Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

O CORRESPONDENTE

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

Os melhores textos dos jornalistas livres do Brasil. As melhores charges. Compartilhe

O CORRESPONDENTE

19
Mai22

Racismo na igreja

Talis Andrade
Lubaina Himid, Entre os dois meu coração está equilibrado, 1991


O vereador Renato de Freitas é mais um negro vítima do racismo cristão
 
 
por Simony dos Anjos

- - -

Renato Freitas, frente à violência das mortes de Moïse Kabamgabe e de Durval Teófilo Filho, se juntou a outras pessoas negras em uma manifestação em frente à Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de São Benedito, na capital do estado do Paraná. Por ser um sábado havia uma missa em curso e após o encerramento da missa, os manifestantes adentraram à Igreja. Em uma cidade conservadora e cristã, como Curitiba, isso soou como “vilipêndio da religião alheia”, nas palavras de um dos vereadores que propuseram a cassação do mandato de vereador de Renato Freitas (PT).

Temos aqui muitos elementos a serem discutidos em relação a toda a violência e racismo que envolvem essa situação: (i) a entrada de manifestantes em uma igreja revolta mais os “cidadãos de bem” do que a própria morte de Moïse e Durval; (ii) a oportunidade de acusar um parlamentar negro de quebra de decoro e, assim, cassar seu mandato e (iii) a indiferença ao que a população negra tem a dizer sobre esse acontecimento.

O que torna a questão ainda mais complexa é que a Igreja que foi então ocupada por manifestantes é nada mais, nada menos, que uma igreja que mobilizou muitas pessoas negras no decorrer da história da cidade de Curitiba. Portanto, a igreja tem uma simbologia na luta negra e antirracista da cidade. Fundada em 1737, a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos de São Benedito teve a sua primeira construção – que foi demolida em 1931 –, feita por escravizados e para que os escravizados pudessem frequentar a missa.

Ora, nada mais justo que uma manifestação desse porte e conteúdo acontecesse em um local historicamente pertencente às pessoas negras e que serviu de cenário para articulação de pessoas escravizadas na resistência à escravidão brasileira. Como pessoa negra cristã, o que me chama a atenção nesta história toda é que ao invés de cristãs e cristãos se arrependerem do pecado do racismo e se colocarem na trincheira da luta por reparação histórica, se resignam e ainda se ofendem ao serem confrontados com seu próprio racismo.

Sim, esse caso se trata de racismo das igrejas cristãs, pois afirmam que houve desrespeito com o espaço religioso, mas não admitem nunca o papel crucial da Igreja Católica na justificação moral e religiosa da escravização, no Brasil. Lembro-me do quadro do Debret, Jovens negras indo à Igreja para serem batizadas (1821), no qual as mulheres sequestradas em África vão para a igreja antes de serem estupradas, exploradas e torturadas nas mãos dos senhores de engenho. Portanto, frente às atrocidades que a Igreja Católica (e muitas protestantes) cometeram e apoiaram contra negros e indígenas brasileiros, ceder seus templos para que o movimento negro faça denúncias é o mínimo!

O fato é esse, as mãos dos cristãos estão cheias de sangue, e não há cassação que faça essas mãos se limparem. E o próprio fato de certos cidadãos ditos de bem se incomodarem mais com um ato antirracista dentro de uma Igreja que historicamente é referência do movimento negro curitibano, do que com as mortes de Moïse e Durval, mostra que esses cidadãos querem silenciar o movimento negro.

O segundo ponto é fulcral neste debate: a cassação de Renato. A própria diocese de Curitiba se pronunciou contrária a esse absurdo e em nota disse que essa punição é desproporcional. Contudo, a pena de cassação foi proposta por Sidnei Toaldo por “realização de ato político no interior da igreja”. Sabemos do que se trata na verdade: uma vez que entramos nos espaços de poder, a branquitude faz de tudo para que saíamos. Seja por manobras institucionais, como esta, ou com a nossa própria morte – como ocorreu com Marielle Franco.

Deve ser muito desconfortável ouvir todos os dias que seus ideais são racistas, não? Ver que o espaço de poder não é mais hegemonicamente branco e masculino. Quando Renato abre sua boca para dar voz aos movimentos sociais de Curitiba, ele enfia uma faca no âmago das estruturas racistas, machistas e lgbtfóbicas que sustentam os “homens de bem”. E é por isso que qualquer motivação será o suficiente para arrancar o mandato de uma liderança popular eleita pelo povo e para o povo.

Por fim, a pergunta que fica é: o que pensa a população negra sobre essa cassação absurda? Dos 38 vereadores da casa, apenas 3 são negros. A cidade mais negra do sul, tem 24% de pessoas negras na sua população, mas não tem 24% de vereadores negros na câmara. Será que essa população aprova o movimento negro pedindo misericórdia na Igreja Nossa Senhora do Rosário para as vidas negras perdidas para a violência racista em nossas cidades? Eu acredito que sim. Esse comitê de ética composto por pessoas brancas que não têm qualquer empatia com a causa negra, não está apta para julgar a dor e a denúncia das pessoas negras, que têm seus corpos e direitos vilipendiados todos os dias.

Para os cidadãos de bem cristãos, eu digo, é tempo de arrependimento do pecado do racismo. Pecado esse que garantiu a construção de um país por meio da justificação religiosa do trabalho escravo. É tempo de assumir o lado certo da história e repensar como nossas igrejas dia a dia têm contribuído para o racismo brasileiro. Tenho certeza que neste caso, Jesus estaria não só com os manifestantes, como diria: a casa de Deus é a casa do povo, venham e tomem assento. Racistas, não passarão!

