Nos últimos tempos descobri um padrão interessante. Sempre que uso o Twitter para criticar Jair Bolsonaro e os filhos dele e/ou ridicularizar os generais milicianos que atacam o TSE e pretendem dar um golpe de estado eu recebo ligações que minha operadora identifica como Spam. Minha conta de Twitter já foi bloqueada 2 vezes, obrigando-me a recorrer ao poder Judiciário.
Ontem, ao ler uma matéria do jornalista Luis Nassif https://jornalggn.com.br/politica/xadrez-de-como-sera-o-golpe-da-urna-eletronica-por-luis-nassif/ percebi que o padrão referido acima pode não ser uma coincidência e sim uma estratégia deliberada utilizada pelo GSI e por Carlos Bolsonaro para me punir e intimidar. Os arquitetos do golpe de estado querem controlar o mercado de opinião e impedir qualquer tipo de reação dos defensores do regime democrático. Ambos estão em condições de utilizar recursos tecnológicos que não estão à disposição dos cidadãos brasileiros.
Dois precedentes do STF tutelam de maneira ampla a liberdade de expressão:
3. A liberdade de expressão desfruta de uma posição preferencial no Estado democrático brasileiro, por ser uma pré-condição para o exercício esclarecido dos demais direitos e liberdades.
4. Eventual uso abusivo da liberdade de expressão deve ser reparado, preferencialmente, por meio de retificação, direito de resposta ou indenização. Ao determinar a retirada de matéria jornalística de sítio eletrônico de meio de comunicação, a decisão reclamada violou essa orientação. (Rcl 22328 / RJ – RIO DE JANEIRO, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Julgamento: 06/03/2018, Publicação: 10/05/2018, Órgão julgador: Primeira Turma)
1. A Democracia não existirá e a livre participação política não florescerá onde a liberdade de expressão for ceifada, pois esta constitui condição essencial ao pluralismo de ideias, que por sua vez é um valor estruturante para o salutar funcionamento do sistema democrático. 2. A livre discussão, a ampla participação política e o princípio democrático estão interligados com a liberdade de expressão, tendo por objeto não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos na vida coletiva. (ADI 4451, Órgão julgador: Tribunal Pleno, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAE, Julgamento: 21/06/2018, Publicação: 06/03/2019)
Com base nesses precedentes reuni as informações necessárias e protocolei uma Reclamação Constitucional no STF. Enquanto for possível, precisamos lutar em defesa da liberdade de expressão. Na ditadura miliciano-militar que estão querendo criar todos terão apenas o direito de ficar calados.
Nesses momentos de tentativa de volta ao regime militar, é importante que não se esqueça, para que não se repita. Tortura e morte de presos políticos nunca mais. Os presidentes assassinos
Recebo de leitor o Memorando do Diretor da CIA ao Secretário de Estado, Henry Kissinger. É documento de 11 de abril de 1974, que já foi divulgado alguns anos atrás pelo pesquisador Matias Spector.
O memorando descreve uma conversa do já então presidente Ernesto Geisel com o general Milton Tavares de Souza e o general Confúcio Danton de Paula Avelino.
O general Milton narra os métodos extra-legais adotados no período Médici, e informa que 104 pessoas haviam sido sumariamente executadas no ano anterior.
Pede autorização para prosseguir com os assassinatos.
No dia 1o de abril, Geisel autoriza Figueiredo a prosseguir com as execuções, tomando cuidado para que apenas “subversivos perigosos” fossem executados.
Nesses momentos de tentativa de volta ao regime militar, é importante que não se esqueça, para que não de repita.
Decisão do presidente brasileiro Ernesto Geisel de continuar a execução sumária de subversivos perigosos sob certas condições
1. [1 parágrafo (7 linhas) não desclassificado]
2. Em 30 de março de 1974, o presidente brasileiro Ernesto Geisel se reuniu com o general Milton Tavares de Souza (chamado General Milton) e o general Confucio Danton de Paula Avelino, respectivamente, os chefes cessantes e de entrada do Centro de Inteligência do Exército (CIE). Também esteve presente o General João Baptista Figueiredo, Chefe do Serviço Nacional de Inteligência (SNI).
3. O general Milton, que fez a maior parte da conversa, descreveu o trabalho do CIE contra o alvo subversivo interno durante a administração do ex-presidente Emilio Garrastazu Médici. Ele enfatizou que o Brasil não pode ignorar a ameaça subversiva e terrorista, e disse que métodos extralegais devem continuar a ser empregados contra subversivos perigosos. A este respeito, o General Milton disse que cerca de 104 pessoas nesta categoria foram sumariamente executadas pelo CIE durante o ano passado. Figueiredo apoiou essa política e pediu sua continuação.
4. O presidente, que comentou sobre a seriedade e os aspectos potencialmente prejudiciais dessa política, disse que queria refletir sobre o assunto durante o fim de semana antes de chegar a qualquer decisão sobre [Página 279] se ela deveria continuar. Em 1o de abril, o presidente Geisel disse ao general Figueiredo que a política deveria continuar, mas que deve-se tomar muito cuidado para garantir que apenas subversivos perigosos fossem executados. O Presidente e o General Figueiredo concordaram que, quando o CIE prender uma pessoa que possa se enquadrar nessa categoria, o chefe do CIE consultará o General Figueiredo, cuja aprovação deve ser dada antes que a pessoa seja executada. O presidente e o general Figueiredo também concordaram que o CIE deve dedicar quase todo o seu esforço à subversão interna, e que o esforço geral do CIE deve ser coordenado pelo General Figueiredo.
5. [1 parágrafo (121⁄2 linhas) não desclassificado]
6. Uma cópia deste memorando está sendo disponibilizada ao Secretário de Estado Adjunto para Assuntos Interamericanos. [11⁄2 linhas não desclassificadas] Nenhuma outra distribuição está sendo feita.
W.E. Colby
Resumo: Colby informou que o presidente Geisel planejava continuar a política de Médici de usar meios extra legais contra subversivos, mas limitaria as execuções aos subversivos e terroristas mais perigosos.
Fonte: Agência Central de Inteligência, Escritório do Diretor da Central de Inteligência, Trabalho 80M01048A: Arquivos de Assunto, Caixa 1, Pasta 29: B-10: Brasil. Segredo; [resta de manuseio não desclassificada]. De acordo com uma notação carimbada, David H. Blee assinou com Colby. Elaborado por Phillips, [nomes não desclassificados] em 9 de abril. A linha para a concordância do Diretor Adjunto de Operações está em branco.
“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente.
No evento, a mãe de Marielle Franco descrevendo a filha, sua força, suas convicções. É em um evento preliminar do Fórum Econômico Social. Fala da angústia de não chegar nos mandantes. Todo dia ela amanhece se perguntando até quando ocultarão os mandantes do crime.
Com acréscimos, para deixar mais claro
Peça 1 – o Google de Ronnie Lessa
Quando identificado como o executor de Marielle Franco, houve busca e apreensão na casa de Ronnie Lessa, vizinho de Jair Bolsonaro. Na primeira vistoria em seu notebook, os policiais chegaram ao mote do crime. Havia um histórico de pesquisas no Google buscando políticos que eram contra a intervenção militar no Rio de Janeiro. As buscas foram dar em vários mas, especialmente, em Marielle Franco, a maior crítica.
A chave do mistério estava aí.
A troco de quê milicianos se interessariam por política, a ponto de investigar políticos que eram contra a intervenção?
Peça 2 – o pacto Temer-Forças Armadas
Com a posse de Michel Temer, houve uma aproximação com os militares coordenada por Raul Jungman e Alexandre de Moraes.
Na época, houve um pacto com Forças Armadas, Supremo e tudo visando garantir eleições – com Lula preso. A maneira de introduzir as FFAAs no jogo político foi através da Operação Garantia de Lei e Ordem no Rio de Janeiro, com o comando sendo exercido pelo general Braga Netto.
Não havia nenhuma justificativa para dois pontos centrais. Primeiro, o álibi da segurança nacional. Por mais que o Rio estivesse imerso em caos, nem de longe se poderia falar em ameaça à segurança nacional. Segundo, o fato do comando ter sido entregue a um general, afrontando a própria Constituição – que determinava claramente que o comando de qualquer GLO deveria ser civil.
Peça 3 – os que eram contra as eleições
Em setembro de 2017, o então presidente do Clube Militar, general da reserva Hamilton Mourão, mostrou-se contra as eleições e defendeu intervenção militar.
Em palestra na Loja Maçônica, Mourão ameaçou: “Ou as instituições solucionam o problema político”, retirando da vida pública políticos envolvidos em corrupção, ou então o Exército terá que impor isso”.
Disse mais: “Então no presente momento, o que que nós vislumbramos, os Poderes terão que buscar a solução. Se não conseguirem, né, chegará a hora que nós teremos que impor uma solução. E essa imposição ela não será fácil, ele trará problemas, podem ter certeza disso aí”.
O então deputado Jair Bolsonaro foi mais enfático. Disse que o modelo de intervenção federal determinada por Michel Temer se presta a “servir esse bando de vagabundos” – ou seja, aos membros do governo. Disse que a decisão foi tomada “dentro de um gabinete” e não consultou as Forças Armadas. “Nosso lado não está satisfeito. Estamos aqui para servir à pátria, não para servir esse bando de vagabundos”
Disse mais: “É uma intervenção política que ele [Temer] está fazendo. Ele, agora, está sentado, tranquilo, deitado. Se der certo –vou torcer para que dê certo–, [mérito] dele. Se der errado, joga no colo das Forças Armadas”.
Ou seja, ambos eram vigorosamente contra a GLO, a intervenção no Rio de Janeiro, por entender que era uma maneira de cooptar as Forças Armadas para garantir o grupo de Temer, em eleições em Lula. [Continua]
Nesta semana, quando o apreço pela ideia de civilização ainda se recuperava da declaração cretina do vice-presidente Hamilton Mourão, debochando da descoberta de 10 mil horas de sessões do Superior Tribunal Militar (STM) onde os próprios ministros reconhecem a prática da tortura durante a ditadura militar, inclusive em mulheres grávidas, outro personagem medalhado, o presidente atual do STM, resolveu pontificar.
“Não estragou a Páscoa de ninguém”, foi o pitaco do general Luis Carlos Gomes Mattos sobre a tortura. O que faz pensar que, naquele tempo de escuridão, decepar seios de mulheres, enfiar-lhes baratas na vagina ou violá-las com cassetetes não deve ter estragado nenhuma das 21 páscoas dos generais e muito menos a dos torturadores, diversos deles premiados com a inacreditável Medalha do Pacificador.
Foi numa semana da Páscoa de 1971, que Devanir José de Carvalho foi torturado até a morte pelo delegado , o cão de caça dos porões depois do Ato Institucional no. 5. No mesmo mês, Joaquim Alencar de Seixas foi espancado até a morte. Poucos dias antes da Páscoa do ano seguinte, foi a vez de Antonio Marcos Pinto de Oliveira, Maria Regina Figueiredo, Ligia Maria Salgado Nóbrega e Wilton Ferreira serem torturados e/ou assassinados.
Fleury serial killer
Em 1974, num dia 3 de abril, quando as famílias aguardavam a Sexta-Feira Santa, o ex-oficial do exército, Walter de Souza Ribeiro, desapareceu em São Paulo. Nos anos 1950, Ribeiro fizera algo que provocaria sua expulsão da corporação: assinou um documento em favor da paz mundial, condenando as armas atômicas e manifestando-se contra o cogitado envio de tropas brasileiras para lutar na Coréia.
Se não abalou a Páscoa da caserna, a desaparição de Ribeiro por certo amargurou muitas páscoas de seus familiares. Ele continua desaparecido. Em 1992, o ex-sargento Marival Chaves do Canto declarou à revista Veja que Ribeiro foi capturado pelo DOI-Codi e conduzido para o Rio onde foi assassinado e teve o corpo esquartejado para ser enterrado em lugares diferentes e não ser identificado, como consta no Dossiê de Mortos e Desaparecidos Políticos a Partir de 1964, elaborado pela Comissão Especial que investigou o assunto.
Armada contra o regime apenas com o seu verbo e sua fúria, a estilista Zuleika Angel Jones sofreu um atentado na noite de 14 de abril de 1976. Havia cinco anos procurava seu filho Stuart Angel Jones. Stuart fora preso, torturado, amarrado e arrastado por um jipe na Base Aérea do Galeão e executado por agentes do governo. A ditadura urdiu para Zuzu Angel aquilo que, no jargão repressivo, ganhou o nome de “Código 12”: assassinato através da simulação de acidente ou assalto.
Naquela madrugada, o carro de Zuzu foi perseguido e abalroado por outro veículo e jogado numa ribanceira na estrada Lagoa-Barra, no Rio.
A Páscoa dos generais transcorreu dentro da mais completa normalidade.
Para o general do STM, as 10 mil horas são “notícia tendenciosa”, propositalmente ignorando que a “notícia tendenciosa” saiu da boca de generais que sentaram nas cadeiras onde assenta hoje o seu traseiro.
Mattos suspeita que, atrás de tudo, está a intenção de “atingir as Forças Armadas, o Exército, a Marinha, a Aeronáutica”. É um erro medonho o do general.
Não existe algo que mais atinja as Forças Armadas do que a vassalagem a um governo que tem a sua testa um personagem destinado à lata de lixo da história. Aliás, uma criatura que os próprios generais repudiaram no passado. Não existe algo que mais atinja as Forças Armadas do que dilapidar dinheiro público na compra de próteses penianas, viagra, botox e gel lubrificante íntimo.
Não é a História e sim a vergonha que deveria estragar a Páscoa dos generais.
A decisão do presidente Jair Bolsonaro em conceder o indulto individual ao deputado federal Daniel Silveira foi o maior erro que o mandatário brasileiro cometeu, na visão do jurista Lenio Streck.
“Para mim, esse é o maior erro que o presidente Bolsonaro cometeu ao dar esse indulto individual, ou a graça, do deputado”, disse Lenio, em entrevista exclusiva aoTV GGN Jurídicodesta sexta-feira (22/04).“Acho que o número de ações que já entraram no Supremo e as manifestações todas vão colocar, digamos, esse ponto até onde vai o Bolsonaro, e até onde vai o direito e o próprio Supremo”.
Para Streck, Bolsonaro pretende usar isso para outros amigos, como o presidente de honra do PTB Roberto Jefferson, conforme o sucesso ou insucesso da medida, o que abre “um perigoso caminho” jurídico.
“Eu diria que, assim, a democracia brasileira é a democracia do match point. A bola tá lá em cima, tá caindo para um lado, caindo para o outro. Dependendo da bola que cai, se cai pelo lado do Bolsonaro ele pode marcar um ponto, dependendo do outro lado ele pode sofrer sério prejuízo com isso”.
Neste caso, pode-se dizer que o Supremo está sozinho, pois o Parlamento brasileiro não tem se movido para ajudar a justiça.“De um lado, está o Bolsonaro e ainda o Parlamento ajudando a puxar (a corda), e do outro lado está o Supremo Tribunal, que hoje é muito mais criticado pelos seus acertos do que por seus erros”.
Até o momento, três ou quatro Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) pedindo a anulação do indulto de Silveira estão em andamento. Na visão de Lênio, essa parece ser a medida correta, lembrando da movimentação em andamento no próprio Parlamento.
“Existe uma possibilidade na própria Constituição de que alguns atos administrativos do presidente da República podem ser sustados pelo Parlamento – isso já aconteceu outras vezes, mas é raro acontecer do Parlamento sustar”, diz o jurista.
“Mas, primeiro, não tem maioria pro Parlamento fazer a sustação desse ato e, portanto, só resta o Supremo Tribunal para examinar essas ações, essas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental”, afirma Streck.“A esperança está nessa questão do Supremo Tribunal, como o Supremo Tribunal vai examinar isso, fazendo uma limpeza na área”.
Confira a entrevista completa de Lênio Streck na íntegra do especialTV GGN Jurídico. Clique abaixo e confira!
Em debate: Após o Supremo Tribunal Federal (STF) condenar o deputado federal Daniel Silveira a 8 anos de reclusão, além de inelegibilidade, por ataques aos ministros da Corte, o presidente Jair Bolsonaro decidiu assinar um decreto concedendo indulto (perdão presidencial) ao parlamentar bolsonarista. A medida tem sido considerada por alguns juristas como o mais grave ataque de Bolsonaro às instituições e à democracia. É de se perguntar: o que Bolsonaro pretende criar com esse indulto em pleno ano eleitoral? Para debater esse assunto, Luis Nassif, jornalista da TVGGN, recebe o colega Marcelo Auler, o jurista Lenio Streck e o professor de Direito Eduardo Appio.
1:30 Bolsonaro está testando seus poderes e demonstrando que ele é soberano. É uma continuidade do velho golpe. Há uma chance de acirramento da ditadura e deste estado de exceção
5:30 Daniel Silveira é o macho publicitário do bolsonarismo. Ele simboliza através do seu corpo, dos seus músculos e da sua desobediência a agressividade política. Ele faz a cena do brutamontes. Isso é um capital estético poderoso
13:00 Culto ao músculo é vazio. É um culto à força bruta e à violência. Fascistas cultuam a morte e se comprazem com a morte. E fazem o culto da masculinidade tóxica. Não por acaso, cresceu loucamente a violência doméstica e o feminicídio.
20:00 Este é um governo militar e Bolsonaro é seu espantalho.
22:00 Se Bolsonaro der demonstrações de fraqueza, ele perderá território. Vai vencer quem demonstrar mais força. As vítimas sempre perdem. Ainda há um mundo por destruir.
24:00 Os brasileiros estão tomados pelo pânico e não tomarão as ruas.
26:00 Se ele não for cancelado pelo STF, ficará maior do que já está. Para virar esta chave, o STF tem que prender Bolsonaro
31:00 Nenhum de nós tem certeza de que teremos eleições. É possível que não haja eleição. Talvez tenhamos que ir às ruas pedir Diretas Já
37:00 O povo não está disposto a sacrificar sua vida. Em nome de que? De qual democracia? Para que cuidar do País? A chance de desaparecermos como Nação é possível
43:00 Brasil corre o risco de virar uma ditadura escancarada
Nesta semana, quando o apreço pela ideia de civilização ainda se recuperava da declaração cretina do vice-presidente Hamilton Mourão, debochando da descoberta de 10 mil horas de sessões do Superior Tribunal Militar (STM) onde os próprios ministros reconhecem a prática da tortura durante a ditadura militar, inclusive em mulheres grávidas, outro personagem medalhado, o presidente atual do STM, resolveu pontificar.
“Não estragou a Páscoa de ninguém”, foi o pitaco do general Luis Carlos Gomes Mattos sobre a tortura. O que faz pensar que, naquele tempo de escuridão, decepar seios de mulheres, enfiar-lhes baratas na vagina ou violá-las com cassetetes não deve ter estragado nenhuma das 21 páscoas dos generais e muito menos a dos torturadores, diversos deles premiados com a inacreditável Medalha do Pacificador.
Foi numa semana da Páscoa de 1971, que Devanir José de Carvalho foi torturado até a morte pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury , o cão de caça dos porões depois do Ato Institucional no. 5. No mesmo mês, Joaquim Alencar de Seixas foi espancado até a morte. Poucos dias antes da Páscoa do ano seguinte, foi a vez de Antonio Marcos Pinto de Oliveira, Maria Regina Figueiredo, Ligia Maria Salgado Nóbrega e Wilton Ferreira serem torturados e/ou assassinados.
Fleury serial killer
Em 1974, num dia 3 de abril, quando as famílias aguardavam a Sexta-Feira Santa, o ex-oficial do exército, Walter de Souza Ribeiro, desapareceu em São Paulo. Nos anos 1950, Ribeiro fizera algo que provocaria sua expulsão da corporação: assinou um documento em favor da paz mundial, condenando as armas atômicas e manifestando-se contra o cogitado envio de tropas brasileiras para lutar na Coréia.
Se não abalou a Páscoa da caserna, a desaparição de Ribeiro por certo amargurou muitas páscoas de seus familiares. Ele continua desaparecido. Em 1992, o ex-sargento Marival Chaves do Canto declarou à revista Veja que Ribeiro foi capturado pelo DOI-Codi e conduzido para o Rio onde foi assassinado e teve o corpo esquartejado para ser enterrado em lugares diferentes e não ser identificado, como consta no Dossiê de Mortos e Desaparecidos Políticos a Partir de 1964, elaborado pela Comissão Especial que investigou o assunto.
Armada contra o regime apenas com o seu verbo e sua fúria, a estilista Zuleika Angel Jones sofreu um atentado na noite de 14 de abril de 1976. Havia cinco anos procurava seu filho Stuart Angel Jones. Stuart fora preso, torturado, amarrado e arrastado por um jipe na Base Aérea do Galeão e executado por agentes do governo. A ditadura urdiu para Zuzu Angel aquilo que, no jargão repressivo, ganhou o nome de “Código 12”: assassinato através da simulação de acidente ou assalto.
Naquela madrugada, o carro de Zuzu foi perseguido e abalroado por outro veículo e jogado numa ribanceira na estrada Lagoa-Barra, no Rio.
A Páscoa dos generais transcorreu dentro da mais completa normalidade.
Para o general do STM, as 10 mil horas são “notícia tendenciosa”, propositalmente ignorando que a “notícia tendenciosa” saiu da boca de generais que sentaram nas cadeiras onde assenta hoje o seu traseiro.
Mattos suspeita que, atrás de tudo, está a intenção de “atingir as Forças Armadas, o Exército, a Marinha, a Aeronáutica”. É um erro medonho o do general.
Não existe algo que mais atinja as Forças Armadas do que a vassalagem a um governo que tem a sua testa um personagem destinado à lata de lixo da história. Aliás, uma criatura que os próprios generais repudiaram no passado. Não existe algo que mais atinja as Forças Armadas do que dilapidar dinheiro público na compra de próteses penianas, viagra, botox e gel lubrificante íntimo.
Não é a História e sim a vergonha que deveria estragar a Páscoa dos generais.
Municípios que contrataram kits robótica com a empresa de aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), concentram 79% do total gasto pelo governo Jair Bolsonaro com essas despesas em 2021 em todo o país.
O percentual representa R$ 31 milhões de um montante total de R$ R$ 39 milhões.
Os valores se referem somente à rubrica específica para compra de equipamentos e mobiliário, na qual se inclui o gasto com kits de robótica.
Luis Nassif e Gustavo Conde conversam sobre este tema e outros fatos quentes:
Primeiro, foi o olavista e defensor do programa Escola Sem Partido, Ricardo Vélez Rodríguez, que, sem um programa organizado para a gestão do setor educacional, saiu com menos de quatro meses de governo. Em seguida, tivemos como ministro da Educação do governo de Jair Bolsonaro, o economista Abraham Weintraub, que gritou com indígena, ofendeu de forma racista a China, tentou privatizar as universidades públicas do país, promoveu cortes orçamentários brutais para este setor, chamou membros/as do STF de vagabundos/as, acusou as universidades públicas de promoverem balbúrdia e manterem laboratórios e plantações e drogas, defendeu a família tradicional e uma “ideologia de gênesis”, que ataca os estudos de gênero e defende valores cristãos conservadores no campo moral. Saiu, fugido para os EUA, onde, aliás, sua chegada ao Banco Mundial despertou muitas dúvidas. Foi o ministro desbocado e mal-educado da Educação.
O terceiro ministro da Educação do governo de Jair Bolsonaro, cujo perfil mais parece o de um administrador de empresas que de uma figura pública ligada à educação, estreou “a volta dos que não foram”. Carlos Alberto Decotelli teve a legitimidade de sua formação de pós-graduação questionada publicamente, entre mestrado, doutorado e pós-doutorado, tendo sido acusado de plágio e declaração falsa no currículo lattes. Em um intervalo relâmpago entre a nomeação e a exoneração, saiu humilhado e com sua imagem profissional esfacelada.
Chegamos ao quarto e também polêmico ministro da Educação: Milton Ribeiro, pastorpresbiteriano que assumiu sob suspeitas de bagunçar os limites da laicidade de Estado, e foi posto para fora justamente pelos motivos que o conduziram ao cargo: o favorecimento de determinados nichos, grupos e figuras religiosas. Vamos deixar para um outro momento nossa conversa sobre o recém-empossado ministro Victor Godoy, que foi secretário-executivo da pasta da Educação durante a gestão de Milton Ribeiro e, portanto, apenas dará continuidade à forma de condução de seu antecessor. Interessa-nos agora reagir criticamente ao gabinete paralelo que se instalou no Ministério da Educação desde o princípio do governo de Jair Bolsonaro em 2019.
Conforme pudemos observar, há um padrão que perdura desde a gestão de Vélez, passando pelos demais ministros: uma mistura vulgar entre perspectivas mercadológico-administrativas da educação com o tempero de uma moral conservadora e reacionária cristã que exalta publicamente os “bons costumes da família tradicional”, lançando o que pode ser chamado de “as bases de uma verdadeira prática cristã” para a lama nos porões do Congresso. O repasse de verbas do ministério para municípios específicos, intermediado por pastores pentecostais assembleianos, ação que, segundo Milton Ribeiro, foi incentivada pelo presidente, é a ponta de um longo processo de relações espúrias que envolvem o mercado, a religião e o Estado, utilizando a educação como arena de disputa ideológica, sob o manto da moral puritana. CPI do MEC, aguardamos com urgência e atenção os seus passos.
É importante entender a dimensão do jogo político envolvido nas próximas eleições.
O Brasil está no epicentro de uma disputa política mundial, conduzida, de um lado, por uma coalizão de oligarcas, que denominaremos aqui, genericamente, de globalismo; do outro, pelos instrumentos civilizatórios do período anterior, órgãos multilaterais, instituições de Estado e movimentos de direitos humanos que a ultradireita internacional batizou de globalismo de esquerda..
Vamos por partes.
Etapa 1 da financeirização
Iniciada nos anos 70, o longo período da financeirização mundial repetiu, com impressionante semelhança, o ocorrido um século antes.
Primeiro, houve o advento de novas teorias econômicas, propondo a desregulamentação de mercados e o livre fluxo de capitais. Em ambos os casos, a teoria vendia falsas promessas: a de que, tratando bem o capital, ele transbordaria dos grandes centros para a periferia, trazendo prosperidade geral.
Desde o início da financeirização – nos anos 70 -, desregulamentação de mercados, controle das autoridades monetárias pelo mercado, novas tecnologias, bolhas especulativas permitiram enorme concentração da riqueza e perspectivas de grandes negócios com serviços públicos.
No século 19, esses negócios se concentravam nas ferrovias, navegação, iluminação pública. No século 21, nas grandes privatizações e na exploração dos mercados de energia, saúde e seguridade. E, em ambos os casos, uma ampla corrupção dos atores públicos, partidos políticos, Executivo e Judiciário, como sucedeu com o próprio Rui Barbosa, primeiro Ministro da Fazenda da República.
Na primeira fase, o discurso neoliberal tornou-se hegemônico, facilitando o trabalho de desmonte dos Estados de bem estar social, e provocando a explosão de grandes bolhas especulativas.
O passo seguinte foi a aliança global das oligarquias de vários países, alavancadas pelo sistema financeiro internacional. E, internamente, os capitais nacionais associados às grandes bancas globais.
As pontas de lança do discurso neoliberal
Recomendo a leitura do livro “Democracia na Periferia Capitalista”, do cientista político Luiz Felipe Miguel. Ele traça um bom roteiro das diversas interpretações sobre a crise das democracias depois de 2008.
As ideologias se constroem assim:
De início, teorias destinadas a dar substância teórica aos interesses do capital. Esse movimento se dá cooptando acadêmicos e usando a mídia para invisibilizar a crítica.
A partir daí, um conjunto de bordões que entram no dia-a-dia da mídia e passam a ser utilizados corriqueiramente por jornalistas ou acadêmicos propagandistas, infiltrando-se por todos os poros da opinião pública.
Alguns deles:
A retirada de direitos tornará a economia mais eficiente e, com isso, todos ganham, inclusive os que perderam os direitos.
Em qualquer hipótese, uma empresa privada é superior à empresa pública. Nem se cuida de analisar características e objetivos de cada uma.
Toda medida que beneficia o mercado é virtuosa. Jamais analisam externalidades negativas ou positivas.
Qualquer medida em benefício da população é populismo ou é “medida eleitoreira”.
Há um desprezo por qualquer gestor que não pertença aos círculos do mercado, como se a política exigisse personagens iluminados e como se as medidas em favor do mercado obedecessem a princípios científicos.
A análise de desempenho de empresas públicas fica restrita à sua capacidade de distribuir dividendos aos acionistas, ignorando por completo seus compromissos sociais, de atendimento a metas, interesses nacionais e de reinvestimento.
Uma empresa que não reinveste lucro tem resultados melhores no balanço imediato, e compromete o futuro. Por aqui, quanto maior a distribuição de dividendos, menor a parcela de investimentos e maior o saque contra o futuro da própria empresa Mesmo assim, recebe os maiores elogios da mídia.
Se a “lição de casa” não produziu resultados, é porque foi insuficiente. Tem que radicalizar, inclusive para não jogar fora os sacrifícios já incorridos.
Etapa 2 da financeirização
A crise de 2008 representou o fim do modelo das democracias liberais com sua receita de bolo: um discurso ideológico consolidado, o desmonte dos Estados nacionais contra qualquer forma de direitos sociais. Com a crise, o jogo muda, cai o mote do eficientismo, deixando um legado de concentração de renda, de grandes tragédias migratórias.
E também oligarcas, os bilionários que passam a se articular para a preservação do seu poder mundial. No caso russo e ucraniano, bilionários mais rústicos; nos países ocidentais, bilionários mais refinados misturados com Véios da Havan da vida. Mas todos, igualmente, oligarcas.
Análise-se o caso brasileiro.
Jorge Paulo Lemann, dono de fundações de estímulo à educação e de renovação política. No governo FHC conseguiu o controle do mercado de cervejas, graças a um voto indecente de Gesner de Oliveira, presidente do CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico). No primeiro governo Lula, assumiu a Cemar (Centrais Elétricas do Maranhão), em uma manobra que nada ficava a dever a um oligarca russo. Agora, atua para privatizar a Eletrobras por valor ínfimo. Não despendeu um tostão na capitalização da empresa. Mas a mera privatização multiplicará por várias vezes o valor da sua participação.
Em uma das eleições, colocou um economista de confiança como assessor econômico do candidato Ciro Gomes, como condição para dar seu apoio. Tempos depois, colocou o assessor trabalhando diretamente com Antonio Pallocci, no governo Lula.
Daniel Dantas –graças ao apoio do governo Fernando Henrique Cardoso e cooptação de dirigentes de fundos de pensão, logrou o controle de várias estatais de telefonia privatizadas, sem precisar aportar capital. Depois disso, investiu em serviços públicos no Rio de Janeiro, em clubes de futebol e em fazendas na Amazônia.
André Esteves– no período Lula, participou de inúmeros empreendimentos gigantescos, como o Sete Brasil. Recentemente, venceu uma licitação viciada para a Zona Azul de São Paulo, levando de graça uma base de dados de 3,5 milhões de cartões de crédito.
Colocou um homem seu no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e outro no Ministério da Economia. Paulo Guedes foi flagrado em uma live com um terminal da Bloomberg em sua sala, próprio para operações no mercado.
Sem contar os fora de linha, como Luciano Hang, o dono do Madero e outros, associados ao submundo empresarial da China.
Desde a crise de 2008, essa articulação de bilionários passou a buscar novas formas de garantir politicamente seus ganhos.
Etapa 3 – os pactos antidemocráticos
A ofensiva antidemocrática juntou globalmente dois grupos distintos: os oligarcas e a ultradireita.
Do lado dos oligarcas, montou-se a aliança tradicional que inclui a OCDE e o Departamento de Estado americano e, internamente, grupos de mídia nacionais.
Em ambos os casos, houve uma orquestração de impeachment atendendo a interesses globalistas.
Os EUA já tinham utilizado o poder do dólar como ferramenta geoeconômica, quando conseguiu impor à OCDE o primado da jurisdição americana sobre qualquer ato de corrupção que, de alguma maneira, fosse em dólares.
Em seguida, a OCDE lançou a campanha “no corruption”, que influenciou imediatamente o Ministério Público Federal brasileiro e passou a montar parcerias com países emergentes, visando impor a lógica americana nos judiciários locais. Os episódios mais ostensivos foram a Lava Jato, no Brasil, e a intervenção na Ucrânia em 2014. No caso da Ucrânia, a OCDE e o Departamento de Justiça dos EUA garantiram até prerrogativa de nomear juízes e ministros.
Na Ucrânia, o golpe foi precipitado por decisões pró-Rússia de um governo eleito; no Brasil, pela resistência da presidente em aderir ao “Ponte para o Futuro”, uma pauta globalista.
Em ambos os países, a mobilização popular contra o governo ocorreu com a participação direta das maiores redes de televisão. No caso do Brasil, a parceria com os oligarcas da Globo. Em troca, a Globo garantiu blindagem nas investigações que aconteciam nos EUA sobre a corrupção na FIFA, que tinha sua participação direta na compra de campeonatos. Uma das delações-chave foi a de J.Hawilla, principal parceiro da emissora na corrupção da FIFA e da CBF. Mesmo assim, o grupo saiu ileso.
Na Ucrânia, o principal promotor das manifestações foi uma rede de emissoras do oligarca Ihor Kolomoisky.
Em ambos os países, na fase inicial a transição política foi conduzida por políticos impopulares e mal-afamados, Michel Temer no Brasil, Petro Poroshenko na Ucrânia.
No momento seguinte, houve um processo de construção de “mitos” – Zelensky na Ucrânia, através da rede de emissoras de Kolomoisky – que simultaneamente financiou o grupo neonazista Batalhão Azov. Bolsonaro no Brasil – valendo-se das redes formais e das redes sociais.
Do lado da ultra direita houve a utilização intensiva das redes sociais e a constituição de milícias armadas de apoio direto aos presidentes.
Nos dois casos – Ucrânia e Brasil – o legado ultraliberal resultou no desmonte dos estados nacionais, queda significativa do PIB, manutenção de níveis elevados de corrupção.
Etapa 4 – a volta dos pactos regionais
Nos últimos anos, dois grandes eventos expuseram definitivamente o legado deletério do globalismo neoliberal: a pandemia do Covid-19 e o conflito Rússia-OTAN, seguido das sanções econômicas adotadas pelos Estados Unidos contra a Rússia.
A pandemia acelerou a desestruturação das cadeias globais de produção, trouxe de volta o conceito de segurança econômica nacional e jogaram em primeiro plano a questão da fome e da miséria. Já as sanções econômicas trouxeram um risco adicional para a manutenção do dólar como moeda global.
Etapa 5 – Brasil no epicentro da maior batalha global
A partir de agora, desenrola-se a, provavelmente, mais importante batalha mundial do ultraliberalismo. De um lado o liberalismo destruidor de estados e de direito. Do outro, a social-democracia redesenhada – formada pela social-democracia europeia e países da América Latina – empenhada na reconstrução dos estados nacionais e das instituições multilaterais.
Eleito Lula, haverá a necessidade de um pacto nacional onde não mais haverá o ganha-ganha dos dois primeiros governos. Será uma batalha titânica, sem espaços de mediação.
Não há uma instituição em condições de ancorar a transição.
A cobertura da guerra mostrou uma mídia brasileira que não absorveu em nada as lições da cobertura da Lava Jato. O período do jornalismo de esgoto afetou radicalmente uma geração inteira de chefes de redação. A renovação será lenta – se houver.
No plano político-partidário, nem a criação do instituto da federação de partidos logrou homogeneizar os projetos de país.
Lava Jato e impeachment contaminaram todos os poderes nacionais. No Judiciário há até questionamento de decisões do STF por tribunais relevantes, como o Tribunal de Justiça de São Paulo. O modelo de indicação de desembargadores impede completamente a renovação nos principais tribunais, submetidos a cartas marcadas que eternizam estruturas herdadas do período ditatorial.
Nas Forças Armadas, currículos dos tempos da ditadura, e jamais renovados, eternizaram gerações de militares sem nenhuma informação sobre as mudanças globais, ainda presos à guerra fria e à noção de defesa do “mundo livre”. E, agora, parte deles contaminada pela possibilidade de negócios abertos pela invasão da área pública por militares negociantes.
Ao mesmo tempo, o vírus do ultraliberalismo continua arraigado na opinião pública.
Paradoxalmente, toda essa dificuldade será o fator de aglutinação da renovação. O que estará em jogo não será um provável terceiro governo Lula, mas o próprio desafio de manter o Brasil como nação.
Outro general chegou a afirmar que o crime foi planejado por quem via em Marielle “uma ameaça a negócios de grilagem de terras na Zona Oeste do Rio”, ramo e local onde, segundo o MP, Flavio Bolsonaro investia com dinheiro de rachadinha.
Nesta segunda-feira, 14 de março, completam-se quatro anos dos assassinatos da vereadora carioca Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, sem que os mandantes do crime tenham sido identificados. Mas, na verdade, parece que os mandantes do crime foram identificados há tempos, por dois homens, dois generais. Um é o mais forte cotado para ser candidato a vice-presidente da República na chapa de Jair Bolsonaro. O nome do outro desponta como eventual substituto do general Paulo Sergio no comando do Exército Brasileiro.
Aos fatos:
Outra efeméride de março é que o general Walter Souza Braga Netto completará no fim do mês um ano à frente do Ministério da Defesa, após ocupar a chefia da Casa Civil do governo Bolsonaro na volta anterior que a Terra deu em torno do Sol. No dia 30 de março do ano passado, Braga Netto rendeu o também general do Exército Fernando Azevedo e Silva no comando da Defesa. Esta não foi a primeira vez, porém, que Walter Braga Netto rendeu Fernando Azevedo e Silva.
Em setembro de 2016, apenas 23 dias após o Senado cassar o mandato de Dilma Rousseff, o então titular da pasta, Raul Jungmann, empossou Braga Netto na chefia do Comando Militar do Leste. Na ocasião, Braga Netto sucedeu justamente a Azevedo e Silva, que tinha assumido a gestão do CML em março de 2015, no meio da intervenção do Exército no complexo de favelas da Maré, na Zona Norte do Rio.
Em fevereiro de 2018, Michel Temer nomeou Braga Netto chefe da intervenção do Exército no Rio de Janeiro. Ao longo de 10 meses, Braga Netto foi o governador de fato do estado, mas não tinha completado ainda um mês de “mandato” quando Marielle Franco, cria da Maré, foi assassinada no Estácio. Neste meio tempo, Marielle bateu-se fortemente contra a intervenção, e bateu fortemente em Braga Netto: (No texto original no blog ComeAnanás a mensagem no Twitter foi apagada)
Poucos irão se lembrar, mas Jair Bolsonaro, curiosamente, também: (Idem a mensagem do presidente também não aparece).
Se a intervenção no Rio de Janeiro foi “um laboratório para o Brasil”, a intervenção na Maré havia sido um laboratório para a intervenção no Rio de Janeiro. Dois militares que tinham participado da intervenção na Maré foram nomeados por Braga Netto para postos-chave da intervenção federal no Rio: o general Richard Fernandez Nunes, que virou secretário estadual de Segurança, e o general Mauro Sinott Lopes, feito coordenador do grupo de trabalho da intervenção.
Hoje, Mauro Sinnott Lopes comanda a 3ª Divisão de Exército, o maior poder de combate da Força Terrestre, baseado em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Já o general Richard Nunes atualmente é o Comandante Militar do Nordeste, depois de ocupar durante dois anos e meio a chefia do Centro de Comunicação Social do Exército.
Richard Nunes, quando ainda era secretário de Segurança da intervenção, disse que o caso Marielle estava prestes a ser elucidado: “é um crime que tem a ver com a atuação política e a contrariedade de alguns interesses. Se a milícia não está a mando, está na execução. Provavelmente [tem político envolvido]”.
‘Acharam, de repente…’
Quando foi rendido por Walter Braga Netto na Defesa, Fernando Azevedo e Silva saiu do governo não exatamente atirando, mas pontuando um tanto enigmaticamente que enquanto ministro de Bolsonaro logrou malabares de preservar as Forças Armadas como instituições de Estado.
Em janeiro de 2019, logo após o fim da intervenção, o general Braga Netto também deu uma de esfíngico numa entrevista dada à revista Veja logo após o fim da intervenção militar no Rio de Janeiro, por ele chefiada e em cuja vigência Marielle foi executada com quatro balaços na cabeça disparados por um miliciano e vizinho de Jair Bolsonaro em um condomínio na Barra da Tijuca.
Em uma entrevista à revista Veja, quando perguntado sobre o motivo do assassinato de Marielle, se o crime teria sido uma tentativa de desmoralizar a intervenção, Braga Netto afirmou que não, e emendou: “aquilo [o assassinato] foi uma má avaliação deles. Avaliaram mal, acharam que ela é um perigo maior do que o que ela era”.
“Um perigo para quem?”, perguntou, estupefato, o repórter Leandro Resende, da Veja.
“Não vou entrar nesse mérito”, respondeu Braga Netto, para em seguida entrar em contradição, dizendo algo sobre que “acharam, de repente, que o estado, por estar sob intervenção, tinha desorganizado as polícias”…
Não tem grilo?
Já o ex-braço direito de Braga Netto na intervenção, general Richard Nunes, disse ainda em 2018, além de afirmar que o assassinato de Marielle provavelmente tinha envolvimento de políticos, que o crime vinha sendo planejado desde 2017 por gente que via na vereadora “uma ameaça a negócios de grilagem de terras na Zona Oeste do Rio”.
Entre 2016 e 2017, período de salto na evolução patrimonial do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, a mãe e a esposa do ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, então chefe de uma milícia da Zona Oeste, na favela de Rio das Pedras, ocupavam cargos comissionados no gabinete de Flavio na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).
Quando Adriano foi morto pela polícia da Bahia, em 2020, no sítio de um vereador bolsonarista e com pinta de queima de arquivo, o miliciano estava sendo procurado pelos crimes de receptação de mercadorias roubadas, cobrança irregular de taxas à população e grilagem de terras.
Em janeiro de 2019, logo após o fim da intervenção e quando saia a inacreditável entrevista de Braga Netto na Veja, o major da Polícia Militar Ronald Pereira foi preso por participação no assassinato de Marielle Franco. Ronald já vinha sendo investigado por crimes como agiotagem e, sempre, grilagem de terras. Ele era apontado como o chefe da milícia de outra favela da Zona Oeste do Rio, a da Muzema, onde são pujantes e notórios os empreendimentos da máfia no ramo imobiliário.
Entre 2003 e 2004, tanto Adriano da Nóbrega quando Ronald Pereira foram homenageados na Alerj – um com a Medalha Tiradentes, outro com moção honrosa – por recomendação de Flavio Bolsonaro.
Em abril de 2020, o Intercept Brasil publicou informações sigilosas de um inquérito do Ministério Público do Rio de Janeiro segundo as quais Flavio Bolsonaro lucrou com a construção ilegal de prédios erguidos pela milícia em áreas griladas nas favelas de Rio das Pedras e Muzema e financiados com dinheiro das rachadinhas de Flavio na Alerj, em esquema que era gerenciado por Fabricio Queiroz e que envolvia Adriano da Nóbrega e Ronald Pereira.
Segundo a investigação do MPRJ à qual a reportagem do Intercept teve acesso, parte do confisco de em média 40% dos salários dos servidores lotados no gabinete de Flavio Bolsonaro – a rachadinha – era repassada para Adriano da Nóbrega aplicar, digamos, em real state: “o lucro com a construção e venda dos prédios seria dividido com Flávio Bolsonaro, segundo as investigações, por ser o financiador do esquema usando dinheiro público”.
A descoberta do esquema de construção irregular em terrenos grilados e irrigado com dinheiro da rachadinha de Flavio Bolsonaro foi feita precisamente em meio aos desdobramentos das investigações sobre os assassinatos de Mariele Franco e Anderson Gomes.
Diz o Intercept:
“A ligação do ex-capitão com as pequenas empreiteiras envolvidas no boom da verticalização em Rio das Pedras e Muzema foi levantada em meio à investigação sobre as execuções da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, na noite de 14 de março de 2018. Foi a partir das quebras de sigilos telefônicos e telemáticos dos integrantes do Escritório do Crime que os promotores descobriram que o grupo paramilitar havia evoluído da grilagem de terras à construção civil, erguendo prédios irregulares na região e, assim, multiplicando seus lucros”.
Ainda segundo o Intercept, a famosa frase “O MP está preparando uma pica do tamanho de um cometa para empurrar na gente”, dita em 2019 por Queiroz em uma conversa de Whatsapp com um interlocutor não identificado, seria uma referência justamente à investigação sobre o uso de dinheiro público desviado no esquema das rachadinhas para financiar o boom de construções ilegais em Rio das Pedras e na Muzema.
A família Bolsonaro vem se valendo de todos os meios que o poder lhe proporciona para sabotar, embaralhar, obstruir as investigações tanto do assassinato de Mariele Franco quanto das rachadinhas de Flavio Bolsonaro na Alerj.
Já a imprensa brasileira de referência, até agora, parece não ter visto nenhum grilo nos possíveis nexos de todas estas informações, que são públicas, desde as declarações dos generais Braga Netto e Richard Nunes, lá atrás, até o teor do inquérito do MPRJ revelado pelo Intercept mais recentemente, envolvendo um senador e filho do presidente da República, e passando pelos laços de Flavio Bolsonaro com os milicianos – e grileiros – Adriano da Nóbrega e Ronald Pereira
Que país é este que não faz questão de que tão perturbadoras conexões sejam de uma vez por todas esclarecidas?
O Planalto, a planície e a cova
Há poucas semanas, o general Fernando Azevedo e Silva desistiu de aceitar o convite para ser o fiador verde-oliva das eleições 2018; desistiu de assumir um cargo chave no TSE, no momento em que Jair Bolsonaro, Braga Netto e comitiva estavam em controversa viagem oficial – e de alguma maneira eleitoral – à Rússia. O motivo alegado foi um problema no coração.
O general Richard Fernandez Nunes, braço direito de Braga Netto na intervenção, é cotado para assumir o comando do Exército de Caxias, em eventual substituição ao general Paulo Sergio, caso o general Paulo Sérgio seja escolhido para suceder a Braga Netto no Ministério da Defesa.
É que no próximo 2 de abril, três dias após completar um ano na Defesa, e meses após condicionar a realização de eleições em 2022 à adoção do voto impresso, o general Walter Souza Braga Netto deve deixar o cargo para ser candidato a vice-presidente da República na chapa de Jair Messias Bolsonaro
Neste domingo, o jornalista Lauro Jardim deu n’O Globo que se Braga Netto acabar não sendo o vice de Bolsonaro na tentativa de reeleição para o Planalto, o vizinho de Ronnie Lessa deverá recompensá-lo, então, com uma embaixada, “para não deixar o general na planície”.
Marielle, por seu turno, não teve escolha. “Eles avaliaram mal o perigo” e mandaram a vereadora do Psol não para Washington, Roma ou Paris, mas para a cova.