já tem uma longa experiência nessa modalidade de batalha e já saiu vitorioso em todas, incluindo o caso de Paraje San Juan em 2003 [quando netos de um suposto proprietário de um prédio da capital exigiam do governador indenização pela utilização do imóvel. Comprovou-se, mais tarde, que o “avó” nunca havia existido] e o ultraje de 2005, quando exercia o cargo de chefe de governo do Distrito Federal.
Mas o presidente necessitará do apoio de seu povo para se vencer essas batalhas que se aproximam. Abram os olhos e lembrem que a lei não é sempre neutra, mas muitas vezes utilizada com os fins mais mesquinhos.
O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, está em disputa com a Suprema Corte - a mais alta instância do Judiciário do país. O motivo é a lei e promessa de campanha de Obrador de diminuir os salários de todos os servidores públicos.
López Obrador acusou os juízes de cuidar de suas próprias carteiras e de não entender a "nova realidade" que seu governo representa.
"Eles próprios decidem que vão continuar recebendo salários exagerados e estratosféricos — salários de até 600 mil pesos (US$ 29 mil) por mês — aqueles que concedem justiça", reclamou o mandatário mexicano neste sábado (8), antes de repetir um de seus mantras favoritos: "Não pode haver um governo rico com um povo pobre."
O congelamento coloca em xeque os planos orçamentários do governo para 2019, que devem ser apresentados em 15 de dezembro
Cumprindo promessa de campanha, López Obrador cortou seu próprio salário em 40%, para 108 mil pesos mensais, cerca de US$ 5,3 mil. Também foi aprovada uma nova lei com teto salarial para o funcionalismo: ninguém deve receber mais que o presidente.
No entanto, senadores da oposição entraram com uma ação contra a decisão, alegando que ela violava os direitos dos funcionários públicos.
A Suprema Corte acatou, mas a medida é liminar até que uma decisão definitiva seja tomada.
A disputa deve alimentar tensões entre o Congresso e a Suprema Corte, que alguns defensores da lei acusam de ter interesse em proteger os salários de seus membros.
López Obrador foi eleito com votação expressiva e tem maioria no Congresso e no Senado — algo inédito no México desde 1997.
JÁ PENSOU O BRASIL MANDAR 10 ESCRITORES PARA UMA FEIRA DE LIVRO? PORTUGAL TÁ MANDANDO 40. NO BRASIL É MAIS FÁCIL UM PRESIDENTE ANALFA FECHAR O MINISTÉRIO DA CULTURA E ENTREGAR A CHAVE AO TRUMP.
O BRASIL TÁ FECHANDO EDITORAS, LIVRARIAS E BIBLIOTECAS. COMEÇOU O FRIO GOVERNO DO FORNO E DAS TREVAS. E DAS ESCOLAS SEM PARTIDO. ISTO É, DE UM ÚNICO LIVRO, ESCRITO PELA BANCADA EVANGÉLICA, SOLETRADO PELA BANCADA DO BOI E GUARDADO PELO BANCADA DA BALA
Convidado de honra na FIL de Guadalajara, Portugal está a marcar presença com uma embaixada de 40 escritores, mas para lá dos esforços de promoção do país como marca, a cultura parece cada vez mais uma forma de facilitar negócios
por Diogo Vaz Pinto
---
Quarenta soa a batalhão. Parece mais até do que se tivessem abalado daqui uns cem. A fanfarra não soaria mais alto, nem faria tremer mais o chão da língua. São 40 os escritores que integram a embaixada que Portugal levou para o México, com a comissária da participação portuguesa na Feira Internacional do Livro de Guadalajara (FIL), Manuela Júdice, a assumir que buscou “trabalhar a diversidade”. Tendo recebido instruções para dar especial enfoque ao policial e à crónica, a incluir tanto prosadores quanto poetas, mantendo também o equilíbrio entre idade e géneros, a primeira e mais gritante falha na “antologia” de presenças que elaborou é o ter deixado de fora a juventude. Note-se que, entre os convocados de Júdice, os mais jovens estão nos quarenta anos ou a meses disso (Filipa Leal, Inês Fonseca Santos e Vasco Gato). Talvez isto decorra de uma aversão ao risco que, em si mesma, tão bem caracteriza o próprio meio literário, e que passa até pela incompreensão do sentido da palavra ‘juventude’, de como esta encarna uma atitude herética, em rebelião contra a palavra ‘experiência’. Para Benjamin, de resto, “só dela [da juventude] pode irradiar um espírito novo, ou seja, o espírito”. Mas adiante.
A tenda de campanha montada em Guadalajara – a terceira maior cidade do México –, conta com 1200 metros quadrados, mas o que a valoriza é sobretudo a sua posição estratégica no terreno, por se situar à entrada da Expo Guadalajara. Se em 2013, quando foi o país convidado da Feira do Livro de Bogotá (Colômbia), Portugal contou com um pavilhão de 3000 metros quadrados, a maior vantagem de se ser o convidado de honra em Guadalajara é o facto de ser este o maior certame aberto e dirigido ao grande público (só ficando em segundo lugar face à feira de Frankfurt, que se dirige apenas aos profissionais do sector) e de o pavilhão português ser de passagem obrigatória para os cerca de 100 mil visitantes que diariamente percorrem o salão de 34 mil metros quadrados. Ali, além do intenso programa do festival literário, a feira conta com a presença de mais de 20 mil profissionais do livro, duas mil editoras e mais de 40 mil títulos.
Num decisivo contraste com a forma como a comissária avocou os poderes de definição sobre a constelação literária que quis levar a Guadalajara, cinco gabinetes de arquitetura foram convidados a apresentar propostas para o pavilhão português, tendo-se imposto a do atelier Santa Rita & Associados uma vez que, segundo Manuela Júdice, foi a que melhor solução apresentou para que “as pessoas entrassem e nos viessem visitar sem perturbar a circulação da entrada na feira”. A comissária adiantou ao jornal “Público” que “não é preciso dar a volta ao pavilhão” já que este “tem amplitude suficiente para ser local de passagem”. E refere que, “uma vez lá dentro, temos de ser suficientemente atrativos para convencer os visitantes a ficarem. O pavilhão é permeável, mas tentámos criar espaços com conteúdos que funcionem como íman.” Quanto à representação dos órgãos de imprensa, esta resultou de convites endereçados, em alguns casos a organismos, noutros feitos diretamente a certos jornalistas. Aparte isso, o comissariado não promoveu qualquer outra ação em que os jornalistas tenham sido informados sobre esta iniciativa pública que chegou a ter um orçamento previsto de 2,5 milhões de euros. No final, gastaram-se 1,8 milhões, dos quais apenas 340 mil euros correspondem a contribuições de privados.
Quando o plano de ataque foi anunciado, estava já em execução. Em fundo, nem os grilos se ouviam. Não houve qualquer margem dada à dissensão, e, à chegada a Guadalajara, a recém-empossada Ministra da Cultura, Graça Fonseca, gabou a riqueza que as novas gerações trazem à nossa cultura, afirmando que “a imagem que conseguimos passar com este programa é que Portugal é uma potência cultural e deve ser olhado assim”. Mas se todos os responsáveis enfatizaram a enorme oportunidade que este destaque representa para o nosso país, uma vez mais se comprovou a condição anémica no âmbito da cultura, e que, por oportunismos vários, continua a ser cúmplice desta lógica de facto consumado, e a opacidade com que são tomadas decisões de fundo sem qualquer discussão, abafando toda a discórdia. Por esta razão, se a comissária veio congratular-se pela centena de novas traduções de autores portugueses a apresentar ou lançar ao longo da feira, é triste constatar que o país se apresenta numa frente unida, com os escritores arregimentados para uma campanha que, no seu desmedido ensejo promocional, dá deles a imagem de generais sem nenhuma estratégia quanto à conquista dos céus, por se ocuparem desde tempos imemoriais na diplomática disputa dos bons lugares terrenos nos quais se vão revezando. É curioso, aliás, notar como, já bem entrados no século XXI, e aparte as pontuais e pequenas quezílias de egos, não se desenham hoje oposições dramáticas entre aqueles que sempre são chamados a representar o país quando se olha ao espelho ou quando se vai mostrar lá fora.
Neste ponto, e retirando benefício desta aproximação à cultura mexicana, talvez nos possamos valer das palavras de Octavio Paz, o único Nobel da Literatura daquele país, e que no ensaio “Poesia, Sociedade, Estado” nos lembra que “não seria difícil mostrar que onde o poder invade todas as atividades humanas, a arte tem tendência a elanguescer ou transforma-se numa atividade servil e maquinal”. A censura pode exercer-se de diversos modos, e esta democracia que à cabeça de tudo coloca os valores económicos, tornou-se perita em vencer pela fadiga a ação crítica, assim nos surge esta visão filistina da cultura como facilitadora das relações económicas entre os dois países, ao ponto de Júdice afirmar que “o livro é a porta de entrada para o vinho, o azeite e muitos outros setores” no México.
O poeta e ensaísta mexicano que, depois da tardia descoberta da obra de Fernando Pessoa, veio a assumir que, entre os seus encontros imaginários, este foi um dos mais profundos, teve um papel decisivo na divulgação de Fernando Pessoa no universo da língua espanhola, dedicando-lhe dois ensaios e traduzindo mais de 50 poemas. E Paz não foi menos preclaro na hora de estudar a forma como “o poder imobiliza, fixa num só gesto – grandioso, terrível ou teatral e, no final, simplesmente monótono – a verdade da vida (...) Assim, o Estado pode impor uma visão do mundo, impedir que brotem outras e exterminar aquelas que lhe fazem sombra, mas carece de fecundidade para criar uma. E o mesmo se verifica a respeito da arte: o Estado não a cria, e dificilmente pode impulsioná-la sem a corromper e, mais frequentemente, apenas trata de se servir dela, deformando-a, sufocando-a ou convertendo-a em máscara”.
Esta es una exhortación piadosa porque no es nada seguro que la oligarquía, que se siente diosa y toma por lo tanto lo que es de Dios y, además, todo lo ajeno, le ceda el gobierno al Peje. En efecto, si bien es cierto que un ala de la clase dominante piensa que lo mejor para ella –no para los mexicanos– sería un gobierno amoroso capaz de domar al temible tigre de la movilización popular, el fraude sigue estando en el aire y, con él, la seguridad de que habrá más represión. Es mejor, por consiguiente, no confiar en el poder mágico de un boletín de voto y, en cambio, depender de lo que uno mismo esté dispuesto a hacer junto con sus compañeros y con todos los demócratas y explotados de México para que esa oligarquía largue el botín del gobierno y para que un eventual Pejegobierno tenga un poco de poder y no dependa de sus apadrinadores de la derecha.
Porque llegar al gobierno (sobre todo si por una opción contemporizadora de un sector de la clase dominante) no otorga más que la sombra del poder, que sigue estando en manos de sus dueños: las trasnacionales y el gran capital nacional entrelazado con ellas. El poder se disputa y sólo se gana cambiando la relación de fuerzas entre las clases, con la lucha y en las calles y el territorio y, al mismo tiempo, se construye durante ese combate. Las elecciones son sólo un termómetro que mide la temperatura de la sociedad. Un éxito electoral, cuando mucho, puede demostrar a los votantes del vencedor la magnitud del apoyo que éste ha recibido y elevar su moral, lo cual no es poco, pero de ninguna manera es suficiente para disputar el poder y realizar reformas serias en la economía o en el Estado. Un termómetro no es un arma ni sirve para disputar nada y no puede combatir la enfermedad de México, que se llama dependencia semicolonial y capitalismo atrasado.
Morena no es un partido, sino una estructura vaga, informe y verticalista. No tiene ni ideología propia ni estructura propia de partido ni un funcionamiento interno democrático. Es un conglomerado de intereses y en él no predominan los sectores plebeyos (obreros, populares, campesinos, indígenas) ni los intelectuales socializantes, sino los Romo, los Moctezuma y la alianza amorosa con el PES, que se opone ardientemente a las mujeres en lucha contra el machismo y el patriarcado. Morena se plantea como futuro inmediato un gobierno cauto y sin movilizaciones para aplicar un programa similar al de Echeverría –que fracasó hace 50 años– pero más moderado sin tener en cuenta el reciente derrumbe de los progresismos latinoamericanos. Sin embargo, millones de personas votarán por ese Movimiento tomándose en serio lo de Renovación Nacional. Con la esperanza de evitar lo peor, mucha gente honesta y combativa quiere así convertir una formación política electoral y electoralista en un instrumento de transformación social. Esa contradicción es insostenible.
Porque es seguro que si le entregan el gobierno a Morena si logra la mayoría absoluta de los votos el 2 de julio comenzará una breve espera de los seguidores de AMLO que, aunque pedirán de inmediato algunas medidas importantes, le darán un poco de tiempo a su presidente para que, cual nuevo Hércules, empiece a limpiar los establos de Augías, pero también empezará un periodo durante el cual la oligarquía medirá al nuevo gobierno y verá si AMLO mantiene las riendas en su mano y si es capaz de domar al potro de las reivindicaciones populares.
Pero esa espera será corta. Los sectores populares pronto desatarán el paquete, verán qué es lo que éste realmente contiene, comprobarán que sus voces no llegan a Los Pinos y podrán medir a su vez las opiniones de los personajes y sectores reaccionarios que los votantes trabajadores de Morena quieren desplazar del gobierno y del poder. Entonces se reproducirá la situación actual, pero en condiciones aún peores porque una parte del electorado de Morena podría desmoralizarse perdiendo su potencial capacidad de protesta y caer en un apoliticismo anárquico o en la pasividad resignada, y la oligarquía, por su parte, comprobaría la debilidad del nuevo Francisco I. Madero y podría comenzar a organizar soluciones huertistas acicateada por la crisis que en México y en el mundo provocarán las medidas del fascista Donald Trump.
Para imponer que AMLO pueda asumir el gobierno y rechazar todo fraude, hay que empezar a aplicar desde el 2 de julio mismo y sin esperar nada ni a nadie algunas de las medidas más urgentes para reanimar la economía y acabar y con la miseria y la pobreza indignas que padecen la mayoría de los mexicanos. Para cortar de raíz cualquier asomo de claudicación de un aparato político que ha sido elegido para eso y para poder resistir los intentos golpistas contra el gobierno de AMLO, es necesario un frente entre los militantes más combativos de Morena, los anticapitalistas que apoyaron la candidatura de Marichuy y también un avance político del Concejo Indígena de Gobierno y del neozapatismo, pues las soluciones regionales o sectoriales (como los derechos de los pueblos indígenas) sólo serán posibles imponiendo un cambio general en la relación de fuerzas entre la reacción capitalista y sus víctimas.
– Sabe no que estou pensando, agora que estou indo embora? – perguntou Philip Marlowe a Raymond Chandler.
– Não faço a menor ideia – respondeu o escritor.
– No filme “Corações e mentes”, de Peter Davis, o documentário mais impressionante que já vi. Uma cena que nunca esqueci é a de um grupo de executivos vietnamitas, de paletó, gravata e pastas de luxo participando de uma reunião com executivos estadunidenses, discutindo não sei mais o quê.
– Não esqueceu por quê? – perguntou Chandler.
– O Vietnã estava atolado em violência e crueldade. A população era dizimada nos campos e nos arrozais por Napalm e, nas cidades, por granadas embutidas em bombas de bicicletas. Aviões disparavam contra qualquer alvo que se movesse: homens, mulheres, crianças, bois, cachorros, lagartos. E os executivos, como se aquilo não fosse com eles, bem vestidos e bem falantes, discutindo negócios com os ianques, numa grotesca demonstração de servilismo. Como se eles estivessem de quatro, abaixando as calças e implorando: “Me enraba”.
– E o que isso tem a ver com o Brasil? – perguntou o escritor.
– Tudo – respondeu amargamente Marlowe. – Absolutamente tudo. Talvez nunca chegue a um Vietnã, o Brasil, quero dizer, porque os brasileiros não têm colhões para enfrentar grandes dificuldades. Se gastam em falatórios, discursos e panfletos, como se todos fossem intelectuais metidos em gabinetes assépticos. Nem a violência chegará a proporções vietnamitas, porque sempre haverá a canalha que apela para soluções menos drásticas, porém igualmente trágicas: golpes secundários dentro do golpe primário, a eterna ameaça de intervenção militar, liquidação sistemática de pobres e negros, eleições indiretas à espreita... Sabe por que estou achando ótimo ir embora?
– Por quê? – indagou Chandler.
– Porque, em tão pouco tempo de Brasil, descobri que é mais ou menos como o México, a Colômbia e o Paraguai: eternos paraísos de elites corruptas. E com a elite se vendendo como a elite vietnamita antes que ser apeada do poder.
MARLOWE SE DESPEDE
Depois de ligar para o escritor para que o buscasse, já que era personagem e não tinha autonomia, o detetive particular tivera tempo de pensar e concluir.
Pensou nos canalhas que o haviam contratado: Amnércio Neves, Joseph Serrote, Ednardo Cunha e Sérgio Cabreiro. O objetivo, não custa repetir, era assaltar o Banco Central. Os desdobramentos, contudo, foram tantos que a tarefa nem chegou a ser definida com precisão. Amnércio e Serrote, oportunistas como eram, tinham encolhido, encolhido, encolhido – até sumir na sombra. Será que ao menos eram cumprimentados pelos vizinhos? Talvez não. Calhordas desse tipo fedem tanto que afastam as pessoas com um mínimo de decência. Os dois restantes estavam presos e, até onde podia imaginar, continuariam presos, com longas penas a cumprir.
Lembrou a quantidade de cocaína e outras drogas que rolava nos gabinetes que frequentou. As bacanais que enchiam as noites de congressistas, ministros e ricaços de todo o país. As fortunas que desapareciam em malas, apartamentos, paraísos fiscais, contas forjadas, empresas fantasmas.
E o judiciário sempre com dois pesos e duas medidas, prendendo e condenando sem provas, ou com provas plantadas. Os motivos eram óbvios: ninguém chega a procurador ou ministro de tribunal sem costas largas, sem família rica, sem berço de ouro, sem ancestrais importantes. Ou raríssimos chegam. O importante, então, é manter as 200 famílias reinantes reinando. Grimpadas lá em cima. Dividindo o espólio. Garantindo as heranças. O resto que se foda.
MARLOWE VAI EMBORA
Pela janela do avião o detetive viu a floresta lá embaixo. Que coisa maravilhosa! Que riqueza inestimável! E tudo vendido a preço de banana.
“Prefiro mil vezes”, pensou, “enfrentar o baixo mundo de Los Angeles, aqueles mafiosos duros matando e morrendo, do que os canalhas brasileiros, pequenos filhos da puta, sem um pingo de coragem, capazes apenas de rapinar e acumular”.
A seu lado Raymond Chandler ressonava.
Marlowe suspirou, recostou-se na poltrona e se deixou embalar pelos ruídos das turbinas e pelos movimentos dos comissários de bordo.
Ah, como era bom deixar de lado toda aquela sujeira, toda aquela podridão, toda aquela canalhice, para a qual não via solução.
Cansado, abriu o livro que estava lendo nos últimos dias, o delirante “2666”, do chileno Roberto Bolaño. O trecho que releu era sobre os pobres do México.
“Experimentaram o que era estar num purgatório, uma longa espera inerme, uma espera cuja coluna vertebral era o desamparo, coisa muito latino-americana, aliás, uma sensação familiar, uma coisa que se você pensasse bem experimentava todos os dias, mas sem angústia, sem a sombra da morte sobrevoando o bairro como um bando de urubus e espessando tudo, subvertendo a rotina de tudo, pondo todas as coisas de pernas para o ar.”
– O Brasil é isso – disse Marlowe.
– Que foi que disse? – perguntou Chandler acordando.
– Que o Brasil é um país de ficção devorado lentamente por urubus.