20
Mar22

Poesia marginal da esquina atlântica

Talis Andrade

tres arquitetos.jpg

Lubaina Himid, Três arquitetos, 2019
 
 

Comentário sobre o livro de Alexandre Alves

 

Por MARCOS SILVA /A Terra É Redonda

 

O livro Poesia marginal da esquina atlântica, de Alexandre Alves, contribui para pensar mais amplamente sobre a produção poética no Rio Grande do Norte e no Brasil, ao abordar sua problemática a partir de uma nomeação mesclada a “Geração alternativa”.

Valeria a pena explicitar os critérios dessas designações: À margem de valores estéticos dominantes, em termos de estilos? À margem de instituições de consagração e divulgação dominantes, no que se refere a entidades como Academias de Letras e Imprensa, além de políticas culturais de governo? À margem do mercado editorial dominante? À margem de hegemonias culturais regionais? A uma mescla dessas formas de estar à margem, no que diz respeito a estilos, instituições, mercado e hegemonias regionais? Qualquer que seja a resposta, estamos diante de disputas pelo poder poético.

Problemas similares se manifestam em relação a “Geração alternativa”. Que significa uma geração? Suponho que ela se refere a traços de estilo, consagração e divulgação em comum e no tempo. Isso remete a datas de nascimento dos Poetas, a simultaneidade no lançamento e na recepção de obras? A produção poética se vincula mais a mistura entre tempos (Homero, Dante, Camões, Bocage, Dias-Pino) que a sua segregação: o passado é referência para o presente, o presente interpreta o passado através de suas experiências e projeta futuros; nenhum presente, passado ou futuro é homogêneo, antes abriga disputas por aqueles poderes – Políticas.

Qualquer resposta remeterá a relações de poder no campo literário e cultural, bem como na sociedade mais amplamente considerada. Num país como o Brasil, nomes e obras que se tornaram clássicos estiveram ou estão à margem de múltiplas formas – Joaquim de Sousândrade, Afonso de Lima Barreto, Orides Fontela… Quem garante que muitos outros Autores de igual grandeza não estão entre nós, ainda à margem? E que mais alguns, hoje prestigiados, percam espaços de poder no futuro?

Há uma faceta dessa problemática que merece destaque: a chamada Poesia Marginal, no Brasil, foi assim designada no contexto da ditadura de 1964/1985, juntando-se a imprensa alternativa, partidos políticos de oposição e outros núcleos críticos àquela ditadura. Embora livros e poemas avulsos de tal universo marginal possam ter alcançado boas tiragens e até vendas expressivas, quantos poetas brasileiros, até hoje, vivem de sua produção literária? Quais políticas editoriais para poesia vigoram nas grandes empresas que lançam livros no Brasil e em órgãos culturais e artísticos governamentais do país, inclusive universitários? Toda poesia tem algo de marginal, no Brasil e no mundo? Mas é importante preservar a historicidade de uma poesia que foi designada e se designou como marginal.

O clássico estandarte de Hélio Oiticica, com o dístico “Seja marginal, seja herói”, sugere outro título para a obra de Alexandre Alves: Poesia heroica, diante daquelas múltiplas marginalizações sofridas por diferentes Poesias. Estar à margem não é simples opção dos poetas, é também ser marginalizado por diferentes instâncias de poder, é também evidenciar o poder dos marginais.

Seria possível refletir mais sobre Arte Postal, uma produção na confluência entre poesia marginal e vanguardas poéticas, brevemente citada no livro, que enfrenta certa resistência nos estudos literários – alguns críticos universitários evitam sua discussão, alegam não dominar seus recursos de linguagem, argumento surpreendente daqueles eruditos estudiosos.

Cabe recordar que a poesia marginal e as vanguardas formaram suas instâncias próprias de divulgação e consagração, como se observa, por exemplo, com o Poema Processo, que teve em Moacy Cirne um importante teórico e analista.

Dirigido mais para a experiência potiguar, editado em Natal, RN, por uma editora chamada Sol Negro (outrora, Natal foi rebatizada, para fins turísticos, como Cidade do Sol…), o livro de Alexandre carece de mais reproduções de poemas para que o leitor que não teve acesso anterior a obras comentadas entenda mais o que está sendo apresentado e responda reflexivamente às indagações que ele suscita. Ao invés disso, a obra se excede no arrolamento de nomes de autores e títulos de obras, com exceção de alguns poemas de João Gualberto Aguiar, Carlos Gurgel, Jóis Alberto, João Batista de Morais Neto (João da Rua) e Antonio Ronaldo, adequadamente reproduzidos e comentados.

Esse vasto panorama sugere que a poesia marginal se distingue das vanguardas ao pensar sobre retaguardas, sem perda de seu presente, perturbadora caracterização, por Haroldo de Campos, de um estar à margem da margem, correndo riscos de uma perigosa homogeneização do fazer poético que esse livro consegue evitar.

Alves é um exemplo de crítica e história literária que se volta para esse universo menos canônico da literatura (poesia marginal de um estado pouco visível, em termos culturais), importante conquista do trabalho acadêmico, merecedor de continuidade.

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2023
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2022
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2021
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2020
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2019
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2018
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2017
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub